TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERDA DE OBJECTOS
Sumário


1 - Para a declaração de perda a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 35º do D.L. 15/93 de 22/1, basta que os objetos possam considerar-se instrumentos do crime, no sentido de que tenham servido ou se destinem a servir para a prática de uma infração prevista no Decreto-Lei n.º 15/93.

2 - Porém, no respeitante à declaração de perda de veículos automóveis, exige-se que da matéria factual provada resulte que entre a utilização do veículo e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de modo a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma em que o foi.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 740/18.8T9EVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Central Criminal de Évora – Juiz 1, foi a arguida (...), melhor identificada nos autos, acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal.
1.2. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, o Tribunal Coletivo procedeu à comunicação à arguida, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido requerido pela arguida.
1.3. Foi proferido acórdão em 11/02/2021, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«(…) acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente, por provada e em consequência:
A) Condenar a arguida (...) pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão;
B) Manter a arguida (...) sujeita às medidas de coação de termo de identidade e residência até à extinção da pena e ainda de prisão preventiva (artºs 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, nº1, al. a), 204º, als. b) a c), 213.º e 215.º n.ºs 1 e 2, todos do CPP);
C) Determinar a recolha de amostra de ADN à arguida (...), por modo a que o seu perfil seja introduzido na base de dados de perfis de ADN – art. 8.º n.º 2, da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro;
D) Condenar a arguida (...) nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
E) DECLARAR PERDIDOS A FAVOR DO ESTADO:
- a canabis resina com o peso de 288,89 gramas, em formato de 3 (três) placas;
- o telemóvel, marca Huawei, com o IMEI 867955040802552;
- a canabis resina, com o peso de 1, 612 gramas;
- a faca de cozinha, com cabo de madeira, com 11 cm de lâmina e 21,5 cm de comprimento total;
- a caixa de metal;
- o veículo automóvel de matrícula (...).
(…)».
1.4. Inconformada com o decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso, as seguintes conclusões:
«1ª - A defesa não concorda com a aplicação ao caso do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo que é do seu entendimento que seria de aplicar o artigo 25.º do mesmo diploma.
2ª - Mesmo perante condenação pelo referido artigo 21.º, a pena de 4 anos e 9 meses é excessiva, dadas as circunstâncias do caso concreto, sendo antes de aplicar o mínimo previsto nesse preceito, ou seja, os 4 anos.
3ª - Condenar-se a arguida a uma pena superior a 4 anos, parece-nos desproporcional atenta a factualidade geral.
4ª - O veículo automóvel de matrícula (...) deve ser restituído à arguida.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exa. doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, em consequência: se não se alterar a qualificação jurídica dos factos, aplicando-se ao caso o crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ser a pena alterada para os 4 anos, o mínimo previsto no artigo 21.º do mesmo diploma; e, em segundo lugar, ser o veículo automóvel de matrícula (...) restituído à arguida.»
1.5. O recurso foi regularmente admitido.
1.6. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, concluindo no sentido de o recurso não dever merecer provimento e de dever manter-se integralmente o acórdão recorrido, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. A matéria de facto apurada integra, indubitavelmente a previsão legal do artº 21º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1, pois a arguida (...), ao longo de cerca de dois anos, comprou haxixe a terceiros, que revendeu em Évora a consumidores finais desse produto e vendeu ainda a (…), para que este o revendesse a outros consumidores desse estupefaciente.
2. No caso verifica-se que a culpa da arguida atinge um grau médio uma vez que agiu com dolo directo e procedeu à venda de haxixe, com vista à obtenção de vantagens económicas
3. Por outro lado, são prementes as exigências de prevenção geral e especial. Com efeito,
4. Para além de outras condenações registadas, a arguida já foi condenada, anteriormente, em penas de prisão suspensas na sua execução, pela prática de outros crimes e também numa pena única de prisão que cumpriu.
5. Atentos tais elementos, a pena concreta de quatro (4) anos e nove (9) meses de prisão aplicada à arguida no Acórdão recorrido, bem abaixo do quadro médio da moldura penal aplicável, mostra-se ajustada à actividade por esta desenvolvida, à sua culpa e às exigências de prevenção especial e, consequentemente, está conforme aos critérios legalmente fixados no artº 71º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, para a determinação da medida concreta da pena.
