PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
CONTAGEM DO PRAZO
Sumário

I - Não constituindo um efeito de qualquer pena, a proibição de conduzir veículos motorizados a que se refere o art.º 69.º, do Código Penal é uma verdadeira pena acessória.
II – Em cuja contagem não são de aplicar as normas previstas nos artigos 296.º e 297.º do Código Civil, mas sim, por analogia, as normas relativas à contagem da pena de prisão.
III - O cumprimento desta pena acessória de inibição de conduzir inicia-se com a entrega voluntária da licença de condução ou, caso não se verifique tal entrega, com a sua apreensão.
IV– Por isso, in casu, fixada a sua duração pelo período de seis meses, uma vez que o arguido entregou a carta de condução no dia 25.09.2020, foi nesse dia que se iniciou a execução da referida pena acessória. E,
V - Por outro lado, no dia 25.03.2021 que terminava o seu cumprimento, nada impedindo, ademais, que durante este dia a licença de condução fosse restituída ao arguido.

Texto Integral








Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

         A – Relatório

1. Pela Comarca de Leiria (Juízo Local Criminal de Alcobaça), por sentença de 2.7.2020, o arguido AM foi condenado por um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, cuja execução se suspendeu com condições, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal.

2. A 25.9.2020, o M.P. procede à liquidação da pena acessória, fixando o início do cumprimento da pena em 26.9.2020 e o seu termo às 24 horas do dia 26.3.2021.

3. Por sua vez, por despacho de 5.11.2020, decidiu-se proceder à liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em moldes distintos dos referidos pelo Ministério Público, fixando-se a data do início da execução da pena no dia 25.9.2020, sendo esta a data da entrega do título, e a data do término a 25.3.2021.

4. Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1.  As penas privativas da liberdade implicam uma restrição a um direito fundamental [cf. artigo 27.º da C.R.P.], ao contrário da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor [cf. artigo 69.º do C.P.], a qual não restringe nenhum direito fundamental e apenas suspende, temporariamente, o direito de conduzir na via pública veículos a motor – e apenas esses –, não afectando a liberdade pessoal de deslocação ou de circulação na via pública, nem qualquer outro direito fundamental.

2. Tal distinção releva na determinação da norma aplicável ao cômputo do prazo de tal pena acessória, prazo esse fixado pelo Tribunal na sentença condenatória e que tem natureza substantiva (e não processual).

3.   O cômputo do prazo da pena acessória obedece às normas previstas nos artigos 296.º e 279.º do Código Civil, não existindo nenhuma lacuna de regulamentação desta questão jurídica.

4.   O Tribunal a quo entendeu que «não vislumbramos fundamento legal para aplicação ao caso do artigo 279.º do Código Civil porquanto a duração da pena acessória não é, sem quebra de vénia por distinta opinião, um prazo, mas uma pena. Não nos parece assim legitimo aplicar ao computo da pena acessória com evidente caracter sancionatório uma norma que respeita computo de prazos”.

5.   Ora, considerar que «a duração da pena acessória não é […] um prazo, mas uma pena», é confundir a pena, enquanto consequência jurídica da prática do crime, com a duração dessa mesma pena, correspondente ao lapso de tempo durante o qual a pena produz os seus efeitos, não sendo uma única e mesma coisa.

6. Ao contrário do que é o entendimento do Tribunal a quo, a duração da pena acessória é um prazo, considerado como tal pelo legislador quando, a propósito precisamente da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, estabelece no artigo 69.º/6 do Código Penal que «não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança».

7. Assim, o Ministério Público discorda desta interpretação, considerando que a norma prevista no artigo 279.º do Código Civil é aplicável ao cômputo do termo da pena acessória.

8. No caso concreto, o arguido foi condenado na pena acessória de seis meses de proibição de conduzir veículos a motor e o mesmo entregou a carta de condução nos presentes autos em 25.09.2020 (cf. termo de entrega – ref. CITIUS 94760884).

9.   De acordo com a regra prevista na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, no cômputo do prazo da pena acessória não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr – ou seja, o dia em que o título de condução é entregue, apreendido ou remetido ao processo da condenação.

Assim, o primeiro dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 26.09.2020.

