INSOLVÊNCIA
AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE BENS
TERMOS DO PROCESSO
PRAZO
CONTESTAÇÃO
Sumário


I- A ação de restituição de bens prevista no art. 146º, n.º 1, do CIRE, segue, independentemente do valor do crédito ou do bem reclamado, os termos do processo sumário (art. 148º, do CIRE), o que significa que, por via do disposto no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26.06, se deve ter por reportada ao processo declarativo comum.
II- Por conseguinte, o prazo para a contestação deste tipo de ação é de 30 dias (art. 569º, n.º 1, do C. P. Civil, aplicável ex vi do disposto nos arts. 17º e 148º, do CIRE).
III- Por outro lado, no âmbito da citação dos réus, prevista no art. 146º, n.º 1, do CIRE, caso esta ocorra em momentos diferentes, deverá ainda concluir-se que todos eles beneficiarão do termo do prazo concedido ao último dos réus citado para contestar, nos termos do disposto no art. 569º, n.º 2, do C. P. Civil.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

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I. RELATÓRIO

Por apenso aos de insolvência principais A. C. intentou contra a Massa Insolvente da X Imobiliária, Lda., ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da ré a:

a) Reconhecer que ao Autor A. C., adquirir o direito de propriedade que incide sobre a fração autónoma designada pela letra “W”, correspondente a uma habitação tipo – T3 -, inserida no 2º andar esquerdo, do prédio constituído no regime de propriedade horizontal, que a Ré tem registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n …, freguesia da …, concelho de Vila Nova de Gaia, a fração autónoma designada pela letra “W”, destinada a habitação inserta nº 2º andar esquerdo, do prédio no regime de propriedade horizontal, com entrada pela Rua … nº …, bem como, a garagem igualmente identificada pela mesma letra (w), com entrada pela mesma rua, pelo nº …, da aludida freguesia da …, concelho de Vila Nova de Gaia, por via da acessão industrial imobiliária, nos termos do artº. 1340 do Cód. Civil.

E por tal devir,
b) Declarar-se que o Autor A. C., adquirir o direito de propriedade da supra identificada fração autónoma e respetiva garagem, desde que, paguem à Ré, o valor que essa fração e garagem, tinham antes das obras efetuadas por aquele na respetiva fração e garagem – por via de incorporação -, valor atualizado que se computa em € 100.000,00 (cem mil euros). (cfr. ref.ª citius 2232337 (1))

Regularmente citada, na pessoa do administrador da insolvência J. R. (cfr. ref.ª citius 34266703), a ré apresentou contestação, designadamente impugnando a factualidade alegada, tendo concluído pela improcedência da ação (cfr. ref.ª citius 2285989).

Na sequência foi proferido, a 02.06.2020, o seguinte despacho:

“Na presente demanda pretende o Autor o reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra W, apreendida a favor de massa insolvente, contestando o direito de propriedade da insolvente, por via da acessão industrial imobiliária.
Em face da pretensão aludida, convida-se o Autor a esclarecer se o efeito pretendido é o levantamento da apreensão e a restituição do bem, caso em que deverá conformar a sua pretensão de acordo com o disposto no art. 146º do CIRE.” (cfr. ref.ª citius 34435590).

Em resposta, o autor veio apresentar requerimento, em 19.06.2020, esclarecendo que a sua pretensão se enquadra nos nºs 1 e 2 do art. 146º, do CIRE, uma vez que o autor pretende a separação/restituição da fração W como decorrência do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a mesma, via acessão industrial imobiliária, pelo que veio requerer que se reconheça o direito de propriedade do autor sobre a dita fração, por via da acessão industrial imobiliária e, em consequência, ordenar a sua respetiva separação ou restituição da massa insolvente, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 146º, do CIRE.
Mais requereu, que se julgue intempestiva e totalmente improcedente a contestação apresentada (cfr. ref.ª citius 2302694).

Em 22.06.2020, foi então proferido o seguinte despacho:
“Atenta a posição do A. e na sequência do consignado por despacho último, deverão os autos prosseguir os seus termos como ação de restituição de bens, cuja autuação em conformidade se determina.
Dê cumprimento ao disposto no artigo 146.º, n.ºs 1 e 3, do C.I.R.E., citando-se ainda a devedora.” (cfr. ref.ª citius 34491198).

