IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário

Importa rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por não estar delimitado o objeto do recurso, quando as conclusões de recurso são omissas a respeito dos concretos pontos objeto de impugnação e decisão que se sugere (art. 640º/1 CPC).

Texto Integral

Resp Médica-Dentista-RMF-21556/19.9T8PRT.P1

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORA: B…, portadora do cartão de cidadão n.º…………, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º., 2º direito, ….-… …; e,
- RÉ: C…, Lda. com sede na Rua …, …-Sala …, ….-… Porto, com a designação comercial C1…,
pede a autora a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de €22.022,37 (vinte e dois mil e vinte e dois euros e trinta e sete cêntimos) a título de indemnização por danos sofridos, sendo €8.022,37 a título de danos patrimoniais e €14.000,00 de danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, que no dia 2 de setembro de 2016 contratou com a ré a colocação de 7 implantes dentários, pelo preço de € 7.000,00 e para pagamento dos serviços médicos acordados efetuou através de multibanco o pagamento de €1.600,00 e também nesse dia entregou à ré 15 cheques pré-datados (datados entre 5 de novembro de 2016 a 5 de janeiro de 2018) no valor de €360,00 cada uma, para pagamento da restante quantia de €5.400,00.
Alegou, ainda, que no dia 4 de outubro de 2016, data agendada para realização da cirurgia, compareceu na clinica da ré e submeteu-se à cirurgia realizada pelo Dr. D… e ainda, antes de dar início à cirurgia o médico recusou fazer os implantes NN26 e 27, tendo dito à autora que era melhor colocar só coroas; mais foi abordada a questão de pouco espaço para colocar os implantes NN 35 e 36 e foi tomada a opção pela colocação de dois implantes pequenos e assim foi realizada a cirurgia.
Mais alegou a autora que após a cirurgia sofreu dores, que não se atenuaram, nem desapareceram com o passar dos dias e foram-se agravando e após três semanas da cirurgia continuava com dores intensas; ligou ao cirurgião, que não atendeu as chamadas, a sua cara começou a inchar, a ponto de ter deixado de conseguir mastigar e comer, telefonou para a clínica a solicitar consulta de urgência e, após tentativas, conseguiu consulta para o dia 27 de outubro de 2016, foi vista pelo médico que lhe indicou a toma de ben-u-ron e que o seu estado era normal.
Porém a situação agravou-se, as dores eram já insuportáveis e o inchaço aumentou, e no dia 4 de novembro de 2016 solicitou nova consulta com a ré, não tendo obtido resposta. Dirigiu ao serviço de urgência do Hospital F…, foi vista por médico que lhe diagnosticou inflamação e perca de massa óssea, infeção persistente no lado esquerdo da mandíbula, em curso há mais de duas semanas entre outros, tendo sido necessário proceder à remoção dos implantes dentários, bem como à remoção de todos os fragmentos ósseos contaminados.
Mais alegou que sofreu muitas dores, dificuldades em mastigar, comer e dormir, temeu pela sua integridade física e vida, andou deprimida, revoltada e triste com toda a situação.
Termina por pedir a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do incumprimento do contrato.
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Citada a ré, contestou a ação, defendendo-se por impugnação.
Alegou, em síntese, que o contrato foi cumprido e foi a autora que decidiu contratar outro médico e alterou o tratamento realizado pela ré.
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Proferiu-se despacho saneador e despacho de enunciação do objeto do litígio e temas de prova.
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Realizou-se o julgamento, com observância do legal formalismo.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Em face do exposto, decide-se:
Julgar presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- Condenar a ré C…, Lda. a pagar à autora B… a quantia de €7.303,00 (sete mil trezentos e três euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde a citação até integral e efetivo pagamento;
- Condenar a ré C…, Lda. a pagar à autora B… a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), acrescida de juros de mora contados à taxa de 4% desde a data da presente decisão;
- Condenar as partes nas custas da presente ação na proporção do decaimento”.
