NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário

Texto Integral


Acórdão em Conferência no Supremo Tribuna de Justiça



I – RELATÓRIO


“Rute Arnaut, L.da”, deduziu oposição à execução que lhe move Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, SA, já ambas identificadas nos autos, sustentando, em síntese, que foi homologado plano de revitalização – com o voto contra do Exequente – onde foi consignada a manutenção dos contratos de leasing, com alargamento do prazo para o dobro do inicialmente contratado e correspetivo reajuste no montante das rendas mensais, perdão integral de juros de mora vencidos, vincendos e penalizações contratuais vencidas. Após aprovação do plano, a executada solicitou ao exequente que efetivasse o plano de pagamento da divida existente à data de 02 de abril de 2014 e acordo com o decidido no mesmo plano, pedidos que não mereceram qualquer resposta da exequente, vindo depois referir que a executada estava em incumprimento nos termos do artigo 218.º do CIRE, o que esta entende não corresponder à verdade por se não encontrar em mora.

Por outro lado, impugna o valor aposto na livrança, com as consequências daí decorrentes, nomeadamente a respectiva nulidade.

Por despacho de 09 de dezembro de 2019 foram os presentes embargos de executado recebidos e o Exequente notificado para, querendo, contestar.


O Exequente-Embargado apresentou contestação sustentando, em síntese, que em face do plano de revitalização aprovado, competia à Embargante-Executada limitar-se a efectuar o pagamento nos termos estipulados no plano, o que não fez, porque não tinha interesse em cumprir.

Mais alega que a Embargante conferiu ao Embargado o direito de livremente preencher a livrança pelo valor que à data do seu vencimento estivesse em dívida, o que foi feito, correspondendo o montante em dívidas às rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, indemnização pela mora na entrega dos veículos e selagem da livrança.


Foi proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da causa, fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida a sentença, na qual se decidiu o seguinte:

a. Com os fundamentos de facto e de direito enunciados, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução, para pagamento da quantia de 34.612,82 euros, acrescido de selagem de 173,06 euros e juros à taxa de 4%/ano desde o vencimento da livrança até integral pagamento.

b. Custas a cargo de Embargante e Embargado na proporção do decaimento.”.


Inconformada com a mesma, interpôs recurso a exequente-embargada Montepio, SA.

Por sua vez, a executada-embargante interpôs recurso subordinado, na parte em que não determinou a nulidade da livrança exequenda por violação do pacto de preenchimento.


O Tribunal da Relação ….. a proferir acórdão, no qual decidiu:

“Julgar procedente o presente recurso principal de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara que a execução pode prosseguir os seus ulteriores termos, tal como requerido pela embargada/exequente e;

Se julga improcedente o recurso subordinado interposto pela embargante/executada”.


Inconformada com o assim decidido pela Relação, veio a embargante RUTE ARNAUT, LDª interpor recurso de revista, apresentando alegações.


Foi proferido acórdão, onde se julgou improcedente o recurso e, consequentemente, negada a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de … .



***


Vem, agora, a Recorrente Rute Arnaut, L.da., reclamar para a conferência, arguindo a nulidade do acórdão ínsita na al. c) do artº 615º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão).

A Recorrida/reclamada - Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, SA. - responde, concluindo pela inexistência da apontada nulidade do acórdão, pois que não vem, sequer, esclarecido onde está a apontada contradição.


II. APRECIANDO


É mais que evidente que não se verifica a apontada nulidade do acórdão.

Aliás, a bem dizer, não se percebe muito bem o que pretende a reclamante/Embargante.

Com efeito, por esta via desta reclamação mais não faz do que apresentar uma nova reapreciação dos factos provados, para daí concluir que “é, assim, censurável a conduta do embargado” e que a subsunção jurídica vertida no acórdão não foi a correcta, maxime no que tange à interpretação do artº 813º do CC.

E fica-se por aqui, sem, na verdade, mostrar, no concreto, onde vislumbrou a apontada contradição entre a decisão e os fundamentos!


Como bem observa a Recorrida, a peça apresentada pela Recorrente, em que argui a apontada nulidade do acórdão, mais parece uma nova peça de interposição de (novo) recurso, agora procurando impugnar a matéria de facto provada nos autos e que serviu de suporte à prolação do acórdão e extrair as ilações que julga pertinentes do facto de a embargada não ter respondido à missiva da embargante.

Ora, tudo isto já foi devidamente escalpelizado e decidido nas diversas instâncias, não podendo agora vir discutir tal matéria


Em suma, o que temos é uma mera discordância da embargada relativamente ao resultado da revista. O que nada tem a ver com qualquer nulidade da decisão.


*


Sempre se recorda à reclamante que a nulidade da sentença com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão traduz-se num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença ao nível da subsunção jurídica nela operado, consistente no facto de a fundamentação fáctico-jurídica argumentativa nela exarada pelo juiz apontar num determinado sentido (em determinado sentido da decisão a proferir) e a decisão proferida seguir outro caminho, oposto ou, pelo menos, diferente.

Esse vício distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto, mas antes outro (error facti) ou por o juiz ter incorrido numa incorreta aplicação das normas ao caso concreto, que demandava a aplicação de outras, ou ter incorrido na errónea interpretação das aplicáveis (error iuris).

Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou não, reafirma-se, é erro de julgamento e não causa de nulidade da sentença[1].

O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos fáctico-jurídicos nela invocados para fundamentar essa decisão, conforme decorre do que ficou dito, tem a ver com a construção viciosa da sentença ou acórdão, isto é, a sentença ou o acórdão proferido padece de um vício lógico interno[2], em que o juiz subsume os factos provados e não provados ao direito que na sua perspetiva seria aplicável, segue determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico com vista a extrair a conclusão (a parte dispositiva da sentença, isto é, a decisão), mas em vez de tirar essa conclusão, extrai uma outra (por exemplo, toda a lógica de raciocínio seguida na sentença, em sede de subsunção jurídica dos factos apurados, aponta para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, quando vai extrair a conclusão a partir da linha de raciocínio que nela vinha seguindo, de modo contraditório com esse raciocínio, decreta a absolvição do réu do pedido).

“Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente), mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real”[3].


Portanto, quando muito, poder-se-ia pensar aqui na existência de um erro na subsunção dos factos à norma ou normas jurídicas aplicadas no acórdão, ou um erro na interpretação desta(s).

No acórdão entendeu-se que dos factos apurados resultava determinada consequência jurídica, entendimento que foi expresso na fundamentação do aresto, ou dela decorre.

Se a decisão foi ou não a mais consentânea com o estatuído nas normas legais aplicáveis, então teríamos um erro de julgamento, mas nunca se estaria perante a apontada oposição geradora de nulidade.


III. DECISÃO

Termos em que se indefere a reclamação.

Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s.


Lisboa, 14-07-2021


(Fernando Baptista - com voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, conforme o disposto no art.º 15º-A do DL 10-A/2020, 13MAR, com a redacção introduzida pelo DL 20/2020, 01MAI).


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[1] Ac. do STJ, de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.

[2] Ferreira de Almeida “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 370.

[3] Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 370 e 371.