ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
Sumário

I - Nos termos do disposto no artº 56º CIRE, a justa causa de destituição do administrador da insolvência passa por uma apreciação de factos em concreto, não bastando para tal o simples preenchimento de uma determinada situação pessoal em abstrato.
II - O conceito de “justa causa” assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por grave violação de deveres e importante atentado ao princípio da confiança que está subjacente às relações funcionais estabelecidas com o Tribunal, os órgãos de gestão, credores e demais interessados na insolvência, dificultando ou inviabilizando o objetivo ou finalidade do respetivo processo, enunciado no artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Texto Integral

305/09.5TBOVR-F.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 2

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
Nos autos de INSOLVÊNCIA DE PESSOA SINGULAR em que é Insolvente B…, C… foi nomeado administrador judicial por decisão de 12/10/2017.
Em 10.4.2019 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique o Sr. fiduciário para, em dez dias, e sob cominação de multa (nos termos do art. 417.º do CPC, face à anterior notificação, resultante do despacho de 12/10/2017), prestar informação completa sobre o procedimento de exoneração, que inclua todo o período de cessão decorrido até ao presente (que se iniciou em Agosto de 2015) e inclua igualmente a indicação, por mês (ou, não sendo isso possível ou necessário, por ano), dos proventos do insolvente, dos valores entregues e dos montantes devidos a título de cessão (como é necessário para aferir da regularidade das entregas feitas), comprovando a sua comunicação aos credores (art. 240.º/2 do CIRE).”
Em 05-11-2019 foi proferido o seguinte despacho: “O Sr. fiduciário, apesar dos despachos proferidos, das notificações efetuadas para o efeito e da sua nomeação por decisão de 12/10/2017, ainda não prestou qualquer informação sobre o estado do procedimento de exoneração.
Tal atuação implica, segundo pensamos, incumprimento dos deveres funcionais e, simultaneamente, violação injustificada do dever de colaboração, retirando aos credores e ao Tribunal a possibilidade de verificação do cumprimento das obrigações que impendem sobre o devedor, atrasando e podendo inquinar a devida apreciação do incidente, devendo por isso ser sancionada nos termos do art. 417.º do CPC.
Pelo exposto, condeno o Sr. fiduciário na multa processual de 2,5 UCs.
Renovo integralmente o despacho anterior, agora sob cominação de decisão de destituição, sobre a qual, ao abrigo do disposto no art. 56.º do CIRE, o Sr. administrador da insolvência poderá pronunciar-se, também em dez dias. Notifique, incluindo os membros da comissão de credores, para o mesmo efeito.”
Em 26-10-2020 foi proferido novo despacho com o seguinte teor:
“Compulsados os autos, e salvo o devido respeito por outro entendimento, constata-se que o Sr. administrador da insolvência persiste em não esclarecer o Tribunal, ao arrepio do determinado nos despachos de 10/4/2019 e de 5/11/2019, sobre se obteve a declaração a que alude o art. 781.º/2 e 4 do CPC da comproprietária do imóvel de que foi apreendida metade indivisa.
Por outro lado, no relatório sobre o procedimento de liquidação, junto a 7/4/2020, o Sr. administrador da insolvência não deu qualquer informação útil ou relevante sobre as várias questões assinaladas nos referidos despachos de 10/4/2019 e de 5/11/2019, nomeadamente, sobre os proventos do insolvente, os valores entregues e os montantes devidos a título de cessão.
Omissão de qualquer informação útil tanto mais censurável quanto é certo que ela não pode resultar do silêncio ou da falta de colaboração do devedor, visto que o requerimento por este junto a 23/4/2020 demonstra que, pelo menos desde 3/1/2018, ele tem vindo a prestar informações ao Sr. administrador da insolvência relevantes para o esclarecimento do procedimento de exoneração e, inclusivamente, que realizou entregas a título de rendimento disponível.
Acresce que o procedimento de exoneração já se iniciou em Agosto de 2015 e os autos não foram ainda habilitados por qualquer informação relevante prestada a propósito pelo Sr. administrador da insolvência, sem embargo dos despachos proferidos nos autos para o efeito (os citados e o de 12/10/2017).
Finalmente, salvo melhor opinião, entendemos que a informação prestada sobre a liquidação a 21/7/2020, no apenso D, não observa o dever de respeito e de especial urbanidade que deve interceder, reciprocamente, no relacionamento entre os auxiliares da justiça e os magistrados.
Esta atuação, vista globalmente, quebra, a nosso ver, a relação de confiança indispensável ao exercício e manutenção de funções por parte do Sr. administrador da insolvência nestes autos, configurando justa causa de destituição, no sentido que é empregue pelo art. 56.º do CIRE.
Sendo para nós sintomática nesse sentido a circunstância de, chamado a pronunciar-se, na sequência do despacho anterior, sobre a possibilidade de tal destituição ser decidida, o Sr. administrador da insolvência nada ter dito a respeito de tal questão.
Assim sendo, segundo se crê, é justificada a aplicação do disposto no art. 56.º do CIRE.
Pelo exposto, decide-se a destituição do Sr. administrador da insolvência, nomeando-se agora, para o exercício dessas funções, com recurso ao sistema informático de designação aleatória, o Sr. Dr. D…, com domicílio profissional na …, .., …. – … Anadia, a quem o Sr. administrador da insolvência substituído deve prestar toda a colaboração necessária.”
Notificado, mediante requerimento datado de 3.11.2020, o Administrador de Insolvência apresentou requerimento nos autos pedindo que fosse:
- Declarado o despacho de destituição extemporâneo, ordenando a absolvição do Requerente do pedido, nos termos do art. 576º, n.º 3 do CPC; Sem Prescindir,
- Declarada a nulidade do Despacho de Destituição por incumprimento do princípio do contraditório, em prejuízo do art. 3º do CPC e art. 20º da CRP.
