PERDÃO DE PENA
Sumário

O perdão a que se refere a Lei n.º 9/2020, de 11 de Abril, desde que verificados os demais pressupostos aí exigidos, deve beneficiar não só quem detinha a qualidade de recluso na data da sua entrada em vigor, como também quem adquiriu essa qualidade, depois daquela data.

Texto Integral








Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos nº 880/20.3TXPRT, relativos ao condenado JO, nos quais, em 24 de Fevereiro de 2021, foi proferido pela Mma. Juíza a quo despacho que declarou perdoada, ao abrigo do disposto no art. 2º, nº 1 da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, a pena de dois anos de prisão imposta ao recluso no processo nº 3379/03.9PCCBR e, em consequência, determinou a emissão imediata de mandado de libertação, que foi cumprido no mesmo dia.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. O perdão previsto da lei 9/2020, de 10/04, que estabeleceu um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, não é aplicável aos condenados que ainda não eram reclusos à data da sua entrada em vigor, mesmo que a sentença condenatória tenha transitado em julgado antes dessa data – 11/09472020.

2. Este é o entendimento sufragado no parecer 10/20 do Conselho Consultivo da PGR: “(…) O âmbito de aplicação subjetivo desta lei é muito claro. Como refere Nuno Brandão: «as circunstâncias extintivas ou flexibilizadoras do cumprimento da pena de prisão previstas na Lei n.º 9/2020 só são aplicáveis a condenados que se encontrem a cumprir pena de prisão no momento da sua entrada em vigor (11.04.2020). Com efeito, além de exigirem o trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de prisão, tais medidas pressupõem ainda que a execução dessa pena se encontre já em curso. As razões excecionais que determinaram a aprovação da presente Lei só valem em relação aos condenados que se encontrem privados da liberdade no momento da sua entrada em vigor. Nessa medida, e para que fique claro que só esses condenados são destinatários deste regime excecional, nos artigos 2.º/1, 3.º/1 e 4.º/1 faz-se menção expressa aos reclusos – sc., os condenados privados da liberdade – como destinatários deste regime excecional. (…) Na verdade, o elemento gramatical é bastante claro: «são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado» (art.2.º, n.º 1); «são também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado» (art. 2.º, n.º 2); e «o perdão (…) é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei» (art. 2.º, n.º 7). Em todos os casos, é pressuposto desta medida de graça que o beneficiário seja recluso e esteja condenado por sentença transitada em julgado, id est, que esteja em cumprimento de pena.

3. As medidas excepcionais previstas nesta lei visaram, fundamentalmente, uma célere redução, com a equidade e proporcionalidade possíveis, do número de reclusos, de molde a conseguir-se uma mais eficaz resposta do sistema prisional em situação de infecção pelo coronavírus; daí que na lei se aluda sempre, e no âmbito subjectivo de aplicação, a condenados reclusos.

4. Ao interpretar a lei, o intérprete e aplicador não pode nunca desconsiderar a correspondência verbal com o diploma; e ao fixar-lhe o seu sentido e alcance, deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - cf. artigo 9º, do código civil.

5. As normas legais excepcionais – e esta lei 9/2020 é inequivocamente uma lei excepcional – não comportam aplicação analógica – cf. artigo 11º, do mesmo código –, sendo que as leis de amnistia ou de perdão, como normas excepcionais que são, não admitem interpretação extensiva ou restritiva, devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas.

6. O que lei 9/2020 consagrou, entre outras medidas, foi um perdão excepcional e não uma amnistia de crimes, num período de Estado de Emergência, entretanto cessado.

7. A dinâmica da lei 9/2020 deve respeitar os marcos previamente definidos e reportar-se a reclusos que o sejam no momento da sua entrada em vigor – 11 de Abril – e que no período da sua vigência adquiram as demais condições de perdão – remanescente inferior a dois anos em situação de cumprimento sucessivo de penas ou pena única inferior a dois anos atingido que seja o meio dela, posto que os crimes cometidos não estejam excluídos do seu âmbito de aplicação –, e termina nesses limites, não podendo ser extrapolada, comparando-se situações e injustiças dela decorrentes, sob pena de se poder dar o caso de o perdão assentar em “vontades” exteriores ao próprio sentido legal.