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A Ré veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento da apelação, julgando-se totalmente provada e procedente e, em consequência, a revogação da sentença, com absolvição da ré do pedido.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- mérito da causa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.A autora tem como atividade o exercício de atividades de medicina dentária e odontologia, possuindo diversas clinicas dentárias espalhadas pelo País, nas quais presta tais serviços de medicina dentária e odontologia.
2. Em setembro de 2016 a ré tinha clínicas em Lisboa, Cascais e Porto.
3. Em setembro de 2016 trabalhavam nas clínicas da ré o Dr. E… e Dr. D….
4. No dia 2 de setembro de 2016 a autora dirigiu-se à clínica da ré em Lisboa para uma consulta, que tinha como objetivo aferir da possibilidade de colocar na boca da autora sete implantes, a saber: NN 17, 26, 27, 35, 36, 45 e 46.
5. Após a consulta a autora celebrou com a ré contrato por via do qual a ré se obrigou ao procedimento de colocação dos sete implantes dentários, tendo sido orçamentado em €8.390,00, o qual foi corrigido para €7.000,00, conforme documentos 1 e 2 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Nesse mesmo dia 2 de setembro de 2016 e para pagamento dos serviços médicos acordados a autora efetuou através de multibanco pagamento imediato no €1.600,00.
7. No dia 4 de outubro de 2016, data marcada para realização da cirurgia, a autora compareceu na clínica da ré, sita em Cascais, para ser submetida à cirurgia para colocação dos sete implantes.
8. Cirurgia que foi realizada pelo Dr. D….
9. Após terminar a cirurgia a autora foi medicada com antibiótico, anti-inflamatório e analgésico.
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- Factos provados:
10. Antes de dar início à cirurgia o Dr. D… recusou fazer os implantes NN 26 e 27 tendo dito à autora que o melhor era só colocar coroas.
11. Foi, ainda, abordada a questão do pouco espaço para colocar os implantes NN 35 e 36, tendo o Dr. D… dito que tal podia ser feito por duas formas: ou colocar um implante grande ou dois pequenos.
12. Foi tomada a opção pela colocação de dois implantes pequenos.
13. Foi efetuada a cirurgia e foram colocados cinco implantes na boca da autora, a saber NN 17, 35, 36, 45 e 46.
14. Após a cirurgia a autora sofreu muitas dores.
15. As dores mantiveram-se e foram-se agravando à medida que os dias iam passando.
16. Três semanas após a cirurgia a autora continuava com dores intensas.
17. A autora ligou para o cirurgião que a operou o Dr. D…, o qual não atendeu as chamadas.
18. As dores intensificaram-se e tornaram-se insuportáveis.
19. A cara da autora começou a inchar.
20. A autora deixou de conseguir mastigar e comer, apenas conseguindo ingerir líquidos.
21. Já não conseguindo aguentar as dores e suportar a situação, a autora no dia 11 de outubro de 2016 ligou para a clínica da ré a solicitar consulta de urgência.
22. Foi-lhe agendada consulta para o dia 27 de outubro de 2016.
23. No dia 27 de outubro de 2016 a autora foi vista pelo Dr. E… que fez exame, avaliou a boca da autora e não detetou nenhum problema, prescreveu medicação para alívio da dor, referiu que as dores e inchaço é normal.
24. Após a consulta do dia 27 de outubro de 2016 agravaram-se as dores, o inchaço aumentou e autora continuou sem conseguir comer e deixou de dormir e sentiu mal-estar geral, não conseguindo deitar-se.
25. Em 4 de novembro de 2016 a autora telefonou para a clinica da ré a solicitar consulta de urgência, não tendo obtido resposta.
26. Nesse dia 4 de novembro de 2016 a autora dirigiu-se ao serviço de urgência do Hospital F1… onde foi observada pelo Dr. G…, o qual diagnosticou à autora inflamação e perca de massa óssea, infeção persistente no lado esquerdo da mandíbula, em curso há mais de duas semanas, edema intra e estra oral no 3.º quadrante, associado a supuração e hemorragia ao toque no rebordo edêntulo correspondente ao dente 35, a existência de dois implantes dentário colocados em posição próxima e convergente no seu longo eixo, presença de zona radiolúcida extensa em redor dos implantes, compatível com a ausência estrutura óssea e presença de infeção.
