CRIME DE EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Sumário


- Na senda do que se pugnou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2010, a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos funda-se para além da temática do jogo, na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar: tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar. E isto porque o jogo não será de fortuna ou azar se o jogador puder, com a sua destreza e perícia, influenciar o respectivo resultado, o que não acontece quando o resultado está dependente apenas da sorte.
- Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de, como se referiu, os influenciar.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

No Processo Comum Singular nº 27/18.6EASTR, do Juízo Local Criminal da Santarém, J1, da Comarca de Santarém, por sentença de 03-06-2020, foi condenado o arguido MCVA, id. a fls. 235, pela prática de um crime p. e p. pelo art.° 108° n.° 1 e 2 do DL n.° 422/89 de 2 de Dezembro, por referência aos artigos 1º, 3o, n.° 1 e 4o, n.° 1, al. g) do mesmo diploma legal, na pena de 100 dias de prisão, que nos termos do artigo 45.°, n.° 1, do Código Penal, se lhe substituem por igual período de tempo de multa à taxa diária de sete euros, o que perfaz a pena de multa de 700 euros, e na pena de multa de 40 dias a igual taxa diária, o que perfaz a pena de multa de 280 euros, o que tudo totaliza a pena de multa global 980 euros;

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido MCVA, nos termos da sua motivação constante de fls. 252 a 268, recurso este circunscrito à matéria de direito, concluindo nos seguintes termos:

I. O Arguido MCVA, foi condenado na pena de 100 (cem) dias de prisão, substituída pela pena de multa por igual período (cem) dias, à razão diária de €7,00 (sete euros), no montante de €700,00 (setecentos euros), e na pena de multa de 40 (quarenta) a igual taxa diária, no montante de €280 (duzentos e oitenta euros), pela prática de, em autoria material, na forma consumada, um crime de exploração ilícita de jogo.

II. O Arguido não se conforma com a qualificação jurídica do crime imputado aos factos e por conseguinte com a pena que lhe foi aplicada.

III. Tendo o presente recurso como objeto a reapreciação da matéria de direito, nos termos do artigo 412.º, n.º 2 do CPP, o recorrente deve especificar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

IV. Cumprindo o disposto no referido normativo, vejamos que os factos não se subsumem ao crime pelo qual veio o Arguido a ser condenado mas sim à aplicação dos artigos 159 e seguintes do mesmo dispositivo legal, por figurarem a prática de uma contraordenação.

V. Entende o Recorrente que inexistem factos provados imputados ao mesmo, no que respeita à verificação dos elementos objectivo e subjectivo do tipo do crime em apreço e pelo qual foi condenado.

VI. Foi violado o art.º 127.º e o art.º 374, n.º 2 do CPP, bem como o art.º 108.º do DL 422/89, porque não existe prova concludente de que os equipamentos tenham desenvolvido jogos de fortuna ou azar antes da fiscalização e apreensão e antes da intervenção dos peritos em sede de perícia.

VII.A descrição constante da Acusação não tem enquadramento legal no tipo de crime pelo qual o Arguido foi acusado e condenado, tendo em consideração que a descrição do tipo de jogo não está prevista na Portaria 217/2007, de 26/02 e apenas os jogos aí previstos são jogos de fortuna ou azar/jogos de casinos.

VIII. De entre muitas Decisões que referem que o tipo de funcionamento do jogo descrito na Acusação e dado como Factos Provados em 1 a 16 dos Factos não se enquadra na previsão do art.º 108.º todos do DL 422/89, veja-se a título de exemplo em www.dgsi.pt:

1254/06-1 Tribunal da Relação de Évora:

Na ausência de qualquer distinção material entre os conceitos de jogos de fortuna e azar e modalidades afins, a distinção tem que ser formal, sendo para o efeito considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos n.°s 1 e 3 do artigo 4.º da actual redacção do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, é autorizada nos casinos e para os quais existem regras de execução, actualmente reunidas na Portaria n.º 817/2005 de 13 de Setembro, que abrange os jogos bancados, não bancados e máquinas automáticas – regras que se encontravam dispersas pelas Portarias n.ºs 1441/95, 461/2001, 1364/2001 e 894/2002, de, respectivamente, 29 de Novembro, 8 de Maio, 6 de Dezembro e 29 deJulho.

208/09.3GBGMR do Tribunal da Relação de Guimarães:

O teor normativo do conceito de jogo de fortuna ou azar deve resultar da ponderação e aplicação, em conjunto, dos elementos constantes da fórmula geral do artigo 1º, com a descrição exemplificativa ou concretizadora constante do artigo 4º, ambos da Lei do Jogo; A exploração do jogo da lerpa não se encontra reservada ou restringida por lei aos casinos e o comportamento de quem explora ou intervém no jogo da lerpa não constitui, respectivamente, o crime do artigo 108.º ou o crime do artigo 110.º, ambos da Lei doJogo. 7610/2005-3 do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Actualmente, não existe qualquer distinção material entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar e de modalidades afins. II – Por isso, o tribunal, para a delimitação dos tipos descritos nos artigos 108º a 111º e 115º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, tem de partir de um conceito formal de jogo de fortuna ou azar, considerando como tal apenas aqueles jogos cuja prática, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 4º daquele diploma, é autorizada nos casinos. 514/13.2EAPRT.P1 do Tribunal da Relação do Porto

I - Deve ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar o jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou eletrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado. II – A exploração de uma máquina com tais características constitui não um crime de Exploração ilícita de jogo, mas a contraordenação prevista pelos art. 159º, 160º n.º 1, 161º, n.º 3 e 163º, n.º 1, da Lei do Jogo.