8. Estamos perante uma lei que previu um perdão por razões sanitárias muito específicas e, por conseguinte, tem ela de ser interpretada dentro dos limites estabelecidos, com as consequências decorrentes, quer no que tem de justo, quer no que possa ter de injusto aos olhos da comunidade.

9. Conhecem-se os recentes acórdãos do tribunal da relação de Coimbra que vêm julgando improcedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público a este propósito – v.g. o acórdão, de 16/12/2020, processo 430/20.1TXCBR-A.C1 –, mas questionamos, então, e a seu respeito, a razão de se exigir o trânsito em julgado e já não a reclusão à data de 10/04, se a justificação fundamental do decidido é a da actualidade da pandemia, os posteriores e renovados estados de emergência e a necessidade de prevenir a Covi-19 em meio prisional, sendo que o artigo 2º, nº 1, da Lei 9/2020 preceitua que “são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado de duração igual ou inferior a dois anos”.

10. Há, no entanto, um recente acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24/11/2020, relativo ao processo 13/15.8PTEVR.E1, e publicado em www.dgsi.pt, que na respectiva fundamentação parece defender exactamente a tese do nosso recurso, sustentada no citado parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República; e, de resto, terá sido este o entendimento adoptado pelo tribunal de execução de penas do Porto, pois que os autos foram remetidos ao tribunal de execução de penas de Coimbra em Fevereiro de 2021, sem que ali tenha sido ordenada a libertação do condenado, preso desde Dezembro de 2020.

11. Não podemos perder de vista o carácter excepcional desta lei e as específicas circunstâncias que motivaram a sua publicação, sendo que a diferenciação de tratamento assente em motivações objectivas, razoáveis e justificadas, não é atentatória do princípio da igualdade.

12. Decidiu mal a senhora juíza ao declarar perdoada a pena e ordenar a libertação do condenado.

13. O despacho recorrido viola o disposto nos artigos 1º e 2º da lei 9/2020, de 10/04.

14. Deve ser revogado e substituído por outro que declare não perdoada a pena, emitindo-

se o necessário e novo mandado de detenção.

Vossas Excelências decidirão.


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            O recluso respondeu ao recurso alegando, em sínteses, que o Tribunal da Relação de Coimbra vem decidindo no sentido de que o perdão previsto no art. 2º da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, verificados os demais requisitos, é também aplicável a condenados com trânsito à data da entrada em vigor da lei, mas que só venham a ser presos após essa data, que o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que suporta o recurso não vincula os tribunais, que a Proposta de Lei 78/XIV deixou intocada a Lei nº 9/2020, mantendo em vigor a medida de graça e a sua aplicação a todas as pessoas que venham a ser recluídas, por condenação transitada antes de 11 de Abril de 2020, e concluiu pela improcedência do recurso. 

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O recurso foi admitido.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, aderindo aos argumentos da motivação do recurso, acrescentando ainda que vindo a Relação de Coimbra a entender que o perdão previsto no art. 2º da Lei nº 9/20, de 10 de Abril pode ser aplicado aos condenados que, verificados os demais pressupostos, na sua vigência, venham a estar na situação de reclusão, invocando, para o efeito, o disposto no art. 10º da mesma lei, do qual extrai o entendimento de que a mesma não visou apenas uma questão imediata – quem já detinha a qualidade de recluso – mas, também, contemplar questões futuras – quem venha a adquirir essa qualidade –, ao estabelecer no mencionado artigo que a sua [da lei] vigência só cessará quando terminar a situação sanitária excepcional causada pela infecção por SARS-COV-2 e pela doença COVID-19, certo é que tal disposição se justifica porque a Lei nº 9/2020, de 10 de Abril não se esgota no perdão de penas, prevendo outras medidas cuja possibilidade de aplicação se prolonga no tempo, e concluiu pelo provimento do recurso.

 

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o perdão previsto no art. 2º, nº 1 da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, é ou não aplicável a condenado em pena de prisão de dois anos pela prática de crime não previsto no seu nº 6, por sentença já transitada na data da sua entrada em vigor, mas cuja reclusão só se veio a iniciar após esta data.


