RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ATO INÚTIL
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
REGISTO PREDIAL
TRANSCRIÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
Sumário


I. Em sede de revista interposta de acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, quando seja invocada a violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, este fundamento não concorre para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, na medida em se está perante uma decisão criada ex novo no próprio tribunal da Relação, sem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com a decisão produzida na 1.ª instância, com a qual não ocorre qualquer coincidência, como é intrínseco à dupla conforme.
II. O conhecimento de nulidades da decisão recorrida, no caso de não ser admissível recurso de revista normal ou ordinário, é da competência do tribunal a quo, não cabendo ao tribunal ad quem pronunciar-se sobre a sua verificação quando o recurso não seja admissível.
III. Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC.
IV. Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.
V. A presunção do art.º 7.º do Código do Registo Predial não abrange os elementos de identificação do prédio que constam da descrição (limites, composição, áreas, etc), antes se cinge à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito.
VI. Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.
VII. Se não se exige a transcrição dos excertos da gravação que se considere importantes, já é necessário que os apelantes indiquem com exatidão as passagens da gravação que consideram relevantes ou pertinentes para que o tribunal de recurso possa reapreciar todas e cada uma das decisões de facto com que não concordam.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


 

I – RELATÓRIO


PERMUTARSORTE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, instaurou acção de processo comum contra AA e mulher BB.

Pede que se julgue resolvido o contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos por incumprimento definitivo dos réus e se condenem estes a pagar-lhe uma indemnização no montante de 20.000,00€ correspondente ao dobro do sinal prestado.


Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, a qual concluem pedindo que: a acção seja julgada não provada e improcedente; a reconvenção seja julgada provada e procedente e por consequência que o tribunal, nos temos do disposto no artigo 830º, nº 1, do código civil se substitua à declaração negocial da autora, transmitindo a favor da autora, o prédio identificado na cláusula primeira do contrato promessa de compra e venda celebrado em 02-09-2017, (documento junto aos autos com a petição inicial sob o nº 2) que consta de prédio rústico, sito no ....., da freguesia........, do concelho....., composto de terreno e mato, inscrito na matriz sob o artigo ….47 da união de freguesias .......... e ……, descrito na conservatória do registo predial de ...... com o nº ….18, pelo preço de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros), condenando a autora a pagar-lhes, a quantia de 35.000,00 € correspondente ao remanescente do preço.


A Autora respondeu pedindo a improcedência da reconvenção.

Em sede de audiência prévia foi admitido o pedido reconvencional e fixado o seguinte objecto do litígio[1].

Após realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Julga resolvido o contrato promessa de compra e venda em causa nos autos por incumprimento definitivo dos réus;

b) Condena os réus a pagar à autora uma indemnização no montante de 20.000,00 (vinte mil euros), correspondente ao dobro do sinal prestado.

Mais julga improcedente a reconvenção, absolvendo a autora dos pedidos nela formulados.

Custas pelos réus.”


Inconformados com essa decisão, os Réus apresentaram recurso de apelação, pugnando pela alteração da decisão de facto e modificação da decisão de mérito em conformidade, tendo a Relação …, em acórdão, decidido julgar improcedente a apelação.


De novo inconformados, vêm os Réus AA e mulher BB interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematam com as seguintes


CONCLUSÕES


O Acórdão recorrido violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, pois não apreciou as questões suscitadas pelos recorrentes fundamentando-se em proposições formais menores não estruturantes das obrigações legais de recurso para reapreciar a decisão da matéria de facto e depois por se demitir da função de julgar.


Os recorrentes no recurso de apelação cumpriram os ónus necessários à impugnação da decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, designadamente, a obrigação prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 640º do CPC, como se pode verificar das conclusões, transcritas na fundamentação do presente recurso.


No tocante à obrigação prevista na alínea a), do nº 2, do artigo 640º do CPC – “indicar com exatidão as passagens da gravação…”, conclui-se o seguinte:

a) - Os Recorrentes no recurso de apelação colocaram em crise a credibilidade que o tribunal da primeira instância atribuiu às declarações de parte, de CC, e aos depoimentos das testemunhas, DD, EE e FF - conclusões 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª do recurso de apelação.

b) - Para julgar da credibilidade, não é suficiente para o Tribunal da Relação a audição parcial nem a transcrição parcial dos depoimentos, tornando-se necessário ouvir todo o depoimento da parte e todo o depoimento de cada uma das testemunhas, pelo que a transcrição na totalidade e a sua junção só pretende facilitar a apreciação do tribunal superior.

c) - Quando se quer demonstrar a inexistência de uma realidade esta só pode ser comprovada ou com meios de prova da realidade oposta ou com a com a menção da inexistência de depoimentos testemunhais que a comprovem.

d) - Estando em causa comprovar factos negativos ou a inexistência do comprovado é necessário fazer a menção aos depoimentos totais das testemunhas (conclusão 46º do recurso de apelação).

e) - A obrigação de indicar com exatidão as passagens da gravação, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante, referida no artigo 640º do CPC, tem gerado polémica, tendo o Supremo Tribunal de Justiça vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa á matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão e ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.

f) - A falta de indicação das concretas passagens dos respetivos depoimentos é um ónus secundário, que terá como consequência ouvir todo o depoimento das testemunhas, e cuja transcrição total consta dos autos.


Os recorrentes, em sede de apelação cumpriram no essencial, com os comandos legais insertos no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que o tribunal recorrido deveria ter procedido à reapreciação da decisão de facto, não só por referência aos elementos documentais insertos no processo, mas também com referência à prova testemunhal indicada na apelação.


No recurso de apelação os recorrentes impugnaram a matéria de facto constante do item i) dos factos não provados da decisão da primeira instância que consta do seguinte: “Aquando da celebração do contrato promessa referido em 2, o prédio dele objecto era composto de pinhal e mato”, era e é entendimento dos recorrentes que tal facto devia ter sido dado como provado atento os documentos autênticos constantes dos autos, incluindo a confissão judicial do represente legal da recorrida.


Porém o acórdão recorrido decidiu não conhecer, de tal questão, cita-se (página 24 do acórdão): …, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, 1, e 130º, do Código de Processo Civil, decide-se não conhecer desta particular impugnação, com prejuízo para o conhecimento de todos os argumentos a ela subjacentes (cf. Art. 608º, 2 do Código de Processo Civil).”


A obrigação do Tribunal da Relação …… era de conhecer de todos os fundamentos do recurso, tendo feito uma errada interpretação e aplicação dos artigos 2º, nº 1, 6º, 130º e 608º, nº 2 do Código de Processo Civil.


Ao não apreciar todas as questões suscitadas pelos recorrentes nas suas conclusões, designadamente as questões que recorrentes alegaram, designadamente o constante das conclusões 24º, 25º, 26º, 27º, 28º 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, o acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), e artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil.


PEDIDO

Termos em que, deve ser concedida revista, e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que reaprecie a decisão de facto, tal como pretendido pelos recorrentes.


*


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

**

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:

1. Se o acórdão recorrido não apreciou as questões suscitadas pelos recorrentes e se, por isso, incorreu em nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d) ex vi do artigo 666º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil) e violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa).

