DIREITO DE PREFERÊNCIA
NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
PRAZO DE CADUCIDADE
CADUCIDADE DA AÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário


I. Existindo um direito de preferência legal, o obrigado à preferência que pretenda alienar onerosamente a coisa tem o dever de comunicar ao titular do direito de preferência o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.
II. Se o obrigado à preferência não respeitar essa obrigação (n.º1 do artigo 416.º do Código Civil), prevê o n.º1 do artigo 1410.º do Código Civil que o preferente preterido possa exercer o seu direito no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio, desde que deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação.
III. O decurso do prazo de seis meses sem que o direito seja exercido importa a caducidade do direito de ação.
IV. o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio em 6 de outubro de 2018 e intentou a ação depois de decorrido o prazo de seis meses (em 17 de abril de 2019), pelo que o seu direito já se encontrava extinto por caducidade quando intentou a ação.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:      

      



I. Relatório

1. AA instaurou a presente ação declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, contra BB e mulher, CC, e DD e mulher, EE, tendo em vista exercer o seu direito a preferir na venda que os primeiros RR fizeram aos segundos tendo por objeto os prédios que identificou, dada a sua qualidade de proprietário de prédio confinante, pedindo a final que os mesmos lhe sejam entregues livres e desocupados de pessoas e bens e seja ordenado o cancelamento dos registos a favor dos RR compradores.

2. Citados, os Réus vieram contestar, por exceção, alegando que:

- caducou o direito que o Autor pretende exercitar, uma vez que a presente ação deu entrada em juízo para lá do prazo consagrado no artigo 1410.º do Código Civil;

- o 2.º Réu marido é titular de direito de preferência decorrente da sua qualidade de arrendatário dos prédios vendidos, o qual prevalece no confronto com o direito de preferência invocado pelos demandantes.

Alegam, ainda, ter realizado diversos melhoramentos nos prédios, que os valorizaram, prevenindo para a hipótese de procedência da ação, os Réus DD e mulher EE formularam contra o Autor pedido reconvencional, pedindo a condenação do reconvindo na entrega da quantia de €8 468,40.

3. Replicou o reconvindo, impugnando a factualidade alegada em suporte do pedido reconvencional, cuja improcedência defendeu.

4. Realizada a audiência final foi proferida sentença que, na procedência da ação, declarou reconhecido o direito de preferência do Autor, substituindo-o ao 3.º Réu comprador nos negócios de compra e venda celebrados com os 1.ºs Réus tendo por objeto os prédios identificados, cuja entrega foi ordenada, livres e desocupados de pessoas e bens.

O pedido reconvencional foi julgado improcedente, com a consequente absolvição do Autor reconvindo.

5. Inconformados com esta decisão, os Réus DD e mulher EE interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

6. O Tribunal da Relação de Évora veio a “julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, em consequência do que julgam improcedente a acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados”.

7. Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I - Na presente acção para exercício do seu direito de preferência na venda dos prédios rústicos que os primeiros RR fizeram aos segundos, foi proferida sentença, em 02 de Abril de 2020, que a julgou procedente.

II - Os RR DD e mulher, EE, não se conformando com a douta decisão proferida em primeira instância, apelaram, alegando, nomeadamente, a excepção de caducidade.

III - Assim, foi proferido douto Acórdão, em 11 de Fevereiro de 2021, que julgando procedente a excepção da caducidade, decidiu nos seguintes termos:

“Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, em consequência do que julgam improcedente a acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados.

As custas nesta e na instância ficam a cargo do autor (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).”

IV. O Recorrente discorda do referido Acórdão, concordando, aliás, com a decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de ....

V. Com o presente recurso pretende-se questionar se se verifica a excepção de caducidade do direito do A.

VI - O Acórdão posto em crise considera que, por confissão do A., que, em conversa entre si e o R. comprador, teve conhecimento de que este havia adquirido o prédio objecto de preferência.