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            Para a resolução desta questão, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “(…).

            Previamente ao presente despacho, junte a este apenso a liquidação formulada pelo Ministério Público no processo da condenação (vista datada de 29/12/2020) e que se encontra no PUR.


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Da aplicabilidade da Lei n.º 9/2020 de 10 de Abril.

O condenado JO encontra-se em cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão, à ordem do proc. 3379/03.9PCCBR pelo cometimento de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143º nº 1 do CP.

A decisão condenatória transitou em julgado em 12/2/2009 – fls. 7.

O condenado encontra-se em cumprimento da referida pena desde o dia 22/12/2020 – fls. 3 e liquidação formulada no tribunal da condenação cuja junção a este apenso supra se determinou.


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A pena aplicada não é de duração superior a 2 anos de prisão – art. 2º nº 1.

O crime pelo qual foi condenado não se integra no elenco de crimes a que aludem as várias alíneas do nº 6 do art. 2º, relativamente aos quais o perdão não é aplicável e não foram praticados contra nenhuma das pessoas indicadas no art. 1º nº 2 da referida Lei.


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A referida Lei 9/2020 de 10 de Abril ainda hoje se encontra em vigor, posto que não foi até à data aprovado o diploma legal a que se refere o art. 10º da referida Lei.

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Não se conhecem quaisquer outras penas de prisão a cumprir.

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De acordo com o disposto no art. 2º nº 1 da citada Lei, “são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos”.

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No presente caso, temos como inteiramente aplicável a Lei 9/2020 de 10 de Abril ao condenado, pela seguinte ordem de razões e ao contrário do defendido pelo Ministério Público na promoção antecedente.

Analisando desde logo a Exposição de Motivos da proposta de lei que lhe deu origem, constata-se que a referida lei se insere no contexto da “adopção de medidas excepcionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão” e que por isso, prevê “medidas extraordinárias” e entre elas o “perdão das penas de prisão aplicadas por decisão transitada em julgado, cuja duração não exceda os dois anos ou, no caso de penas aplicadas de duração superior, se o tempo remanescente até cumprimento integral da pena for também igual ou inferior a dois anos.”.

Tal lei, de resto, institui o “Regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”.

O perdão nela previsto é uma medida absolutamente excepcional, que tem como único objectivo retirar das prisões reclusos condenados que estejam a dois ou menos anos do termo da pena ou das respectivas penas. Por tal razão, e ao contrário, por exemplo, da Lei 29/99, de 12/5, o perdão (bem como o regime especial de indulto, o regime extraordinário de licença de saída administrativa e a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional), só tem como destinatários reclusos condenados, por decisão transitada em julgado.

Quer face ao âmbito de aplicação da lei, quer pelos destinatários por ela visados, a competência para a sua aplicação foi naturalmente atribuída aos tribunais de execução de penas, ao contrário da tradição jurídica anterior em tal matéria. Na verdade, só estes tribunais, por se supor estarem ou virem a ficar na posse dos dados referentes a todo o elenco de penas que porventura um condenado tenha a cumprir, que se mostrem já em execução, é que se encontram em condições de determinar se o mesmo está ou poderá vir a ficar em condições de beneficiar da aplicação da lei do perdão. A atribuição da competência aos tribunais de execução de penas, conjugada com o que se acabou de referir, implica que a concessão do perdão só possa ocorrer depois de a reclusão se ter iniciado, pois que só a partir de tal momento se torna materialmente possível concluir qual o “tempo total de reclusão” que o condenado tem a cumprir, seja por referência a uma única pena ou a diversas penas em que tenha sido condenado.

A lei em presença não é, consequentemente, uma “normal” lei que institua um “perdão genérico e amnistia de pequenas infracções”, como o foi a Lei 29/99, de 12/5, a aplicar pena a pena e processo a processo, tanto mais que o perdão só pode ser aplicado uma única vez (nº 9 do art. 2º).

Realce-se que a Lei em apreciação continua a vigorar e a produzir todos os seus efeitos, pois que como já acima se referiu, ainda não foi publicado o diploma legal a que se refere o seu art. 10º, tanto mais que presentemente vigora outra vez situação de Estado de Emergência.