2. Se os recorrentes cumpriram os ónus impostos pelo artigo 640º do CPC e se, como tal, não deveria o recurso ter sido rejeitado, com foi.

III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS

a) É a seguinte a matéria de facto provada:

1. A autora, “PERMUTARSORTE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.”, pessoa coletiva com o NIPC 513 … 895, com sede na Rua …, n.º …, loja …, entrada 1, …, tem por objecto a construção civil, investimentos imobiliários, compra e venda de imóveis, revenda, loteamento e urbanização de terrenos, remodelação e restauro de edifícios.

2. No exercício do seu escopo profissional, entre a autora e os réus, em ........., no dia 02 de Setembro de 2017, foi celebrado contrato promessa de compra e venda com o seguinte teor:

“CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA

Entre:

Primeiros outorgantes: AA, N.I.F. ....., casado no regime da comunhão de adquiridos com BB, N.I.F. ........., residentes na ………….., ………, como Promitentes-vendedores;

Segundo outorgante: PERMUTARSORTE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., com sede na Rua …, loja …, …, …, concelho de …, contribuinte n.º 513 … 895, com um capital social de 5,000.00 Euros, neste acto representada pelo sócio-gerente CC, contribuinte n.º ....., residente na ......, ….-… ……., concelho........., designado por Promitente-comprador;

É celebrado e reciprocamente acordado, nesta data, o presente contrato-promessa de compra e venda, nos termos das cláusulas seguintes:

PRIMEIRA

Os primeiros outorgantes são os actuais e únicos donos e legítimos proprietários e possuidores de um terreno de pinhal e mato, inscrito na matriz sob o artigo ….47 da União de Freguesias ......., e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ com o número ..18

SEGUNDA

Pelo presente contrato, os primeiros outorgantes prometem vender ao segundo outorgante, ou a pessoa, individual ou colectiva, por ele indicada, que por sua vez, promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, o imóvel identificado na cláusula primeira do presente contrato. Os primeiros outorgantes comprometem-se a fechar, antes da escritura pública de compra e venda, o portão existente no muro Norte do terreno acima descrito na cláusula primeira, bem como a demolir o anexo também existente na parte Norte do mesmo terreno alvo do presente contrato.

TERCEIRA

O preço desta prometida venda do referido imóvel é de 45.000,00 € (Quarenta e cinco mil euros).

QUARTA

A título de sinal e início de pagamento, o segundo outorgante entrega aos primeiros outorgantes, através do cheque n.º .....628 do Banco Millenium BCP, a quantia de 10.000,00 € (Dez mil euros).

QUINTA

A parte restante do preço, ou seja, a quantia de 35.000,00 € (Trinta e cinco mil euros), será paga no acto de transmissão do imóvel objecto do presente contrato, a celebrar por escritura pública de compra e venda em regime de balcão único ou “Casa Pronta”, até ao dia 30 de Novembro de 2017.

SEXTA

O segundo outorgante comunicará aos primeiros a data da escritura mencionada na cláusula anterior, por carta registada com aviso de recepção, com, pelo menos, dez dias de antecedência sobre a data da mesma.

SÉTIMA

Caso o segundo outorgante não proceda à marcação da escritura no prazo acima indicado, tal direito reverte para os primeiros outorgantes, ficando estes com a faculdade de marcarem, até de imediato se assim entenderem, a data da sua celebração, tendo, no entanto, a obrigação de avisar o segundo do dia, hora e local designado para a escritura prometida, por carta registada com aviso de recepção a remeter para a morada deste supra indicada, que aqui vale enquanto domicílio convencionado, com pelo menos dez dias de antecedência.

OITAVA

São da responsabilidade dos primeiros outorgantes a obtenção de todos os documentos necessários e inerentes ao prédio com vista à outorga do ontrato definitivo, bem como as despesas inerentes ao cancelamento de quaisquer ónus que impendam sobre o prédio objecto do presente contrato.

NONA

Correm exclusivamente por conta do segundo outorgante as despesas inerentes quer ao presente contrato, quer à escritura pública prometida de compra e venda, nestas se compreendendo, além do mais que for legal, as referentes a IMT, se a ele houver lugar, escritura e/ou autenticação do contrato de compra e venda, imposto do selo e subsequente registo de aquisição.

DÉCIMA

As partes outorgantes obrigam-se a, no prazo de 10 (dez) dias após a comunicação da fixação da data da escritura ou contrato definitivo de compra e venda, entregar os documentos que sejam da sua responsabilidade e resultem necessários à outorga da mesma.

DÉCIMA PRIMEIRA

Os primeiros outorgantes, em caso de incumprimento definitivo do presente contrato imputável ao segundo outorgante, terão direito a fazer suas todas as quantias recebidas.

DÉCIMA SEGUNDA

O segundo outorgante terá direito, em caso de incumprimento definitivo deste contrato imputável aos primeiros outorgantes, a exigir a restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal.

DÉCIMA TERCEIRA

Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, qualquer dos outorgantes poderá, alternativamente ao disposto nas cláusulas décima primeira e décima segunda, exigir a execução específica do presente contrato-promessa, nos termos do artigo 830.º (oitocentos e trinta) do Código Civil e demais legislação aplicável.

DÉCIMA QUARTA

1. Todas as notificações a realizar entre os outorgantes ao abrigo do presente contrato deverão ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção, expedidas para as moradas indicadas na identificação das partes outorgantes que consta do presente contrato, que valem como domicílio convencionado.

2. No caso de haver alteração de qualquer endereço, fica a respectiva parte outorgante obrigada a comunicar à contraparte essa alteração por carta registada com aviso de recepção.

DÉCIMA QUINTA

1. As partes outorgantes prescindem expressamente do reconhecimento presencial das suas assinaturas no presente contrato, bem como dos restantes requisitos estabelecidos no artigo 410.º (quatrocentos e dez) do Código Civil, e expressamente renunciam à invocação dessa omissão, não podendo, por isso, qualquer um deles invocar a nulidade do presente contrato, sob pena de abuso de direito nos termos do preceituado no artigo 334.º (trezentos e trinta e quatro) do Código Civil, declarando, também expressamente, que lhe reconhecem validade e eficácia.

2. Contudo, na eventualidade de esta ou outra omissão vir a ser invocada ou declarada, desde já se obrigam todas as partes a outorgar contrato promessa com conteúdo idêntico ao do presente contrato que sane qualquer vício de forma de que este enferme.

DÉCIMA SEXTA

1. Nada foi convencionado entre os outorgantes, directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas.

2. Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas, desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das aditadas ou modificadas.

DÉCIMA SÉTIMA

Para apreciação e decisão de todo e qualquer litígio emergente deste contrato será territorialmente competente o Tribunal da Comarca de ......., foro que as partes convencionam com expressa renúncia a qualquer outro.

DÉCIMA OITAVA

Todos os outorgantes, por concordarem integralmente com o seu teor, declaram aceitar o presente contrato, obrigando-se, reciprocamente, nos precisos termos em que o mesmo se encontra elaborado.