VII - No entanto, o Réu marido comprador não informou o A,. sobre os elementos essenciais do negócio.

VIII - Foi o A. que, após a conversa com o Réu, que foi diligenciar no sentido de confirmar se o negócio foi realizada, data da realização e preço.

IX - Ao contrário do considerado no douto Acórdão, as declarações do R. recorrente não foram corroboradas pelos depoimentos de FF e GG.

X - Pois que estes, não tendo presenciado qualquer conversa entre o A e o R., apenas referiram que este lhes disse que teve uma conversa.

XI - Não confirmando que o A. foi informado, e em que data, dos elementos essenciais do negócio.

XII - Nestes termos, e conforme decidiu o Juiz de Primeira Instância, as declarações destas testemunhas não permitem uma demonstração suficientemente segura de que o A. tenha tido conhecimento através do R. comprador, ou por terceiros, dos elementos essenciais do negócio em Setembro/inicio de Outubro de 2018.

XIII - Não logrou o R. comprador provar que comunicou, e em que data, os elementos essenciais do negócio.

XIV - Decidiu bem o juiz de Primeira Instância seguindo o princípio da livre apreciação da prova.

XV - Pelo que, deve considerar-se, como na decisão de primeira instância, como não provado que “No final de Setembro/principio de Outubro de 2018, o terceiro Réu informou o Autor da compra do prédio e do respectivo preço.”

XVI - Devendo, assim, revogar o Acórdão recorrido, repristinando-se a sentença de primeira instância.


E conclui: “deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Douto Acórdão, repristinando-se a sentença proferida em Primeira Instância”.

8. Os Réus DD e EE contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.

9. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Autor/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão da verificação ou não da exceção de caducidade.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O prédio rústico denominado “D…”, sito em ...., na União das Freguesias... (....) e ...., concelho ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial... sob o n.º …60 da freguesia... (....), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção 1I, tem a área de 1,875000 hectares, e destina-se à cultura de olival de regadio.

1.2. Encontra-se registada a favor de AA a aquisição, por compra, do prédio identificado em 1., mediante a Ap. 4 de 1984/07/25.

1.3. O prédio rústico denominado “V...”, sito em ... (...), na União das Freguesias ... (....) e ...., concelho ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …07 da freguesia ... (....), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …91 da Secção 1I da União de Freguesias..... (....) e ...., tem a área de 0,750000 hectares, e destina-se à cultura de olival de sequeiro.

1.4. Encontra-se registada a favor de DD a aquisição, por compra, a BB e CC, do prédio identificado em 3., mediante a Ap. 519 de 2018/02/22.

1.5. O prédio identificado em 1. confronta a nascente com o prédio identificado em 3.

1.6. Por documento particular datado de 20 de Fevereiro de 2018, autenticado pelo Solicitador HH, os 1.º e 2.º Réus declararam vender ao 3.º Réu, que aceitou, pelo preço global de € 22.000,00:

1.6.1. O prédio rústico identificado em 3., ao qual atribuíram o valor de €7.000,00.

1.6.2. O prédio rústico denominado “P...”, sito em ... ou V..., da União das Freguesias... (....) e ...., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …03 da freguesia... (....), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção 1I da União de Freguesias ... (....) e ...., com a área de 0,800000 hectares, destinado à cultura de olival de sequeiro, ao qual atribuíram o valor de €10.000,00.

1.6.3. O prédio rústico denominado “Pi...”, sito em ... (...),na União das Freguesias... (....) e ...., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …06 da freguesia ... (....), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …..68 da Secção 1I da União de Freguesias .... (....) e ...., com a área de 0,675000 hectares, destinado à cultura de olival de sequeiro, ao qual atribuíram o valor de €5.000,00.

1.7. Encontra-se registada a favor de DD a aquisição, por compra a BB e CC, dos prédios identificados em 6.2. e 6.3., mediante a Ap. 519 de 2018/02/22.