10. Segundo a regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data. Portanto, o último dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 26.03.2021, sexta-feira, vigorando a mesma durante todo esse último dia, desde as 00h01 até às 24h00, não sendo legítimo proceder à restituição do título de condução antes das 24h00 desse último dia.

11. A circunstância da carta de condução se encontrar apreendida junta aos presentes autos e da secretaria do Tribunal poder estar encerrada ao sábado não impede o arguido de ter acesso ao respectivo título de condução logo nos primeiros minutos do dia 27.03.2021, sábado, bastando para tanto que o Tribunal remeta previamente a carta de condução ao Posto Territorial da área de residência do arguido para que este possa ter pronto acesso à mesma logo que se inicie o dia 27.03.2021.

12. O despacho recorrido, ao decidir que a pena terminará no dia 26.03.2021 e que o arguido deve ter a possibilidade de proceder ao levantamento da sua carta de condução nesse último dia, procedeu ao cômputo do prazo da pena acessória infringindo a regra prevista na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 296.º do mesmo diploma, pelo que padece de ilegalidade.

13. O despacho recorrido considerou existir uma lacuna da lei quanto ao cômputo do prazo da pena acessória e aplicou indevidamente, por analogia, a norma prevista no artigo 479.º do Código de Processo Penal, aplicável à pena de prisão, sem ponderar se no cômputo do prazo da pena acessória procedem as razões justificativas da regulamentação da contagem do prazo da pena de prisão, como imposto no n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, norma essa também infringida.

14. Consequentemente, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare que o prazo de seis meses da pena acessória única de proibição de conduzir veículos a motor teve início no dia 26.09.2020 [artigo 279.º, alínea b) do Código Civil] e vigorará até às 24h00 do dia 26.03.2021, sexta-feira [artigo 279.º, alínea c) do Código Civil], determinando que o título de condução possa ser restituído ao arguido a partir das 00h01 do dia 27.03.2021”.

5. Notificado da admissão do recurso, o arguido não respondeu.

6. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador da República emitiu Parecer no sentido de que deve ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal.

Alega que assistia razão ao Ministério Público, mas o certo é que, entretanto, se verificou o termo da sanção acessória. A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, ou seja, sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade.

7. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

8. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

9. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

               *

        
   B - Fundamentação

 

1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193).

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir prendem-se com a contagem da pena acessória de inibição de conduzir.

Em concreto, qual o momento a partir do qual se inicia o cumprimento da inibição de conduzir, quando termina e se o cômputo dessa pena acessória obedece às normas previstas nos artigos 296º e 279º do Código Civil.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos o despacho recorrido que apresenta o seguinte teor:

“Nos presentes autos foi o arguido condenado na pena acessória de 6 meses de inibição de conduzir.

Procedeu à entrega da sua carta de condução em 25.09.2020.

Não vislumbramos, no Código de Processo Penal qualquer preceito legal relativo à liquidação da pena acessória, com excepção do preceituado no artigo 500.º do CPP.

Por vezes, há situações que o legislador não previu e que são merecedoras de tutela jurídica. Tais situações, designadas por lacunas da lei terão que ser decididas pelo julgador de acordo com o processo de integração das leis.

O instituto da integração das lacunas da lei vem previsto no artigo 10.º do Código Civil, que dispõe: «1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.»

Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde (art. 1º, nº 3, do CP)

Porém, a proibição, como resulta imediatamente do texto da lei, não é absoluta, pois incide apenas sobre os elementos que “sirvam para fundamentar a responsabilidade ou para a agravar; a proibição vale pois contra reum ou in malam partem, não favore reum ou in bonam partem” (Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2ª ed., p. 192.)

A proibição da analogia in malam partem, com o reverso de admissão in bonam partem, vale em termos de tipicidade, mas também para as consequências jurídicas do crime. (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 193.) De forma que é admitida a analogia na determinação da pena, sempre que ela envolva uma solução mais favorável ao agente.

Parece-nos assim que inexistindo norma expressa quanto ao computo da pena acessória tal deverá ser qualificado como lacuna da lei, sendo necessário procurar uma norma aplicável a caso análogos.

