EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO COMUM
Sumário

I - O disposto no art.º 794º do Código de Processo Civil pressupõe que as execuções se encontrem numa normal dinâmica processual.
II – Forçada a paragem da execução fiscal, por força do previsto no art.º 244º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, impõe-se o prosseguimento da execução comum.

Texto Integral







2106/20.0T8SRE-A.C1

Sumário:

I - O disposto no art.º 794º do Código de Processo Civil pressupõe que as execuções se encontrem numa normal dinâmica processual.

II – Forçada a paragem da execução fiscal, por força do previsto no art.º 244º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, impõe-se o prosseguimento da execução comum.


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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

“A questão colocada é recente e ainda não conhece tratamento uniforme dos Tribunais. Contudo, julgamos mais correcta a interpretação jurisprudencial mais recente do Tribunal da Relação de Coimbra através do seu acórdão de 25-05-2020 (367/16.9T8CVLC.C1), no sentido de que a aqui Exequente, e futura Credora Reclamante no Processo de Execução Fiscal, não está impedida de promover, no Processo de Execução Fiscal, a venda do imóvel que se encontra prioritariamente penhorado à ordem do Processo de Execução Fiscal. No mesmo sentido se pronunciou, a 10-11-2020, o Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA em comentário de jurisprudência [Jurisprudência 2020 (91)] no Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.pt). Com efeito, é esta a interpretação que salvaguarda todos os interesses contrapostos e que, por outro lado, não obriga a uma clara inobservância do art.º 794.º/1 CPC. Pois, caso contrário, seria necessário fazer prosseguir a ação executiva quanto a um bem que se encontra prioritariamente penhorado à ordem de outra ação executiva e também obrigaria a duplicar a fase de convocação de credores, os quais já devem ter sido convocados e graduados no âmbito do Processo de Execução Fiscal. Por outro lado, tal procedimento, ao arrepio da regra da prioridade temporal, induziria em erro outros credores que pretendessem apresentar reclamação de créditos de forma espontânea ou na sequência de sustação por penhora posterior. Posição no sentido do prosseguimento da ação executiva pode ser encontrada, pelo menos, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2020 (1303/17.0T8AGDB.P1.S1). Por outro lado, mesmo que se seguisse (o que não é o caso) esta segunda tese interpretativa, o certo é que também o prosseguimento da ação executiva estaria condicionado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03. Pelo exposto: Indefere-se o prosseguimento da acção executiva quanto ao imóvel que se encontra prioritariamente penhorado à ordem do Processo de Execução Fiscal. (Fim da citação.)


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Inconformada, a Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. Funda-se o presente recurso, salvo melhor opinião, em falhas de apreciação em que se apoiou o Douto Despacho proferido em 19/01/2021 (referência Citius ...).

2. O Despacho Recorrido, ao pronunciar-se pelo indeferimento do prosseguimento da ação executiva quanto ao imóvel que se encontra prioritariamente penhorado à ordem do Processo de Execução Fiscal, apreciou mal as questões de facto e de direito que se lhe depararam.

3. O Agente de Execução ainda não emitiu decisão de sustação do imóvel penhorado nos autos, porquanto previamente à mesma logrou apurar que a venda fiscal não será agendada atento o facto de se tratar da casa de morada de família do Executado, conforme Ofício do Serviço de Finanças de Condeixa-a-Nova, junto pelo Agente de Execução aos autos como Doc. 1 na sua notificação à Exequente de 21/12/2020 (referência Citius ...), na qual taxativamente o Serviço de Finanças informa o seguinte: “Tendo como referência o v/ e-mail infra, e conforme solicitado, informo que o processo de execução fiscal indicado se encontra ativo, pelo que este Serviço de Finanças mantém o interesse na penhora de imóvel efetuada nos autos ao executado. Mais informo que não há data marcada para a realização da sua venda, nem há previsão para que tal ocorra, tendo em conta o impedimento legal à realização da venda de imóvel, destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor, ou do seu agregado familiar, previsto no artigo 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

4. O Tribunal "a quo" esteve mal, quando refere no douto Despacho Recorrido que “a aqui Exequente, e futura Credora Reclamante no Processo de Execução Fiscal, não está impedida de promover, no Processo de Execução Fiscal, a venda do imóvel que se encontra prioritariamente penhorado à ordem do Processo de Execução Fiscal”, indeferindo, por conseguinte, o requerido prosseguimento da ação executiva.

5. O Tribunal "a quo” deveria ter considerado a comunicação do Serviço de Finanças, da qual resulta que a venda fiscal não será agendada, em virtude do disposto no artigo 244º do CPPT.

6. Ora, ainda que se considere que a Exequente pode e deve impulsionar a realização da venda fiscal do imóvel penhorado nos autos, de pouco ou nada lhe adiantará, porquanto o Serviço de Finanças está impedido de agendar a venda por imperativo legal.

7. Ademais, não deveria o Tribunal “a quo” ter olvidado que decorridos quase 10 anos sobre a data do incumprimento que deu origem à presente execução (12/08/2011 e 12/12/2011) e quase 7 anos desde a penhora registada a favor da Fazenda Nacional, sem que o referido Serviço de Finanças tenha agendado a venda do imóvel penhorado nos autos, não se antevê que a mesma venha a ser agendada, atento o facto de se tratar da casa de morada de família dos Executados, conforme referida comunicação do Serviço de Finanças.