Na sequência, os credores foram então citados, por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, em 23.06.2020 (cfr. ref.ª citius 34501942).
Em 23.06.2020, foi emitida carta para citação da massa insolvente ré, na pessoa do administrador da insolvência (cfr. ref. citius 34501957), assim como da sociedade devedora insolvente (cfr. ref.ª citius 34501958).
A citação do administrador da insolvência veio a ser rececionada por este em 29.06.2020 (cfr. ref.ª citius 2329541).
A citação da sociedade devedora veio a ser devolvida, e junta aos autos em 06.07.2020, com a menção “Desconhecido” (cfr. ref.ª citius 2319015).
Foi então emitida, em 07.07.2020, carta para citação da sociedade devedora, na pessoa do seu legal representante, J. S. (cfr. ref.ª citius 34554625), a qual veio a ser devolvida, e junta aos autos em 20.08.2020, com fundamento em “Objeto não reclamado” (cfr. ref.ª citius 2350801).
Nestas citações, o prazo de contestação indicado foi de 5 dias, a que acrescia a dilação de 5 dias.

Entretanto, em 10.07.2020, a massa insolvente ré veio deduzir nova contestação, impugnando a factualidade alegada, nos termos já anteriormente expostos na contestação apresentada, tendo concluído pela improcedência da ação (cfr. ref.ª citius 2323514).

Em 21.09.2020, a secção emitiu “Cota”, liquidando-se a multa, nos termos do disposto no art. 139º, n.º 5, al. a) e 139º, n.º 6, do C. P. Civil, no valor de 57,38 (cfr. ref.ª 34721704), emitindo-se a competente guia, do que notificou o mandatário da ré (cfr. ref.ª citius 34722043).
Na ausência do pagamento de tal multa, foi então proferido, a 25.11.2020, o seguinte despacho:
“Notifique a Ré para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta acrescida da multa prevista no artigo 570º, n.º 5, do Código de Processo Civil.” (cfr. ref.ª citius 34967757).

Em 21.01.2021, a secção emitiu a seguinte “Cota”:
“Verifica-se agora que se frustrou a citação da devedora, assim como do seu legal representante, conforme cartas devolvidas e juntas aos autos em 22-06-2020 e 20-08-2020 respetivamente, pelo que vai ser dado cumprimento ao disposto no nº 4 do art.º 246º do CPC” (cfr. ref.ª citius 35141172).

Foi então emitida uma segunda carta de citação da sociedade devedora, em 21.01.2021, nos termos do disposto no art. 246º, n.º 4, do C. P. Civil (cfr. ref.ª citius 35141680), depositada no respetivo recetáculo postal da morada indicada, em 26.01.2021 (cfr. ref.ª citius 2507870).

Seguidamente, em 14.04.2021, foi então proferido o seguinte despacho:

“Apesar de notificada a ré para no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa no valor igual ao da taxa de justiça inicial, ao abrigo do disposto no art. 570º nº 5, do Código de Processo Civil, decorreu tal prazo sem que a mesma desse cumprimento ao determinado.
Haverá por isso que determinar o desentranhamento da contestação junta aos 10.07.2020, ao abrigo do disposto no art. 570º nº 6, do Código de Processo Civil, o que se determina.
Custas do incidente pela ré massa insolvente, que se fixam em 1 UC.
Notifique (…).”

Inconformada com o assim decidido, veio a ré Massa Insolvente da X Imobiliária, Lda. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