1.8. Os RR ... e mulher não deram conhecimento ao Autor da sua intenção de vender o prédio identificado em 3. e das condições da venda.

1.9. Antes do negócio referido em 6., os RR DD e mulher não eram proprietários de qualquer terreno confinante com os identificados em 3., 6.2. e 6.3.

1.9a) Em data não concretamente apurada, mas alguns dias antes de 6 de Outubro de 2018, o Réu DD informou o Autor que tinha celebrado o negócio de compra dos prédios identificados em 3. e 6. e, bem assim, o preço pago.

1.10. A presente acção foi instaurada a 17 de Abril de 2019.

1.11. O Autor procedeu ao depósito de €23.951,00 à ordem dos presentes autos.

1.12. O Réu DD dedica-se à actividade agrícola, nomeadamente, olivícola.

1.13. O R. DD explora actividade olivícola nos prédios identificados em 3., 6.2. e 6.3. desde Agosto de 2014, à vista de toda a gente, nomeadamente adubando e podando as oliveiras.

1.14. À data de Agosto de 2014 as oliveiras encontravam-se com “pés de burrico”, não produziam, e os prédios tinham pasto muito crescido.

1.15. Atento o estado dos prédios e com vista à sua produtividade, o 3.º Réu procedeu aos seguintes trabalhos nos prédios explorados:

1.15.1. Em Fevereiro de 2015, corte das oliveiras.

1.16. As oliveiras começaram a produzir azeitona a partir da campanha de 2016/2017.

1.17. Os prédios actualmente produzem azeitona.

1.18. Os trabalhos de corte/poda das árvores, queima da rama, “picagem” da lenha, desinfecção das oliveiras, aplicação de herbicida, passagem da destroçadora, passagem de pneus, corte dos burricos, e adubagem, consubstanciam trabalhos agrícolas usuais que qualquer olivicultor desenvolve nos seus terrenos para manutenção e preparação para a apanha da azeitona.

2. E consideraram como não provado:

a) A conversa a que se refere o ponto 9 a) tenha tido lugar no final de Outubro de 2018;

b) O autor tenha tomado conhecimento dos termos do negócio referido em 6. no início de Novembro de 2018, após o dia 05 de Novembro de 2018;

c) O autor tenha abordado o R. DD no final de Setembro/princípio de Outubro de 2018, na sequência de ter tido conhecimento da compra por terceiros, tendo-lhe este confirmado que os tinha comprado e, bem assim, o preço por que os comprou.

d) Eliminado dos factos não provados.

e) Por acordo escrito celebrado em 27/07/2014 entre os 1.º e 2.º Réus e o 3.º Réu, os primeiros deram de arrendamento a este último, com início em 01/08/2014, os prédios rústicos identificados nos pontos 3 e 6.2. e 6.3. da matéria de facto provada, no âmbito do qual convencionaram “porque o olival não está tratado e não está a ter produção, acordam que nos três primeiros anos não é devida qualquer quantia a título de renda, vencendo-se a primeira em 31 de Julho de 2018, no montante de 200,00€ (duzentos euros) e as seguintes e sucessivas a actualizar anualmente nos termos da lei”.

f) À data de Agosto de 2014 as oliveiras tinham muita lenha.

g) Os 3.º e 4.º Réus procederam aos seguintes trabalhos nos prédios explorados, atento o estado dos prédios e com vista à sua produtividade:

i. No ano de 2014: em Agosto, passagem de pneus, e em Outubro, aplicação de herbicida.

ii. No ano de 2015: em Fevereiro, queima da rama, “picagem” da lenha; em Março, desinfecção das oliveiras; em Abril, desinfecção e aplicação de herbicida; em Maio, passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus; em Outubro, corte dos burricos.

iii. No ano de 2016: em Março, desinfecção; em Abril, desinfecção e passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus, em Outubro, corte dos burricos e desinfecção.