Discordamos porém da posição assumida pelo Digno Magistrado do Ministério Público na d. promoção que antecede, na medida em que não vislumbramos fundamento legal para aplicação ao caso do artigo 279.º do Código Civil porquanto a duração da pena acessória não é, sem quebra de vénia por distinta opinião, um prazo, mas uma pena. Não nos parece assim legitimo aplicar ao computo da pena acessória – com evidente caracter sancionatório – uma norma que respeita computo de prazos.

Assim, na falta de disposição legal que expressamente preveja o computo da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, afigura-se-nos possível recorrer analogicamente às regras processuais para o computo da pena de prisão. Efetivamente, não obstante a pena acessória de proibição de conduzir não consubstancie uma pena privativa da liberdade em sentido estrito, ela consubstancia, indubitavelmente, uma pena.

Assim, estabelece o artigo 479.º do CPP

1 - Na contagem do tempo de prisão, os anos, meses e dias são computados segundo os critérios seguintes:

a) A prisão fixada em anos termina no dia correspondente, dentro do último ano, ao do início da contagem e, se não existir dia correspondente, no último dia do mês;

b) A prisão fixada em meses é contada considerando-se cada mês um período que termina no dia correspondente do mês seguinte ou, não o havendo, no último dia do mês;

c) A prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do que no artigo 481.º se dispõe quanto ao momento da libertação.

2 - Quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções.

Já o artigo 24.º do Código de Execução de Penas, quanto ao cumprimento da pena de prisão que “1 - A libertação tem lugar durante a manhã do último dia do cumprimento da pena. 2 - Se o último dia do cumprimento da pena for sábado, domingo ou feriado, a libertação pode ter lugar no dia útil imediatamente anterior se a duração da pena justificar e a tal se não opuserem razões de assistência. (…)”.

Por outro lado, inexistindo disposição expressa quanto ao inicio da contagem da referida pena parece-nos evidente que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verificou a entrega do título de condução.

Assim, é entendimento deste Tribunal que tendo o arguido procedido à entrega da sua carta de condução no dia 25.09.2020 é esse o primeiro dia de cumprimento da pena acessória.

Por outro lado, tal pena que terminará, nos termos do artigo 479.º, n.º 1, al. b) do CPP, no mesmo dia do 6.º mês posterior – 25.03.2021.

Por fim, afigura-se-nos que tal como expressamente previsto no artigo 24.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas, o arguido deve ter a possibilidade de proceder ao levantamento da sua carta de condução no último dia.

Donde se conclui que, na situação que vimos analisando, a analogia será admissível, por favorecer inequivocamente o condenado.

Assim, procedo à liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos nos seguintes termos:

Pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor (pena de 6 meses):

Data do início: 25.09.2020 - data da entrega do título.

Data do término: 25.03.2021 (sem prejuízo de alteração da data caso se apure que o arguido é titular de outro documento válido que lhe permita conduzir veículos com motor/verificação do previsto no art. 69.º, n.º6, do CP – outras privações de liberdade).

Notifique.

Com fotocópia do que antecede, dê conhecimento à ANSR e ao IMT (este, ainda, com fotocópia do título entregue)”.

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  4. Cumpre agora apreciar e decidir.

 

Começa-se por referir que o Ex.mo Procurador da República junto desta Relação emitiu Parecer no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, por entender que, entretanto, se verificou o termo da sanção acessória.

Acontece que o recorrente defende que o início do cumprimento da pena acessória ocorre no dia 26.9.2020 e o seu termo às 24 horas do dia 26.3.2021.

Por sua vez, o tribunal a quo fixou a data do início da execução da pena no dia 25.9.2020, sendo esta a data da entrega do título, e a data do termo a 25.3.2021.

Como resulta do processo principal, a 25.9.2020, o arguido entregou a licença de condução no Juízo Local Criminal de Alcobaça.

A 26.3.2021, nesse mesmo Juízo Local, foi entregue/devolvida a licença de condução ao arguido.

Naturalmente que terá sido antes das 24 horas, já que a entrega foi efectuada no referido Juízo Local Criminal pelo respetivo funcionário.

