PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PROGENITOR
FILIAÇÃO
REVISTA EXCECIONAL
DUPLA CONFORME
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sumário


I. Por ideal que seja a prevalência da família [cfr. artigo 4.º, al. h), da LPCJP], o essencial é sempre o interesse superior da criança ou do jovem [cfr. artigo 4.º, al. a), da LPCJP], devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [cfr. artigo 4.º, al. e), da LPCJP].
II. Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, actos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança.
III. Sempre que os factos demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel de pais da criança, é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afectivos próprios da filiação”.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de protecção em benefício de BB (nascida em ...03.2020, filha de AA e de CC), instaurados pelo Ministério Público em 1.07.2020, veio este a pugnar pela aplicação da medida de confiança a ins­tituição com vista à adopção.

2. Em 18.01.2021, proferiu o Tribunal de 1.ª instância decisão em cujo dispositivo pode ler-se o seguinte:

1°- Determinamos a colocação da menor BB à guarda da instituição CAT ........ em vista à futura adopção.

2°- Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabi­lidades parentais.

3o- Determinamos a cessação de contactos da menor com os fami­liares.

V- Nomeamos curador provisório à menor o Ex.o director do CAT ......, DD”.

3. Inconformada, a mãe da menor, CC, apelou para o Tribunal da Relação do ….. e, igualmente inconformado, o mesmo fez o pai, AA.

4. Em 25.03.2021 proferiu o Tribunal da Relação de …….. um Acórdão em que se se julgou improcedentes ambas as apelações, mantendo-se a decisão recorrida.

5. Ainda inconformado, o pai AA interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.

Termina a sua alegação formulando as seguintes conclusões:

1ª: Com o presente Recurso de Revista Excecional, pretende o Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 629.º n.º 1, 631.º, 672.º n.º 1 al. a) e b) e 674.º, n.º 1, al. a), a reapreciação da seguinte questão: violação ou erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso constantes dos artigos 1978.º, n.º1, alíneas d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35º e 38.º -A da LPCJP, atenta a relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social.

2.ª: Atendendo à situação factual, ao quadro normativo aplicável e eventuais consequências inelutáveis na vida dos intervenientes, com particular relevo na vida de uma criança na sua fase inicial, dúvidas não restam, que se trata de uma questão com grande relevância jurídica e os interesses em apreço revestem particular relevância social, devendo, assim, considerar-se verificados os requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C.

3.ª: Tal relevância jurídica implica que esteja em causa uma questão de manifesta importância, que é o caso, com efeitos incontornáveis e grande repercussão na vida dos intervenientes, que reclama uma melhor aplicação do Direito.

4.ª: Quanto ao critério vertido na alínea b) tem sido decidido que o “pressuposto de admissibilidade da al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC fica preenchido quando a resolução do pleito pode interagir com comportamentos sociais relevantes, ou seja, quando se debatam interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento sociais e a questão tenha repercussão fora dos limites da causa. A entrega de um menor a instituição social com vista a futura adopção constitui uma decisão que se relaciona com valores socais essenciais, porque implica a quebra dos laços afectivos do menor com a sua família natural, tendo evidente repercussão fora dos limites da causa.” – cfr. Acórdão do STJ, de 15-02-2018, Processo n.º 17/14.8T8FAR.E1.S1. Estão, assim, preenchidos os pressupostos formais exigidos para o conhecimento e apreciação do presente recurso como revista excecional.

5ª: Ao decidir pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, em detrimento de outras, que não implicariam um corte dos laços afetivos existentes e que permitiram a receção da criança no seu meio natural de vida, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou incorretamente as disposições legais aplicáveis, incorrendo na sua violação.

6.ª: A medida de confiança a instituição com vista a futura adoção pode ser aplicada quando se verifique objetivamente alguma das situações previstas nas várias alíneas do artigo 1978.º do CC, mas para além da verificação objetiva de um dos pressupostos é necessário que se verifique um pressuposto genérico: a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.

7.ª: Não se demonstrou que estão quebrados os laços afetivos próprios da filiação, enquanto requisito autónomo, nem se fez prova de que a criança foi colocada em perigo ou que o Recorrente revelou um manifesto desinteresse por aquela, portanto, o tribunal recorrido efetuou uma efetiva e errónea aplicação da lei, questionando-se a justeza da aplicação de tal medida.