iv. No ano de 2017: em Fevereiro adubação; em Março, desinfecção; em Abril, desinfecção e passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus, em Outubro, corte dos burricos e desinfecção.

v. No ano de 2018: desinfecções das oliveiras em Março, Abril e Outubro; colocação de herbicida em Fevereiro e Outubro; passagem da destroçadora; passagem de pneus; corte dos burricos.

vi. No ano de 2019: em Fevereiro, corte/poda das oliveiras, queima da rama, “picagem da madeira”, e adubação das oliveiras; em Março, aplicação de herbicida; em Março e Abril, desinfecções das oliveiras; em Maio, passagem da destroçadora.

h) Nos produtos aplicados em cada uma das desinfecções foram gastos, em produtos, no mínimo, € 178,00 e em mão-de-obra, no mínimo, € 100,00, num total de € 278,00.

i) Entre 2014 e 2019 foram efectuadas 16 desinfecções, tendo sido gastos, no mínimo, entre 2014 e à data da entrada da acção, no mínimo, €4.448,00.

j) Em cada uma das passagens com pneus, para o que é utilizado necessariamente um tractor, em combustível e mão-de-obra foram gastos, no mínimo, € 200,00.

k) Em cada corte, queima da rama e picagem da lenha foram gastos, no mínimo, em combustível e mão-de-obra, € 400,00, no total de € 800,00.

l) Em cada um dos cortes de burricos foi despendido, no mínimo, €100,00, no total de €400,00.

m) Em cada um dos trabalhos para destroçar gastaram, no mínimo, em combustível e mão-de-obra, €250,00, num total de €1.250,00.

n) Em cada uma das aplicações de herbicida gastaram, no mínimo, €158,80, no total de €1.270,40.

o) Os trabalhos descritos em g) e no ponto 15 da matéria de facto provada tornaram os olivais produtivos e, nessa medida, valorizados.

p) Sem os trabalhos descritos em g) e no ponto 15 da matéria de facto provada as oliveiras não produziriam actualmente.

q) O Autor teria que despender as quantias indicadas nas alíneas h) a n) caso os olivais se encontrassem hoje, no estado em que se encontravam à data de 01/08/2014, de modo a torná-los produtivos, tal como estão hoje.

2. Exceção de caducidade

O Tribunal de 1.ª instância reconheceu ao Autor o direito de preferência invocado, em razão do que foi atendida a sua pretensão de se substituir ao adquirente na venda efetuada, tendo ainda sido absolvido do pedido reconvencional que contra si foi deduzido.

Os Réus DD e EE interpuseram recurso de apelação, e o Tribunal da Relação de Évora, após alteração da matéria de facto provada na 1.ª instância, veio a julgar procedente o recurso e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos, porquanto entendeu que se verificava a procedência da exceção da caducidade, que havia sido suscitada pelos Réus atrás referidos.

O Autor inconformado, interpôs este recurso de revista, insurgindo-se contra tal decisão, pretendendo que se considere, “como na decisão de primeira instância, como não provado que “No final de Setembro/princípio de Outubro de 2018, o terceiro Réu informou o Autor da compra do prédio e do respectivo preço”.

Ora, o Tribunal da Relação de Évora havia alterado a matéria de facto, e com fundamento nas declarações do Réu Recorrente e nos depoimentos das testemunhas FF e GG, havia dado como provado que “Em data não concretamente apurada, mas alguns dias antes de 6 de Outubro de 2018, o Réu DD informou o Autor que tinha celebrado o negócio de compra dos prédios identificados em 3. e 6. e, bem assim, o preço pago.”

O Recorrente insurge-se contra esta alteração da matéria de facto, pois entende que o conteúdo desses depoimentos não permite dar como provado tal matéria de facto.

Consabido é que o Supremo Tribunal de Justiça, não "julga de facto" mas tão-só "de direito".