84/13.1GAFVN.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra

A exploração não autorizada de uma máquina de jogo eletrónica na qual se introduz uma moeda de € 0,50, encetando a máquina o “jogo” que consiste no acendimento, num ecrã circular, de 64 led's numerados, dos quais oito são pontuados e no caso de a luz se fixar – aleatoriamente, sem influência da perícia do jogador - num dos led`s pontuados, o jogador ganha os pontos identificados em cada um daqueles números, sendo que o único significado dos pontos ganhos é a sua conversão em nova ou novas jogadas, sempre idênticas, sem possibilidade de troca dos pontos por fichas, dinheiro ou prémios de qualquer natureza, constitui uma mera contraordenação prevista no art. 163º do DL 422/89 de 02.12. 271/11.7ECLSB.E1 do Tribunal da Relação de Évora

I - A introdução de moedas numa máquina, que podem variar entre € 0,50 e € 2,00, atribuindo a máquina (ou não) pontos (créditos), que, a final, poderão ser transformados em dinheiro (quantias em dinheiro que, no jogo denominado “Colorama”, podem chegar ao limite máximo de € 200, e que, no jogo chamado “Super Colorama”, podem atingir o limite máximo de € 400,00), tudo (a atribuição de prémios) dependendo de a luz das máquinas parar (ou não) em orifício premiado (ou não), e orifício com indicação de pontos (créditos) correspondentes aos prémios em dinheiro (se os orifícios onde a máquina parou forem premiados), não constitui crime, mas sim contraordenação, pois as máquinas de jogo em causa não desenvolvem jogo de fortuna e azar, mas uma “modalidade afim de jogos de fortuna e azar”. II - Apesar de não possuírem um mecanismo de jogo totalmente idêntico àquele que determinou a prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2010 (proferido pelo S.T.J. e publicado no D.R., Iª Série, de 08-03-2010), as máquinas em causa consubstanciam uma situação que, nos seus contornos essenciais, é coincidente com os jogos sobre os quais se debruçou esse Acórdão do S.T.J.. III - Assim, em vez de os prémios se encontrarem anunciados num cartaz, e em vez de tais prémios corresponderem a um determinado número ou a uma certa referência existente numa bola, são as próprias máquinas que têm assinalados os orifícios a que correspondem os prémios, dependendo a atribuição desses prémios de a luz parar ou não nos aludidosorifícios.

IX. Não se enquadra na previsão dos art.ºs, 1.º, 3.º, 4.º e 108.º todos do DL 422/89, a exploração do jogo inserido na máquina fiscalizada dos autos de que se recorre, por errada qualificação jurídica.

X. Na verdade e quanto muito o Recorrente poderia ter praticado, uma contraordenação prevista no art.º 159.º do DL 422/89.

XI. Não se encontravam verificados nos autos indícios de que pudesse vir a ser condenado, considerando não estarem apurados indiciariamente os elementos do tipo do crime pelo qual foi acusado e atenta a descrição na Acusação do funcionamento da máquina não enquadrável nos elementos essenciais dos jogos de fortuna ou azar previstos na Portaria 217/2007, de 26/02, não é o jogo inserido na máquina fiscalizada jogo considerado de fortuna ou azar (não está previsto na Portaria 217/2007 para ser jogo de fortuna ou azar e portanto jogo de casino), mas tão só, um jogo dependente exclusivamente da sorte enquadrável na previsão legal do art.º 159.º do DL422/89.

XII.O critério formal de distinção dos jogos de fortuna ou azar e das outras formas de jogo e afins de fortuna ou azar é este mesmo, saber se em concreto o jogo dos autos se enquadra na previsão legal dos jogos de casino previstos na aludida portaria e caso tal não suceda e o jogo não se enquadre nos elementos dos vários jogos aí revistos (na Portaria 217/2007, de 26/02), então não será jogo subsumível à previsão dos art.ºs 1.º, 3.º, 4.º al. g) e 108.º, todos do DL 422/89, mas sim à previsão dos art.ºs 159.º e seguintes do DL 422/89 (é o caso do equipamento fiscalizado nestes autos), situação esta que, em termos de Direito, foi mal enquadrada e, portanto, erroneamente fundamentada na Sentença.

XIII. É um facto que muito controversa existe quanto à qualificação jurídico-penal e/ou jurídico-contraordenacional de factos como os dos presentes autos, no entanto é também certo e recorde-se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.05.2014, proferido no proc. n.º 970/10.0GALSD.P1, disponível em www.dgsi.pt (no mesmo sentido, vide o recente acórdão do TRL de 11.01.2018, proferido no processo n.º 96/16.3ECLSB.L1-9, disponível em www.dgsi.pt), onde se decide que, “à luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação; mas já o serão máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de ser envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos, pois estas induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater”; com um voto vencido (entendendo “que os factos em causa nos autos não integram um crime de exploração ilícita de jogo, mas antes um ilícito contraordenacional, (…) os efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar, não ocorrem “relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expetativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.