6. Essas circunstâncias revelam que são fortíssimas as exigências de prevenção especial.
7. A necessidade de repor a confiança da comunidade nas normas violadas e a impossibilidade de formular um juízo de prognose social favorável ao arguido impedem, assim, que se decida pela suspensão da execução da pena de prisão, pois não é, em concreto, possível formular o juízo exigido no artº 50º, do Cód. Penal.
8. A arguida (...) utilizava o seu veículo de matrícula (...) para se deslocar à zona de Lisboa onde ia comprar o haxixe que depois vendia em Évora e, no trajecto para Évora, escondia as placas de haxixe que comprara debaixo do forro do banco do condutor, como efectuou no dia 09.10.2019.
9. O veículo constituiu um verdadeiro instrumento do crime e relativamente a esse automóvel estão preenchidos todos os pressupostos exigidos no nº 1, do artº 35º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01, pelo que deve ser mantida a declaração de perda desse veículo a favor do Estado.
Nesta conformidade, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida V. Exªs. afirmarão a JUSTIÇA!»
1.7. Neste Tribunal, o Exmº. Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
1.8. Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.9. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir:

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso interposto pela arguida são as seguintes as questões suscitadas:
- Erro de subsunção;
- Excessividade da medida da pena.
- Restituição do veículo automóvel apreendido nos autos.

2.2. Acórdão recorrido
Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter presente o teor do acórdão recorrido, nos segmentos relevantes para a decisão e que se transcrevem:
«(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A.1) FACTOS PROVADOS
Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Desde data concretamente não apurada, mas pelo menos desde Outubro de 2017, que a arguida (...) se dedica de forma permanente à actividade de aquisição e posterior venda e distribuição para venda de canabis resina na localidade de Évora, vivendo dos rendimentos que obtém com essa actividade.
2. Para tanto, a arguida (...) deslocava-se habitualmente a Lisboa, designadamente a local concretamente não apurado no Bairro Casalinho da Ajuda, onde adquiria ao seu fornecedor, indivíduo que não foi possível identificar, a canabis resina.
3. A arguida (...) efetuava contacto prévio com o fornecedor, acertando as quantidades e local onde se encontravam para proceder à compra e venda de canabis resina, o que ocorreu, designadamente no dia 30 do Julho de 2019.
4. No dia 18 de Setembro de 2019, a arguida (...) acordou com o seu fornecedor encontrarem-se em Belém, Lisboa para que aquela procedesse à compra e venda de canabis resina.
5. No dia 9 de Outubro de 2019, entre as 15 horas e 4 minutos e as 15 horas e 16 minutos, no Casalinho da Ajuda, em Lisboa, a arguida (...) procedeu à compra de canabis resina ao seu fornecedor.
6. Aquando do referido em 5. a arguida adquiriu ao seu fornecedor três placas de canabis resina pelo preço total global de €480,00.
7. Cada placa de canabis resina adquirida pela arguida aquando do referido em 5. e 6. tinha o preço inicial de €240,00, tendo o fornecedor feito um desconto de €80,00 por placa.
8. As três placas de canabis resina adquiridas pela arguida em 09 de Outubro de 2019 tinham o peso total de 280,850 gramas, com um grau de pureza de 14,8 THC correspondentes a pelo menos 831 doses.
9. Noutras vezes referidas em 2., que não a referida de 5. a 8., pela compra de 50 gr., correspondente a ½ placa, a arguida pagava €100,00 e pela compra de 25gr., correspondente a ¼ de placa, a arguida pagava €25,00.
10. Após, adquirir a canabis resina, a arguida (...) procedia à divisão, e acondicionamento da canabis resina e posterior venda aos consumidores, estabelecendo o respetivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente.
11. A arguida (...) através dos telemóveis de que era utilizadora, nomeadamente com os números (…), remetia mensagens escritas ou recebia telefonemas de consumidores que pretendiam adquirir canabis, marcando encontros com estes, na cidade de Évora.
12. Nesta sequência, os consumidores, que pretendiam adquirir produto estupefaciente canabis resina acertavam hora e local de entrega do mesmo, bem como estabeleciam o preço de venda.
13. A arguida (...) e os seus interlocutores, nessas mensagens ou conversas, referiam-se à canabis como: “tabaco”, “pescaria”, “caixinhas de coreano”, “duas caixas de isco”, “rodas de bicicleta jante 20”, “rodas de mota” e “pneus”.