8.ª: Os pressupostos dados como verificados (alíneas d) e e)) não se coadunam com a realidade e verdade dos factos e a decisão desrespeita os princípios orientadores da intervenção, designadamente os princípios do superior interesse da criança, da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família, vertidos no artigo 4.º da LPCJP.

9.ª: Os factos apurados não permitem concluir que a medida em causa, dada a sua particular natureza e caraterísticas, é a que melhor tutela os direitos e interesses da criança, sendo certo que de todas as medidas previstas no artigo 35.º da LPCJP é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, desde logo, porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais e a cessação dos laços afetivos existentes entre a criança e a sua família biológica.

10.ª: Nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças em perigo e dúvidas não restam de que não foram esgotados todos os recursos que a lei prevê, sem se defender, neste segmento, contrariamente ao vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação, que se esgotem todas medidas, mas sim que se esgotem os recursos disponíveis, mediante a intervenção das Instituições existentes, a fim de ajudar o Recorrente a superar as dificuldades que revela e que limitam a sua capacidade parental.

11.ª: A aplicação de tal medida provoca o afastamento da criança da família e é o último recurso, apenas possível se outra medida suscetível de ser aplicada não se revelar adequada e suficiente.

12.ª: A criança encontra-se numa situação de institucionalização e não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a condição e recursos do progenitor, com vista a recebê-la, afigurando-se suficientes medidas menos gravosas como seja a medida de apoio junto dos pais ou medida de acolhimento institucional permitindo, durante um determinado período de tempo, ao progenitor, resolver os problemas que lhe foram apontados e, por fim, não o tendo sido, aí sim, reencaminhar a criança para a adoção.

13.º: Assim, deve o douto acórdão ser substituído por outro em que se decida nos moldes apontados, em que se aplique, acima de tudo, medida de promoção e proteção em consonância com os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da adequação, da responsabilidade parental, da prevalência da família e do superior interesse da criança, com o que se fará oportuna e, acima de tudo, equitativa Justiça”.

6. O Ministério Público apresentou resposta às alegações do recorrente, sustentando, no essencial, o seguinte:

A nosso ver, o recurso não deve ser admitido.

Na verdade, visando ladear o óbice advindo art.º 671, n.º 3, do código citado - a denominada dupla conforme -, veio o recorrente acobertar-se, justificando a admissão da revista, no citado art.º 672, n.º 1, a) e b); ou seja, lançando mão da via excepcional consagrada nas indicadas alíneas.

Só que, com o devido respeito, não ocorrem, in casu os respectivos pressupostos.

Com efeito, sendo um imperativo ónus a sua demonstração, como decorre em termos assaz rigorosos do n.º 2 do mesmo artigo, verifica-se que o recorrente se quedou pela simples alegação – retomando aliás os meros dizeres da lei - da relevância social da vexata quaestio e da existência de interesses de particular relevância social; sem mais.

Estando em causa uma norma excepcional, na medida em que permite o recurso ordinário fora dos ditames genéricos que do art.º 671 do aludido código dimanam, haveria o recorrente de suprir tal exigência ilustrando os requisitos factuais e jurídicos que os preenchem1. Sob pena, a não ser assim, de a excepção deixar de o ser.

Ora, tal suprimento de todo não ocorreu.

Nestas condições, o recurso vertente não deverá ser admitido”.

7. Em 3.05.2021 foi proferido despacho pelo Exmo. Relator do Tribunal da Relação ….. com o seguinte teor:

“Do recurso de revista excepcional

Nesta Relação foi proferido acórdão em 25.03.2021, que confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida em 1ª instância.

Inconformada com tal acórdão, dele veio o Recorrente AA interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, als. a) e b), do CPC.

O recurso de revista excepcional depende da verificação dos requisitos gerais do recurso de revista normal e ainda dos requisitos específicos dessa modalidade de recurso.

Dispõe o artigo 672º, nº 3, do CPC, que «a decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no nº 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça», pelo que nenhuma apreciação pode nesta Relação o relator fazer sobre se estão ou não reunidos os pressupostos específicos da revista excepcional.