A questão que se coloca é apenas a de saber se, perante as especificidades da referida lei, do contexto em que foi aprovada, e dos fins por ela visados, a sua aplicabilidade depende da circunstância de o condenado deter a condição de recluso à data da sua entrada em vigor.

E a resposta, cremos, é claramente negativa.

De um lado, porque a referida lei encontra-se plenamente vigente, o que encontra evidente explicação no contexto da pandemia que ainda assola o país e que continua claramente a justificar e a legitimar a manutenção de medidas de excepção direccionadas à atenuação dos efeitos que a mesma pode provocar nas prisões, designadamente por se continuarem a mostrar válidas as razões para não submeter autores de crimes de baixa densidade a um espaço público sanitariamente inseguro, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade.

Depois, porque a manutenção da vigência de tal lei em período temporal alargado, como está a acontecer, implica, e face ao âmbito do perdão nela instituído, uma constante verificação sobre a sua aplicabilidade a reclusos que entretanto se encontrem em condições de dela poder beneficiar, bastando que, com o decurso do tempo, se venham a encontrar a dois ou menos anos do termo da pena ou das penas, e não estejam condenados pelos denominados crimes imperdoáveis, elencados no nº 6 do art. 2º.

Tal significa, assim, que mesmo depois da sua entrada em vigor, continuam a ser colocados em liberdade reclusos pela circunstância de o perdão, entretanto, lhes passar a ser aplicável, o que sem dúvida remete para um contexto de aplicação dinâmica da lei, em que sobressai claramente a ideia, segundo a qual, a aplicação do perdão não se esgotou no momento da sua entrada em vigor, antes se mantendo e renovando, como medida penitenciária, enquanto durar a situação de pandemia, como é o caso.

Ora se é assim, não se descortinam razões que permitam diferenciar, sem macular uma interpretação constitucionalmente conforme, os condenados que entram em reclusão após o início da vigência da lei, daqueles outros que já lá se encontravam quando a lei entrou em vigor, mais a mais quando, como se viu já, a referida lei, por continuar a vigorar, produz necessariamente todos os efeitos nela previstos.

Aliás, para que entendimento contrário se pudesse defender, necessário seria que o mesmo não potenciasse tratamento diverso entre pessoas colocadas perante situações materialmente idênticas, o que sem dúvida aconteceria caso se defendesse que o perdão instituído pelo Lei 9/2020 de 10 de Abril dependeria da não dominável circunstância de a reclusão se ter iniciado antes ou no dia imediatamente subsequente ao do início da sua vigência, o que claramente se traduziria numa interpretação restritiva dos seus termos literais, interpretação essa tão inadmissível quanto qualquer interpretação extensiva que se realizasse quando em causa estão providências de excepção, como aquelas que são instituídas por uma lei com estes contornos.

Acresce que as razões que estiveram subjacentes à aprovação da Lei 9/2020 de 10 de Abril mantêm-se ainda hoje intocadas, e fazem sentido tanto para aqueles que se encontravam em cumprimento de pena em contexto prisional antes da sua aprovação, como para todos os outros que entretanto passem a estar, não se vislumbrando ser possível considerar que os seus destinatários sejam unicamente os primeiros, já que todo o universo de reclusos no presente momento continua identicamente em situação de poder ser afectado ou potencialmente poderá sê-lo pela situação de pandemia que ainda legitima a manutenção da vigência da referida lei.

Mais breve ainda: se é a situação de reclusão e tudo quanto ela co-envolve o indisputável único motivo que determinou o legislador a aprovar o regime excepcional agora em apreciação, jamais se poderá considerar que a posterior aquisição dessa qualidade, se torne, afinal, o requisito impeditivo da sua aplicação.

Sendo este o sentido uniforme em que se vem decidindo em todos os juízos do TEP de Coimbra em situações como a presente, julgamos, em conclusão, que também ao agora recluso condenado, igualmente destinatário da Lei 9/2020 de 10 de Abril, o perdão deverá ser aplicado.