Feito este em duplicado, em ........., no segundo dia do mês de Setembro de 2017 (dois mil e dezassete), vai cada uma das partes outorgantes ficar com um exemplar do mesmo, constituído por quatro páginas, devidamente assinado e rubricado por todos com a assinatura e rubrica que habitualmente usam.”.

1. O cheque referido na cláusula quarta do referido contrato foi debitado na conta bancária da autora no dia 08/09/2017.

4. A autora pretendia construir no prédio objecto do contrato duas casas geminadas, destinadas a habitação, para vender.

5. Após a celebração do contrato, a autora contactou com o gabinete de arquitectura DD Unipessoal, Lda., a quem incumbiu de fazer o projecto das obras a levar a efeito sobre aquele prédio.

6. No dia 19/10/2017, o referido gabinete de arquitectura deu entrada na Câmara Municipal ......... de um pedido de informação prévia (requerimento n.º 6159), a que foi atribuído o processo n.º 394/2017, a fim de saber da possibilidade de construir no referido prédio aquelas duas moradias.

7. No início do mês de Dezembro de 2017, a CM.. notificou o requerente, DD, da intenção de ser emitido parecer desfavorável à retensão, com fundamento no parecer desfavorável à construção, emitido ela Gestão Regional ….. da Infraestruturas de Portugal, SA, que anexou a tal notificação, onde se menciona que a construção pretendida “não respeita a zona de servidão non aedificandi, estabelecida na alínea q) do n.º 8, do artigo 32.º, do novo estatuto da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015 de 27 de Abril, ou seja, 50 m para cada lado do eixo da estrada ou dentro da zona de visibilidade e nunca a menos de 20,00 m da zona da estrada”.

8. Em 11 de Dezembro de 2017, o gabinete de arquitectura Valter Campelo de Sousa Unipessoal, Lda. solicitou à ...... Ambiente certidão relativa ao cadastro das condutas e demais elementos que atravessam o prédio prometido vender e aos encargos com eventuais modificações/remoções dessas condutas, com vista à construção das referidas moradias.

9. Em 03 de Janeiro de 2018, a ..... Ambiente EM emitiu declaração relativa ao cadastro do Sistema Público de Abastecimento de Água que atravessa o prédio prometido vender, com o seguinte teor:

“Cadastro do Sistema Público de Abastecimento de Água Declaração A Eamb-......... Ambiente, E.M., NIPC 507 … 076, com sede na Travessa …, n.º …, na Cidade de ........., entidade responsável pela gestão e exploração dos sistemas públicos de captação e distribuição de água para consumo público na área do Município ........., tendo presente o requerido nesta entidade pela firma Valter Campelo de Sousa, Unipessoal, Lda., após consulta do cadastro das redes públicas de abastecimento, declara, para os devidos efeitos, que no prédio sito na ……, na União das Freguesias ......., concelho ........, melhor identificado na planta anexa, estão instaladas há mais de 30 anos, três condutas de abastecimento de água, actualmente fora de serviço, sendo duas condutas em fibrocimento de N250 mm e de DN225 mm e uma conduta em ferro de DN80 mm, mantendo-se, por isso, a servidão de aqueduto no local.

Mais declara que não está prevista a execução de quaisquer trabalhos para remoção das condutas de abastecimento de água aí instaladas.

Por ser verdade se passou a presente declaração, que vai por mim assinada e autenticada com o carimbo em uso nesta entidade.

........., 03 de Janeiro de 2018

O Presidente do Conselho de Administração”.

10. Em 30 de Novembro de 2017 os réus não tinham retirado ainda o portão existente no muro de vedação norte do prédio e construído o muro no local desse portão, nem tinham demolido o anexo ali existente;

11. Tal inércia concorreu para que a autora não tivesse procedido à marcação da escritura pública de compra e venda até àquela data.

12. Os réus designaram a realização da escritura pública de compra e venda (Procedimento Casa Pronta) do bem prometido comprar e vender para o dia 15 de Janeiro de 2018, pelas 15h00, na Conservatória do Registo Predial ......, conforme Notificação Judicial Avulsa por eles requerida e notificada à autora em 22/12/2017.

13. Por sua vez, a autora, por Notificação Judicial Avulsa efectuada no dia 10 de Janeiro de 2018, interpelou admonitoriamente os réus para, até ao momento designado para a celebração de tal escritura pública de compra e venda, darem cumprimento integral à cláusula segunda do contrato-promessa, sob pena de não ser outorgada a escritura pública de compra e venda e do contrato-promessa de compra e venda ser e ter-se por resolvido, por incumprimento definitivo e de, como consequência dessa resolução, terem de indemnizar a autora no montante correspondente ao dobro do montante do sinal prestado.

14. No dia 15 de Janeiro de 2018, pelas 15h00, a autora, representada por CC, compareceu na Conservatória do Registo Predial .......

15. No entanto, com fundamento nos factos referidos em 7 e 9, CC recusou-se a outorgar o título, recusa certificada pela Conservadora da Conservatória do Registo Predial .... .

16. No dia 18/02/2002, no Cartório Notarial ...., os réus, através de escritura pública venderam a Construções Vale & Maciel, Limitada, um prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, sito no …, freguesia ……., do concelho ........., inscrito na matriz sob o artigo ….55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ......... sob o n.º …28 ..............

17. O prédio referido em 16 situa-se na mesma rua, lugar e freguesia do prédio referido em 2.

18. Nele (prédio referido em 16) foram construídas quatro moradias.

19. CC foi sócio gerente da empresa referida em 16.

20. No primeiro semestre de 2017 os réus colocaram o prédio objecto do contrato referido em 2 à venda, designadamente na imobiliária Habite que colocou no prédio uma placa com o telefone ….52 e os dizeres www.habite.pt e “Habite vende”.

21. CC é sócio da imobiliária referida em 20.

22. Posteriormente, CC decidiu-se pela compra do terreno para a autora.

23. Aquando da celebração do contrato referido em 2 a autora conhecia a proximidade à A28.

24. As condutas de água foram intervencionadas, com mudança do traçado, em terrenos a nascente ….., em 2003/2004, no âmbito do Processo CM.. …/2002-….. 251/2002, em nome de construções Vale & Maciel, Lda.

25. Desde 2004/2005 que as condutas começaram a perder relevância, mercê da ligação à adutora da freguesia …….., ..........

26. CC tinha conhecimento do referido em 24.

27. Foi ele quem negociou os contratos referidos em 2 e 16 com os réus.

28. Face ao referido em 7 e 9, a autora informou os réus que não mantinha interesse na compra do prédio e propôs adquirir aos réus um lote de terreno, sito em ……, aproveitando o sinal referido em 2.

29. O contrato promessa referido em 2 foi redigido por GG, na imobiliária referida em 20.

30. Os réus procederam às obras referidas na cláusula segunda do contrato quando marcaram a escritura para o dia 15/01/2018 e dela notificaram a autora.

31. Quando os réus contactaram a Habite indicaram um preço para venda de 60.000,00 € e que o prédio tinha aptidão construtiva, razão pela qual o prédio foi anunciado como terreno para construção.