14. A arguida (...) desenvolve a sua atividade sobretudo na localidade de Évora, efetuando ela própria venda directa a consumidores que a procurassem para esse fim, encontrando-se com estes e, ainda, entregando a indivíduos, que por sua vez, efetuavam a venda a consumidores finais.
15. No quadro das circunstâncias descritas, durante o mês de Outubro de 2017 a arguida (...) entregou, por diversas vezes, quantidades canabis a (...), para que este vendesse a consumidores finais.
16. (...) costumava comprar à arguida quantidade que variava entre um quarto de placa de canabis, meia placa, pagando pelas referidas quantidades.
17. Quando realizavam contactos telefónicos utilizavam linguagem codificada como” um quatro de hora” ou “meia hora”, para designar um quarto de placa ou meia placa de canabis.
18. No dia 04-06-2019, a arguida (...), encontrou-se com (…), num café, sito no Bairro São José da Ponte, em Évora, a quem vendeu uma quantidade não apurada de resina de canabis, mediante contrapartida monetária entre €20,00 a €30,00.
19. No dia 23-06-2019, pelas 15 horas e 40 minutos, em Évora, a arguida (...), encontrou-se com (…), a quem entregou uma quantidade não determinada de resina de canabis mediante contrapartida monetária entre €20,00 a €30,00.
20. No dia 24-06-2019, pelas 14 horas e 30 minutos, em Évora, a arguida (...) encontrou-se com um indivíduo, cuja identidade não se apurou, mas que é titular do número (…), a quem vendeu meia placa de resina de canabis.
21. No dia 09-07-2019, pelas 15 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), no Bairro S. José da Ponte, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20 de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro.
22. No dia 10-07-2019, pelas 11 horas, a arguida (...) encontrou-se com um indivíduo, cuja identidade não se apurou, mas que é titular do número 965747564, a quem vendeu uma quantidade não determinada de canabis resina.
23. No dia 16-07-2019, a arguida (...) encontrou-se com (...), pelas 15 horas e 30 minutos, na Rua Vasco da Gama, junto ao clube de pesca, em Évora, a quem entregou uma placa de resina de canabis, mediante contrapartida em dinheiro.
24. No dia 25-07-2019, a arguida (...) encontrou-se com (…), titular do número de telemóvel (…), pelas 14 horas e 20 minutos, junto ao Teatro Garcia de Rezende, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, ficando este de entregar uma quantia em dinheiro posteriormente.
25. No dia 11-08-2019, pelas 18 horas e 15 minutos, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro.
26. No dia 15-08-2019, depois das 17 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro.
27. No dia 18-08-2019, depois das 14 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro.
28. Além do referido de 24. a 27. (...), adquiria à arguida canabis resina desde pelo menos Outubro de 2017, ao fim de semana, com cadência pelo menos quinzenal, sendo que a canabis resina assim adquirida e a referida de 24. a 27. tinha a espessura compreendida entre um dedo mindinho com comprimento de 5 a 6 cm e o dobro dessa quantidade, pela qual (...) pagava a (...) a quantia correspondente entre €20,00 a €40,00.
29. No dia 22-08-2019, pelas 14 horas e 30 minutos, a arguida (...), encontrou-se com (...), num café no Bairro dos Álamos, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20,00 euros de canábis resina, mediante contrapartida em dinheiro.
30. No dia 05-09-2019, pelas 18 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), no café sito no Bairro dos Álamos, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20,00 de resina de canabis, mediante contrapartida em dinheiro.
31. No dia 06-09-2019, depois das 19 horas, em Évora, a arguida (...) encontrou-se com (...) para receber o dinheiro proveniente da canábis resina que lhe entregou no dia 25-07-2019.
32. No dia 25-09-2019, pelas 19 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...) para receber o pagamento, em numerário, da quantidade de canábis resina vendida no dia 23-06-2019.
33. No dia 9 de Outubro de 2019, entre as 18 horas e as 18 horas e 15 minutos, em Évora, a arguida (...) tinha no interior do seu veículo automóvel, com a matrícula (...):
- debaixo do forro do banco do condutor, guardava a canábis resina referida em 8.;
- no interior de uma carteira na consola central do referido veículo, uma nota de 20,00 euros;
- na consola central do referido veículo, um telemóvel, marca Huawei, com o IMEI (…).