Acrescente-se, por fim, que neste sentido já se vem pronunciando sucessivamente o Tribunal da Relação de Coimbra, de que é exemplo o acórdão datado de 30/9/2020 (disponível em www.dgsi.pt) segundo o qual “O perdão previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, verificados que sejam os demais requisitos legais, pode ser aplicado tanto a condenados que sejam reclusos à data da entrada em vigor daquele diploma (11-04-2020), como a condenados que, no decurso da vigência da mesma Lei, venham a estar na situação de reclusão”.


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Nestas circunstâncias, e ao abrigo do disposto no art. 2º nº 1 da referida Lei 9/2020, julgo perdoada a pena aplicada ao condenado JO no supra citado processo 3379/03.9PCCBR.

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O perdão é sob condição resolutiva do beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente, caso em que, à pena aplicada a tal infracção, acrescerá à agora perdoada, nos termos do disposto no nº 7 do art. 2º.

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Notifique e comunique.

Remeta boletim ao Registo Criminal.


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Emita mandados de libertação imediata do condenado, caso não interesse a sua reclusão à ordem de outro processo.

(…)”.


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Da aplicação, ou não, do perdão previsto no art. 2º, nº 1 da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, a condenado pela prática de crime não previsto no sei nº 6, em pena de dois anos de prisão, por sentença já transitada na data da entrada em vigor da referida, mas cuja reclusão só se iniciou após esta data

1. A inesperada e preocupante situação sanitária que o país [e o mundo] atravessa há já mais de um ano, causada pela infecção por SARS-COV-2 e consequente doença COVID-19, determinou a tomada de medidas de emergência, entre as quais se contam as previstas na Lei nº 9/2020, de 10 de Outubro que, como é sabido, estabelece um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da referida doença.

Nos termos do disposto no seu art. 1º, a Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, veio estabelecer, excepcionalmente, no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19, a), um perdão parcial de penas de prisão, b) um regime especial de indulto de penas, c) um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados, e d), a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.

As razões determinantes deste regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça constam da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 23/XIV, que está na origem da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, onde pode ler-se:

«As Nações Unidas, através de mensagem da Alta Comissária para os Direitos Humanos de 25 de março, exortaram o Estados membros a adotar medidas urgentes para evitar a devastação nas prisões, estudando formas tendentes a libertar os reclusos particularmente vulneráveis à COVID 19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco.

As especificidades do meio prisional, quer no plano estrutural, quer considerando a elevada prevalência de problemas de saúde e o envelhecimento da população que acolhe, aconselham que se acautele, ativa e estrategicamente, o surgimento de focos de infeção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento.

O reconhecimento desta realidade levou a Provedora de Justiça a emitir a Recomendação n.º 4/B/2020, de 26 de março, apontando para a adoção de um regime de flexibilização das licenças de saída – instituto já hoje previsto, de resto, no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (…).

Neste contexto de emergência, o Governo propõe a adoção de medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão e do seu indulto, que, pautadas por critérios de equidade e proporcionalidade, permitem, do mesmo passo, minimizar o risco decorrente da concentração de pessoas no interior dos equipamentos prisionais, assegurar o afastamento social e promover a reinserção social dos reclusos condenados, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade (…).».

Podemos então dizer que o propósito visado pelo legislador no contexto de emergência sanitária que vivemos, foi a minimização do risco causado pela concentração de pessoas no interior dos estabelecimentos prisionais – agravado pela existência de franjas especialmente vulneráveis, seja pela idade, seja por doenças, seja por ambas –, porém, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade, portanto, sem prejuízo das necessidades de prevenção geral (vindo as preocupações de prevenção geral a reflectir-se na selecção de delinquentes de baixo risco).

2. A Mma. Juíza a quo entendeu dever o recorrido beneficiar do perdão parcial previsto no art. 2º, nº 1, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, porque este diploma não é uma ‘normal’ lei que institui um perdão genérico e amnistia de pequenas infracções, antes prevê um perdão absolutamente excepcional que tem por exclusivos destinatários, reclusos condenados por decisão transitada, que estejam a dois ou menos anos do termo da pena, porque a plena vigência da lei e a permanência da situação pandémica, continuam a justificar a verificação da sua aplicabilidade a reclusos que, entretanto, venham a reunir as condições de dela [lei] poderem beneficiar, e porque não existem razões para diferenciar entre o condenado que entra em reclusão depois da entrada em vigor da lei, do condenado que já se encontrava recluído quando ela entrou em vigor, pois se a reclusão e tudo o que ela envolve é o motivo determinante da aprovação do regime excepcional de clemência, nunca se poderá considerar que a posterior aquisição da qualidade de recluso se torne impedimento à sua aplicação.