Sobre este pedido recaiu o despacho datado de 12.2.2021, que julgou improcedentes aquelas pretensões do sr. Administrador de Insolvência.
Inconformado, ainda com a decisão, C…, Administrador de Insolvência nomeado nos autos os autos, veio ainda interpor o presente recurso de Apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“QUESTÃO PRÉVIA
I. Por Requerimento datado de 03/11/2020 (1), o Recorrente veio arguir a extemporaneidade do Despacho de Destituição, porquanto o mesmo não foi proferido no prazo legalmente previsto para o efeito (art. 156º, n.º 1 do CPC), mas apenas cerca de um ano depois, concluindo pela sua absolvição.
II. Sem prescindir, arguiu ainda o Recorrente a falta de notificação do presidente da Comissão de Credores, assim como de um dos vogais e, consequentemente, a nulidade do Despacho de Destituição, nos termos do art. 195º do CPC, por inobservância do disposto no art. 56º, n.º 1 do CIRE, bem como a nulidade do Despacho de Destituição, por violação do disposto nos artigos 3º do CPC e art. 20º da CRP, ou seja, a falta de notificação para o exercício do contraditório quanto às questões novas, nos termos do art. 56º do CIRE.
III. Por se tratarem de questões prejudiciais ao conhecimento do presente recurso, deverá o conhecimento do mesmo ficar suspenso, ao abrigo do art. 272º n.º 1 do CPC, até decisão do tribunal de 1ª Instância, a qual se prevê breve, face à urgência atribuída aos processos de insolvência.
SEM PRESCINDIR,
NULIDADE DO DESPACHO DE DESTITUIÇÃO (Art. 615º, n.º 1, alínea d) e e), por remissão ao Art. 613º, n.º 3 CPC)
IV. Decorre da alínea d), do n.º 1, do art. 615º do CPC (por remissão ao Art. 613º, n.º 3 CPC), que “É nula a sentença quando: d) O juiz (…) conheça de questões de que não podia ter conhecimento”.
V. Sucede que, da análise do Despacho em crise, resulta forçoso concluir pela nulidade do mesmo por excesso de pronúncia. Senão vejamos,
VI. Em 06/11/2019, o Recorrente foi notificado (2), para prestar informação aos autos sobre o estado do procedimento de exoneração, sob cominação de decisão de destituição notificando-o ao abrigo do art. 56º do CIRE
VII. Ora, decorre do n.º 1 do supra mencionado artigo que: “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.” (negrito e sublinhado nosso).
VIII. Ora, bastará uma breve consulta aos autos para concluir que, não só o Devedor não foi notificado para se pronunciar sobre a eventual destituição do aqui Recorrente, como a notificação alegadamente efetuada aos membros da Comissão de Credores foi levada a cabo em pessoa diversa, dado que a as notificações efetuadas ao abrigo do art. 56º do CIRE, com a exceção da vogal Banco E…, Sucursal em Portugal na pessoa do Dr. F…, não foram concretizadas na pessoa dos membros da Comissão de Credores legalmente constituídos, mas antes do Dr. G… (H…) e do Dr. I… (J…) (conforme notificações juntas aos autos e datadas de 06/11/2019 (6)).
IX. O que equivale à falta de notificação do presidente da Comissão de Credores, assim como de um dos vogais e, consequentemente a nulidade do Despacho de Destituição, nos termos do art. 195º do CPC, por inobservância do disposto no art. 56º, n.º 1 do CIRE. Mais,
X. No Despacho de Destituição, o douto tribunal não conhece apenas da matéria invocada pelo próprio no despacho de 05/11/2019, nomeadamente sobre o estado do procedimento da exoneração (a), mas da alegada falta de esclarecimento quanto à declaração da comproprietário do imóvel cuja meação foi apreendida nos autos (b), da alegada não observância dos deveres de respeito e especial urbanidade no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados (c) e da “sintomática” falta de pronúncia sobre a possibilidade de destituição (d).
XI. Ora, no que respeita a estes três últimos pontos, não foi o Recorrente notificado para se pronunciar ao abrigo do art. 56º do CIRE, pelo que não pôde, consequentemente, exercer o seu direito de contraditório, o qual se encontra previsto no art. 3º do CPC e constitucionalmente protegido pelo art. 20º da CRP.
XII. Face ao exposto resulta forçoso concluir que o despacho de Destituição se encontra ferido de nulidade, nos termos do art. 195º do CPC, devendo o mesmo ser anulado, assim como todo o processado posterior ao mesmo.
XIII. Neste seguimento, bastará o mero entendimento do bonus pater familias, para se concluir que o único facto que está na base da destituição do Sr. Administrador de Insolvência e que poderia ser considerado pelo Tribunal a quo (se se encontrassem preenchidos os respetivos requisitos de notificação) seria o estado do procedimento da exoneração.
XIV. Contudo, no despacho em crise o tribunal a quo alega novos fundamentos para a destituição do Recorrente, sem sequer ter ouvido o Sr. Administrador de Insolvência sobre os mesmos, como lhe competia nos termos do art. 56º do CIRE.
XV. Neste seguimento será forçoso concluir pela nulidade do despacho de que se recorre, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea d), in fine, por remissão ao art. 613º, n.º 3 CPC
XVI. Em consonância, veja-se o acórdão proferido em 06/11/2012, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do processo n.º 983/11.5TBPBL.C1, disponível em http://www.dgsi.pt, que se cita (…):
IV - Este último segmento da norma só ocorre quando o julgador, em sede já da sentença, tem de conhecer outros factos que lhe cumpra tomar em consideração, já que pode dar-se o caso de a confissão, o acordo e a prova documental serem posteriores àquele momento processual (decisão da matéria de facto). Caso em que então é que lhe incumbe (na altura da sentença) ter em conta tais factos, sendo a eles que se refere o citado art.659º, nº3, quando diz: “fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”” (negrito e sublinhado nosso).