A ser assim, entende-se que não se verifica a alegada inutilidade superveniente da lide, uma vez que, pela posição do recorrente, o arguido não teria cumprido todo o tempo de inibição.

Em conformidade com esta interpretação, encontra-se a promoção do recorrente de 13.4.2021 onde refere que “nada havendo, por ora, a promover quanto à extinção da pena acessória, atenta a pendência do recurso interposto sobre o respectivo cômputo e a jurisprudência constante do acórdão TRC de 10.03.2021”.

Pelo exposto, as questões a decidir no presente recurso não se encontram prejudicadas.

Pela posição do recorrente, a licença de condução foi devolvida ao arguido antes do termo do cumprimento da pena acessória sub judice.

Não assistindo razão ao M.P. junto desta Relação, passa-se a conhecer do presente recurso.

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No Capítulo III, do Título III, do Livro I, do Código Penal, relativo às Penas acessórias e efeitos das penas, sob a epígrafe Proibição de conduzir veículos a motor, estipula o artigo 69º, nº1, alínea a), que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º”.

Não sendo um efeito de qualquer pena, a proibição de conduzir veículos motorizados é uma verdadeira pena acessória.

É certo que as penas acessórias pressupõem a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), mas são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34, citada no Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsipt).

Como se refere no referido aresto, “porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165)”.

Assim, inexistem quaisquer dúvidas de que estamos perante uma verdadeira pena.

Aliás, neste particular não existe divergência entre o recorrente e o tribunal a quo.

Cumpre então apreciar quando se inicia o cumprimento, a execução, da referida pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados.

Estipula o artigo 500º, nºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal que:

2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.

4 - A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.

É com a entrega voluntária da licença de condução ou, caso não se verifique tal entrega, com a sua apreensão, que se efectiva a inibição de conduzir. Isto é, a partir do momento em que o arguido fica desapossado da sua licença de condução não pode conduzir. Logo, o início da proibição de conduzir tem que corresponder a essa entrega ou apreensão.

Com a referida entrega ou apreensão inicia-se a execução da pena acessória.

A propósito de questão diversa, há muito que a jurisprudência se vem pronunciando neste sentido.

O Ac. da RE de 4.2.2010, in www.dgsi.pt, afirma que “o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir só se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verificou a entrega do título de condução no Tribunal a quo, à ordem deste processo”.

Também no Ac. da RG de 23.11.2020, in www.dgsi. pt, se refere que “o fim visado com a entrega/apreensão da carta de condução é o não exercício desta durante o período da proibição, objectivo que foi alcançado desde a data da sua entrega na secretaria do tribunal”.

O que está em consonância com o Ac. da RG de 8.7.2002, onde se lê que “o processo de execução da pena acessória de proibição de conduzir está regulado no artigo 500.º do CPP. A apreensão da licença de condução não é, apenas, uma medida cautelar, mas uma condição sine qua non do efectivo cumprimento dessa pena acessória. O período de proibição de conduzir veículos motorizados, aplicado nos termos do artigo 69.º do Código Penal, conta-se a partir da efectiva entrega ou apreensão da licença de condução e não a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória”.

Esclarecedor é igualmente o Ac. da RE de 29.3.2005, in www.jusnet.pt, quando refere que “o cumprimento da execução da pena acessória de proibição de conduzir, tem o seu início quando, após trânsito da respectiva decisão e não se encontrando o título de condução apreendido no processo, o mesmo deixa de estar na posse do condenado e passa a ficar à ordem do Tribunal”.

No mesmo sentido encontra-se igualmente o Ac. da RP de 19.6.2006, in www.jusnet.pt, segundo o qual “o cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir inicia-se com a entrega ou apreensão da carta de condução do arguido. A partir do momento em que aquela carta de condução passa a estar à ordem do tribunal, começa a contar o período da inibição, findo o qual deverá ser a carta entregue ao arguido”.

Aliás, a Relação do Porto já no Ac. de 7.12.2005, in www.dgsi.pt., tinha afirmado que “o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir, no caso de a licença de condução não se encontrar apreendida no processo, conta-se a partir do momento da sua entrega ou apreensão”.

Revertendo ao caso concreto, uma vez que o arguido entregou a carta de condução no dia 25.9.2020, foi nesse dia que se iniciou a execução da referida pena acessória.