27. Houve necessidade de submeter a autora a novo procedimento cirúrgico para complementar o diagnóstico e descontaminar a área afetada, tendo sido verificada durante o procedimento a presença de supuração abundante, a mobilidade dos dois implantes dentários a presença de vários fragmentos ósseos com mobilidade, nomeadamente o septo inter-implantar e a tábua óssea externa.
28. Foi necessário proceder à remoção dos dois implantes dentários, bem como a remoção de todos os fragmentos ósseos contaminados, tendo sido ainda realizado desbridamento de toda a zona afetada e sutura para reposicionamento dos tecidos moles.
29. Em relação aos implantes do 4.º quadrante o médico verificou que com o decurso de um mês de cicatrização ocorreu já perda óssea vertical que poderá comprometer a viabilidade futura.
30. No que respeita ao implante do 1.º quadrante o médico verificou que a presença de tampa de cicatrização não colocada na sua posição final.
31. Em virtude da sujeição a novo procedimento cirúrgico a autora teve que suportar dores e incómodos.
32. Infeção descrita em 26) foi provocada pelo procedimento cirúrgico executado pelo médico ao serviço da ré.
33. Não fosse o recurso à urgência da F1… e a intervenção de emergência a infeção ter-se-ia espalhado com o decurso do tempo.
34. Os médicos ao serviço da ré garantiram à autora que o procedimento de colocação de implantes podia ser feito.
35. No dia 4 de outubro de 2016 a autora entregou ré 15 cheques de €360,00 cada para pagamento do remanescente do preço acordado, que a ré aceitou e apresentou a pagamento, nas respetivas datas até 5 de janeiro de 2018 (data do último cheque).
36. Em 18/10/2018 a ré remeteu email à autora solicitando que esta facultasse o seu NIB a fim de proceder à devolução do valor, tendo a autora remetido mail com o seu NIB.
37. Com a assistência médica de urgência prestada no Hospital F1… a autora despendeu a quantia de €303,00.
38. A autora andou deprimida, revoltada e triste com a situação.
39. A autora assinou o termo de consentimento do procedimento que realizou na ré, conforme documento 1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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-Factos não provados:
1- Na execução do procedimento cirúrgico referido na ré ocorreu fragmentação de osso, cujos fragmentos não foram retirados da cavidade bocal da autora e a zona intervencionada não foi devidamente limpa.
2- A infeção que a autora sofreu colocou em risco a sua vida.
3- A ré explicou à autora todos os procedimentos que presta nestes tratamentos para que a autora pudesse tomar a decisão consciente de se submeter ou não a procedimentos propostos e explicou e informou a autora o teor do termo de consentimento do procedimento assinado pela autora.
4- O espaço dos implantes NN 35 e 36, apesar de ser mais pequeno, tem a distância suficiente para permitir a sua colocação sem que daí advenha qualquer problema.
5- A autora foi informada do procedimento completo em relação à decisão para colocar dois implantes pequenos ao invés de apenas 1 grande.
6- A autora esteve presente em consulta na ré em 14 de outubro de 2016 para retirar os pontos.
7- A ré marcou consulta à autora no dia 2 de novembro, mas a autora não compareceu.
8- A ré marcou consulta à autora no dia 9 de novembro de 2016, mas a autora não compareceu.
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Consignou-se, ainda:
A demais factualidade alegada pelas partes assume cariz conclusivo ou de direito ou não tem relevância para a decisão da causa.
A factualidade assente resultou da admissão por acordo em sede de articulados.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a C), a apelante insurge-se contra a forma como foi apreciada a prova, por se desconsiderarem documentos juntos aos autos e apresentados pela própria autora e não se atribuir relevo probatório aos depoimentos de todas as testemunhas e em toda a sua extensão.