a) A Recorrente foi notificada, por despacho, datado de 15 de Abril de 2021, que “Apesar de notificada a ré para no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa no valor igual ao da taxa de justiça inicial, ao abrigo do disposto no art. 570.º n.º 5, do Código de Processo Civil, decorreu tal prazo sem que a mesma desse cumprimento ao determinado. Haverá por isso que determinar o desentranhamento da contestação junta aos 10.07.2020, ao abrigo do disposto no art. 570º no 6, do Código de Processo Civil, o que se determina. Custas do incidente pela ré massa insolvente, que se fixam em 1 UC. Notifique.”
b) A Recorrente, entregou a contestação, duas vezes, nos presentes autos, sendo a primeira vez, em 28 de Maio de 2020 e a segunda vez, em 10 de Julho de 2020.
c) Ainda que a segunda contestação apresentada nos autos, tenha sido considerada como entregue de forma extemporânea, há-de ser sempre considerada a primeira contestação,
d) Por outro lado, mantém a Recorrente, que tenha entregue a segunda contestação em tempo.
e) Verificou-se que o Tribunal a quo endereçou, em 6 de Julho de 2020, ao representante legal da Devedora (J. S.).
f) Acresce ainda que, o correio não veio a ser reclamado, tendo o mesmo vindo a ser devolvido em 31 de Julho de 2020.
g) Não obstante, ainda que se conte o prazo para contestar do dia da emissão da última notificação (6 de Julho de 2020), o prazo para contestar, terminaria, sem multa, em 16 de Julho de 2020.
h) Ora, a Recorrente, entregou, novamente – repete-se – a sua contestação em 6 de Julho de 2020.
i) Por esse motivo, não deverá ser considerada extemporânea a entrega da contestação.
j) Em relação às custas, há de se considerar que no presente processo, e nos apensos, a Recorrente beneficia da isenção de custas previstas no artigo 4º, nº 1, alínea U, do Regulamento das Custas Processuais.
k) A análise, à contrario do regulamento e do Acórdão da Tribunal da Relação de Guimarães de 25/01/2015, In www.dgsi.pt, verificamos que ao processo em causa, decorre dos autos da ação principal de insolvência.
l) E, concomitantemente, a Recorrente, por ser massa insolvente, beneficiará da isenção prevista no artigo 4º do Regulamento de custas processuais.
m) Pelo que o recurso, merecerá provimento, e por essa via, a contestação, não deverá ser desentranhada.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a essencial questão decidenda traduz-se na seguinte

- Saber se a decisão recorrida padece de erro de direito, designadamente por não considerar tempestiva a contestação apresentada pela ré recorrente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Os acima consignados no Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da tempestividade da contestação apresentada

A principal questão que importa dirimir no âmbito do presente recurso prende-se com a tempestividade da contestação apresentada por parte da massa insolvente recorrente.
Desde logo, temos como assente que a presente ação se iniciou, como ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, intentada por A. C. contra a Massa Insolvente da X Imobiliária, Lda.

Regularmente citada, na pessoa do administrador da insolvência J. R., a ré apresentou então contestação, designadamente impugnando a factualidade alegada, tendo concluído pela improcedência da ação.

Não obstante, em 02.06.2020, foi proferido, o seguinte despacho:

“Na presente demanda pretende o Autor o reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra W, apreendida a favor de massa insolvente, contestando o direito de propriedade da insolvente, por via da acessão industrial imobiliária.
Em face da pretensão aludida, convida-se o Autor a esclarecer se o efeito pretendido é o levantamento da apreensão e a restituição do bem, caso em que deverá conformar a sua pretensão de acordo com o disposto no art. 146º do CIRE.” (cfr. ref.ª citius 34435590).

Em resposta, o autor veio apresentar requerimento, em 19.06.2020, esclarecendo que a sua pretensão se enquadra nos nºs 1 e 2 do art. 146º, do CIRE, uma vez que o autor pretende a separação/restituição da fração “W” como decorrência do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a mesma, via acessão industrial imobiliária, pelo que veio requerer que se reconheça o direito de propriedade do autor sobre a dita fração, por via da acessão industrial imobiliária e, em consequência, ordenar a sua respetiva separação ou restituição da massa insolvente, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 146º, do CIRE.

Em 22.06.2020, foi então proferido o seguinte despacho:
“ Atenta a posição do A. e na sequência do consignado por despacho último, deverão os autos prosseguir os seus termos como ação de restituição de bens, cuja autuação em conformidade se determina.
Dê cumprimento ao disposto no artigo 146.º, n.ºs 1 e 3, do C.I.R.E., citando-se ainda a devedora.” (sublinhámos).