SEM PRESCINDIR, DO RECURSO
XVII. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero exercício académico e cautela de patrocínio se concebe, vem o presente recurso interposto do Douta Despacho de 06/11/2019 (2), que declarou a destituição deste Administrador de Insolvência, nos termos do disposto no artigo 56º do CIRE, porquanto conclui que o Recorrente existe “quebra, a nosso ver, a relação de confiança indispensável ao exercício e manutenção de funções por parte do Sr. administrador da insolvência nestes autos”.
XVIII. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, como se irá tentar demonstrar.
A) Falta de esclarecimento quanto à declaração da comproprietária do imóvel cuja meação foi apreendida nos autos (despachos de 10/04/2019 e 15/11/2019)
XIX. Por requerimento de 28/01/2018 (7) junto ao Apenso de Liquidação, o Recorrente informa o douto tribunal que “Com o intuito de promover à venda do imóvel apreendido como um todo, nos termos do art. 141º do CIRE e do artº 781.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código do Processo Civil, promover-se-á à notificação da irmã do devedor e comproprietária do imóvel, aguardando-se resposta à solicitação sobre o eventual conhecimento da sua morada.”
XX. Neste seguimento, por requerimento de 04/02/2019 (8) junto ao Processo Principal, o Recorrente, juntando cópia da notificação efetuada, “vem requerer a V.Ex.ª a emissão da necessária certidão para registo da declaração de insolvência sobre a totalidade do imóvel na Conservatória do Registo Predial respetiva a favor da massa insolvente nos exatos termos alínea e) do nº 1, do art. 93º e alínea m) do nº 1, do art. 95º do CRP, nomeadamente a data e hora de prolação da sentença e a data do respetivo trânsito, a identificação dos sujeitos ativos do facto inscrito, pela menção do nome completo, número de identificação fiscal, estado civil e residência da pessoa singular.”
XXI. Mais informando que “A comproprietária citada para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, não a concretizou, permitindo que o imóvel seja apreendido e vendido na totalidade pela massa insolvente, revertendo metade do produto líquido da venda a seu favor ou do credor hipotecário.”
XXII. O douto tribunal emitiu o DUC para pagamento da certidão requerida a 05/02/2019 (9), o qual foi pago pelo Sr. Administrador de Insolvência.
XXIII. Não obstante a anterior informação prestada, não tendo o tribunal a quo, emitido a certidão requerida, por despacho de 10/04/2019 (10), notifica o Recorrente para “esclarecer e documentar se a comproprietária do imóvel de que foi apreendida metade indivisa fez a declaração a que alude o art. 781.º/2 e 4 do CPC; em caso negativo, só poderá prosseguir com a liquidação da totalidade do imóvel em conjunto com outro processo (art. 743.º/2 do CPC) ou mediante acção de separação de coisa comum, visto que o regime previsto nos arts. 740.º e 741.º do CPC é apenas aplicável à meação conjugal.”
XXIV. Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, a questão suscitada pelo douto tribunal já havia sido respondida nos requerimentos anteriores, ou seja, notificada a comproprietária a mesma não se pronunciou.
XXV. Não obstante o que vem de referir-se, por requerimento de 11/04/2020 (11) junto ao Apenso de Liquidação o Recorrente reitera a informação anteriormente prestada ao douto tribunal.
XXVI. Quanto a esta mesma questão, por requerimento de 21/07/2020 (12) junto ao Apenso de Liquidação, o Recorrente informa aos autos que “considerando os contactos efetuados junto da carteira de investidores de que se dispõe no sentido do aliciamento para a compra de uma metade indivisa de um imóvel habitacional e dado o desinteresse global na sua aquisição, promover-se-á pelos devidos contactos junto de diversas entidades especializadas na venda de imóveis ou o recurso ao leilão eletrónico.”
XXVII. Já por requerimento de 01/09/2020 (13) junto ao Apenso de Liquidação, o Recorrente informa que em deslocação efetuada ao imóvel verificou que o mesmo se encontrava ocupado, requereu ao douto tribunal que ordenasse junto das entidades policiais a identificação dos ocupantes e fundamento para a sua ocupação do imóvel.
XXVIII. Sobre esta questão o Recorrente não obteve qualquer resposta do tribunal a quo, o qual omitindo-se de resposta ao solicitado, notifica o primeiro da sua destituição com base na alegada falta de esclarecimento a uma questão, que já havia sido respondida pelo Administrador e devidamente sanada.
XXIX. Até porque, como resulta do requerimento datado de 05/11/2020 (14), junto ao apenso de liquidação, a metade indivisa do prédio objeto de liquidação, em 14/10/2020 foi adjudicada à comproprietária (irmã do Insolvente).
XXX. Do exposto, resulta forçoso concluir que o Recorrente agiu da forma expectável a um gestor de bens alheios criterioso e zeloso, nos termos do art. 12º do Estatuto do Administrador Judicial, inexistindo, consequentemente fundamento para a sua destituição.
B) Estado do procedimento da exoneração
XXXI. Por despacho de 12/10/2017 (15), o ora recorrente, foi nomeado Administrador de Insolvência do presente processo, em substituição do Dr. D…, o qual volta a ser nomeado pelo despacho em crise. Isto posto,
XXXII. Por Requerimento de 28/01/2018 (7), o Recorrente informa os autos que já se diligenciou junto do precedente Administrador de insolvência e dos mandatários do devedor para que fosse disponibilizada informação sobre o pagamento efetuado pelo devedor no âmbito da fidúcia e respetiva entrega documental dos vencimentos mensais desde Agosto de 2015 até à presente data.