Oposta é a posição da Digna Magistrada do Ministério Público recorrente para quem, apoiada no Parecer 10/20 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o questionado perdão só é aplicável aos reclusos que o sejam na data da entrada em vigor da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, pois esta visou uma redução célere e equitativa do número de reclusos, a fim de ser conseguida uma resposta eficaz do sistema prisional à situação de infecção pelo coronavírus, não sendo admissível interpretar extensivamente as normas desta lei, dada a sua natureza excepcional.

Nos autos está em causa, apenas, a interpretação das normas que, na lei em referência, preveem o perdão parcial de penas de prisão, em especial, o seu âmbito subjectivo de aplicação.

            Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2007 (proferido no processo comum colectivo nº 3379/03.9PCCBR) foi o recorrido condenado na pena de dois anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143º, nº 1 do C. Penal [cometido à saída de um estabelecimento de diversão nocturna, onde o ofendido, oficial do exército, tinha estado como cliente, e do qual o recorrido havia sido colaborador].

            O acórdão condenatório transitou em julgado em 12 de Fevereiro de 2009, o recorrido iniciou o cumprimento da pena de prisão imposta em 22 de Dezembro de 2020, e foi restituído à liberdade em 24 de Fevereiro de 2021, por força do decidido no despacho recorrido.

            Aqui chegados.

3. Interpretar a lei consiste em determinar o seu conteúdo e o seu pensamento, para a sua aplicação aos casos concretos (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral I, 1981, Editorial Verbo, pág. 97).

Dispõe o art. 9º do C. Civil, fixando princípios gerais de interpretação da lei:

1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 – Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados

A tarefa de interpretação da lei começa, pois, pela reconstituição do pensamento legislativo, tendo em atenção as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento histórico) e as específicas condições do tempo da sua aplicação (elemento actualista), mas esta reconstituição, a partir dos textos, não significa que a mens legislatoris seja pura e simplesmente irrelevante, pois o pensamento legislativo, a vontade do legislador, pode ser relevado pelo intérprete quando tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do nº 3 (Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, 1987, Coimbra Editora, pág. 58 e ss.).

É sabido que o C. Penal vigente, contrariamente ao seu antecessor de 1886, não contém normas relativas à interpretação e integração da lei penal. Pode, no entanto, dizer-se que a teoria geral da interpretação das normas jurídicas é aplicável ao direito penal, com a ressalva de que, no campo da incriminação, por força do princípio da legalidade, não é admissível a interpretação extensiva, nem a interpretação analógica.

Neste âmbito, cumpre notar que as leis de graça, enquanto providências de natureza excepcional, devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, não comportando interpretação analógica (cfr. art. 11º do C. Civil) nem extensiva (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 25 de Outubro de 2001), impondo-se a sua interpretação declarativa, ou seja, a eleição do sentido que o texto da lei clara e objectivamente comporta e que corresponde ao pensamento legislativo (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e aos Discurso Legitimador, 1983, Almedina, pág. 185).

4. Dispõe o art. 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, com a epígrafe «Perdão», na parte em que agora releva:

1 – São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.

2 – São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena.

(…).

7 – O perdão a que se referem os nºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente a cresce a pena perdoada.

8 – Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respectivos mandados com carácter urgente

O primeiro requisito da aplicação do perdão é que o eventual beneficiário tenha sido condenado por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril (art. 2º, nº 7, deste diploma). Nos termos do disposto no seu art. 11º, esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, portanto, no dia 11 de Abril de 2020.

Assim, o perdão é aplicável às penas decretadas em sentenças transitadas até 10 de Abril de 2020.