O relevo probatório dos meios de prova apresentados apenas pode ser sindicado em via de reapreciação da decisão de facto, sobretudo quando não se trata de prova vinculada, cujo relevo probatório decorre da lei.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, que se desdobra no preenchimento de dois requisitos:
- delimitar o objeto do recurso - determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar; e
- fundamentação - motivar o seu recurso com indicação da prova a reapreciar e quando se trate de prova gravada, a transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se considerado que o preceito estabelece dois tipos de ónus que incidem sobre o recorrente: (i) um ónus principal, consistente na delimitação do objeto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorretamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC; e (ii) um ónus secundário, consistente na indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
No que respeita ao cumprimento de tais ónus, defende-se que o controle do seu cumprimento se revela diferente.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
Vem-se entendendo que este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho do Tribunal da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes e por isso, o controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Neste sentido, podem consultar-se, entre outros, os Ac. STJ 25 de março de 2021, Proc. 1595/15.0T8CSC.L1.S1, Ac. STJ 16 de dezembro de 2020, Proc. 8640/18.5YIPRT.C1.S1, Ac. STJ 03 de outubro de 2019, Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Porém, o não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto (cfr. o art.640º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Nestas circunstâncias não cumpre ao relator proferir despacho de aperfeiçoamento das conclusões de recurso, porque nos termos do art. 652º/1 a), o convite apenas é permitido para os efeitos do art. 639º/3 CPC.
Assim vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, como se pode constatar pelos seguintes arestos:
- Acórdão de 02-06-2016 (proc. nº 781/07.0TYLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt):
“III - No âmbito da impugnação da matéria de facto, não é admissível o convite ao recorrente, designadamente, para completar as conclusões, sendo inaplicável o disposto no n.º 3 do art. 639.° do NCPC.”
- Acórdão de 27-09-2018 (proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, consultável em www.dsgi.pt):
“III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.
- Ac. STJ 03 de outubro de 2019, Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2 (acessível em www.dgsi.pt):
“[…]está vedado ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto, na medida em que, em matéria de recursos, o art. 652º, nº1, al. a), do CPC, limita essa possibilidade às « conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”
Sobre o ónus primário de indicar os concretos pontos de facto impugnados defende-se:
“I - A especificação dos concretos pontos de facto [impugnados] deve constar das conclusões recursórias, posto que estas têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte.
IV - O dever de impugnação não se basta com a alusão genérica e indiscriminada a determinados meios de prova (v.g. “a prova testemunhal” ou “a prova pericial”), mas pode ser individualizada relativamente a cada facto ou factos que entre si formem um bloco. (Ac. STJ 17.11.2020, Proc. 846/19.6T8PNF.P1.S1)
Como também se entende:
“as conclusões visam delimitar o objeto do recurso e por isso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” (Ac. STJ 03.03.2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (www.dgsi.pt).
“Considera[-se] preenchido o ónus de impugnação quando nas alegações e nas conclusões, se identifica os concretos pontos de facto que se têm como mal julgados, se indica os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e se transcreve parte dos depoimentos (Ac. STJ Ac. STJ 01.10.2015 Proc. 6626/09.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt)
Mas também se defende que:
“II - Sendo completamente omisso o recurso de apelação, em sede de conclusões, tem de se entender que a apelante não cumpriu o ónus de alegação impostos pelo disposto no art. 640 nº 1, nomeadamente o previsto na al. a), do CPC.
III - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões- Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil., pág. 165.
IV - No recurso sobre a matéria de facto se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não contemple o estatuído no art. 640, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, na parte afetada.
V - Ou seja, quando o recurso da matéria de facto se apresenta deficiente, sem dar cumprimento ao disposto no art. 640 do CPC, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento (Ac. STJ 09.02.2021, Proc. 16926/04.0YYLSB-B.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt)”.
Quanto ao ónus de indicar a concreta decisão a proferir, por efeito da reapreciação, defende-se:
“Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na al. c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões (Ac. STJ 25 de março de 2021, Proc. 1595/15.0T8CSC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Ponderando o critério da lei e as considerações tecidas, que têm sido por nós acolhidas, é de concluir que no caso presente não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão de facto e não se justifica a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões.
A apelante não indica os concretos pontos de facto a reapreciar, nem a decisão que sugere, omitindo tal alegação nas conclusões de recurso e na motivação do recurso.