1. Dos pressupostos gerais:

A decisão comporta revista e o Recorrente AA dispõe de legitimidade e o recurso é tempestivo.

Termos em que se consideram verificados os pressupostos gerais do recurso de revista excepcional, o qual sobe nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

2. Dos pressupostos específicos:

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no citado artigo 672º, nº 3, do CPC”.

8. Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça e cabendo apreciar da admissibilidade do recurso, proferiu a presente Relatora um despacho em que pode ler-se:

Não se encontrando impedimentos à admissibilidade do presente recurso relacionados com os requisitos gerais de recorribilidade (cfr., designadamente, artigos 629.º, n.º 1, 631.º e 638.º do CPC) nem com o requisito específico do recurso de revista (cfr. artigo 671.º, n.º 1, do CPC), cabe, no entanto, destacar o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

No caso presente, é visível que o Acórdão recorrido confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Ocorre, portanto, o obstáculo recursivo designado como dupla conforme.

Por esta razão, não se configurando a presente situação como uma das situações ressalvadas na norma (em que o recurso é sempre admissível), o recurso por via normal não será admissível.

Mas, dado que o recurso é interposto com fundamento no disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, há ainda que considerar a hipótese de o recurso ser admitido por via excepcional, como permite esta norma.

Antes disso, porém, porque o presente processo é um processo de promoção e protecção de menor, logo, um processo de jurisdição voluntária[1], cumpre apreciar se estão preenchidos os requisitos específicos da admissibilidade da revista em processos de jurisdição voluntária.

Trata-se, mais precisamente, de apreciar se obsta à admissibilidade da revista (nos termos gerais) o artigo 988.º, n.º 2, do CPC, com o seguinte teor:

“Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Significa isto, como se diz no sumário do Acórdão de 30.05.2019, proferido nesta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista [ ] em função dos [ ] fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de 'resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade'”[2].

Verificando-se que o Tribunal recorrido se orientou por critérios de legalidade e que, como decorre das conclusões das alegações do recorrente, o presente recurso se prende, no essencial, com a interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso[3], conclui-se que não existe aquele impedimento à apreciação dos pressupostos da admissibilidade excepcional do recurso.

A apreciação preliminar sumária de tais pressupostos cabe, porém, não ao Relator mas sim à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

Em face do exposto, remetam-se os autos à Formação, para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

9. Na sequência deste despacho, proferiu a Formação deste Supremo Tribunal de Justiça um Acórdão em 8.06.2021 no qual se decidiu admitir o recurso por via excepcional com fundamento na hipótese prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, porquanto “a par do interesse subjetivo do recorrente existe um interesse público na admissão da revista, exigindo a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça”.

*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se a decisão do Tribunal recorrido, de aplicação da medida de confiança da criança a instituição com vista a futura adopção, envolve violação da lei ou erro na interpretação e aplicação de alguma norma, nomeadamente das normas dos artigos 1978.º, n.º 1, als. d) e e) do CC e 4.º, 34.º, 35º e 38.º-A da LPCJP.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - BB nasceu em ... de Março de 2020.

2 - BB é filha de AA e de CC.

3 - Aquando do nascimento de BB, ele era solteiro, com 40 anos de idade e ela era casada, com 27 anos de idade.

4 - Logo nesse dia a comissão de protecção designou técnica para o processo de BB e foi contactada a avó materna, que se recusou a acolher a menor.

5 - Os progenitores deram o consentimento para intervenção da comissão.

6 - E a 18 de Março foi aplicada a medida de acolhimento residencial, entrando BB no CAT em ......., no dia 20 desse mês.

7 - CC e AA vivem juntos desde 2019, em ….., em casa que fora dos pais deste, tendo relação conflituosa, com gritos, zangas e pancada entre eles.

8 - CC tem telemóvel e AA tem telemóvel.

9 - AA tem irmãos emigrados em França com quem mantém contactos e tem um irmão em …….., com quem não fala.

10 - CC tem irmã e pais no concelho ……, não se dando com eles.

11 - AA tem como rendimento o RSI, no montante de €189, vindo a beneficiar daquele desde 2016.