XXXIII. Facto que é reforçado por email da mesma data, junto pelo Insolvente em requerimento de 23/04/2020 (16), no qual o Recorrente afirma: “conclui-se que o Devedor terá feito apenas um pagamento de € 1.393,47, desconhecendo se esta regularização foi concretizada de forma frequente. E nesse sentido, solicitava que promovessem aos devidos contactos com o Devedor ou mos disponibilizassem, no sentido de obter os recibos do seu vencimento mensal desde o início do prazo da fidúcia a Agosto de 2015 até à presente data.”
XXXIV. Contudo e como resulta dos anexos juntos com o mencionado requerimento, apenas foram entregues ao Recorrente os recibos de vencimento após Janeiro de 2018, data em que o Devedor regressa a Portugal e começa a auferir um vencimento inferior ao montante de cessão do rendimento disponível.
XXXV. De salientar ainda que não obstante os cheques entregues, a falta de resposta do anterior Administrador de Insolvência, assim como a omissão do envio dos recibos de vencimento no período de Agosto de 2015 a Dezembro de 2017, não permitiram ao Recorrente elaborar um Relatório Anual de Fiduciário mais detalhado do que o por si apresentado em 07/04/2020
XXXVI. E note-se que por email de 26/11/2018 (anexo ao Requerimento do próprio Insolvente) o Recorrente solicitou ao Insolvente diversa documentação para que pudesse efetuar o seu relatório anual, tal como Declarações e Nota de Liquidação de IRS, Recibos de Vencimento, Extrato de Remunerações, Certificado Criminal, entre outras;
XXXVII. Documentação essa que nunca lhe foi entregue, pelo que se viu forçado a elaborar o relatório Anual concluindo pela falta de colaboração do Devedor, conforme resulta do seu Requerimento de 07/04/2020.
XXXVIII. Não obstante o que vem de referir-se e com vista a busca de informação mais precisa que lhe permitisse emitir novo relatório, por Requerimento de 15/10/2020 (18), o Recorrente solicitou ao douto tribunal informação sobre a data de início do período de cessão e o montante sucessivo do rendimento disponível atribuído ao Devedor. Ao qual, até à data, não obteve resposta.
XXXIX. Sendo que o único despacho posterior que recebeu foi o de destituição, proferido em 26/10/2020 (19), o qual não profere decisão ou solicita esclarecimentos sobre a matéria contravertida resultante do Relatório do Fiduciário junto em 07/04/2020 e respondido pelo insolvente em 23/04/2020.
XL. Pelo que muito se espantou o Recorrente que, sem qualquer despacho interlocutório respeitante as questões colocadas pelo mesmo, venha o tribunal a quo, sem mais, proferir Despacho de Destituição.
XLI. Até porque, resulta do art. 7º, n.º 1 e 4 do CPC que sempre que alguma das partes alegue dificuldade em obter documento ou informação que condicione o “eficaz exercício de faculdade ou cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”
XLII. Deste modo, reitera-se que o Recorrente mais não fez que cumprir com as obrigações que lhe são adstritas como gestor sério, zeloso e criterioso, sendo desprovida de qualquer sentido (face à prova constante dos autos) a alegada falta de esclarecimentos.
C) Não observância dos deveres de respeito e especial urbanidade no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados
XLIII. No despacho ora em crise, alega o tribunal de 1ª instância que o Requerimento do Recorrente, datado de 21/07/2020 e junto ao apenso de liquidação, “não observa o dever de respeito e de especial urbanidade que deve interceder reciprocamente no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados.”
XLIV. No entanto, não resulta do Despacho de Destituição os factos concretos que consubstanciem na violação dos deveres de respeito e especial urbanidade.
XLV. Sendo certo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não resulta do mencionado requerimento, qualquer palavra ou expressão que demonstre qualquer desrespeito perante o tribunal.
XLVI. De salientar que o Recorrente, sempre agiu em linha com os deveres que lhe são incumbidos pelos Estatutos dos Administradores Judiciais, mormente os previstos no art. 12º.
XLVII. Não pretendendo em momento, nem entendendo que o tenha feito, desrespeitar o douto tribunal ou os seus magistrados.
XLVIII. Note-se ainda que a expressão juiz, é uma expressão comum, em nada demeritória, e até utilizada inúmeras vezes na nossa legislação (tal como resulta do art. 7º, n.º 1 do CPC).
XLIX. Na verdade e como resulta dos autos, o requerimento apresentado pelo Recorrente, demonstra única e exclusivamente o seu estilo de escrita.
L. Isto posto, resulta forçoso concluir que a conduta do Recorrente não consubstancia qualquer violação dos deveres de urbanidade e respeito previstos no art. 7º do CPC e 12º/1 do EAJ, não se encontrando verificada, consequentemente, justa causa para a sua destituição.
D) Da falta de pronúncia sobre a possibilidade de destituição
LI. Por fim, no Despacho em crise, alega o douto tribunal que: “Sendo para nós sintomática nesse sentido a circunstância de, chamado a pronunciar-se, na sequência do despacho anterior, sobre a possibilidade de tal destituição ser decidida, o Sr. administrador da insolvência nada ter dito a respeito de tal questão.”
LII. Ora, na sequência do Despacho supra mencionado e datado de 05/11/2019, o Recorrente notificou o Insolvente e solicitou a entrega da documentação necessária para emitir o relatório anual de fiduciário (cfr. emails já juntos aos autos).
LIII. De tal facto deu o devido conhecimento ao douto tribunal, em relatório de 07/04/2020.
LIV. Pelo que, muito se espanta que volvido quase um ano do mencionado despacho e tendo o Recorrente já respondido à questão da exoneração, a qual segundo o tribunal a quo seria o único fundamento para a sua destituição (notificando-o nos termos do art. 56º do CIRE), venha agora ser emitido despacho de destituição.
LV. Posto isto, sempre se dirá que inexiste por parte do Recorrente qualquer falta de colaboração, omissão de prestação de informações esclarecidas ou desconsideração pela tribunal de 1ª instância, pelo insolvente ou pelos credores do processo.