34. No mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas entre as 18 horas e 45 minutos e as 19 horas e 40 minutos, a arguida (...) tinha no interior da sua residência, sita no (…):
- no interior do seu quarto, concretamente, no interior de uma caixa de metal, que se encontrava em cima de uma mesa-de-cabeceira, 1,612 gramas de canabis resina, com um grau de pureza de 9,9 THC, droga essa que permitia a concretização de, pelo menos, 3 doses de cannabis;
- no interior da cozinha, concretamente, em cima da bancada, uma faca de cozinha, com cabo de madeira, com 11 cm de lâmina e 21,5 cm de comprimento total, contendo vestígios de uma substância de canábis resina.
35. A arguida (...) tinha perfeito conhecimento que o produto que vendia, oferecia, tinha e guardava no seu veículo e na sua residência é considerado pela sua composição, natureza, características e feitos, substâncias estupefacientes, sabendo que por esse motivo a sua detenção, venda e oferta, a qualquer título a terceiros, lhe estava vedada.
36. A arguida (...) sabia que não tinha autorização para deter ou entregar a terceiros substâncias ilícitas.
37. A arguida (...) quis vender canabis resina a indivíduos, designadamente (...), (...) e (...), a troco de dinheiro, o que quis e conseguiu.
38. A arguida (...) quis ter e guardar canabis resina no interior do seu veículo e da sua residência, o que quis e conseguiu.
39. A arguida (...) agiu de forma livre, voluntária e consciente, nos actos supra descritos, bem sabendo que tais condutas não lhe eram permitidas por lei e eram punidas penalmente.
Mais se provou que:
40. A arguida nasceu em (…), fruto de uma relação ocasional da progenitora.
41. Com 18 dias de vida, (...) foi entregue aos cuidados da avó materna tendo, a partir de então, vivido com a mesma e uma tia materna, em (…).
42. A arguida conhece a progenitora, mas não mantém com a mesma relacionamento regular.
43. A arguida tem três irmãos uterinos, tendo estabelecido vinculação afetiva com uma irmã.
44. A arguida iniciou a escolaridade com idade regulamentar tendo abandonado os estudos após conclusão do 3.º Ciclo de Escolaridade.
45. Por volta dos 17 anos de idade a arguida inicia consumos de estupefacientes, primeiro de cannabis e mais tarde de heroína e cocaína, o que veio a deteriorar a sua capacidade de gerir de forma adequada a sua vida pessoal e familiar.
46. A sua situação económica era muito deficitária, pautada pela inatividade aliada ao historial de consumos.
47. Após tentativas de tratamento, sem sucesso, recaía nos consumos.
48. Após integração em Programa de Substituição Opiácea por Metadona, que continuou e terminou em contexto prisional, em 2004/2005, com acompanhamento clínico, tem-se mantido abstinente do consumo de heroína.
49. Após cumprimento de pena de prisão, a arguida reintegrou a agregado familiar da tia materna.
50. Entre 2011 e 2017 a arguida frequentou cursos na área da cidadania, bar, higiene e segurança alimentar, cuidados de saúde, gestão de tempo, gestão doméstica, competências parentais, tecnologias de informação e comunicação, língua inglesa e espanhola, comunicação interpessoal, liderança e gestão de equipas, apoio à comunidade, animação socio cultural, técnicas de negociação e venda, relações económicas, cozinha criativa, ideias e oportunidades de negócio, programas de eventos.
51. (...) reside com a tia materna em Évora, subsistindo o agregado com a reforma da tia de cerca de 400,00€ e com a pensão de invalidez da arguida de €227,00.
52. A arguida padece de doença autoimune.
53. Após terminar o trabalho na (…), ao nível dos serviços de jardinagem, no inicio do ano transato, a arguida dedicou-se à compra e venda online de bijuteria, bem como à participação em feiras para venda dos referidos produtos, como complemento salarial, logrando um rendimento mensal entre €250,00 a €400,00/mês.
54. A arguida tem sabido responder às solicitações institucionais com adequação de conduta e ausência de sanções disciplinares.
55. A arguida é consumidora de canabis resina.
56. A arguida encontra-se a ser acompanhada pelos Serviços Clínicos desde a sua entrada no Estabelecimento Prisional, mantendo-se abstinente.
57. Em meio prisional, a arguida recebeu uma visita da irmã, com quem mantém contacto telefónico regular, contando com o apoio desta e de um primo, que se solidários com a sua situação atual, considerando-os importantes apoios para a sua estabilidade psicoemocional.