12 - Esteve integrado em programa de autarquia e em curso de certificação de competências.

13 - AA e CC vêm sendo acompanhados por equipa do RSI, encontrando esta, em finais de 2019 a casa desorganizada e suja e com cães a circular dentro daquela.

14 - AA e CC alimentam os animais, não estando estes vacinados.

15 - A casa encontra-se habitualmente suja, desarrumada e com cães dentro.

16 - Em ocasiões em que sabia da vi[n]da da equipa, AA prendia os cães perto fora de casa.

17 - A 2 de Janeiro de 2020, aconselhada pela técnica a retomar as consultas de psiquiatria, CC respondeu não ser tola e que não iria a consulta nenhuma.

18 - Afirmou não cozinhar em casa e que, caso se chateasse com AA, deixava tudo.

19 - CC não tinha noção das semanas que levava de gravidez.

20 - A 12 de Fevereiro de 2020, pretendendo a funcionária da equipa orientar CC a lavar e passar roupa e preparar o saco para a maternidade, preferiu aquela tratar do tarifário com a operadora do telemóvel e não se dispondo acompanhar aquela nessas tarefas.

21 - CC não tinha noção sobre a necessidade de esterilizar chupeta e biberão, supondo que aquela derreteria e pretendendo levá-la para a maternidade ainda dentro da embalagem, tendo-a por pronta a ser usada.

22 - Indispôs-se com a funcionária, acusando-a de querer mandar nela.

23 - No dia seguinte (13/2) disse à funcionária e à técnica da equipa que não queria que fossem a casa sem que ela lá estivesse, porque podia lá chegar e ter um par de cornos e que não as queria ver.

24 - A 20 de Fevereiro, a equipa deu conta de que CC tinha na mala para a maternidade e destinados ao bebé, um pente de homem, um corta unhas de adulto, tesoura de adulto, faltando produtos usuais, como creme para evitar assaduras.

25 - E AA defendeu CC, atribuindo-lhe aptidão para tratar das coisas para a bebé e ser desnecessária a ajuda da equipa, tendo como adequados os preparativos e os artigos escolhidos por ela.

26 - A casa estava desorganizada e suja e tinha roupas espalhadas e dentro estavam cinco cães.

27 - A 27 de Fevereiro, a equipa encontrou a casa desarrumada e suja.

28 - CC manifestou-se insensível e impermeável ao esforço da equipa de acompanhamento e manteve postura agressiva e mal-educada.

29 - Devido a conflitos entre CC e AA, a GNR esteve em casa destes nos dias 6 de Março, 3 e 13 de Abril de 2020.

30 - A 6/3, CC invocou estar a ser agredida e declarou querer deixar AA e com ele a menor após nascer.

31 - A 3/4, CC esclareceu ter existido discussão entre ambos.

32- A 13/4, CC queixou-se de discussões e agressões. À saída dos militares, CC disse a AA lá dentro é que vais ver e empurrou-o e pontapeou-o, tendo de seguida sido levada pela guarda para acalmar.

33 - Em telefonema para marcação de atendimento, em 4 de Junho, CC disse à técnica que AA não tinha que ir, por não ser o pai, que ninguém mandava nela e que se queria que ele comparecesse era porque queria ir para a cama com ele.

34 - Disse ainda em telefonemas iniciados por ela: vocês na comissão querem é roubar, você é uma ladra; pode dormir com o AA à vontade; vá para a cama com ele.

35 - Advertida CC que não lhe seria atendido o telefone, nesse mesmo dia efectuou 14 chamadas para o telefone da Comissão.

36 - E remeteu ainda mensagens para o dito telefone, com os teores seguintes: O vaca fica com o AA; Não tenho medo de vos puta: O puta ladra; O ladra vai para a cama com o AA; O puta ladra tas a levar na cona; o porca; Ladra puta es a maior vaca dai; N tenho medo de ti vai luvar na cona com o AA ainda te pago.

37 - CC tem uma filha com EE, FF, nascida a .. de Novembro de 2016.

38 - Esta saiu da maternidade com a condição de ficar em casa da avó materna e sob a vigilância desta, atenta a falta de confiança nas capacidades de CC para lhe prestar cuidados.