XIV. O tipo de máquina em causa, bem como o “jogo” que desenvolvia da forma descrita -cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador - como é claro não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no art. 4.º do cit. Decreto-Lei n.º 422/89 (nem a qualquer deles se pode equiparar).

XV.Por outro lado, considerando o seu modo de funcionamento, valores da respetiva “aposta” e prémios que atribuía, entende-se estar perante máquina que desenvolve uma “modalidade afim”, tal como definida no art. 163.º, n.º 1, por referência aos arts. 159.º, 160.º, n.º 1 e 161.º do cit. Decreto- Lei n.º 422/89, pelo que a sua exploração nos moldes descritos na acusação, não poderia integrar a prática do crime imputado ao Recorrente e por ele vir a ser condenado, correspondendo quanto muito à prática de um ilícito contraordenacional, previsto e punido pelo art. 159.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de dezembro.

XVI. Na realidade nos termos em que o Recorrente foi condenado o bem jurídico tutelado com a incriminação é o direito de exploração de jogos de fortuna ou de azar que pertence em exclusivo ao Estado e só pode ser exercido em zonas de jogo estabelecidas mediante concessão.

XVII. Dispõe o referido art. 108.º, no seu n.º1, que: “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido (…)”.

XVIII. Quanto ao tipo subjetivo, trata-se de um crime doloso, que admite o dolo em qualquer uma das suas formas – cfr. art. 14.º do Código Penal, acontece porém que confrontados os factos provados com o respetivo tipo incriminador, não parece ao Recorrente que se tenha verificado suficientemente demonstrado o elemento subjetivo deste tipo incriminador, pelo que terá sido injustamente condenado.

XIX. Na Douta Sentença, menciona-se por diversas vezes em sede de fundamentação a aplicação das regras de experiencia comum, no entanto entende o Recorrente estarem violados os PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO, dois princípios que andam intimamente ligados entre si e se completam e fundamentam o acima vertido, porquanto em sede de inquérito o titular do mesmo e depois em julgamento, o julgador não entendeu que as máquinas dos autos contivessem jogos de fácil percepção, requisitando os serviços de um perito para que viesse aos autos transmitir para que serviria o objecto apreendido, acaso assim não tivesse sido, nunca a douta decisão recorrida se serviria da perícia para fundamentar ou motivar o funcionamento do equipamento.

XX. Nessa medida está por demonstrar a verificação do dolo (que é especifico) na actuação que é imputada ao Recorrente, sendo que este tipo de crime só é punível a título de dolo.

XXI. Está erradamente julgada a matéria de direito imputada aos factos da decisão recorrida.

XXII. O Recorrente entende que foi violado o art.° 127.° do CPP, o art.° 108.° do DL 422/89 e não trata a questão da eventual inclusão da conduta do Recorrente nos art.°s 159.° e seguintes do DL 422/89 e portanto era matéria que a sentença deveria apreciar e não o fez, o que determina também nesta parte a nulidade da mesma.

XXIII. Estamos, assim, perante uma situação de não verificação do elemento subjectivo do crime de exploração ilícita de jogo, por falta absoluta de prova, existindo apenas ilações e presunções por parte do Tribunal "a quo" no que a esta matéria diz respeito.

XXIV. A punição deste ilícito criminal - que não cremos que sequer exista nos presentes autos - só será possível se se verificar demonstrado, de forma inequívoca, o dolo e o dolo especifico e não qualquer outra forma de dolo.

XXV. Sobre o Arguido apenas consta da motivação da convicção do Juiz, o que foi dito pelas testemunhas, que não mais se trata de um depoimento indirecto que não pode ser admitido.

XXVI. A decisão recorrida contém um erro notório na apreciação da prova, que impõe a modificação da decisão recorrida nos termos do artigo 437.°, alínea a), do CPP, na aplicação do direito.

XXVII. Violando, assim, o Tribunal a quo o art.° 127.° do C. P. P., dado que utilizou as regras de experiência comum numa situação em que se encontrava vedada essa possibilidade, - vide neste sentido Acórdão 21/08.5FDCBR.C2, o Acórdão do STJ no 04/2010, entre outros.

XXVIII. O arguido apela pela aplicação de uma contraordenação.

XXIX. Se mesmo assim V. Exªs não entenderem é também excessiva a medida da pena concretamente fixada ao Arguido, considerando que se trata de um cidadão inserido social, profissional e familiarmente na sociedade.

XXX. Afigurando-se assim que a pena é excessiva, inadequada, desproporcionada e desprovida de qualquer finalidade ressocializadora, antes visando, salvo melhor opinião, finalidades primacialmente retributivas, mesmo aí excedendo-as, e, como tal, gravemente violadoras do princípio da culpa e da razoabilidade.

XXXI. Sendo que, pelas razões e fundamentos supra elencados, caso não venha a ser ao Arguido aplicada uma pena de multa pela prática de uma contraordenação, sempre a sua pena se deverá fixar pelos mínimos legais, considerando os seguintes dispositivos legais arts.° 70.° e 71.° ambos do Código Penal.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra consentânea com o ora alegado, assim fazendo a já costumada, Justiça.