LVI. E ainda que existam entendimentos diferentes, não foi cometida qualquer ilegalidade, nem existiu qualquer prejuízo para a massa insolvente para que se possa concluir pela existência de uma falta grave susceptível de destituição com justa causa do Sr. Administrador de Insolvência.
LVII. De salientar que “Essencial é, – como bem se salienta no voto de vencido proferido no já referido Acórdão de 23/10/2014 – “que estejamos perante uma falta grave, quer considerada em si mesma, quer nas suas consequências. Não faria, de facto, sentido, que o referido administrador pudesse ser destituído por qualquer atitude que simplesmente desagradasse ao insolvente, a algum dos credores ou a outro interveniente processual. A necessidade da justa causa ser preenchida por uma falta grave, no sentido indicado, constitui um elemento essencial para garantir a independência do administrador da insolvência, a qual, por sua vez, “é decisiva para a consecução dos objectivos do processo, no respeito pelo princípio da igualdade dos credores e na defesa genérica dos seus interesses” (citação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 07-05-2015, à margem do Proc. n.º 1653/12.2TBVRL-E.G1, disponível em http://www.dgsi.pt).
LVIII. Crê-se que a melhor linha de interpretação do conceito de “justa causa” da destituição do Administrador de Insolvência, a única que vai de encontro com as finalidades do nosso estado de direito, é aquela que seguindo as linhas mestras deixadas pelo legislador nos artigos 168º e 169º do CIRE, considera “justa causa” a violação de uma obrigação legalmente prevista e avalia-la segundo os “limites da boa fé, dos bons costumes e com violação dos fins económico e social dos direitos que lhe cumpre exercer” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 17-04-2012, à margem do Proc. n.º 664/10.0TYLSB-O.L1-1, cujo Relator é o Dr. Eurico Reis.
LIX. Neste seguimento e antes de qualquer consideração, para que se possa determinar um dado acto como “falta grave”, justificadora de “justa causa” de destituição, devemos enquadrar os deveres do Administrador de Insolvência.
LX. Deste modo, atentemos, em primeiro lugar ao art. 12º, n.º 1 e 2 do Estatuto do Administrador Judicial, bem como às funções do Administrador de Insolvência, socorrendo-nos da ajuda do Professor Doutor Luís Menezes Leitão, no seu livro “Direito da Insolvência”, 7ª Edição, página 119 e 120.
LXI. Aqui chegados, contrabalançando os factos imputados ao Recorrente e supra analisados, com as Obrigações/Deveres que lhe possam ser exigíveis, devemo-nos questionar: o Administrador de Insolvência violou algum dever/obrigação que consubstancie falta grave no exercício das suas funções? Qual? A sua conduta ultrapassou os limites da boa fé, dos bons costumes e com violação dos fins económico e social dos direitos que lhe cumpre exercer (art.º 334º do Código Civil)? A sua conduta foi de tal modo grave que pôs em crise a liquidação da massa insolvente (art. 12º, n.º 2 EAJ)? Causou prejuízo à massa?
LXII. Efetivamente, por maior que seja o esforço de raciocínio, não se consegue concordar com a imputação ao Recorrente de justa causa de destituição.
LXIII. Assim, o Douto Despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto no artigo 56º n.º 1 do CIRE, art. 20º da CRP, art. 3º, 7º, n.º 1 e 4, 156º, 615º n.º 1, alínea d) do CPC, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que mantenha o aqui Apelante como Administrador de Insolvência.”
O recurso foi admitido como Apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo – art. 644.º/2, al. e), do CPC, e 14.º/5 do CIRE, tendo sido fixado o valor da ação, para efeitos de recurso, em € 18.000,00.
O Sr. Juiz pronunciou-se sobre as nulidades arguidas, da seguinte forma:
“Suscitou o Sr. administrador da insolvência recorrente, nas alegações de recurso, a questão da nulidade do despacho de destituição, por extemporaneidade, por não ter sido precedido da audição do devedor, porque a notificação dirigida aos membros da comissão de credores foi efetuada em pessoa diversa e por excesso de pronúncia.
Apreciando e decidindo (art. 617.º/1 do CPC):
Quanto à invocada extemporaneidade, crê-se que a arguição é manifestamente improcedente, porquanto o prazo previsto no art. 156.º do CPC, de dez ou dois dias para que sejam proferidos os despachos, conta-se, como é evidente, desde a data em que o processo é concluso para o efeito pela secção.
Ora, o despacho de destituição foi proferido na mesma data em que o processo foi apresentado pela secção para o efeito.
Acresce que não existe a figura do despacho extemporâneo causador de nulidade, visto que, como é também evidente, mesmo que proferido para além do prazo legal – o que, como se viu, não sucedeu in casu – o despacho continua a ser válido e eficaz.
Em relação à notificação dos membros da comissão de credores prevista no art. 56.º do CIRE, foi feita corretamente pela secção, na pessoa dos mandatários judiciais das partes, em cumprimento do disposto no art. 247.º/1 do CPC, pois a notificação dos despachos e o exercício dos direitos processuais dos credores competem aos seus mandatários judiciais, e não aos representantes designados nos termos do art. 66.º/4 do CIRE para participar nas reuniões da comissão.
Quanto à audição do devedor, causa no mínimo estranheza que, após notificação do despacho sobre a eventualidade da destituição, o Sr. administrador da insolvência nada tenha dito, para agora invocar nulidade pela falta de notificação a outrem, sendo manifesto, pois, que carece de legitimidade para o efeito.
Por outro lado, qualquer irregularidade a esse respeito, a ter existido, ficou logo sanada com a notificação do despacho de destituição ao devedor, sem que nada por ele tivesse sido suscitado (cfr. arts. 197.º/1 e 199.º/1 do CPC).