39 - FF vive com os avós maternos, GG e HH, no concelho ……, primeiro por via de medida de protecção de apoio junto dos avós e depois por decisão de Fevereiro de 2019, do TFM, que estabeleceu a residência junto destes.

40 - CC não mantém ligação com FF, declarando em 8 de Julho de 2020 que há cerca de um ano que não a visitava.

41 - CC está de relações cortadas com os pais e com a irmã.

42 - CC foi acompanhada em psiquiatria, tendo abandonado as consultas e a medicação por sua iniciativa.

43 - CC revelou desadequação para a função maternal, deixando de amamentar FF na semana após o nascimento e deixando-a sem comer e sozinha durante um dia, ignorando as necessidades da bebé, não tendo noção de horários nem da debilidade daquela.

44 - Nem os avós nem outro familiar manifestaram qualquer intenção de acolher BB ou sequer de contactar com ela.

45 - A avó materna, ouvida a propósito, recusou de imediato a possibilidade de acolher BB, invocando o desequilíbrio materno.

46 - CC frequentou curso de formação em ......, tendo recebido bolsa de €210 até Julho de 2020, não tendo nem antes nem depois actividade profissional e estando sem rendimentos.

47 - AA telefonou para o CAT em 22 de Março, 18 de Julho e 24 de Julho.

48 - E a 22 de Setembro, para agendar vista para o dia 27 desse mês.

49 - AA esteve no CAT com a menor em 27 de Setembro.

50 - CC recusou acompanhar AA na visita à menor. Não quis ir vê-la, entendendo que quem lha tirou é que lha deve trazer e não ser ela a deslocar-se.

51 - AA justificou a não deslocação de CC, com problemas de saúde desta, dores no pé.

52 - A 22/3 AA ligou, na sequência de contacto da comissão, para dar conta de que iria proceder ao registo da menor.

53 - AA não tem viatura e descolou-se ao CAT com irmão, de férias no país.

54 - AA não fez perguntas sobre a menor nem procurou inteirar-se sobre ela.

55 - No telefonema de dia 24 marcou visita para 14 de Agosto, ocasião em que tinha irmão que o podia conduzir a ........ No dia 14 de Agosto não compareceu e não deu explicações para a ausência.

56 - Justifica não telefonar mais para o CAT porque BB ainda não conversa e porque gasta o saldo com ligações para outras pessoas.

57 - Disponibilizada ajuda para poder aceder a videochamadas de modo a ver a menor, através do telemóvel, não manifestou interesse em ser ajudado.

58 - AA considera que CC tem aptidão para cuidar da casa e da menor. Apesar do tempo livre, não teve disposição para se dedicar a arrumar minimamente a casa, aceitando a desorganização e sujidade.

59 - CC telefonou para o CAT em Abril, semanalmente. Questionou o CAT da possibilidade de videochamada e dando conta que implicaria custos para ela, não voltou ao tema.

60 - A 23 de Maio e a 4 de Junho voltou a telefonar para o CAT. A 23/5 foi convidada para ir visitar a menor.

61 - Não fez perguntas sobre a menor durante os telefonemas e pediu, sem sucesso, que lha levassem a .......... e não pediu para marcar qualquer visita.

62 - A 4 de Junho, no telefonema, disse que AA não era o pai de BB e que queria que ele tirasse o nome.

63- CC e AA não fizeram outros telefonemas nem foi realizada qualquer outra visita, além da de dia 27 de Setembro, não lhes tendo alguma vez sido recusadas visitas nem contactos telefónicos.

64 - CC recusou contactar com a técnica gestora, após aplicação da medida de acolhimento, datada de 8 de Julho.

65 - A 9 de Julho, CC tentou dar estalo na técnica do RSI.

66 - Ouvida a 24 de Novembro, CC esclareceu não ter querido ir visitar a menor e não querer ter ligação com ela. E nesse dia, AA invocou problema no pulmão para explicar porque não trabalha.

67 - Invocando AA que os irmãos emigrados poderiam acolher a menor, foi advertido para que aqueles contactassem os serviços, nenhum o tendo feito.