32. Durante a fase da negociação, o réu marido garantiu à autora que o terreno não tinha qualquer problema relacionado com condutas de água.


b) Factos não provados:

Não se provou que:

i) Aquando da celebração do contrato promessa referido em 2, o prédio dele objecto era composto de pinhal e mato.

ii) Aquando da celebração do contrato referido em 2 a autora bem sabia da existência das condutas de água da empresa municipal no subsolo do prédio dele objecto.

iii) Ao aproximar-se a data de 30/11/2017, sem que o sócio gerente da autora nada comunicasse aos réus, o réu marido tentou repetidas vezes o contacto com aquele, sem êxito.

iv) A autora tinha pleno conhecimento, aquando da celebração do contrato promessa de compra, da existência de tubos no subsolo, se bem que sem qualquer utilidade, razões pelas quais os réus prometeram vender à autora o terreno mais barato, relativamente ao valor comercial do mesmo.

v) Quando autora e réus referem no contrato promessa a ónus ou encargos queriam referir-se apenas a hipoteca, penhora ou situações de natureza semelhante.

vi) Se fosse outra a intenção dessa cláusula contratual nunca os réus teriam celebrado o contrato promessa de compra e venda.

vii) A autora e o seu sócio gerente CC, que foram quem redigiu o contrato, actuaram de má-fé, ardilosamente, com vista a prejudicar os réus.

viii) Até ao dia 10/01/2018, nunca a autora ou o sócio gerente da mesma falou aos réus dos tubos ...... Ambiente, EM, ou mesmo da proximidade do prédio à A28, nem quando ocorreu o referido em 27.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


A. DA DMISSIBILIDADE DA REVISTA


A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC), bem como, ainda que de forma muito insipiente (cf. conclusões IV e V), mostram-se satisfeitos os ónus de indicação dos elementos específicos de recorribilidade (artigos 637º e 672º, nº 2, do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).


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Levanta-se, porém, a questão de saber se estamos perante uma situação de ‘dupla conforme’, obstativa do recurso de revista, nos termos do art.º 671º, nº 3, do CPC.


Pugnam os recorrentes pela inadmissibilidade da revista, dado (segundo eles) estar preenchida aquela dupla conforme.


Sem razão, porém.

Verifica-se a dupla conformidade decisória, obstativa à admissibilidade do recurso de revista normal e ao conhecimento do seu objecto, nos termos do art. 671º, 3, do CPC, se o acórdão da Relação confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância.

Como este STJ tem afirmado, repetidamente, só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância[2].


Na situação sub judice a Relação manteve inalterada a decisão da matéria de facto. E porque (como ali se diz – e é verdade) “os Apelantes faziam depender o seu pedido de modificação do mérito da decisão recorrida de uma versão dos factos diversa da que dela constava”, entendeu que estava “inelutavelmente prejudicado o seu conhecimento ou a pretendida alteração da decisão de mérito”, o que assim declarou“ “remetendo-se para a decisão recorrida (cf. arts. 608º, n.º 2, 663º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil)” e, em consequência, julgou improcedente a apelação.

Mais não houvesse, teríamos, portanto, uma situação de dupla conforme.

Acontece, porém, que os recorrentes vêm questionar a decisão da Relação relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto que apresentaram na apelação, sustentando que, ao contrário do que foi entendido pela Relação, cumpriram os ónus ínsitos no artº 640º do CPC.


Ora, como vem entendendo este Supremo Tribunal, em sede de revista interposta de acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, quando seja invocada a violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, este fundamento não concorre para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, na medida em se está perante uma decisão criada ex novo no próprio tribunal da Relação, sem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com a decisão produzida na 1.ª instância, com a qual não ocorre qualquer coincidência, como é intrínseco à dupla conforme; sem prejuízo, no entanto, de tal questão poder vir a ser novamente apreciada na eventualidade de ser negada a revista no respeitante à invocada violação de disposições processuais relativamente à decisão de direito[3].

Assim, portanto, a decisão da Relação, ao não conhecer da impugnação da matéria de facto, forma-se, como dito, ex novo na própria Relação, sem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com a decisão produzida na 1ª instância. Daí que nunca se possa falar em dupla conformidade decisória. Sendo certo, porém, que tal só vale para essa decisão, sem que se possa aproveitar a decisão para abrir o recurso a outras matérias em que se regista uma dupla conforme decisória.


*


Já quanto à arguição da nulidade, dir-se-á ser jurisprudência persistente deste Supremo Tribunal de Justiça, e de acordo com o disposto no art. 615.º, n.º 4, do CPC, que o conhecimento de nulidades da decisão recorrida, no caso de não ser admissível recurso de revista normal ou ordinário, é da competência do tribunal a quo, não cabendo ao tribunal ad quem pronunciar-se sobre a sua verificação quando o recurso não seja admissível.

Ou seja, «mesmo que em termos gerais, de acordo com o art. 674.º, n.º 1, al. c), do CPC, o recurso de revista possa ter por fundamento as nulidades previstas nos arts. 615.º e 666.º, no caso de se traduzirem naquelas previstas no art. 615.º, n.º 1, als. b)-e) – entre as quais se encontra a nulidade por excesso e por omissão de pronúncia –, as nulidades apenas são suscetíveis de ser conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no caso de ser admissível recurso de revista normal ou ordinário, conforme resulta do art. 615.º, n.º 4.

(...) Com efeito, “(…) nos termos do art. 615.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença [ou qualquer outro despacho ou acórdão da Relação] e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas als. b) a e) do n.º 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível” Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p. 25»[4].


Portanto, as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC só podem ser apreciadas por este Supremo Tribunal quando o recurso é admissível e como fundamento acessório do recurso[5]; no caso contrário, só poderão ser apreciadas pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 615.º, n.º 4, a contrario, do CPC)[6].


Assim, portanto, se in casu não fosse admissível o recurso de revista, a apreciação da arguição de nulidade invocada ficaria reservada ao Tribunal recorrido.

Porém, como visto, a revista é de admitir, pois a decisão da Relação, ao não conhecer da impugnação da matéria de facto, forma-se ex novo na própria Relação, nunca se podendo, como tal, falar em dupla conformidade decisória.


Assim se admite a revista.



 B. DO MÉRITO DO RECURSO

Apreciemos, então, as questões suscitadas na revista.

  • Se o acórdão recorrido não apreciou as questões suscitadas pelos recorrentes e se, por isso, incorreu em nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d) ex vi do artigo 666º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), assim violando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa).

    Não se verifica a apontada nulidade.

    O que a Relação fez foi apreciar do cumprimento, pelos apelantes, dos ónus ínsitos no artº 640º do CPC, tendo concluído que os mesmos não foram respeitados, razão pela qual rejeitou a deduzida impugnação da decisão de facto e, como tal (diz), “manteve-se inalterada a decisão da matéria de facto”. E assim, sem mais, confirmou a decisão de mérito visto que “os apelantes faziam depender o seu pedido de modificação do mérito da decisão recorrida de uma versão dos factos diversa da que dela constava”.