58. Quando regressar a meio livre, perspetiva reintegrar o agregado familiar da tia materna (Évora) e aí reorganizar a sua vida.
59. Do relatório da DGRSP junto aos autos resulta ademais que “(…) (...) não tem dificuldade em reconhecer, no abstrato, o impacto do crime de que está acusada nas vítimas nem em identificar a ilicitude dos atos que estão relacionados com esse crime. De facto, é capaz de racionalizar a situação em que se encontra, bem como os factos de que é acusada, sem dificuldades nem impedimentos emocionais. Tem manifestado alguma ansiedade reativa à sua situação jurídica, expressando preocupação em agravada a atual situação jurídico-penal. (…) O facto de enfrentar a presente situação com uma aparente maturidade e ajustamento comportamental é um fator de prognóstico positivo. O presente contexto institucional poderá constituir, para a arguida, uma oportunidade de reflexão crítica e de interiorização do desvalor da sua conduta e de eventual investimento no incremento das suas competências pessoais e sociais, aos mais diversos níveis. (…)”.
Provou-se ainda que:
60. A arguida foi condenada no processo su(...) n.º 323/92, do 1.º Juízo, 1.ª Secção do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 06.05.1992, de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 296.º CP, na pena de sete meses de prisão, suspensa por dois anos, por sentença proferida em 07.05.1992, tendo a pena de sido integralmente perdoada por decisão de 13.05.1994.
61. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 619/93, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 03.08.1993, de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 306.º n.º 1 CP, na pena de um ano de prisão, por acórdão proferido em 18.01.1994.
62. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 843/92, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 11.05.1992, de um crime de furto e um crime de introdução em casa alheia, previstos e puníveis pelos artigos 177.º e 296.º CP, na pena única de 48.000$00 de multa em alternativa de 106 dias de prisão, por acórdão proferido em 21.03.1994.
63. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 274/93, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 30.03.1992, de um crime de falsificação e de um crime de burla, previstos e puníveis pelos artigos 228 n.ºs 1 als. a) e b), 2 e 229.º e 343.º n.º1 do CP, na pena de 14 meses de prisão e 15 dias de multa, na alternativa de 10 dias de prisão; no cúmulo destes com os processos 619/93 e 843/92, na pena unitária de vinte e dois meses de prisão e 51.000$00 de multa, na alternativa de 106 dias de prisão, por acórdão proferido em 18.04.1994, sendo por despacho de 08.11.1994 declarado amnistiado o crime de furto e cessada a execução da respectiva pena.
64. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 573/93, do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 08.02.1993, de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 306.º n.º1, 3 h) e 5, 297.º n.º2 c) e h) CP 8.º n.º1 d) e 10.º n.º1 d) da L. 15/94, de 11/05, na pena de dois anos de prisão, declarado perdoado um ano de prisão e substituído o outro ano por multa à, razão de 300$00 por dia, em alternativa a 243 dias de prisão, por acórdão proferido em 03.10.1994.
65. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 573/93, do Tribunal Judicial de Évora, em cúmulo jurídico da pena aplicada nesse processo e nos processos 274/93, 619/93, 843/92 na pena única de dois anos e cinco meses de prisão, à qual, sob condição resolutiva, foi perdoado um ano, sendo substituída a restante pena (um ano e cinco meses de prisão) por multa a 300$00 por dia, na alternativa de 343 dias de prisão, extinta pelo cumprimento em 31.07.2006, tendo a arguida sido restituída à liberdade em 30.08.1998, por haver terminado o cumprimento da pena.
66. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 294/95, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 06.01.1995, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 204.º n.º 1 al. f) CP, na pena de dois anos de prisão, por acórdão proferido em 24.10.1995.
67. A arguida foi condenada no processo comum singular n.º 76/01, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Gondomar, pela prática, em 23.03.1999, de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203.º n.º1 CP, na pena de noventa dias de prisão declarada perdoada sob condição resolutiva de a arguida não praticar qualquer infracção dolosa nos três anos subsequentes ao dia 13.05.99, por sentença proferida em 13.02.02 transitada em 28.02.02, sendo por despacho de 18.11.05 revogado o perdão concedido e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada, extinta pelo cumprimento, declarado por despacho de 15.02.2007.
68. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 399/99, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras, pela prática, em 07.05.1999, de um crime de furto e um crime de burla, previstos e puníveis pelos artigos 203.º e 217.º n.º 1 CP, na pena de vinte meses de prisão, suspensa pelo período de três anos, por acórdão proferido em 14.02.2002, tendo a pena sido declara extinta por despacho de 16.06.2005.
69. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 1417/99.7PBEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 08.04.1999, de um crime de burla na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 217.º n.º1 CP, desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º n.º 1 al. a) CP, com referência ao artigo 387.º n.º2 CPP, falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º n.º1 al. a) e 3 CP, furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 203.º e 204.º n.º1 al. f) com referência ao artigo 202.º al. e) CP, furto previsto e punível pelos artigo 203.º n.º1 CP, roubo previsto e punível pelo artigo 210.º n.º1 CP, tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º n.º1 e 25.º al. a) do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-C e I-A, anexas ao referido DL, violação de domicílio, previsto e punível pelo artigo 190.º n.º 1 e 3 CP, resistência e coacção sobre funcionário previsto e punível pelo artigo 347.º CP, na pena única de 6 anos de prisão, por acórdão proferido em 17.11.2003, transitado em julgado em 02.12.2003.
70. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 1043/03.8PBEVR, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 08.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punível pelos artigos 143.º n.º 1 e 26.º CP, dano simples previsto e punível pelo artigo 212.º CP, roubo previsto e punível pelo artigo 210.º n.º 1 CP, na pena única de 4 anos de prisão, por acórdão proferido em 24.05.2005, transitado em julgado em 08.06.2005.
71. A arguida foi condenada no processo comum colectivo n.º 1043/03.8PBEVR, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, em cúmulo jurídico da pena aplicada nesse processo e no processo 1417/99.7PBEVR na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, por acórdão de 29.05.2006, transitado em julgado em 13.06.2006.
72. A arguida foi condenada no processo comum singular n.º 522/03.1PBEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, pela prática, em 15.04.2003, de um crime de furto simples previsto e punível pelo artigo 203.º CP, na pena de 5 meses de prisão, por sentença proferida em 24.04.2007, transitada em julgado em 23.05.2007.
73. A arguida foi condenada no processo comum singular n.º 522/03.1PBEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, em cúmulo jurídico da pena aplicada nesse processo e no processo 1417/99.7PBEVR e 1043/03.1PBEVR na pena única de 8 anos e 8 meses de prisão, por decisão de 18.12.2007, transitada em julgado em 21.01.2008, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento com efeitos a partir de 25.09.2012, por decisão de 21.01.2013, transitada em julgado em 06.03.2013.
A.2) FACTOS NÃO PROVADOS
a) Aquando do referido em 10. a arguida procedia ao corte e preparação da canábis resina.
b) Os valores pagos por (...) a (...) pela aquisição de canábis resina variavam entre 50, 100 euros.
c) Aquando do referido em 33. a arguida tinha cinco notas de 10,00 euros.
d) A arguida exerceu funções na (…).
e) O valor da pensão de invalidez da arguida é de cerca de €283,00.
f) A reforma da tia da arguida é de €537,00.
g) A arguida e a tia tinham (e continuam a ter) o apoio da Cruz Vermelha.
h) A arguida candidatou-se ao apoio de alimentos da Cruz Vermelha.
i) A arguida e a tia recebiam refeições por parte da Cruz Vermelha.
j) A arguida está assustada e arrependida.

*
O mais constante da acusação e contestação, não resulta da decisão supra por se tratar de matéria genérica, conclusiva, hipotética, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa.
*
A.3) MOTIVAÇÃO
(…)
Para a fixação da matéria de facto o Tribunal o Tribunal realizou a ponderação conjunta, crítica e concatenada da prova junta aos autos, designadamente considerando as declarações prestadas pela arguida, os depoimentos das testemunhas nos termos melhor concretizados infra, relatório pericial de fls. 623, certidão judicial de fls. 2 a 107, incluindo auto de transcrição de escuta telefónica, fls. 6 a 24, 32 a 33 dela integrante; aditamentos OPC fls. 131, 157, 166, 191, 217, 237, 255, 269, 283, 296, 314, 333, 356, 382, 333, 419 e 455; auto de notícia por detenção de fls. 436 a 437; auto de busca e apreensão de fls. 443 a 443 verso e 451 a 451 verso; comprovativos de depósito de fls. 464, 465; autos de intercepção telefónica de fls.159, 161, 192, 194, 198, 201, 218, 219, 238, 239, 270, 271,284, 285, 297, 298, 315, 316, 344, 345, 358, 359, 383, 384, 34, 335, 456, 457, 528 530; relatórios OPC, limitados aos factos por si directamente percepcionados, de fls. 35 a 39, 47 a 54, 61 a 65, 76 a 80, 85 a 94, 98 a 103, 199, 220 a 221, 240 a 241, 272 a 273, 286, 299 a 300, 317 a 318, 346 a 347, 360, 370, 385, 386, 336, 337, 458 a 459, 531; auto de vigilância de fls. 460 e 461; relatório de vigilância de fls. 462 a 463; fotogramas de fls. 134 a 136, 446 a 448, 452 a 453; informação Nos de fls.163, 223, 372; informação Altice de fls. 203; Documento Único Automóvel de fls. 444 a 445; Informação Segurança Social de fls. 479; Apensos I a III com transcrição das escutas telefónicas; relatório social elaborado pela DGRSP; CRC; documentação clínica da arguida junta a 29.11.2020 e documentação de qualificações da arguida de fls. 840 a 852.