No que concerne, finalmente, à questão do excesso de pronúncia, crê-se que é também manifestamente improcedente, quer porque, no essencial, a decisão de destituição foi baseada nos factos constantes da advertência anterior, embora nesta fosse impossível adivinhar que comportamento subsequente tomaria o Sr. administrador da insolvência, quer porque no processo de insolvência rege o princípio do inquisitório nos termos previstos no art. 11.º do CIRE.
Pelo exposto, julgo não verificadas as nulidades arguidas pelo recorrente, sem prejuízo da decisão do recurso.
Notifique.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
-questão prévia da eventual suspensão dos autos de recurso;
-nulidade do despacho recorrido e,
-(in)existência de justa causa para a destituição doa apelante do cargo de administrador da insolvência.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no relatório.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO
4.1 Questão prévia: da eventual suspensão do recurso.
Entende o recorrente que este recurso deva ficar suspenso, por ter suscitado questões no processo, que por se tratar de questões prejudiciais ao conhecimento do presente recurso, implicam a sua suspensão ao abrigo do art. 272º do CPC.
Compulsados os autos constata-se que o Recorrente, notificado do despacho de destituição, veio invocar a sua nulidade, junto do tribunal de primeira instância, alegando em suma que o despacho é extemporâneo e que não foi precedido da audição do devedor, acrescendo que a notificação dirigida aos membros da comissão de credores foi efetuada em pessoa diversa e ainda que não foi notificado para se pronunciar relativamente a todas as questões que serviram de fundamento á destituição.
As nulidades arguidas foram já objeto de apreciação pelo Tribunal recorrido, perante quem foram oportunamente invocadas, tendo sido desatendidas por despacho proferido em 13.02.2021, pelo que mostra prejudicado o conhecimento da questão prévia suscitada, da eventual suspensão destes autos de recurso.
4.2 Das nulidades arguidas
O Apelante vem invocar a nulidade do despacho recorrido de destituição alegando em suma que nele, o tribunal não conhece apenas da matéria invocada pelo próprio no despacho de 05/11/2019, nomeadamente sobre o estado do procedimento da exoneração (a), mas da alegada falta de esclarecimento quanto à declaração da comproprietário do imóvel cuja meação foi apreendida nos autos (b), da alegada não observância dos deveres de respeito e especial urbanidade no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados (c) e da “sintomática” falta de pronúncia sobre a possibilidade de destituição (d).
Alega que sobre estes três últimos pontos, não foi o Recorrente notificado para se pronunciar ao abrigo do art. 56º do CIRE, pelo que não pôde, consequentemente, exercer o seu direito de contraditório, o qual se encontra previsto no art. 3º do CPC e constitucionalmente protegido pelo art. 20º da CRP.
Ou seja, no despacho em crise o tribunal a quo alega novos fundamentos para a destituição do Recorrente, sem sequer ter ouvido o Sr. Administrador de Insolvência sobre os mesmos, como lhe competia nos termos do art. 56º do CIRE.
Compulsados os autos constata-se que este fundamento de nulidade foi já oportunamente invocado pelo ora Recorrente perante o tribunal recorrido, através do requerimento de 3.11.2020, mostrando-se a nulidade arguida ademais já devidamente apreciada e decidida pelo tribunal, mediante despacho datado de 12.02.2021, transitado em julgado, pelo que quanto a ela ocorre caso julgado, não se conhecendo assim da nulidade arguida nos pontos IV a XIV das conclusões de recurso.
4.3. Da (in)existência de justa causa para a destituição do administrador da insolvência.
Defende o Apelante que não ocorre factualidade suscetível de fundamentar a sua destituição por “justa causa”, uma vez que que a sua conduta do não consubstancia qualquer violação dos deveres a que se encontra adstrito.
E exemplifica que, na imputação que lhe é feita de “Falta de esclarecimento quanto à declaração da comproprietária do imóvel cuja meação foi apreendida nos autos mencionada nos despachos de 10/04/2019 e 15/11/2019.” (alínea A) das conclusões de recurso), ter já informado por requerimento de 28/01/2018 junto ao Apenso de Liquidação, o tribunal que “Com o intuito de promover à venda do imóvel apreendido como um todo, nos termos do art. 141º do CIRE e do artº 781.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código do Processo Civil, promover-se-á à notificação da irmã do devedor e comproprietária do imóvel, aguardando-se resposta à solicitação sobre o eventual conhecimento da sua morada.”
Que nesse seguimento, cerca de um ano depois, por requerimento de 04/02/2019 informou que “A comproprietária citada para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, não a concretizou, permitindo que o imóvel seja apreendido e vendido na totalidade pela massa insolvente, revertendo metade do produto líquido da venda a seu favor ou do credor hipotecário.”
Que não obstante a anterior informação prestada, o tribunal a quo, por despacho de 10/04/2019 notifica o Recorrente para “esclarecer e documentar se a comproprietária do imóvel de que foi apreendida metade indivisa fez a declaração a que alude o art. 781.º/2 e 4 do CPC; em caso negativo, só poderá prosseguir com a liquidação da totalidade do imóvel em conjunto com outro processo (art. 743.º/2 do CPC) ou mediante ação de separação de coisa comum, visto que o regime previsto nos arts. 740.º e 741.º do CPC é apenas aplicável à meação conjugal.”
Entende assim que a questão suscitada pelo já havia sido respondida nos requerimentos anteriores, ou seja, notificada a comproprietária a mesma não se pronunciou.