68 - AA declara que os irmãos emigrados têm capacidade económica e lhe mandarão dinheiro para ajudar a criar a menor, quando esta estiver em casa. O mesmo diz CC quanto a um tio que emigrado na Alemanha.
69[4] - AA não tem familiares próximos de si.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido[5]:
a) A inexistência de desinteresse pela menor.
b) Os progenitores tinham tudo preparado para acolher a criança;
c) Os progenitores consigam, minimamente, cuidar de uma casa e de um bebé.
d) AA não teve oportunidade de mostrar aptidão para a paternidade.
e) Está integrado socialmente.
f) Perspectiva integração no mercado de trabalho.
g) A debilidade económica impediu visitas à menor.
h) Não dispôs de meios para ir a ........
i) Estivesse a menor colocada mais perto e as visitas seriam mais frequentes.
j) CC não teve oportunidade de estar com a filha.
k) A impossibilidade de deslocar-se a ........
l) Não teve oportunidade de mostrar as suas capacidades.
m) Vai melhorar a sua situação.
n) Não foi ajudada adequadamente.
Mais se afirmou: “Não foi produzida prova que confirmasse o alegado pelos progenitores, designadamente a impossibilidade de contactos, a preparação para o nascimento, a aptidão para a prestação de cuidados, a integração social, maior ligação se a colocação fosse menos distante. A previsível melhoria da situação dos progenitores e a deficiência da intervenção e apoio ao agregado. O que se constata é o contrário do alegado”.

O DIREITO

Analisando com atenção a decisão sobre a matéria de facto e fazendo apelo, sucessivamente, aos artigos 34.º, 35.º e 4.º da LPCJP e 1978.º, n.º 1, als. d) e e), do CC, o Tribunal recorrido concluiu ser de aplicar a medida de confiança da BB a instituição com vista a futura adopção.

Na sua desenvolvida fundamentação, o Tribunal da Relação … enumerou assim as razões determinantes para a solução que encontrou:

“Primeiro, não podemos ignorar que o agregado é constituído pelo Recorrente e pela progenitora CC. A integrar-se a criança naquela família, passaria a conviver com um adulto que demonstradamente é incapaz de tomar conta dela, ou seja, de proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

(…)

Segundo, mesmo que por absurdo considerássemos que a filha nunca ficaria a sós com a progenitora (hipótese que temos por seguro que não se verificaria), o ambiente familiar é disfuncional e inadequado para uma criança.

(…)

Terceiro, as condições materiais do agregado são inapropriadas para a criança.

(…)

Quarto, o Recorrente não dispõe de condições subjectivas para proporcionar à filha um ambiente minimamente acolhedor, sendo notórios os seus défices em diversas áreas relevantes.

(…)

Quinto, o Recorrente manifestou desinteresse pela criança e não se revela capaz de proteger a criança das situações de perigo e de lhe proporcionar condições adequadas à sua educação e crescimento”.

E concluiu decidindo assim:

Pelo exposto, também quanto ao progenitor, estando verificadas as situações previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 1978º do CCiv., entendemos que no mínimo se encontram comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, o que nos parece resultar bem evidente da raridade dos contactos com a instituição que acolhe a filha, do conteúdo destes (não faz perguntas sobre a criança nem procura inteirar-se sobre ela), do facto de só ter visto a criança uma única vez após o nascimento e de justificar o facto de não telefonar mais para o CAT com a circunstância de a BB ainda não conversar e de gastar o saldo do telemóvel com ligações para outras pessoas.

Finalmente, constata-se que nenhum familiar se disponibilizou para uma solução alternativa e que nenhuma outra medida, para além da aplicada na decisão recorrida, se mostra adequada ao interesse superior da BB”.

O recorrente discorda da solução encontrada, estando a argumentação jurídica em que estriba o seu pedido de revogação do Acórdão recorrido concentrada, no essencial, nas conclusões 6.ª a 8.ª da revista.

Alega aí o recorrente que, além daquilo que é exigido nas suas alíneas, a norma do n.º 1 do artigo 1978.º do CC tem um pressuposto geral de aplicabilidade, qual seja a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação; não estando demonstrado in casu este pressuposto, não podia o Tribunal recorrido aplicar a medida prevista na norma (de confiança com vista a futura adopção).