    Se esteve bem a Relação ao considerar não cumpridos aqueles ónus, é questão diferente e que será apreciada de seguida.

    Assim, portanto, não faz sentido dizer-se que a Relação incorreu em omissão de pronúncia sobre a matéria da impugnação da decisão de facto, na medida em que esta, simplesmente, ficou prejudicada pela falta de observação dos ónus ou requisitos aludidos previstos no artº 640º do CPC. E assim, portanto, não tinha de apreciar essas “questões” - ou melhor, essa questão -, os fundamentos do recurso (nas palavras dos Recorrentes).


    Não se verifica, portanto, a nulidade do acórdão que os apelantes lhe assacam.


    · Cumpriram os recorrentes os ónus impostos pelo artigo 640º do CPC e, como tal, não deveria o recurso ter sido rejeitado, como foi?

    Dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:

    «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

    a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

    b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

    c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

    E acrescenta-se na al. a) do nº 2 deste normativo que «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.


    Sobre esta temática dos ónus a observar na impugnação da matéria de facto, o Acórdão da Relação fez um bosquejo jurisprudencial (e doutrinal) amplo e que se nos afigura bem impressivo e clarificador, razão pela qual aqui se transcreve:

    «… Como refere Abrantes Geraldes[7], sendo certo que actualmente a possibilidade de alteração da matéria de facto é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra, certo é que nessa operação “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislado optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

    De acordo com este mesmo autor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em, síntese, o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:

    a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

    b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenha sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos[8];

    c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…)

    e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos[9], exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;(…).

    Sublinha ainda o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento.


    Tendo em mente esta exigência do dispositivo do citado art. 640º, entende ainda Abrantes Geraldes que, mediante uma apreciação rigorosa, decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes[10], sempre com respeito do princípio da proporcionalidade, da letra e espírito da lei, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (cf. arts. 635º, 4, e 641º, 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, 1, al. a)); Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g., documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); Falta de indicação exacta, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente cada segmento da impugnação.”

    Sobre esta última exigência a nossa posição mudou, em consonância com o que tem sido a evolução da jurisprudência deste Tribunal da Relação de Guimarães e de outros tribunais de recurso, como ficou dito em Ac. de 19.11.2020[11], por nós subscrito: “Em síntese, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.


    Deste modo, sendo a impugnação da matéria de facto uma autêntica questão fundamental, susceptível de consuzir a de cisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação expressa e precisa dos pontos de facto impugnados e com as correspondentes conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio”[12].


    Decorre também dessa leitura, conforme jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que devemos ter em conta, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, que não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.

    É exemplo disso o recente Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, em sumário, se escreveu o seguinte: sic: I- A alínea b), do 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos[13]. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.


    Nesse sentido o mesmo Supremo Tribunal considerou, em acórdão inédito de 14.06.2018, relatado pelo Conselheiro A. Joaquim Piçarra, em apreciação e confirmação de acórdão relatado por nós que envolvia essa matéria, no Proc. 2926/16.0T8BRG.G1.S1, em síntese e a propósito, que, sic: Não observa o ónus impugnatório fixado no art. 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o impugnante da decisão da matéria de facto que, de forma confusa, prolixa e ambígua, não indica com precisão e certeza o sentido decisório a adoptar[14], nem correlaciona a parte concreta dos depoimentos ou documentos oferecidos relativamente a cada um do conjunto alargado de factos impugnados[15].


    Além disso, como já acima se foi adiantando e afirma ANA GERALDES, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”:

    « (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.

    Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.

    E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova estemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio.

    Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.

    Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”.

    Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06[16], afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690ºA, do Código de Processo Civil revogado, que:

    «Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.

    Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto.

    Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis.

    Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar sem mais nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo.

    Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objectivável e intersubjectiva[17]. O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa[18].

    Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela.

    É incumbência do apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.

    Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se a assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo mesmo tribunal.

    Com refere Abrantes Geraldes[19] - As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se a final, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.».


    Temos como pertinentes estas considerações de doutrina e jurisprudência, as quais, ao que supomos, estão na linha dominante neste Supremo Tribunal.


    Descendo aos autos, não nos parece que os apelantes tenham, na sua alegação de recurso, observado de forma suficiente todos aludidos ónus (artº 640º CPC), decorrentes do princípio da auto-responsabilidade das partes. Mesmo na ponderação ou salvaguarda do princípio da proporcionalidade.

    Vejamos.


    · Quanto à indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados e da decisão que, no entender dos apelantes, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas


    Veja-se o ponto 39º das conclusões apresentadas:

    “39ª

    Entendem os Recorrentes terem-se julgado indevidamente como provados ou não provados, os seguintes factos - art.º 640.º n.º 1 a) do Código de Processo Civil

    - Dos factos provados os constantes dos itens 30 e 31, constantes dos autos a folhas 271 verso:

    Quanto ao iten 31, na parte que refere: …, e que o prédio tinha aptidão construtiva, razão pela qual o prédio foi anunciado como terreno para construção.”

    Quanto ao iten 32: durante a fase de negociação,o réu marido garantiu à autora que o terreno não tinha qualquer problema relacionado com condutas de água.

    - Dos factos não provados, constantes dos itens i), ii), iii), iV), Vi), Vii) e vii) da sentença, constante dos autos a folhas 271 verso, dos autos.”.


    Daqui se apreende, que os apelantes indicaram, com bastante clareza, os concretos pontos de facto que pretendem sejam alterados pela Relação e, outrossim, a decisão que entendem dever ser tomada reativamente a esses pontos de facto: pretendem, simplesmente, que cada um desses factos seja decidido em sentido oposto ao que o foi na Relação.  

    Assim se pode concluir que estes dois ónus (als. a) e c) do artº 640º do CPC) foram suficientemente satisfeitos.  

    Assim, e sem mais delongas, nada se nos afigura censurar neste segmento.


    **


    O mesmo, porém, não ocorreu com os demais ónus ali previstos: indicação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); indicaçãocom exatidão” das “passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº2, al. a)).

    **


    · Quanto à indicação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida


    Este, a nosso ver, o ónus que de forma mais ostensiva não foi observado.


    Como dito supra, o recorrente deve, pelo menos na motivação, indicar os meios de prova que constam do processo e que, a seu ver, impõem uma decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, sendo que tal indicação tem de ser indicada ou referenciada relativamente a todos e cada um dos factos impugnados.

    Ou seja, não basta ao apelante remeter (globalmente) para documentos e/ou depoimentos carreados aos autos, sem especificação de qual ou quais os meios de prova que indica e que justifica(m) ou impunha(m) que cada um de tais pontos de facto impugnados fossem dados como provados ou não provados.

    Para além de que deve fazer uma apreciação crítica desses meios de prova, por forma a mostrar ao tribunal de recurso as razões precisas por que entende que o facto x ou y foi mal julgado e justificava uma resposta diferente.


    Assim, não se deve aceitar impugnações genéricas e bem assim impugnações em bloco, sem a precisão ou concretização indicada supra.

    Ou seja, é imperioso que a impugnação efectuada se reporte a cada um dos factos e com indicação dos meios de prova e das passagens da gravação relativos a cada um desses mesmos factos.