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 271 a 286, concluindo nos seguintes termos:

1 - Vem o arguido MCVA recorrer da douta sentença que o condenou, pela prática, em autoria material de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º do Decreto-lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na pena de 100 dias de prisão, substituída por 100 dias de multa à taxa diária de €7,00, e na pena de 40 dias de multa à taxa diária de €7,00.

2 - Atentas as conclusões do seu recurso, elenca o arguido as razões de discordância com a douta sentença do tribunal a quo, colocando à apreciação desse Venerando Tribunal a errada interpretação do artigo 108º do Decreto-lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro e, subsidiariamente a medida da pena.

3 - Na senda do que se pugnou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2010, a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos funda-se para além da temática do jogo, na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar: tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar. E isto porque o jogo não será de fortuna ou azar se o jogador puder, com a sua destreza e perícia, influenciar o respectivo resultado, o que não acontece quando o resultado está dependente apenas da sorte.

4 - Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de, como se referiu, os influenciar.

5 - Como a jurisprudência tem defendido, [vejam-se a título exemplificativo, os acórdãos da Relação de Évora de 07.01.2014 e 24.01.2017, de Coimbra de 21.03.2012, 18.03.2015 e 01.07.2015, e Porto de 25.05.2011 e 09.07.2015, disponíveis em www.dgsi.pt], face à multiplicidade de máquinas de jogo que existem, o critério será o resultado depender ou não da sorte do jogador, isto é, se o prémio estiver pré-definido, deverá considerar-se modalidade afim, se não estiver, será um jogo de fortuna ou azar.

6 - Conforme se verifica da matéria de facto provada, o jogo da máquina dos presentes autos não tem as características da máquina a que se reportou o supra referido acórdão de fixação de jurisprudência, o qual apreciou a situação de máquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização, máquinas essas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, ficha ou moedas.

7 - Na verdade, no caso dos autos, a máquina examinada, desenvolve jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos, pois que, o jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio.

8 - O jogo aqui descrito apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro. Aliás, o jogador pode até continuar a jogar com os pontos ganhos até os exceder ou terminar a jogada, o que, ainda assim, não influencia o que já foi dito, pois que a intervenção do jogador se limita a introduzir moedas na máquina sem conhecer um prémio pré-definido.

9 - Nem se perceberia por que motivo alguém despenderia um cêntimo que fosse para pôr uma máquina a funcionar que se limitasse a permitir a visualização de “luzes que circulam” apenas para ver pontos acumulados que, mais tarde ou mais cedo e necessariamente, se perderiam, sem qualquer hipótese de um desfecho final de sucesso para o jogador. Por isso, o jogo no presente caso é, a nosso ver, jogo de fortuna ou azar.

10 - Quanto à medida da pena, teve-se em consideração que o arguido actuou, conforme decorre da douta sentença recorrida, com dolo directo, sendo o grau de ilicitude do facto mediano, atenta a natureza do bem jurídico protegido, e o seu grau de culpa mediano, por referência ao número de pessoas que potencialmente acedia ao café e à máquina de jogo.

11 - Sendo certo não serem prementes as exigências de prevenção especial (o arguido tem antecedentes criminais, entre os quais pela prática do mesmo tipo de ilícito e encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido), as exigências de prevenção geral não são, de igual modo, diminutas. A conduta do arguido integra comportamentos praticados com frequência pelos exploradores dos cafés, mesmo em meios mais pequenos, evidenciando que o acesso às máquinas de jogo pela população é, primordialmente, nestes meios, potencialmente frequente e danoso pois trata-se do café frequentado pelas pessoas da aldeia, o que foi tido em consideração na douta sentença.

12 - Assim, entendemos que a pena de multa aplicada se revela justa e adequada a fixação da pena de multa nos termos determinados pela douta sentença recorrida.

Termos em que, decidindo pela manutenção da douta sentença recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!

Neste Tribunal da relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunt emitiu o seu parecer, no qual se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao arguido, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, quais sejam:

- A errada subsunção jurídica dos factos, por entender que os mesmos constituem, tão só, uma contraordenação;

- A excessividade da pena concretamente aplicada.

Está em causa a seguinte matéria de facto apurada:

1. - No dia 13 de Junho de 2018, pelas 16 horas e 10 minutos, no estabelecimento comercial de restauração denominado “…”, explorado pelo arguido, sito na Rua …, …, …, …, no cumprimento de uma acção de fiscalização levada a efeito pela ASAE, constatou-se que ali se encontrava, colocada em cima do balcão de atendimento a clientes, ligada à corrente elétrica e à disposição de quem a quisesse utilizar, uma maquina de jogo cedida por desconhecidos a MA, “à consignação”.

2. - Trata-se de uma máquina de pequenas dimensões, com a designação “PROMOÇÃO DE BEBIDAS”, inscrita no painel frontal, e um móvel de um só corpo, de estrutura em madeira cinzenta nas paredes laterais.

3. - Na máquina, ao centro e em cima há um visor que regista os créditos introduzidos pelo jogador.

4. - Ao centro do painel frontal figuram dois círculos, onde se visualizam trinta e dois led’s em cada um, que, quando a máquina está em funcionamento, emitem luz visível.