O segundo requisito de aplicação do perdão é que a pena de prisão, seu objecto, tenha duração igual ou inferior a dois anos ou, tendo duração superior, o eventual beneficiário tenha cumprido, pelo menos, metade da pena, e o remanescente dela, que ainda falta cumprir, seja igual ou inferior a dois anos (art. 2º, nºs 1 e 2, da lei em referência).

O terceiro requisito da aplicação do perdão é que o crime determinante da pena de prisão eventualmente susceptível de ser perdoada, não integre o elenco de crimes previsto nas diversas alíneas do nº 6, do art. 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

O quarto requisito da aplicação do perdão é que o eventual beneficiário não tenha sido condenado pela prática de crime membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das respectivas funções.

O quinto requisito da aplicação do perdão é que o eventual beneficiário tenha a qualidade de recluso, pois é esta mesma qualidade, a que o legislador fez constar dos nºs 1, 2 e 7 do art. 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

5. Revertendo para o caso concreto, não subsistindo dúvidas quanto a ter o acórdão que condenou o recorrido transitado em julgado em data bem anterior à da entrada em vigor da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, quanto a ter a pena de prisão imposta por este acórdão a duração de dois anos, quanto a não integrar o crime objecto da condenação em referência o catálogo de crimes excluídos da aplicação do perdão, e quanto a não ter o crime em causa, por ofendido, membro das forças armadas no exercício das suas funções [resulta dos factos provados, v.g., dos seus parágrafos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º e 8º, do acórdão condenatório que o ofendido, sendo, embora, oficial do exército, se deslocou e permaneceu no estabelecimento de diversão nocturna no âmbito da sua vida privada, o mesmo sucedendo quando, já no exterior do estabelecimento, foi agredido pelo recorrido], resta concluir que se mostram verificados, in casu, os quatro primeiros requisitos enunciados.

6. Atentemos agora no quinto requisito.

Conjugando o fim visado pelo legislador, referido em 1., que antecede, ao estabelecer o regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça – a minimização do risco causado pela concentração de pessoas no interior dos estabelecimentos prisionais, ou seja, a protecção de quem está recluído em instituição prisional –, com a repetição da palavra reclusos, nos nºs 1 e 2, do art. 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, quando o segundo destes números se reporta, sem margem para dúvidas de interpretação, a condenados recluídos em instituição prisional, temos por certo, que o legislador fez constar do texto legal a sua real vontade, e exprimiu de forma forma adequada o seu pensamento, usando nas citadas disposições legais a palavra reclusos com o sentido preciso do termo [por contraposição às de arguido e condenado], ou seja, com o sentido de pessoa encarcerada em instituição prisional. Aliás, só assim se torna compreensível a atribuição de competência para a aplicação do perdão feita ao tribunal de execução das penas, pelo nº 8 do art. 2º, da referida lei [e não também, ao tribunal da condenação].

Isto assente, entremos agora na análise da verdadeira questão suscitada no recurso, que é a de saber quando, para efeitos da aplicação do perdão, deve estar verificada a qualidade de recluso no eventual beneficiário da medida de clemência: no momento da entrada em vigor da lei, ou pode tal qualidade ser adquirida de modo superveniente?

Não existe unanimidade na resposta a dar à questão. Vejamos.

Numa primeira leitura, a letra da lei parece apontar no sentido de que a qualidade de recluso terá que estar presente no eventual beneficiário do perdão, no momento da sua entrada em vigor, o que significa que o condenado, eventual beneficiário do perdão, terá que que estar encarcerado [e condenado com trânsito], no momento da entrada em vigor da lei. É este o entendimento expresso na conclusão 7ª do Parecer nº 10/20 da Procuradoria-Geral da República já referido, seguido pela Digna Magistrada recorrente, e também o entendimento expresso por Nuno Brandão (cfr. Revista Julgar online, Abril 2020, pág. 6 e ss.), igualmente seguido nos acórdãos da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2020, processo nº 259/18.7GLSNT.L1 e da Relação de Évora de 24 de Novembro de 2020, processo nº 13/15.8PTEVR.E1, in www.dgsi.pt).

Porém, com ressalva do respeito devido, não nos parece que tenha quer ser, necessariamente, assim.