8. A questão que se coloca é se o Tribunal “a quo” decidiu bem ao indeferir o requerimento de prosseguimento dos autos, sem a necessidade, por inutilidade, da decisão de sustação do imóvel penhorado nos autos, com vista à venda judicial do mesmo, ficando os direitos do credor Fazenda Nacional acautelados através de reclamação de créditos a efetuar nos autos.

9. Considerando que a decisão de sustação ao abrigo do artigo 794º do Código de Processo Civil, tem por finalidade evitar que em processos diferentes ocorra a venda do mesmo bem, devendo a liquidação ser única e em princípio dever realizar-se no processo onde o bem foi penhorado em primeiro lugar e não a de obstaculizar a venda em qualquer um dos processos.

10. Bem como considerando ainda o disposto no artigo 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”, a sustação deixa de ter assim qualquer efeito útil, pelo que veio a Exequente requerer o prosseguimento dos autos.

11. Não se vislumbra outra possibilidade de a Exequente obter o pagamento da dívida peticionada, através da venda do imóvel garantia, que não pela venda judicial nos presentes autos de execução, porquanto o Serviço de Finanças não vai agendar a venda fiscal de imóvel por se tratar de casa de morada de família, independentemente dos impulsos processuais que a Exequente possa levar a cabo junto do mesmo.

12. O Despacho Recorrido, ao indeferir o requerido prosseguimento dos autos, está a violar o principio que está na base do artigo 794º do Código de Processo Civil, o qual não visa obstaculizar a venda em qualquer um dos processos.

13. Tudo, sem prejuízo de o referido prosseguimento apenas poder ocorrer após cessar a suspensão atualmente em vigor por via da Lei 1-A/2020, na sua última redação dada pela Lei 1-B/2021 de 1 de fevereiro.

14. Pelo que deve, por conseguinte, ser revogado tal Despacho, e ordenado o regular prosseguimento dos autos, sem a necessidade, por inutilidade, da decisão de sustação do imóvel penhorado nos autos, com vista à venda judicial do mesmo, ficando os direitos do credor Fazenda Nacional acautelados através de reclamação de créditos a efetuar nos autos, com efeitos, reitera-se, após ocorrer a cessação da suspensão atualmente em vigor por via da Lei 1-A/2020, na sua última redação dada pela Lei 1-B/2021 de 1 de fevereiro.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

Questão a decidir:

No caso, podemos ordenar o prosseguimento da execução, apesar da execução fiscal com anterior penhora sobre o imóvel aqui dado para venda?

Ou dito de outra forma: perante a penhora da habitação própria e permanente do executado em ambas as execuções, o que deve então acontecer na execução civil, atento o disposto no art. 244.º, n.º 2, C.P.P.T.?


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            Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente, sendo ainda certo o seguinte:

            A Autoridade Tributária informou o seguinte:

“Tendo como referência o v/ e-mail infra, e conforme solicitado, informo que o processo de execução fiscal indicado se encontra ativo, pelo que este Serviço de Finanças mantém o interesse na penhora de imóvel efetuada nos autos ao executado. Mais informo que não há data marcada para a realização da sua venda, nem há previsão para que tal ocorra, tendo em conta o impedimento legal à realização da venda de imóvel, destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor, ou do seu agregado familiar, previsto no artigo 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (Fim da citação.)

            Além da bibliografia assinalada pelo Tribunal recorrido, podemos referenciar ainda os seguintes contributos:

            O acórdão desta nossa secção de 26.9.2017, proc.1420/16, em www.dgsi.pt;

            No Blog do Prof. Teixeira de Sousa, a Jurisprudência comentada 2020 (115).

Como este assinala, “segundo uma posição minoritária (que se subscreveu recentemente no comentário a Jurisprudência (91)), o credor da execução civil pode reclamar o seu crédito na execução fiscal e obter nesta a satisfação do seu crédito. Nesta perspectiva, não há efectivamente qualquer razão para proceder à adequação formal na execução civil. Tudo pode ocorrer de forma "normal": suspensão da execução civil, reclamação do crédito na execução fiscal e satisfação do crédito reclamado nesta execução.”

“O problema reside em que a posição maioritária na matéria entende que o credor reclamante não pode obter a satisfação do seu crédito na execução fiscal (por nesta não poder ser vendida a habitação própria e permanente do executado) e que, por isso, nada impede a continuação da execução civil. É o resulta com total clareza do sumário de RL 5/11/2020 (3911/18.3T8ALM.A.L1-6).” (Fim da citação.)

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, proc.1303/17, em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1303.17.0T8AGD.B.P1.S1, foi tirado por unanimidade, para resolver a oposição de acórdãos na Relação do Porto.

Seguindo de perto este acórdão do STJ, prosseguindo esta uniformização de jurisprudência, entendemos que a solução já encontrada por esta nossa secção deve ser mantida, considerando essencialmente o seguinte:

O disposto no art.º 794º do Código de Processo Civil pressupõe que as execuções se encontrem numa normal dinâmica processual;

Forçada a paragem da execução fiscal, por força do previsto no art.º 244º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, impõe-se o prosseguimento da execução comum (sem prejuízo da conferência de qualquer outra limitação legal).

Decisão.

Julga-se procedente o recurso e revoga-se a decisão recorrida.

Custas, limitadas à taxa de justiça, pelo Recorrente, como beneficiário do serviço, por não existir vencido.

Coimbra, 2021-06-01


(Fernando Monteiro)

(Ana Vieira)

(António Carvalho Martins)