5. - Cada um dos círculos tem um ponto de interrogação e quatro led’s identificados no painel com as inscrições: 1 - Café; 2 - Garrafas de água; 5 - Coca-Cola; 10 - Favaios, 20 - Sagres Mini; 50 - Super Bock Média; 100 - Martinis; 200 - Cálices de vinho do Porto.

6. - Abaixo dos círculos de led’s situa-se um segundo visor que regista os pontos obtidos em jogadas premiadas.

7. - Na parede e no canto superior esquerdos da máquina existem dois parafusos metálicos que permitem apagar os créditos obtidos por um jogador no decurso das jogadas, através do contacto com um objecto metálico, v.g., uma moeda.

8. - No canto inferior situam-se outros dois parafusos que possibilitam jogar, voltando a apostar, com as pontuações obtidas no decurso de jogadas premiadas, outrossim mediante o contacto com um objecto metálico.

9. - Nesse mesmo canto está também a gaveta de acesso ao cofre.

10. - No topo, a máquina apresenta uma ranhura para inserção de moedas e na parte direita encontra-se o componente exterior para recuperação de moedas.

11. - Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, é automaticamente disparado um ponto luminoso que percorre, num movimento circular, os sessenta e quatro orifícios luminosos existentes nos círculos, iluminando-os à sua passagem.

12. - De seguida e sem que o jogador tenha nisso qualquer interferência, o ponto luminoso desenvolve o seu movimento giratório, animado de grande velocidade, que vai perdendo gradualmente, até parar ao fim de algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados.

13. - Neste momento, três situações podem ocorrer:

a) O ponto para num dos orifícios sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio;

b) O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números e inscrições já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, e que, por norma, são convertidos em quantias monetárias, à razão de € 1 por cada ponto;

c) O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos dois “pontos de interrogação” existentes nos círculos e, neste caso, o ponto luminoso inicia um movimento giratório apenas pelos pontos numerados até ficar apenas um aceso, que corresponde ao prémio ganho pelo jogador;

14. - Nos dois últimos casos, ou seja, no caso de se verificar uma jogada premiada, o jogador pode optar por uma de duas hipóteses:

a) Continuar a jogar com os pontos ganhos, através do contacto com um objeto metálico nos dois parafusos situados na inferior da máquina. Se dessas jogadas resultarem novas jogadas premiadas, os pontos ganhos vão sendo sucessivamente acumulados no segundo visor referido e o jogador pode realizar jogadas sucessivas;

b) Terminar a jogada, solicitando os pontos ganhos, carregando no botão vermelho localizado junto do componente exterior para recuperação de moedas e, através do contacto com um objeto metálico nos dois parafusos situados na parede e no canto superior esquerdos, apagar os pontos visualizados no aludido mostrador.

15. - O jogo descrito, contido na máquina detectada, que atribui prémios em numerário como contrapartida de certa quantia, apresenta resultados dependentes exclusivamente da sorte, sendo que o evoluir de tal jogo em nada é influenciado pela perícia ou habilidade do jogador, sucedendo de modo automático e incontrolável e estando o desfecho dependente, em exclusivo, do acaso.

16. - A exploração de máquinas/jogos cujos resultados dependem exclusivamente da sorte - jogos de fortuna ou azar - só é permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo, circunstância que MA bem conhecia.

17. - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei e sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento.

18- O Arguido MCVA, respondeu e foi condenado, em 31/5/2013, por decisão transitada em julgado em 1/7/2013, pela prática em 30/5/2013 de um crime de condução em estado de embriagues, p. e p. pelo artigo 292.°, n.° 1, e 69.° do Código Penal, no Processo Penal N.° 308/13.5GARMR, do 1.° Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, na pena de multa de 75 dias de multa à Taxa Diária de 6 euros e na proibição de conduzir pelo período de seis meses.

19- O Arguido MCVA, respondeu e foi condenado, em 5/2/2015, por decisão transitada em julgado em 9/3/2015, pela prática em 3/3/2011, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido no artigo 108.°, n.° 1 do Decreto Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, no Processo Penal N.° 22/11.6EASTR, do Juízo Local Criminal de Santarém, Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Santarém, na pena de três meses de prisão substituída por 130 dias de multa a taxa diária de cinco euros.

20. - O Arguido natural de …, cresceu com um irmão mais novo, entretanto falecido, no seio de uma família de condição socio económica modesta.

21. -0 agregado de origem do Arguido explorava uma pequena mercearia local, vivendo o arguido num quadro económico sem restrições significativas.

22. - O Arguido Iniciou o percurso escolar em idade normativa, concluindo o 4.° ano de escolaridade.

23. - O Arguido iniciou atividade laborai após concluir o serviço militar obrigatório, então com 23 anos de idade, numa empresa de distribuição de refrigerantes em …, para onde se deslocava diariamente de motorizada.

24. - O Arguido com 26 anos autonomizou-se, ao casar com MLA, atualmente com 68 anos, doméstica, com quem teve 2 filhos, um deles recentemente falecido num acidente de caça.

25. - O Arguido tem uma vida familiar atual estável e organizada, vivendo com a sua mulher, numa casa própria, com boas condições de habitabilidade.