Por conseguinte, a presente ação, proposta inicialmente como ação declarativa de condenação, com processo comum, intentada unicamente contra a massa insolvente ré, convolou-se em ação de restituição de bens, nos termos do disposto no art. 146º, n.º 1, do CIRE.
Por força de tal dispositivo legal, esta ação terá que correr os seus termos não só contra a massa insolvente, como igualmente contra os credores e o devedor.
Por conseguinte, na sequência do despacho proferido em 22.06.2020, foram então os credores citados, por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, em 23.06.2020, em cumprimento do disposto no art. 146º, n.º 1, do CIRE.
Por sua vez, nessa mesma data (23.06.2020), foi emitida carta para citação da massa insolvente ré, na pessoa do administrador da insolvência, assim como da sociedade devedora insolvente.
A citação do administrador da insolvência veio a ser rececionada por este em 29.06.2020.
Porém, a citação da sociedade devedora veio a ser devolvida, e junta aos autos em 06.07.2020, com a menção “Desconhecido”.
Foi então emitida, em 07.07.2020, carta para citação da sociedade devedora, na pessoa do seu legal representante, J. S., a qual veio igualmente a ser devolvida, e junta aos autos em 20.08.2020, com fundamento em “Objeto não reclamado”.

Entretanto, em 10.07.2020, a massa insolvente ré veio deduzir nova contestação, impugnando a factualidade alegada, nos termos já anteriormente expostos na contestação apresentada, tendo concluído pela improcedência da ação.

Em 21.09.2020, a secção emitiu então “Cota”, liquidando-se a multa, nos termos do disposto no art. 139º, n.º 5, al. a) e 139º, n.º 6, do C. P. Civil, no valor de 57,38, emitindo-se a competente guia, do que notificou o mandatário da massa insolvente ré.
Na ausência do pagamento de tal multa, foi então proferido, a 25.11.2020, o seguinte despacho:
“Notifique a Ré para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta acrescida da multa prevista no artigo 570º, n.º 5, do Código de Processo Civil.”

Acontece, porém, que em 21.01.2021, a sociedade devedora ainda não havia sido citada para contestar a presente ação, do que a secção deu conta, emitindo a seguinte “Cota”:
“Verifica-se agora que se frustrou a citação da devedora, assim como do seu legal representante, conforme cartas devolvidas e juntas aos autos em 22-06-2020 e 20-08-2020 respetivamente, pelo que vai ser dado cumprimento ao disposto no nº 4 do art.º 246º do CPC”.

Foi então emitida uma segunda carta de citação da sociedade devedora, em 21.01.2021, nos termos do disposto no art. 246º, n.º 4, do C. P. Civil, que veio a ser depositada no respetivo recetáculo postal da morada indicada, em 26.01.2021.

Daqui resulta evidente que, no momento em que a massa insolvente apresentou a sua contestação (10.07.2020), ainda sequer havia sido concretizada a citação da sociedade devedora para contestar a ação, em cumprimento do despacho proferido a 22.06.2020, assim como do disposto no art. 146º, n.º 1, do C. P. Civil.

Aqui chegados, cumpre desde já esclarecer que a ação proposta ou que corra os seus termos, nos termos do disposto no art. 146º, do CIRE – nesta medida fora do prazo geral do art. 141º, do CIRE –, “não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria. Reveste, realmente a natureza de uma ação autónoma em que o reclamante assume a posição do autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus. Esta ação, todavia, uma vez que respeita a interesses relativos à massa insolvente, corre por apenso ao processo de insolvência, conforme, aliás está determinado no art.º 148º.” (2)
Sendo assim, este tipo de ação segue, independentemente do valor do crédito ou do bem reclamado, os termos do processo sumário (art. 148º, do CIRE), o que significa que, por via do disposto no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26.06 (que aprovou o NCPC), se deve ter por reportada ao processo declarativo comum.
Admite-se, porém, que este tipo de ação possua caráter de urgência, em face do disposto no art. 9º, n.º 1, do CIRE, com relevância, claro está, para os efeitos de contagem de prazo, conforme emerge da parte final do n.º 1 do art. 138º, do C. P. Civil.
Por conseguinte, contrariamente ao que consta das cartas de citação expedidas pela secção, o prazo para a contestação deste tipo de ação é de 30 dias (art. 569º, n.º 1, do C. P. Civil, aplicável ex vi do disposto nos arts. 17º e 148º, do CIRE).
É, deste modo, inaplicável a este tipo de ação o prazo para apresentação de contestação de cinco dias, previsto no art. 144º, n.º 2, do CIRE, pois que este normativo legal reporta-se ao incidente de restituição ou separação de bens apreendidos para a massa insolvente, depois de findo o prazo para as reclamações, a intentar no prazo de cinco dias após a apreensão (art. 144º, n.º 1, do CIRE), e ao qual o referido despacho de 22.06.2020, não faz qualquer referência, ordenando-se, ao invés, que à presente ação se aplicasse o regime emergente do disposto no art. 146º, nºs 1 e 3, do CIRE.