Acresce que tão-pouco se verificam os pressupostos a que se referem as als. d) e e) do n.º 1 do artigo 1978.º do CC.

Por último, e sempre no entender do recorrente, a decisão desrespeita os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo consagrados no artigo 4.º da LPCJP, designadamente os princípios do superior interesse da criança, da intervenção mínima, da proporcionalidade e da actualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.

Apreciem-se os argumentos do recorrente.

Antes de mais, há que dizer que a medida de confiança com vista a futura adopção integra o elenco de medidas de promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens em perigo disposto no artigo 35.º da LPCJP.

Volta esta medida a ser referida no artigo 38.º-A da LPCJP, onde se diz que ela é aplicável “quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil”.

A norma do artigo 1978.º, n.º 1, do CC é, de facto, a norma fundamental neste contexto. Tem o seguinte teor:

1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) Se os pais tiverem abandonado a criança;

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”.

Ao interpretar esta última norma, o recorrente parte de um pressuposto lógico que, embora com um ou outro reflexo na jurisprudência, não é inteiramente consensual ou incontestável: o de que o requisito enunciado no proémio do n.º 1 do artigo 1978.º do CC é um requisito autónomo ou independente das hipóteses elencadas na mesma norma, funcionando estas como requisitos cumulativos ou adicionais.

Ora, seguindo de perto o que já se disse em Acórdão recente deste Supremo Tribunal[6], esta não é de todo uma interpretação unívoca ou insusceptível de reservas.

Atentando, desde logo, na técnica legislativa utilizada na norma, é defensável uma interpretação alternativa – a de que as hipóteses não constituem requisitos em sentido próprio, se localizam num plano diferente daquele requisito e se relacionam com ele noutros termos.

Atentando exclusivamente na técnica legislativa utilizada, parece, de facto, que o tribunal pode aplicar a medida em causa quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos aqueles vínculos, pela verificação de qualquer das seguintes situações”, ou seja, que o tribunal pode aplicar a medida quando, pela ocorrência de qualquer das situações enumeradas, se torne visível que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos aqueles vínculos.

Poderia, assim, argumentar-se que o único requisito da medida de confiança com vista à adopção, enunciado no proémio da norma, reside na inexistência ou no sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e que aquelas situações são meras situações indiciárias, isto é, situações que, ocorrendo, indiciam ou sinalizam a presença daquele requisito[7].

Mas mesmo que não se insista nesta interpretação, uma coisa é certa e aceite por todos: a norma deve ser interpretada à luz do princípio do superior interesse da criança.

Por outras palavras, e como se diz, sugestivamente, no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de 21.05.2020:

III. – Os requisitos do art. 1978.º do Código Civil devem ser apreciados de forma objectiva, tendo em conta, prioritariamente, o superior interesse do menor.

IV. – O relevo atribuído ao superior interesse do menor significa que deve atender-se à qualidade dos vínculos próprios da filiação, e não às meras intenções ou aos meros esforços dos pais, sempre que tais intenções ou que tais esforços não se revelem adequados ou suficientes para criar as condições necessárias ao desenvolvimento dos filhos [8].

O princípio da prevalência do superior interesse da criança está elencado no artigo 4.º da LPCJP, nos seguintes termos:

a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (…)”.

A norma do artigo 4.º está em plena harmonia com a norma do artigo 34.º da LPCJP, em que se diz que a finalidade das medidas de promoção e protecção é a de afastar o perigo em que as crianças ou os jovens se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e / ou garantir a recuperação física e psicológica das crianças ou jovens que sejam vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Quer isto dizer, em síntese, que, para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver em que é que, existindo esta ligação, ela se concretiza. Ela deve traduzir-se em gestos, actos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. Sempre que, ao contrário, existam factos que demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel, é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afectivos próprios da filiação”.

Ora, no caso dos autos, como bem se demonstra no Acórdão recorrido, verifica-se, justamente, esta última situação. Perpassa dos factos apurados a incapacidade, a indisponibilidade e / ou o desinteresse dos pais da BB para tomar conta da criança, ou seja, a incapacidade, a indisponibilidade e / ou o desinteresse dos pais da BB para educar, orientar, apoiar, proteger adequadamente a sua filha, o que significa que, no mínimo, estão seriamente comprometidos aqueles vínculos afectivos.