26. - O filho, noras e três netos do Arguido, vivem nas proximidades, constituindo-se o arguido como suporte da família alargada, especialmente da nora e do neto, órfao do seu filho, atualmente com 8 anos de idade.

27. - O Arguido na vertente laborai desempenhou funções como motorista de pesados, tendo aberto um café em 1997, onde trabalha, conjuntamente com o seu filho na localidade de ….

28. -O Arguido actualmente está reformado por velhice auferindo uma pensão de reforma no valor de 485,006. Por seu lado a esposa aufere igualmente por pensão de reforma a quantia de 378,00€.

29. - O Arguido tem horta para consumo próprio, paga mensalmente crédito habitação no valor de 300,00€, não tendo qualquer outro encargo financeiro significativo, para além das despesas mensais com água, luz e gaz, tendo assim uma vida sem grandes restrições.

30. - Em média para o Arguido as receitas do café rondam os 50,00€ /dia, receitas que divide com o seu filho e noras.

Vejamos então.

Estamos perante matéria dita de fronteira, onde se impõe uma análise precisa a cada concreto, tendo em atenção na interpretação legislativa e jurisprudencial, antes de mais, o bom senso comum na consideração do fim desenvolvido pela atividade considerada.

O arguido foi condenado por deter uma máquina que oferece aos seus clientes um jogo de “fortuna e azar”.

Por seu lado, o mesmo entende que a dita máquina que coloca à disposição dos clientes do seu “café” desenvolve apenas uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar, pelo que terá incorrido, tão somente, na contraordenação prevista no artigo 159º do Decreto Lei nº 422/89.

Sobre a matéria jurídica em causa, a sentença condenatória refere o seguinte:

“Vem imputada a prática, em autoria material e na forma consumada ao Arguido de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido no artigo 108.°, n.° 1 do Decreto Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, por referência aos artigos1º, 3o, n.° 1 e 4o, n.° 1, al. g) do mesmo diploma legal.

Dispõe sob a epígrafe exploração ilícita de jogo o referido artigo 108.° “1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias. 2 Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.”

É elemento objectivo do referido crime a exploração pelo agente de máquinas/jogos cujos resultados dependem exclusivamente da sorte - Jogos de fortuna ou azar, fora das zonas em que é permitida o que só se verifica nos casinos existentes nas zonas de jogo.

O artigo 1º, do citado diploma legal, define o conceito de jogo de fortuna ou azar como sendo aquele em que o seu resultado depende exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

Já o artigo 3º, n.° 1, do mesmo diploma refere que a exploração deste tipo de jogos só é permitida nos casinos situados em zonas de jogo devidamente regulamentadas ou mediante as autorizações especiais reguladas nos artigos 6° a 8o, do referido diploma.

O artigo 4º, do citado diploma define os vários tipos de jogos de fortuna ou azar explorados em casino incluindo na alínea g) do seu n.° 1 os “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”.

O elemento subjectivo do tipo de crime em apreço preenche-se com uma conduta dolosa por parte do agente em qualquer das modalidades que o dolo pode revestir directo, necessário ou eventual, ( artigo 14.° do Código Penal).

O artigo 159° do mesmo diploma estabelece o regime das chamadas actividades afins aos jogos de fortuna ou azar, dispondo que: “1 - Modalidades afins de jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. 2- São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. 3- Sempre que qualquer modalidade afim do jogo de fortuna ou azar ou outras formas de jogo atinjam tal incremento que ponham em perigo os bons costumes, ou esteja em causa a honestidade dos resultados, o membro do Governo responsável pela administração interna tomará as medidas convenientes à protecção dos interesses.

Porém, o artigo 161°, n.° 3, do mesmo diploma estatui que “As modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159° não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.”.

No caso em apreciação, o arguido explorava no seu estabelecimento comercial um jogo que pagava prémios em dinheiro, e não era uma tômbola.

Não é assim aplicável a este jogo o AUJ 4/2010, Publicado no DR Iª Série, n.° 46 de 08-03-2010 que decidiu que “Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.°, n.° 1, 161.°, 162.° e 163.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.”.

Nesse sentido decidiu o STJ no acórdão de 27/10/2010, disponível em www.dgsi.pt, onde se apreciou uma situação similiar à dos presentes autos quanto às características do jogo, que era como este semelhante a uma espécie de “roleta eletrônica”.

No caso dos autos, o jogo em questão desenvolve temas dos jogos de fortuna e azar (nomeadamente a roleta), paga prémios em dinheiro e permite ao jogador continuar a apostar com os pontos já auferidos.

Acompanhamos a jurisprudência que tem vindo a entender que devem ser considerados jogos de fortuna ou azar os jogos em que se possibilita uma série ilimitada de jogadas, como é o caso da maquina em questão nos autos. Neste sentido conferir o Ac. da Relação de Lisboa de 11-01-2018 (proc. n.°96/16.3ECLSB.Ll-9, e o Ac. da Relação do Porto de 21-02-0218, (proc. n.° 280/15.7EAPRT.P1), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Também neste sentido (ou seja quanto a uma máquina/jogo com as características da descrita na acusação) encontramos o Ac. da Relação de Évora de 24-01-2017, (proc. n.° 57/13.4EAEVR.E1) disponível no mesmo site.