As conclusões de recurso nada referem de concreto sobre os fundamentos da reapreciação da decisão de facto. Apenas na motivação do recurso se tecem considerações sobre a prova produzida, prova documental e testemunhal, juízo crítico que se desenvolve no sentido de se considerar que o tribunal não fez uma correta apreciação dos depoimentos em toda a sua extensão e não ponderou documentos juntos aos autos. Porém, não se faz qualquer alusão aos concretos factos a reapreciar, nem à decisão que sugere por efeito da reapreciação da prova.
Omite-se a delimitação do objeto do recurso, cujo ónus de alegação recai sobre a apelante.
Nestas circunstâncias não se podem considerar reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, o que importa a rejeição do recurso quanto a tal matéria, nos termos do art. 640º/1 CPC.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos A) a F).
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- Do mérito da causa -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas D) a F), a apelante não se insurge contra a decisão de mérito, pelo que nada mais cumpre apreciar.
Contudo, perante a alegação sob a alínea E), onde se refere que “a sentença não consegue provar os factos assentes inequívocos e prova documental bastante que tenha existido comportamento ilícito e culposo, causador de danos” sempre se poderia questionar da verificação do nexo de causalidade em sede de responsabilidade contratual.
Mas sob este aspeto a motivação de recurso é totalmente omissa.
Conforme determina o art. 639º CPC “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Estabelece a lei ao recorrente o ónus de alegação e de formular conclusões.
Através do ónus de alegação, o recorrente expõe ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não.
O ónus de concluir constitui a enunciação abreviada dos fundamentos do recurso.
Referia a este propósito o Professor ALBERTO DOS REIS:”[…]a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.
É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”[3].
Quando a conclusão não assenta em qualquer fundamento considera-se que a decisão não foi objeto de impugnação, por não ter qualquer motivação a sustentar a proposição.
Trata-se de conclusões excessivas porque extravasam das razões invocadas no corpo das alegações, “[…] podem não ter qualquer correspondência com o afirmado nessa parte das alegações”[4].
A lei prevê o aperfeiçoamento das conclusões deficientes, obscuras e complexas, mas nesta situação, está em causa a falta de motivação, cujo aperfeiçoamento não está previsto na lei.
Considera o Professor TEIXEIRA DE SOUSA que: “[…] o vício só seria corrigido mediante a ampliação destas alegações, parece dever entender-se que o recorrente não pode ser convidado a ampliá-las e que não se considera impugnada a parte respetiva da decisão recorrida”[5].
Neste sentido se pronunciou o Ac. STJ 21 de outubro de 1993, CJ STJ 1993, III, pag. 81, quando afirma:” […]é no corpo das alegações que se indicam as razões de discordância com o julgado. É aí que têm de se indicar os fundamentos porque o recorrente entende que a decisão recorrida deve ser anulada ou alterada.
As conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da discordância com o julgado e para serem legítimas têm de emergir do que se expôs no corpo das alegações.
Não é legal o alargamento do seu âmbito para além do que do corpo das alegações consta.
Se no corpo das alegações de recurso o recorrente nada diz em contrário do decidido sobre determinada questão é porque com o decidido se conforma.
E conformando-se a decisão sobre essa matéria transita”.
Conclui-se que atento o ónus que se impõe ao recorrente de alegar e formular conclusões, quando a conclusão não assenta em qualquer fundamento considera-se que a decisão não foi objeto de impugnação, operando-se o trânsito da decisão nessa parte.
No caso presente analisada a motivação do recurso e requerimento de interposição de recurso, verifica-se que não é impugnada a decisão de mérito da sentença, assente nos factos provados. Aliás, na motivação a apelante ao definir o objeto do recurso, alegou pretender impugnar a decisão de facto e o montante dos danos apurados, sem que depois venha a desenvolver a motivação com argumentos que sustentem tal impugnação, acabando por nada referir em sede de conclusões, que como se sabe definem o objeto do recurso.
Forçoso é considerar que nas alegações inexiste o fundamento que sustente as conclusões e nessa medida não se pode considerar impugnada a sentença, com tal fundamento.
Improcedem, também nesta parte as conclusões de recurso sob as alíneas D) a F).
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em rejeitar a reapreciação da decisão de facto e julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 21 de junho de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim., 1984, pag. 359
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pag. 526
[5] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 526