No que respeita ao termo dessa pena, que tem a duração de 6 meses, ocorre a 25.3.2021, como consta no despacho recorrido.

Defende o recorrente que na contagem da pena devem aplicar-se as normas previstas nos artigos 296º e 279º do Código Civil.

Alega que, ao contrário do que é o entendimento do Tribunal a quo, a duração da pena acessória é um prazo, considerado como tal pelo legislador, face ao disposto no artigo 69º, nº 6, do Código Penal.

Defende que a norma prevista no artigo 279.º do Código Civil é aplicável ao cômputo do termo da pena acessória. De acordo com a regra prevista na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, no cômputo do prazo da pena acessória não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr – ou seja, o dia em que o título de condução é entregue, apreendido ou remetido ao processo da condenação. Assim, o primeiro dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 26.09.2020.

Segundo a regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data.

Vejamos.

De facto, estipula o artigo 69º, nº 6, do Código Penal que “não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”.

A palavra prazo significa tão só período, (palavra esta utilizada no nº 1 do mesmo normativo), duração, não atribuindo outra natureza ao período da pena acessória.

Por sua vez, as referidas normas do Código Civil dizem respeito à contagem de prazos, dispondo o artigo 279º do referido diploma legal que:

“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro;

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.

Ora, a contagem da pena acessória nada tem a ver com a contagem de prazos.  Primeiro porque não é um prazo, é uma pena que se quer executar. Depois, porque as normas de contagem de prazos não se adequam à execução de penas.

Veja-se, por exemplo, a alínea e) do artigo 279º do CC.

Assim, sendo inaplicáveis as referidas normas legais ao caso concreto, não assiste razão ao M.P. quando defende que na contagem da inibição de conduzir não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, sendo o evento a entrega da licença de condução.

Entendimento que resulta em prejuízo para o arguido, uma vez que com a entrega ou apreensão fica desapossado da dita licença, proibido de conduzir, mas esse dia não entra no cômputo da pena acessória.

Defende ainda o recorrente, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 279º do CC, que o último dia do prazo da pena termina às 24 horas desse dia e, por isso, não é legítimo restituir o título de condução ao arguido antes das 24 horas desse último dia.

Ora, como já se referiu, essa norma não é aplicável ao caso sub judice.

Como resulta do artigo 500º, nº 4, do Código de Processo Penal, “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”.

Uma vez que o cumprimento da pena acessória termina a 25.3.2021, nada impede que durante esse dia a licença de condução seja restituída ao arguido.

Acompanhamos os argumentos do tribunal a quo ao defender, por analogia, a aplicação das normas relativas à contagem da pena de prisão, tanto mais que seria incompreensível que, não havendo norma expressa para a contagem da pena acessória de inibição de conduzir, se utilizassem critérios distintos na liquidação das penas, o que afrontaria necessariamente a unidade do sistema jurídico.

Por último faz-se referência ao disposto no artigo 182º, nº 3, alínea a), do Código da Estrada, relativo ao cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir.

Estipula esta norma legal que, “sendo aplicada sanção acessória, o seu cumprimento deve ser iniciado no prazo previsto no n.º 1, do seguinte modo:

a) Tratando-se de inibição de conduzir efetiva, pela entrega do título de condução à entidade competente”.

Desta norma resulta que também a sanção acessória de inibição de conduzir tem o seu início com a entrega do título de condução à entidade competente.

Ora, sendo assim para a sanção acessória, não se compreenderia que fosse diferente para a pena acessória prevista no artigo 69º do Código Penal.

No mesmo sentido já se pronunciou esta Relação no Acórdão de 26.5.2021, proferido no âmbito do Recurso nº 163/20.0GCACB-A.C1.

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              Improcedendo todas as questões suscitadas pelo recorrente, deve ser negado provimento ao recurso.

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                    C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decidem manter o despacho recorrido.

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          Sem custas, por delas estar isento o recorrente – artigo 4º, nº 1, alínea a), do RCP.

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          Notifique.

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                    Coimbra,9 de junho de 2021

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por ambos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto (Relatora)

Orlando Gonçalves (Adjunto)