Como se decidiu como decidiu o douto acórdão da Relação de Évora de 7/1/2014 in www.dgsi.pt., II. - É de fortuna ou azar o jogo em que, com a introdução na máquina de uma moeda de 0,50 €, de 1 € ou de 2 €, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório e percorre os vários orifícios existentes num mostrador circular, iluminando-os à sua passagem, até que, ao fim de algumas voltas, para e fixa-se, aleatoriamente, num dos orifícios. Se o orifício em que se deteve o ponto luminoso corresponde a um dos assinalados com os números 1, 50, 2, 100, 5, 20,200 e 10, o jogador tem direito aos pontos correspondentes; se o ponto luminoso para num dos restantes orifícios, o jogador não tem direito a qualquer ponto. Os pontos que o jogador assim obtém correspondem a uma quantia equivalente em dinheiro: cada ponto vale um €; ou, se o jogador preferir, permite duas jogadas. Com os fundamentos expostos entendemos que os factos descritos e dados como provados, considerando os elementos objectivos e subjectivos do tipo, integram os elementos essenciais da prática, em autoria material, pelo Arguido MCVA de um crime p. e p. pelo art.°. 108° n.° 1 e 2 do DL n.° 422/89 de 2 de Dezembro, por referência aos artigos 1º, 3o, n.° 1 e 4o, n.° 1, al. g) do mesmo diploma legal.”

Com efeito, e como consta da matéria apurada, a única a ter em conta, a máquina em causa tem as seguintes características:

- Trata-se de uma máquina de pequenas dimensões, com a designação “PROMOÇÃO DE BEBIDAS”, inscrita no painel frontal, e um móvel de um só corpo, de estrutura em madeira cinzenta nas paredes laterais.

- Na máquina, ao centro e em cima há um visor que regista os créditos introduzidos pelo jogador.

- Ao centro do painel frontal figuram dois círculos, onde se visualizam trinta e dois led’s em cada um, que, quando a máquina está em funcionamento, emitem luz visível.

- Cada um dos círculos tem um ponto de interrogação e quatro led’s identificados no painel com as inscrições: 1 - Café; 2 - Garrafas de água; 5 - Coca-Cola; 10 - Favaios, 20 - Sagres Mini; 50 - Super Bock Média; 100 - Martinis; 200 - Cálices de vinho do Porto.

- Abaixo dos círculos de led’s situa-se um segundo visor que regista os pontos obtidos em jogadas premiadas.

- Na parede e no canto superior esquerdos da máquina existem dois parafusos metálicos que permitem apagar os créditos obtidos por um jogador no decurso das jogadas, através do contacto com um objecto metálico, v.g., uma moeda.

- No canto inferior situam-se outros dois parafusos que possibilitam jogar, voltando a apostar, com as pontuações obtidas no decurso de jogadas premiadas, outrossim mediante o contacto com um objecto metálico.

- Nesse mesmo canto está também a gaveta de acesso ao cofre.

- No topo, a máquina apresenta uma ranhura para inserção de moedas e na parte direita encontra-se o componente exterior para recuperação de moedas.

- Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, é automaticamente disparado um ponto luminoso que percorre, num movimento circular, os sessenta e quatro orifícios luminosos existentes nos círculos, iluminando-os à sua passagem.

- De seguida e sem que o jogador tenha nisso qualquer interferência, o ponto luminoso desenvolve o seu movimento giratório, animado de grande velocidade, que vai perdendo gradualmente, até parar ao fim de algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados.

- Neste momento, três situações podem ocorrer:

- O ponto para num dos orifícios sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio;

- O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números e inscrições já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, e que, por norma, são convertidos em quantias monetárias, à razão de € 1 por cada ponto;

- O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos dois “pontos de interrogação” existentes nos círculos e, neste caso, o ponto luminoso inicia um movimento giratório apenas pelos pontos numerados até ficar apenas um aceso, que corresponde ao prémio ganho pelo jogador;

- Nos dois últimos casos, ou seja, no caso de se verificar uma jogada premiada, o jogador pode optar por uma de duas hipóteses:

- Continuar a jogar com os pontos ganhos, através do contacto com um objeto metálico nos dois parafusos situados na inferior da máquina. Se dessas jogadas resultarem novas jogadas premiadas, os pontos ganhos vão sendo sucessivamente acumulados no segundo visor referido e o jogador pode realizar jogadas sucessivas;

- Terminar a jogada, solicitando os pontos ganhos, carregando no botão vermelho localizado junto do componente exterior para recuperação de moedas e, através do contacto com um objeto metálico nos dois parafusos situados na parede e no canto superior esquerdos, apagar os pontos visualizados no aludido mostrador.

- O jogo descrito, contido na máquina detectada, que atribui prémios em numerário como contrapartida de certa quantia, apresenta resultados dependentes exclusivamente da sorte, sendo que o evoluir de tal jogo em nada é influenciado pela perícia ou habilidade do jogador, sucedendo de modo automático e incontrolável e estando o desfecho dependente, em exclusivo, do acaso.

Dispõe sob a epígrafe exploração ilícita de jogo o referido artigo 108.° “1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias. 2 Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.”