    Ou seja, limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, obviamente que não dá cumprimento ao ónus a que nos estamos a reportar.

    Como escreveu o Sr. Conselheiro ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA, no citado Ac. do STJ de 14.6.2018, o recorrente tem de correlacionar a parte concreta dos depoimentos ou documentos oferecidos relativamente a cada um do conjunto alargado de factos impugnados. Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.


    Assim, também, Ac STJ de 24.6.2020, Revista 6745/17.9T8VNF.G1.S1 (CHAMBEL MOURISCO):

    “O art.º 640.º do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

    (....)

    Não cumpre o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a recorrente, que pretendendo impugnar a decisão relativa à matéria de facto, apenas no plano documental, não especificou nas suas alegações, os concretos meios de prova, por referência a cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados, que imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância.”.


    Bem assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2020 (GRAÇA AMARAL) - Revista 1389/15.1T8LSB.E1.S1:

    “As meras afirmações conclusivas constantes da decisão fáctica não podem ser objecto de impugnação em sede de recurso sobre a matéria de facto

     A natureza da exigência legal prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com a enunciação de vários elementos probatórios em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa.”.


    Idem, a Revista 3782/18.0T8VCT.G1 - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (MANUEL CAPELO):

    I – O recurso sobre a rejeição da impugnação da matéria de facto por incumprimento do ónus de impugnação do art. 640 nº2 .al. a) do CPC é uma decisão criada ex novo pelo tribunal recorrido sem paralelo com qualquer decisão proferida na primeira instância e, por isso, não cabe na previsão do art. al. b) do nº 2 do art. 671 do CPC desse diploma porque não incide sobre qualquer decisão interlocutória.

    II – O recurso que cabe da rejeição da impugnação da matéria de facto por incumprimento do ónus de impugnação é a revista normal estando aqui em discussão a violação ou errada aplicação da lei de processo e o cometimento de nulidades (v. alíneas b) e c) do art. 674º do CPC.

    III – Não cumpre o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto previsto no art. 640 nº2 .al. a) do CPC o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorretamente julgados e apontar que resposta deveria ter sido dada se limita a alegar que a sua discordância decorre, para lá dos documentos que enumera, também dos depoimentos e testemunhos que indica apenas nos seus nomes remetendo para a totalidade dos mesmos sem qualquer indicação das partes ou das expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder á alteração da decisão da matéria de facto.


    Ora, o que se constata é que os apelantes não fizeram uma análise crítica dos meios de prova que indicam – da mesma forma que se impõe ao tribunal a mesma análise crítica - , antes se limitaram a indicar ou referenciar esses meios probatórios, sem menção dos reais motivos da discordância relativamente ao tribunal recorrido, sem dizer por que razão entendem que este ou aquele facto que pretendem ver modificado, com indicação das passagens precisas dos depoimentos de testemunhas e/ou deferências concretas e precisas a outros meios de prova constantes dos autos.


    O que, afinal, os apelantes fizeram foi apenas manifestar uma discordância genérica para com o tribunal, relativamente à resposta que foi dada aos factos que indicam e pretendiam ver modificados, mas sem explicar o porquê dessa discordância com referência a probatórios.

     Não fizeram uma apreciação crítica da prova de forma a mostrar que, por via deste ou daquele elemento probatório, a resposta que pretendem ver alterada a este e/ou àquele facto se justificava. Antes se limitaram a salientar a existência de um ou mais elementos probatórios que vai no sentido oposto ao entendido pelo tribunal recorrido.


    Analisando as conclusões da alegação e bem assim o corpo da alegação, vemos que os apelantes, quanto a depoimentos testemunhais, se limitam a observar que vários dos depoimentos não são isentos, desinteressados, nem verdadeiros, “sendo evidente o comprometimento” das testemunhas arroladas pela Autora, para além de apelarem às regras da experiência para justificarem respostas aos factos que apontam diferentes das dadas pelo tribunal recorrido, referindo que o processo mental do Tribunal a quo, descrito na sentença, é errado, não indo ao encontro da verdade dos factos.

    No mais, imitam-se a remeter para “documentos de fls…..”, dai extraindo a conclusão de que a presente apelação merece procedência.

    Rematam desta forma:

    «Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não teve em consideração todos os elementos contantes no processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da decisão ora Recorrida, ou seja, são os seguintes concretos meios probatórios - (alínea b), do nº 1 do artigo 640º do CPC):

    - documentos constantes dos autos, supra referidos;

    - confissão dos factos resultante do depoimento de parte do representante legal da autora/recorrida, CC, registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 00:00:01 a 01:25:47 e cujos os factos confessados se encontram escritos nos autos de folhas 250 verso a folha 251;

    - depoimento de parte do réu/reconvinte AA, registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 00:00:01 a 001:14;

    - depoimento de HH, registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 09:54:08 a 10:21:40;

    - depoimento de II, depoimento registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 10:22:21 a 10:35:57;

    - depoimento de JJ, depoimento registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 00:00:01 a 00:04:53;

    - depoimento de KK, depoimento registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 00:00:01 a 00:27:49”

    E que, “Atento todos os documentos constantes nos autos, ao teor dos depoimentos de parte prestados pelo representante legal da autora, CC, do réu/recorrente AA, dos depoimentos das testemunhas, supra referidas, cuja transcrição vai em anexo na sua totalidade”, a impugnação da matéria de facto deve proceder, nos termos atrás indicados.


    Tudo vago ou genérico, portanto; nada de concreto, preciso, referenciado a cada um dos factos que pretendem ver alterados - como se impunha fosse feito[20].

    Como tal, cremos que bem fez a Relação em rejeitar o recurso no que tange à decisão da matéria de facto, por inobservância dos supra referidos ónus: o previsto na al. b) do artº 640ºdo CPC, dado que a impugnação feita é genérica, em bloco, sem a apontada e exigida concretização dos meios de prova existentes relativamente a cada um dos pontos de factos impugnados; o previsto na a. a) do nº 2 do mesmo preceito da lei adjectiva civil, pois os apelantes não mais fazem do que indicar os tempos de localização integral de cada uma das declarações e depoimentos que  referem, sem “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” - assim, também aqui, se sujeitando à “sanção” que aquele normativo prevê.


    *


    Insurgem-se, veementemente, os recorrentes quanto ao facto de o tribunal recorrido ter dado como provado o facto constante do item i):

    “i) Aquando da celebração do contrato promessa referido em 2, o prédio 30ª dele objeto era composto de pinhal e mato.”.

    Sustentam a sua discordância, dizendo que “…o julgamento de tal facto está inquinado de nulidade, pois vai contra o teor de documentos autênticos constantes nos autos, não impugnados, designadamente, documentos que referem precisamente que o prédio é composto de pinhal e mato, tal como resulta dos documentos constantes nos autos, designados “CERTIFICADO”, emitidos pela Conservatória do Registo Predial ....., constantes dos autos de folhas 36 verso a folhas 37 e de folhas 72 a 73; da certidão da Conservatória da Conservatória do Registo Predial de ....., constante dos autos a folhas 112 verso e constante a folhas 201; da caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, constante dos autos a folhas 113 e constante a folhas 202.”, fazendo, dessa forma, apelo à “prova plena e força probatória” de tas documentos.