Ou seja: por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (cfr. artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 24 de outubro – ver artigo 33º da LOFTJ).

Nessa conformidade:

- Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cfr. nº 1 do artigo 682º do nCódigo de Processo Civil - cfr. artigo 729 do vCódigo de Processo Civil);

- À Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do nCódigo de Processo Civil – cfr. artigo 712º do vCódigo de Processo Civil.

- Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto (nos termos do artigo 640º do nCódigo de Processo Civil – cfr. artigo 685º-B do vCódigo de Processo Civil), em decorrência do que dispõe este nº 1 do artigo 662º do nCódigo de Processo Civil – cf. artigo 712º do vCódigo de Processo Civil, a Relação pode e deve formar e formular a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Ou seja, face a esta autonomia decisória, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 662º do nCódigo de Processo Civil – cfr. artigo 712º do vCódigo de Processo Civil - impõe o dever à Relação de, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Todavia, excecionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça:

 i) Pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil – cf. artigos 729º e 722º do Código de Processo Civil;

ii) Intervém na decisão sobre a matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil - cf. artigo 729º  do vCódigo de Processo Civil;

 iii) Tem intervenção na decisão sobre a matéria de facto se considerar que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos do referido nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil - cf. artigo 729º do Código de Processo Civil.

Em síntese:

- Às instâncias compete apurar a factualidade relevante;

- Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.

Contudo, o STJ pode censurar o mau uso que o tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (alínea b) do nº 1 do artigo 674º do nCódigo de Processo Civil – cf. alínea b) do nº 1 do artigo 722º do Código de Processo Civil.

Ora, no caso presente, o Recorrente não suscita qualquer questão que permita a intervenção do STJ para apreciar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, sendo que, nestes autos, o STJ não pode censurar a decisão do Tribunal da Relação, não podendo pronunciar-se sobre a matéria de facto.

Estando assente a matéria de facto, nos termos definidos pelo Tribunal da Relação, não poderia o Tribunal da Relação extrair outra conclusão que não fosse a procedência da exceção de caducidade. E, tanto assim é, que o próprio Recorrente pretende, em primeiro lugar, que o STJ censure a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação e, depois, com os factos dados como assentes (e alterados pelo Tribunal da Relação) pelo Tribunal de 1.ª instância, julgue improcedente a exceção de caducidade invocada pelos Réus.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil, os proprietários de terrenos confinantes, da área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

É aplicável ao direito de preferência conferido no artigo 1380.º o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações (n.º4 do artigo 1380.º do Código Civil).

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil, querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.

Tendo em atenção os factos provados, verifica-se que os Réus vendedores não deram conhecimento ao Autor, que era proprietário de um prédio confinante, da sua intenção de vende, bem como as condições da venda.

Em face do incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil, prevê o n.º 1 do artigo 1410.º do Código Civil que o preferente preterido possa exercer o seu direito no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio, desde que deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação.

O decurso do prazo de seis meses sem que o direito seja exercido importa a caducidade do direito de ação.

E sendo um facto excetivo, o ónus da prova recai sobre os Réus (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil).

O caso presente, após a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, encontra-se provado que em data não concretamente apurada, mas alguns dias antes de 6 de outubro de 2018, o Réu DD informou o Autor que tinha celebrado o negócio de compra dos prédios identificados em 3. e 6. e, bem assim, o preço pago.

Por outro lado, a ação foi intentada em 17 de abril de 2019.

Deste modo, temos de concluir que o Autor/ora Recorrente teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio em 6 de outubro de 2018 e que intentou a ação depois de decorrido o prazo de seis meses, isto é, em 17 de abril de 2019, pelo que o seu direito já se encontrava extinto por caducidade quando intentou a ação.

Deste modo, o Acórdão recorrido não merece censura.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista e, em consequência, confirmar o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 6 de julho de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)   

Fátima Gomes           

Fernando Samões


Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Fátima Gomes e Fernando Samões.