É elemento objectivo do referido crime a exploração pelo agente de máquinas/jogos cujos resultados dependem exclusivamente da sorte - Jogos de fortuna ou azar, fora das zonas em que é permitida o que só se verifica nos casinos existentes nas zonas de jogo.

O artigo 1º, do citado diploma legal, define o conceito de jogo de fortuna ou azar como sendo aquele em que o seu resultado depende exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

O artigo 3º, n.° 1, do mesmo diploma refere que a exploração deste tipo de jogos só é permitida nos casinos situados em zonas de jogo devidamente regulamentadas ou mediante as autorizações especiais reguladas nos artigos 6° a 8º, do referido diploma.

O artigo 4º, do diploma em causa define os vários tipos de jogos de fortuna ou azar explorados em casino incluindo na alínea g) do seu n.° 1 os “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”.

O elemento subjectivo do tipo de crime em apreço preenche-se com uma conduta dolosa por parte do agente em qualquer das modalidades que o dolo pode revestir directo, necessário ou eventual, ( artigo 14.° do Código Penal).

O artigo 159° do mesmo diploma estabelece o regime das chamadas actividades afins aos jogos de fortuna ou azar, dispondo que: “1 - Modalidades afins de jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. 2- São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. 3- Sempre que qualquer modalidade afim do jogo de fortuna ou azar ou outras formas de jogo atinjam tal incremento que ponham em perigo os bons costumes, ou esteja em causa a honestidade dos resultados, o membro do Governo responsável pela administração interna tomará as medidas convenientes à protecção dos interesses.

O artigo 161°, n.° 3, do mesmo diploma dispõe que “As modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159° não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.

Ora, o jogo desenvolvido pela máquina em causa não está dependente da perícia do jogador, mas tão só da sua sorte com o que equivale a uma roleta eletrónica que para de forma completamente aleatória, como é próprio de uma roleta.

Á partida o jogador sabe que vai acumular pontos para futuras jogadas ou conseguir bebidas com a sorte que a roleta lhe ditar.

Não se trata de rifa, tômbola, sorteio, concursos publicitário, concurso de conhecimentos ou passatempo.

Também não se trata de qualquer máquina destinada à obtenção de pequenos prémios por pequenas quantias monetárias, como as existentes nos cafés para obtenção de chocolates, ou os antigos “furos”.

Tanto mais que se desconhece o montante máximo que pode ser jogado por cada jogador individual, pelo que não se poderá considerar estar em causa um jogo de pequenos montantes para obtenção de prémios apenas em bebidas pouco dispendiosas.

Assim sendo, não está em causa a situação a que se refere o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, Publicado no DR Ia Série, n.° 46 de 08-03-2010 que decidiu que “Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.°, n.° 1, 161.°, 162.° e 163.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.”.

Como tal, entende-se que bem andou o Tribunal a quo ao entender estarmos perante uma máquina que desenvolve um jogo de fortuna ou azar, máquina esta que o arguido, de forma deliberada, livre e consciente, colocava à disposição dos seus clientes.

Entende o arguido recorrente que a pena que lhe foi aplicada é excessiva.

Sobre a determinação da medida concreta da pena o Tribunal a quo decidiu o seguinte:

“Da natureza e medida da pena.

Importa, agora determinar a pena concreta a aplicar ao Arguido pelo crime que praticou punível em abstracto com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.

Ter-se-á em conta na determinação da pena do crime os critérios legais previstos no artigo 71.°, n.° 1 e 2, do C.P..

Ter-se-á, assim, em conta na determinação da pena concreta a aplicar ao Arguido o grau de intensidade do ilícito, considerando a respectiva natureza, mendiano, o dolo do Arguido, na modalidade de dolo directo, ( art.° 14°, n.°l, do C.P. ), as consequências não gravosas resultantes da prática do ilícito, a situação social, económica, profissional, e familiar do Arguido que se provaram e os seus antecedentes criminais.

Atendendo aos mencionados elementos de ilicitude e culpabilidade entende-se justo punir o Arguido com a pena de 100 dias de prisão, que nos termos do artigo 45.°, n.° 1, do Código Penal, se lhe substituem por igual período de tempo de multa à taxa diária de sete euros, o que perfaz a pena de multa de 700 euros, e na pena de multa de 40 dias a igual taxa diária, o que perfaz a pena de multa de 280 euros, o que tudo totaliza a pena de multa global 980 euros.”

Ora concorda-se inteiramente com o decidido.

Com efeito, atenta a matéria de facto apurada, o arguido vive medianamente, já que aufere uma pensão de reforma, o que acontece, igualmente, com a sua mulher, muito embora estas pensões sejam de baixo montante.

Não possui filhos a cargo, auferindo, ainda, os proventos da exploração do seu estabelecimento comercial, estes cifrados em cinquenta euros diários.

Por outro lado, não podemos esquecer que já sofreu uma condenação por condução em estado de embriaguez e uma outra pela prática de idêntico ilícito, pelo que as exigências de prevenção geral e especial se fazem sentir.

Assim, e para não sermos redundantes nem prolixos, entende-se que bem andou o Tribunal a quo ao decidir da forma por que o fez, atenta a culpa do arguido e os critérios contidos no artigo 71º do Código Penal.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, com os legais acréscimos.

Évora, 8 de junho de 2021

Maria Fernanda Palma

Isabel Duarte