Alega também em suma, relativamente ao “estado” do procedimento da exoneração, (alínea B) das conclusões de recurso) que informou por requerimento de 28/01/2018 que havia diligenciado junto do precedente Administrador de insolvência e dos mandatários do devedor para que fosse disponibilizada informação sobre o pagamento efetuado pelo devedor no âmbito da fidúcia e respetiva entrega documental dos vencimentos mensais desde Agosto de 2015 até à presente data. Contudo apenas lhe foram entregues os recibos de vencimento após Janeiro de 2018, data em que o Devedor regressa a Portugal e começa a auferir um vencimento inferior ao montante de cessão do rendimento disponível, pelo que a falta de resposta do anterior Administrador de Insolvência, assim como a omissão do envio dos recibos de vencimento no período de Agosto de 2015 a Dezembro de 2017, não lhe permitiram elaborar um Relatório Anual de Fiduciário mais detalhado do que o por si apresentado em 07/04/2020
E que por email de 26/11/2018 (anexo ao Requerimento do próprio Insolvente) o Recorrente solicitou ao Insolvente diversa documentação para que pudesse efetuar o seu relatório anual, tal como Declarações e Nota de Liquidação de IRS, Recibos de Vencimento, Extrato de Remunerações, Certificado Criminal, entre outras, que nunca lhe foi entregue, pelo que se viu forçado a elaborar o relatório Anual concluindo pela falta de colaboração do Devedor, conforme resulta do seu Requerimento de 07/04/2020.
Quanto á imputação que lhe é feita da não observância dos deveres de respeito e especial urbanidade no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados (alínea C) das conclusões de recurso) diz que o tribunal o acusa de “não observa o dever de respeito e de especial urbanidade que deve interceder reciprocamente no relacionamento entre auxiliares de justiça e magistrados.”, sem que no entanto resulte do Despacho de Destituição os factos concretos que consubstanciem na violação dos deveres de respeito e especial urbanidade, sendo que não pretendeu em momento, nem entendendo que o tenha feito, desrespeitar o douto tribunal ou os seus magistrados.
Por último, quanto ao facto de não se ter pronunciado, quanto á sua eventual destituição (alínea D) das conclusões de recurso), alega que inexiste por parte do Recorrente qualquer falta de colaboração, omissão de prestação de informações esclarecidas ou desconsideração pela tribunal de 1ª instância, pelo insolvente ou pelos credores do processo.
Conclui assim que, ainda que existam entendimentos diferentes, não foi cometida qualquer ilegalidade, nem existiu qualquer prejuízo para a massa insolvente para que se possa concluir pela existência de uma falta grave suscetível de destituição com justa causa do Sr. Administrador de Insolvência.
Vejamos.
Em matéria de destituição do administrador da insolvência rege o art. 56º do CIRE, em cujo nº 1 se dispõe que “[o] juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o próprio devedor e o administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa”.
Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda [1] Ao Administrador Judicial cabem importantíssimos poderes, que, todavia lhe são atribuídos para a tutela de interesses que não são seus.” Por isso, referem, “está realmente investido de verdadeiros poderes funcionais cujo exercício zeloso é condição imprescindível da consecução da finalidade da insolvência”.
A propósito dos deveres funcionais o art. 12.º do Estatuto do Administrador de Insolvência preceitua no se nº 1 que “os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes”; por seu turno, de acordo com o seu nº 2, “os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados”.
Por sua vez, na “justa causa” de destituição suscetível de conduzir á destituição do administrador judicial, “cobrem-se todos os casos de violação e deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa e, segundo o entendimento que temos por melhor, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas é inexigível a manutenção da relação com ele, e infundada a pretensão do administrador se manter em funções” [2]
Como se pode ler no recente acórdão desta Relação de 12-04-2021[3], “No sentido de encontrar um conceito operativo de justa causa, a jurisprudência vem sustentando que o mesmo se preenche e concretiza: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59, nº 1 do CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado. Posição análoga vem sendo defendida pela doutrina pátria que aponta para a necessidade de se verificar uma falha importante e grave, tanto na sua dimensão individualizada, como no domínio do resultado consequencial.”
Se existir justa causa, a decisão de destituição do administrador Judicial compete ao Juiz, mas não se trata de um poder discricionário deste.
Assenta antes “num poder vinculado, que ele não pode regularmente deixar de exercer quando se verifique justa causa”, o que bem se compreende se atentarmos que “ao administrador judicial cabem importantíssimos poderes que, todavia, lhe são atribuídos para a tutela de interesses que não são seus. (…) Ocorrendo justa causa, o administrador deve efetivamente ser destituído pelo juiz. De outro modo, deixar-se-ia ao seu critério a manutenção de uma situação que, com boa dose de probabilidade, não conduzia à conveniente tutela dos interesses a proteger”.[4]
Vertendo estas considerações para o caso em apreço, não podemos deixar de concordar com a posição assumida pelo Sr. Juiz do processo.
Com efeito, constata-se que, o senhor administrador de insolvência, foi notificado do despacho proferido em 10.4.2019 [5], que remete para uma anterior notificação que já lhe fora feita do despacho de 12/10/2017, para “prestar informação completa sobre o procedimento de exoneração, que inclua todo o período de cessão decorrido até ao presente (que se iniciou em Agosto de 2015) e inclua igualmente a indicação, por mês (ou, não sendo isso possível ou necessário, por ano), dos proventos do insolvente, dos valores entregues e dos montantes devidos a título de cessão (como é necessário para aferir da regularidade das entregas feitas), comprovando a sua comunicação aos credores (art. 240.º/2 do CIRE).”
Face ao anterior incumprimento, este despacho é feito com menção expressa de “sob cominação de multa”.
Não obstante, o Sr. Administrador Judicial remete-se ao silêncio, pelo que, em 05-11-2019[6] é proferido novo despacho com o seguinte conteúdo: “O Sr. fiduciário, apesar dos despachos proferidos, das notificações efetuadas para o efeito e da sua nomeação por decisão de 12/10/2017, ainda não prestou qualquer informação sobre o estado do procedimento de exoneração.