A despeito de não ter suscitado qualquer tipo de nulidade ou irregularidade da citação assim operada, a recorrente apresentou a sua contestação em 10.07.2020 (ou seja, no 1º dia útil seguinte aquele prazo que (indevidamente) lhe tinha sido assinalado para contestar (incluindo já a dilação de 5 dias).
Na sequência, foi emitida pela secção guia para pagamento da multa, nos termos do disposto no art. 139º, n.º 5, al. a) e n.º 6, do C. P. Civil, determinando-se, subsequentemente, por despacho de 25.11.2020, a notificação da ré para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida da multa prevista no art. 570º, n.º 5, do C. P. Civil; tendo, na ausência do pagamento, de tal taxa de justiça, sido proferido o despacho recorrido, a ordenar o desentranhamento da contestação.

Acontece, porém, que, de acordo com o disposto no art. 569º, n.º 2, do C. P. Civil, “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
Ora, como já vimos, mediante o despacho proferido a 22.06.2020, a presente ação passou a correr os seus termos como ação de restituição de bens, prevista no art. 146º, n.º 1, do CIRE, sendo-lhe então aplicável as regras do processo declarativo comum (arts. 17º e 148º, do CIRE).
A ser assim, nada obsta a que se lhe aplique o disposto no n.º 2 do art. 569º, do C. P. Civil, sendo certo igualmente que não existe qualquer norma no CIRE que excecione a aplicação desta regra do processo comum (antes manda aplicar esta mesma forma de processo comum – art. 148º, do CIRE), nem dessa aplicação advém qualquer prejuízo para a celeridade do processo, nem se mostra incompatível com a natureza e caráter de urgente conferido ao mesmo processo, pois que o prazo de contestação iniciado em último lugar, também terá necessariamente de respeitar a natureza urgente deste tipo de ação, à semelhança do que sucede noutro tipo de ações urgentes intentadas contra vários réus. (3)
Por conseguinte, no âmbito da citação dos réus prevista no art. 146º, n.º 1, do CIRE, caso esta ocorra em momentos diferentes, deverá concluir-se que todos eles beneficiarão do termo do prazo concedido ao último dos réus citado para contestar, nos termos do disposto no art. 569º, n.º 2, do C. P. Civil, sendo certo que só após a apresentação da última contestação ou de haver decorrido o prazo do seu oferecimento é que se deverá operar a notificação ao autor das contestações apresentadas (art. 575º, n.º 2, do C. P. Civil).

Nesta medida, sabendo-se que, no momento em que a massa insolvente apresentou a sua contestação, ainda não havia sido efetivamente citada para contestar a sociedade devedora (o que só se concretizou em 26.01.2021), não poderemos deixar de concluir pela tempestividade da mesma defesa apresentada pela massa insolvente, porquanto deverá esta ré beneficiar, em face do disposto no art. 569º, n.º 2, do C. P. Civil, do termo do prazo em que à sociedade devedora ré lhe era permitido contestar, o que ainda não se havia verificado no momento da apresentação da contestação por parte da ré recorrente.

Termos em que se conclui, sem necessidade de maiores considerações, que deverá considerar-se procedente a apelação apresentada pela ré recorrente, o que importa a revogação do despacho recorrido, devendo-se considerar tempestiva a contestação apresentada pela ré recorrente, com as inerentes consequências legais.

Na sequência, deverão considerar-se prejudicadas as demais conclusões de recurso que constituem objeto da presente apelação, o que aqui se decide (art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que, não havendo qualquer outro motivo, se admita a contestação apresentada pela ré recorrente, com a consequente anulação do processado posterior ao momento em que tal contestação deveria ter sido admitida, salvaguardando-se os atos praticados que não dependiam, absolutamente, dessa admissão.

Sem custas.
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Guimarães, 13.07.2021

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.



1. Sempre do apenso P, salvo indicação em contrário.
2. Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, pág. 557. 3. No mesmo sentido, cfr., por todos Ac. RC de 02.12.2014, proc. 995/13.4TBLRA-G.C1, relator Falcão de Magalhães; e Ac. RP de 25.09.2018, proc. 1211/17.1T8AMT-J.P1, relatora Anabela Dias da Silva, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.