Desde logo, porque, em bom rigor, a baliza temporal fixada no texto da lei, de forma clara e inequívoca, refere-se apenas ao trânsito em julgado da condenação, e não, também, à data em que o condenado adquiriu a qualidade de recluso (cfr. nº 7, do 2º da lei em referência).

Depois, é evidente que o fundamento do perdão parcial de penas de prisão radica na necessidade de libertar condenados presos, como meio imediato de redução da população prisional, por forma a assegurar condições aceitáveis de distanciamento social intra muros, bem mais difíceis de alcançar, do que em meio livre, pretendendo-se, assim, evitar ou, pelo menos, reduzir, o perigo real de contágio dos reclusos por SARS-COV-2, sendo evidente que, quem não detém esta qualidade, não pode ser agente daquele perigo, dentro da instituição prisional.

Acontece, porém, que a emergência sanitária que há mais de um ano assola o país – e o mundo – criou uma situação completamente nova, quer pelo desconhecimento dos seus efeitos, quer pela indeterminabilidade da sua duração, perante a qual, não nos parece razoável aceitar que o legislador não tivesse previsto que logo no próprio dia da entrada em vigor da lei em referência, e nos dias que se lhe seguiram, condenados em penas susceptíveis de serem perdoadas, adquirissem a qualidade de reclusos, e que, neste pressuposto, fosse sua vontade afastar esta possibilidade (cfr., neste sentido, acórdão da Relação do Porto, de 20 de Outubro de 2020, processo nº 262/16.1GAILH-A.P1, in www.dgsi.pt). É que a circunstância de a Lei nº 9/2020, de 10 de Abril prever no art. 10º da sua versão original, a data, indeterminada, da cessação da sua vigência que. posteriormente, foi densificada, com a alteração de redacção introduzida àquele art. 10º, que passou a referir, expressamente, que a mencionada cessação ocorrerá na data a fixar em lei que declare o final do regime excepcional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-COV-2 e da doença COVID-19, o que aponta no sentido de que o legislador não teve apenas em mente a situação imediata – quem era recluso – mas também, situações futuras – quem adquiriu posteriormente a qualidade de recluso (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 30 de Setembro de 2020, processo nº 744/13.7TXCBR-P.C1, in www.dgsi.pt).

Por isso, é nosso entendimento que deve beneficiar do perdão, não só quem detinha a qualidade de recluso na data da entrada em vigor da Lei nº 9/2020, de 11 de Abril, como também quem adquiriu essa qualidade, depois daquela data, em ambos os casos, obviamente, verificados que estejam os demais requisitos legalmente exigidos (cfr. neste sentido, acórdãos da Relação de Coimbra de 9 de Setembro de 2020, processo nº 178/20.7TXCBR-B.C1, de 30 de Setembro de 2020, já referido, de 7 de Outubro de 2020, processo nº 719/16.4TXPRT-F.C1, de 28 de Outubro de 2020, processo nº 10/18.1TXCBR-C.C1 e de 16 de Dezembro de 2020, processo nº 430/20.1TXCBR-A.C1, e da Relação do Porto de 21 de Outubro de 2020, processo nº 150/14.6GBILH.P2, de 28 de Outubro de 2020, processo nº 262/16.1GAILH-A.P1 e de 25 de Novembro de 2020, processo nº 311/15.0GAARC.P2, todos in www.dgsi.pt).    

Na verdade, o perfilhado entendimento tem cabimento na letra da lei, mostra-se conforme ao fim visado pelo legislador ao estabelecer o regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça que consta da Lei nº 9/2020, de 11 de Abril, e adequado às circunstâncias presentes na sua aplicação.

7. Em conclusão, verificados que estão todos os requisitos de que a Lei nº 9/2020, de 11 de Abril faz depender a aplicação do perdão nela previsto ao recorrido, deve este beneficiar do mesmo, conforme se decidiu no despacho recorrido que, por isso, não merece censura.

Improcedem, pois, as conclusões do recurso.


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II. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.

            Recurso sem custas, por não serem devidas.

 

Coimbra, 9 de Junho de 2021

Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Maria José Guerra – adjunta.