Tal atuação implica, segundo pensamos, incumprimento dos deveres funcionais e, simultaneamente, violação injustificada do dever de colaboração, retirando aos credores e ao Tribunal a possibilidade de verificação do cumprimento das obrigações que impendem sobre o devedor, atrasando e podendo inquinar a devida apreciação do incidente, devendo por isso ser sancionada nos termos do art. 417.º do CPC.
Pelo exposto, condeno o Sr. fiduciário na multa processual de 2,5 UCs.
Renovo integralmente o despacho anterior, agora sob cominação de decisão de destituição, sobre a qual, ao abrigo do disposto no art. 56.º do CIRE, o Sr. administrador da insolvência poderá pronunciar-se, também em dez dias. Notifique, incluindo os membros da comissão de credores, para o mesmo efeito.”

O Sr. Administrador Judicial, não obstante a gravidade da situação, da sua condenação em multa, volta a reiterar o seu comportamento omissivo, nada dizendo, o que veio a culminar no despacho de destituição ora sob recurso.
O processo de insolvência, tal como resulta do artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL53/2004 de 18.3, com as alterações entretanto introduzidas, (a seguir designado CIRE), tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores.
O processo de insolvência é um processo de execução universal, cuja finalidade se reconduz à satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e subsequente repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º n.º 1 do CIRE).
Resulta assim do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia (art. 158º, n.º 1 do CIRE).
E uma vez encerrada a liquidação da massa insolvente, segue-se a distribuição e rateio final, efetuados pela secretaria do tribunal quando o processo é remetido à conta e em seguida a esta (art. 182º, n.º 1 do CIRE).
O núcleo fundamental da atividade do administrador de insolvência reside assim na administração e na liquidação da massa insolvente, atividade exercida pelo administrador de insolvência no cumprimento de atribuições próprias que lhe são conferidas por lei.
No exercício destas sua atividade, o administrador de insolvência está sujeito á fiscalização do juiz (art. 58º do CIRE) e da comissão de credores, quando exista (art. 68º nº 1 do CIRE) e conta ainda com a colaboração desta na execução das suas funções.
O administrador de insolvência está obrigado a prestar ao Tribunal todas as informações que lhe sejam solicitadas sobre a administração e a liquidação da massa insolvente e no caso em apreço, reiteradamente não respondeu às diversas notificações nomeadamente as feitas nos despachos de 10/4/2019 e de 5/11/2019.
No despacho recorrido, de 26/10/2020, constatando o tribunal que o referido esclarecimento sobre a liquidação não havia sido prestado e, bem assim, que o relatório sobre a exoneração não observava os requisitos mínimos para a sua apreciação, e que haviam sido expressamente mencionados nos despachos anteriores, foi decidida a destituição.
Em face do exposto, não podem colher as “justificações” tardiamente[7] prestadas pelo sr. Administrador judicial de que já havia prestado informação relevante no processo quanto á declaração da comproprietária do imóvel, ou que não houve colaboração do anterior administrador nem do devedor, no incidente de exoneração do passivo, porquanto as mesmas não justificam o seu comportamento silente face às notificações anteriores feitas pelo tribunal, a que estava obrigado a dar satisfação.
Pensamos que a situação descrita consubstancia incumprimento dos aludidos deveres por parte do Sr. administrador judicial que não respondeu a notificações que lhe foram expressamente dirigidas pelo tribunal, e que aquele poderia prontamente ter esclarecido, mostrando tal comportamento gravidade e censurabilidade suficientes para, atentos os deveres funcionais que sobre o mesmo impendem relativamente ao Tribunal e aos credores, consubstanciarem “justa causa” de destituição.
Com efeito, não é razoável nem compreensível que um administrador diligente e zeloso se furte sistematicamente a prestar informações que lhe sejam solicitadas pelo Tribunal.
Com efeito, o objetivo do processo de insolvência é, como dissemos, a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores e da celeridade imposta pelo carácter urgente do processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos (art. 9º do CIRE), pelo não se pode aceitar o comportamento do Recorrente, de total desprezo pelas notificações do tribunal, causador de delongas processuais, e de falta da colaboração funcionalmente devida para atingir, em tempo útil, a finalidade última do presente processo insolvencial.
Apenas uma palavra quanto á imputação que é feita ao Recorrente no despacho sob recurso relativamente entendemos à informação por aquele prestada sobre a liquidação a 21/7/2020, no apenso D, no sentido de que “não observa o dever de respeito e de especial urbanidade que deve interceder, reciprocamente, no relacionamento entre os auxiliares da justiça e os magistrados.”
Lida a informação prestada pelo Sr. Administrador de insolvência naquele apenso, é possível detetar alguma “animosidade” latente, nas palavras que usa, mas não cremos que não tenham sido ultrapassados os limites da urbanidade e respeito.
Sem embargo, a atuação do Sr. administrador judicial que analisamos, implica uma quebra da relação de confiança indispensável ao exercício e manutenção de funções por parte do Sr. administrador da insolvência nestes autos, configurando justa causa de destituição, no sentido que é empregue pelo art. 56.º do CIRE.
Assim sendo e pelo exposto, consideramos ser justificada a censura que o Tribunal de 1ª instância fez da atuação do ora recorrente, considerando-se que as suas sucessivas omissões e as delongas provocadas no processo, sem justificação, comprometem a relação especial de confiança que é suposto ter com o tribunal, tornando inexigível a sua manutenção no exercício do cargo de administrador judicial.

V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 13.07.2021
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
______________
[1] In CIRE anotado, Volume I, Reimpressão, Quid Iuris, pg. 264.
[2] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob citada, pg. 263, citando Luís Menezes Leitão, in Código da Insolvência, pg. 88.
[3] Relator Desembargador Miguel Baldaia de Morais: acórdão disponível in www.dgsi.pt
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit.pg. 265.
[5] Despacho parcialmente reproduzido no relatório supra.
[6] Despacho supra reproduzido parcialmente no Relatório.
[7] Prestadas apenas em fase de recurso.