    Antes de mais, é bom lembrar aos apelantes que a força probatória de tais documentos (certidões da CRP e caderneta predial) não é exactamente a que os apelantes pretendem fazer crer.


    Quanto ao registo predial, dir-se-á, apenas, que, como é sabido, a descrição de um prédio no registo predial, não faz funcionar qualquer presunção quanto à verificação desse facto. Como esclarecidamente se refere no acórdão do STJ de 01/06/1978[21], “a finalidade do registo não é garantir os elementos de identificação dos prédios descritos (o que até se deduz pelo facto de a descrição, só por si, não ser facto sujeito a registo), mas assegurar apenas que relativamente a esses prédios se verificaram certos factos jurídicos”. Assim sendo, a presunção do art.º 7.º do Código do Registo Predial não abrange os elementos de identificação do prédio que constam da descrição (limites, composição, áreas, etc)[22], antes se cinge à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito.

    Portanto, elementos como sejam as áreas, as confrontações, a composição material do prédio (se é constituído ou não por pinhal e mata - como no caso sob apreciação), não estão cobertos pela força probatória plena do registo predial[23].


    Quanto à caderneta predial, é claro que a mesma apenas tem relevância para efeitos fiscais, nada provando quanto ao que dela se fez constar, na medida em que tal resulta de meras declarações dos participantes dos prédios à matriz ou da verificação do prédio por agentes das finanças, mas sem qualquer suporte fidedigno, apenas se baseando no que viram ou “lhes foi dito” pelo proprietário ou por um terceiro.


    Ou seja, os documentos a que os impugnantes aludem, para ver provado o referido facto (registais e matriciais), não integram senão meras declarações particulares, não constituindo prova plena do facto em causa. Daqui que nunca podia este STJ pronunciar-se, ao abrigo do nº 3 do artº 674º do CPC, sobre a área, confrontações, ou se.... era ou não composto de pinhal e mato, nos termos pretendidos pelos apelantes.


    *


    Sempre se diga, porém, que o facto ínsito naquela alínea i) (“Aquando da celebração do contrato promessa referido em 2, o prédio 30ª dele objeto era composto de pinhal e mato”) era e é de todo irrelevante para o mérito dos autos, pois em causa está o eventual incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, por quem e respectivas consequências.


    Efectivamente, a impugnação da decisão da matéria de facto, por si só, não tem relevância nem se justifica quando desacompanhada da impugnação da decisão de mérito prolatada nos autos, pois que assume um mero cariz instrumental desta última. O que se pretende é que, com o resultado da impugnação de facto, a parte que impugnou passe a ter ao seu dispor elementos capazes de influenciar a decisão de mérito, modificando-a, assim logrando obter um efeito juridicamente útil ou relevante.

    Ou seja, se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação - é que aqui, como refere ABRANTES GERALDES[24], a solução do caso, considerando as soluções plausíveis da questão de direito, não está minimamente dependente da modificação que o apelante pretende ver operada na matéria de facto a considerar provada.


    Como tal, bem andou a relação em não conhecer desta particular impugnação, dado que o seu resultado sempre seria absolutamente inútil.


    *


    · Quanto à indicação “com exatidão” das “passagens da gravação em que se funda o seu recurso”


    Também aqui o que vemos é que os apelantes se limitaram a juntar a transcrição global dos depoimentos, deixando ao tribunal a tarefa de ler esses mesmos depoimentos globais e fazer ele o rastreio do que interessa e/ou não interessa na apreciação de cada um dos pontos de facto impugnados. Assim se substituindo aos próprios apelantes!

    Ora, não é desta forma que se dá satisfação ao ónus ínsito na al. a) do nº 2 do artº 640º do CPC[25].

    A concretização do ónus de indicação das passagens da gravação deve ser efetuada tendo em atenção a teleologia legal que lhe está subjacente e que é responsabilizar o recorrente pelas invocadas afirmações em que funda o seu recurso, sujeitando-o, no limite, à disciplina legal da litigância de má-fé e impedir impugnações da decisão da matéria de facto sem um mínimo de concretização e de assento na prova pessoal produzida em audiência.


    Justificam os apelantes a confessada falta da transcrição de excertos das testemunhas, que entendam relevantes, alegando que “A falta de indicação das concretas passagens dos respetivos depoimentos é um ónus secundário, que terá como consequência ouvir todo o depoimento das testemunhas, e cuja transcrição total ajuda.”[26].

    Mas não é isso que cremos ressaltar da lei; nem é incumbência do tribunal de recurso ler a totalidade das gravações, como não é ouvir a totalidade dos depoimentos, pois, na prática, era como se estivesse a levar cabo um segundo julgamento.

    Se não se exige a transcrição dos excertos da gravação que se considere importantes, já se nos afigura necessário que os apelantes indiquem com exatidão as passagens da gravação que consideram relevantes ou pertinentes para que o tribunal de recurso possa reapreciar todas e cada uma das decisões de facto com que não concordam.

    O que, como visto, os apelantes não fizeram.


    Perante todo o explanado, nada se nos afigura censurar ao acórdão da Relação.


    **



    IV. DECISÃO

    Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista.


    Custas pelos Recorrentes.

    Notifique.


    Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/20, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.


    Lisboa, 14-07-2021


    Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

    Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto)

    Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

    ______

    [1] 1. O direito à resolução pela autora do contrato promessa de compra e venda de imóvel celebrado com os réus, por incumprimento definitivo imputável aos réus e suas consequências.
    2. O direito dos réus a obter a execução específica do contrato, face à recusa ilegítima da autora na celebração da escritura definitiva, e suas consequências.
    [2] Cfr. neste sentido, a título exemplificativo, Acórdãos do STJ de 28-04-2014, Revista n.° 473/10.3TBVRL.P1-A.S1 - 2.a Secção (ABRANTES GERALDES); de 18-09-2014, Revista n.° 630/11.5TBCBR.C1.S1 - 7.a Secção  /SILVA GONÇALVES); de 19-02-2015, revista n.° 302913/11.6YIPRT.El.Sl-7.a Secção  (LOPES DO REGO); de 27-04-2017, Revista n.° 273/14.1TBSCR.L1.S1 - 2.a Secção (TOMÉ GOMES); de 29-06-2017, Revista n.° 398/12.8TVLSB.L1.S1 - 7.a Secção (ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA); de 30-11-2017, Revista n.° 579/11.1 TB VCD-E.P 1 .S1 - 7.a Secção (ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA); de 12-04-2018, Revista n.° 1563/11.0TVLSB.L1.S2-A - 7.a Secção (HELDER ALMEIDA) - todos disponíveis em www.dgsi.pt.
    Como refere ABRANTES GERALDES, In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., Almedina, pág. 364, sobre o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, «a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais».
    [3] Assim, pode ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11-2-2016 (JOSÉ RAINHO), 14-07-2016 (proc. 111/12.0TBAVV.G1.S1), 25-05-2017 (proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1), 14-09-2017 (proc. 1676/13.4TBVLG.P1.S1), 19-10-2017 (proc. 493/13.6TBCBT.G1.S2) e 24-04-2018 (proc. 140/11.0TBCVD.E1.S1).
    [4] In Ac. STJ, proc. 1840/18.0T8STR-A.E1- a.s1 - (MARIA JOÃO TOMÉ).
    [5] Ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2017, Proc. 22388/13.3T2SNT-B.L1-A.S1 (disponível em dgsi.pt), onde se diz: “[a]pesar do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC, estabelecer que a revista pode ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do artigo 615.º do CPC, aquela norma não pode deixar de ser conjugada com o preceituado no n.º 4 deste mesmo artigo, segundo o qual, tais nulidades só são arguíveis por via recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, ou seja, como fundamento acessório desse recurso”.
    [6] Ainda, neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2020, Proc. 1284/09.4TMPRT-B.P1.S1 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/) e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), p. 419 e pp. 460-462 (respectivamente em comentário ao artigo 671.º e ao artigo 674.º do CPC). Resulta do que diz o autor que (nos termos já supra referidos) se não for interposto ou não for admissível o recurso de revista as nulidades de acórdãos podem ser autonomamente arguidas– mas apenas perante a Relação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4, do CPC.
    [7] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., p. 155 e ss
    [8] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.2015, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza: II - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013). V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objecto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respectivo conhecimento. – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83d97510a180fd5f80257df1005b598c?OpenDocument.
    [9] Com se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiçam, de 27.9.2018, infra citado: “Por outro lado, não basta transcrever os depoimentos que se invocam para alterar as respostas dadas. É necessário dizer porquê. Qual a razão pela qual deve ser num sentido e não noutro. Essa análise crítica também não foi feita pela Recorrente”.
    [10] E, como acentua o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça infra citado, do princípio da cooperação, pretendendo-se que, por essa via, a 2ª instância facilmente aceda à informação tida pelo recorrente como interessante, em lugar de despender tempo nessa actividade – “há um mínimo de exigência e rigor a impor ao recorrente que impugna a matéria de facto, sob pena de, perante a ambiguidade, inconcludência e prolixidade na elaboração da peça recursória, transferir para a 2ª instância tarefas funcionais desmesuradas, exorbitantes e desproporcionadas que, nos termos legais, àquele cabem.
    [11] http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9484dd49e64d74d28025863a00574f6a?OpenDocument
    [12] No mesmo sentido vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLSB.L1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; Ac. 07.07.2016, proc. 220/13.8TTBCL.G1.S1, relator Gonçalves Rocha; Ac. STJ de 16.05.2018, proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, relator Ribeiro Cardoso; Ac. STJ de 06.06.2018, proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1, relator Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 31.10.2018, proc. 2820/15.2T8LRS.L1.S1 e Ac. STJ de 06.11.2019, proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1, ambos relatados por Chambel Mourisco, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
    [13] Nesse sentido ainda o recente Ac. do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 27.9.2018 (in www.dgsi.pt): I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. – “Ora, é a própria recorrente que admite que não constam – como se lhe impunha – expressamente das conclusões os pontos concretos da matéria de facto não provada e impugnado (…). “Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).”.
    [14] “Acresce que, na definição do sentido decisório a ser tomado, a recorrente manteve, em especial, nos pontos em que ocorreu rejeição liminar do recurso, clara ambiguidade e incerteza, isto mesmo no corpo alegatório em que sugere um conteúdo ou qualquer outro diferente do que foram assumido pela instância.”, assim se considerando frustrado o propósito legislativo subjacente à previsão da al. a), do nº 2, do art. 640º do Código de Processo Civil, “já que prática, transpôs para a Relação o ónus de discernir, em concreto, quais os meios probatórios e real sentido decisório relativamente aos blocos de questões que agrupou, sem os relacionar com cada facto concreto, como seria ajustado.” / “Era mister que, perante tais circunstâncias, fosse precisa e concisa na indicação dos factos concretos, com reporte directo aos meios probatórios, análise crítica dos mesmos e expressa definição do sentido decisório que caberia a cada um desses factos.
    [15] Salienta-se que “a recorrente não se afadigou em fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o (s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas” (…) concluindo que é inviável estabelecer uma concreta correlação entre estes e aquelas
    [16] Inhttp://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e86daac001d58518025799f00505946?OpenDocument
    [17]cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330
    [18] cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180.
    [19] Ob.cit., p. 159
    [20] Lendo atentamente a apelação, damos inteira razão ao acórdão recorrido, quando refere:
    « Constatamos ainda que, num primeiro momento (itens 4º a 32º) os recorrentes se perdem em referências ineficazes e genéricas, à luz das considerações acima feitas, sobre a sua discordância da decisão, a prova produzida e a atender e, sem concretizar devidamente qualquer um dos factos julgados a que se reportam, concluindo (item 22º), sem mais, ou seja, sem qualquer discussão do direito substantivo aplicado ou aplicável ao negócio discutido, que a decisão recorrida deve ser revogada.

    De seguida, as suas conclusões incidem sobre o item i) dos factos não provados, relativamente ao qual defendem que determinada prova documental e por confissão impõe a decisão que sugerem (itens 33º e 37º das suas conclusões.

    Mais à frente (itens 39º e ss. das suas conclusões) os Apelantes identificam assertivamente os factos que pretendem impugnar e que são os já acima indicados e, ainda sem fazerem a necessária precisão, relativamente a cada um deles, no que diz respeito a cada um dos elementos probatórios que haviam mencionados antes e mencionam de seguida (itens 40º a 41º das mesmas conclusões), impugnam a respectiva decisão.

    Após, voltam repetir a discussão do item i), repetindo argumentos (itens 42º a 45º) e, numa amalgama de razões, concluem qual o sentido da decisão para os restantes factos negativos que indicam (item 46º).

    Sublinhe-se que, exceptuando o item i), dos factos não provados, relativamente aos restantes factos positivos e negativos cuja decisão é impugnada, a apelação suporta a sua discordância na invocação de elementos de prova gravada para os quais remete de forma genérica.».
    [21] BMJ n.º 278, pág. 205 e ss.
    [22] Ver, neste sentido, além do acórdão citado, os acórdãos do STJ de 22/11/1978, in BMJ n.º 281, pág. 342 e ss.; e os acórdãos da Relação de Coimbra de 30/10/1990 e do STJ de 18/04/1996, sumariados, respectivamente, no BMJ n.º 400, pág. 748, e em www.dgsi.pt, n.º convencional: JSTJ00029793.
    [23] Ver, ainda, inter alios, os Acs. do STJ de 19.09.2017 (proc. 120/14.4T8 EPS.G1.S1), de 29.09.2017 (PROC. 809/10.7TBLMG.C1.S19) e de 18.01.2018 (JOSÉ RAÍNHO).
    [24] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 298.
    [25] Como se bem refere no Ac. deste STJ de 19.2.2015 (MARIA DOS PRAZERES BELEZA).
    [26] Sublinhado nosso.