Destacam-se, entre outras, as seguintes circunstâncias:

- os pais de BB mantêm uma relação conflituosa, ocorrendo gritos, zangas e agressões entre eles (cfr., sobretudo, factos provados 7, 29, 30, 31 e 32);

- a casa onde vivem os pais de BB está habitualmente desorganizada e suja, tendo cães a circular dentro dela que não estão vacinados (cfr., sobretudo, factos provados 13 a 15, 26 e 27);

- a mãe de BB mostra sinais de pronunciado desequilíbrio emocional assim como de algum alheamento ou mesmo menosprezo pela necessidade de adoptar as regras típicas do bom relacionamento humano e social (cfr., sobretudo, factos provados 17 a 20, 22 e 23, 28, 33 a 36, 42 e 43, 50, 64 a 66).

- a mãe de BB demonstra inaptidão para desempenhar o papel de mãe, revelando total desconhecimento das regras mais básicas de higiene e segurança (cfr., sobretudo, factos provados 21 e 24), sendo que o pai não só não reconhece este facto como se conforma com ele e não supre esta insuficiência (cfr., sobretudo, factos provados 25, 51 e 58);

- nenhum dos pais da BB dá mostras de constância e persistência nos contactos com a criança e, por vezes, quando confrontados com o facto de isso implicar despesas, desistem mesmo de estabelecer o contacto (é certo que eles não podem suportar despesas elevadas mas também é certo que não se esforçam por procurar / explorar / aceitar vias alternativas) (cfr., sobretudo, factos provados 50, 54 a 61, 63 e 66).

Acresce que:

- os familiares da BB além dos seus pais ou estão emocional e geograficamente afastados da criança ou rejeitam categoricamente a hipótese de acolher a criança (cfr., sobretudo, factos provados 4, 41, 44, 45, 67 e 69).

Pode, assim, dizer-se, de forma esquemática e a título conclusivo, o seguinte:

- perante os factos apurados, não é possível aplicar uma das medidas típicas a executar no meio natural de vida, previstas nas als. a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP;

- a medida da confiança com vista a futura adopção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJP, apresenta-se como uma medida possível e adequada para realizar o interesse superior da criança;

- a aplicação desta medida depende da verificação das exigências impostas na norma do artigo 1978.º do CC, norma esta que não poderá deixar de ser interpretada à luz do princípio da prevalência do superior interesse da criança;

- tendo ficado demonstrado que foram observados os princípios e as regras aplicáveis, designadamente os contidos na LPCJP bem como as exigências impostas no artigo 1978.º do CC, interpretadas à luz do princípio da prevalência do superior interesse da criança, a decisão do Tribunal recorrido está em conformidade com a lei e não pode nem deve este Supremo Tribunal alterá-la.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Sem custas [cfr. artigo 4º, nº 2, al. f), do RCP].


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Catarina Serra (relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

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[1] Cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009 (Proc. 1735/06.OTMPRT.S1) ou de 16 de Março de 2017 (Proc. n.º 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1).
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S), já antecedido pelo Acórdão do STJ de 25.05.2017 (Proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S).
[3] Verifica-se, por outras palavras, que, no caso presente, “a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão”. Cfr. o mesmo Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S).
[4] Facto aditado pelo Tribunal recorrido na sequência da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
[5] A ordenação por letras é nossa.
[6] Acórdão de 27.05.2021, Proc. 2389/15.8T8PRTD.P1.S1, relatado pela ora Relatora.
[7] Veja-se, só para um exemplo desta tese, o que diz Estrela Chaby, em comentário á norma do artigo 1978.º do CC (in: Código Civil Anotado, volume II (Artigos 1251.º a 2334.º), Coimbra, Almedina, p. 899): “A decisão de confiança depende sempre da conclusão no sentido da inexistência ou sério compromisso dos vínculos afectivos próprios da filiação, constituindo as várias alíneas do n.º 1 situações objectivas suscetíveis de revelar aquela inexistência ou compromisso que deve, em si, ser demonstrada”.
[8] Proferido no Proc. 2719/17.8 T8PRD.S1 (sublinhados do Acórdão).