Concretizando:
Para prova da factualidade respeitante à actividade da arguida relacionada com a compra para distribuição para venda e venda de estupefaciente, preparação, divisão, acondicionamento, preço, gestão dos proveitos, lapso de tempo, locais, meios utilizados – de comunicação e transporte -, o Tribunal socorreu-se das declarações da arguida, apenas e na estrita medida em que admitiu factos, corroboradas por outros meios de prova, designadamente, certidão judicial respeitante aos factos relacionados com a testemunha (...) - fls. 2 e ss -, dos quais se pode extrair desde logo que a arguida entregava ao mesmo canábis, sabendo que este por sua vez iria entregar o produto a terceiro, negociando com o mesmo o preço a pagar por esse terceiro. Note-se que neste particular não colheram as declarações da arguida a negar os factos. Com efeito, a explicação da arguida para o seu relacionamento com (...) não é plausível, e é mesmo contrária à explicação que a arguida deu posteriormente no sentido de que a linguagem utilizada nos contactos era codificada, esclarecendo alguns dos termos, o que melhor concorre, como se sabe, com as regras da experiência, sabendo-se que as pessoas envolvidas no tráfico, conhecendo a natureza ilícita da conduta e bem assim a regularidade com que ocorrem escutas e vigilâncias, adoptam linguagem codificada para se referir ao produto estupefaciente e aos valores envolvidos na transacção, como se crê sucede no caso concreto.
De resto, a própria arguida admitiu que a actividade relacionada com o estupefaciente servia para compor o orçamento familiar. Ademais, bem assim os relatórios dos OPC´s elaborados na sequência dos autos de intercepção telefónica permitiram ao Tribunal lograr convicção para dar como provada a factualidade em apreço, sendo bem assim consideradas as declarações da arguida que admitiu os contactos telefónicos com que foi confrontada – cfr. desde logo de fls. 67-A do apenso III, admitindo que seria o seu n.º de telemóvel e bem assim fls. 6 dos autos de onde resulta o n.º que utilizou no contacto com o (...) – o que permitiu ao Tribunal dar como provados os n.ºs de telemóvel usados pela arguida nos seus contactos.
O local onde a arguida se abastecia de estupefaciente e modo de contacto resultou provado por apelo às declarações da própria – credíveis neste estrito particular – em conjugação com os demais elementos de prova, designadamente prova testemunhal dos agentes da PSP (…), auto de início e intercepção de vigilância e relatório de fls. 460 a 463 e respectivo DVD, bem assim, intercepções telefónicas transcrições apenso III fls. 5 e 6 (a arguida manda cumprimentos à companheira do fornecedor, (…), revelando intimidade), 21 a 26 (onde se faz referência à Memória, na Ajuda, Lisboa, ocorrido a 30.07.20219), 39, 40 (onde se faz referência ao Casalinho, bairro na Ajuda, Lisboa), 43 a 45, 53 a 54 (mesmo contacto de 43 a 45 e refere-se também à companheira do fornecedor – (…) ocorrido a 18.09.2019), 55, 56 (fornecedor muda de contacto telefónico), 57 (a arguida contacta o fornecedor – mesmo contacto de fls. 55, 56 - e combinam encontro em Belém, Lisboa, usam a mesma terminologia), 65 a 68 (encontro no Casalinho, Bairro na Ajuda, Lisboa – mesma terminologia, no dia da apreensão, cfr. auto de 443, 443v., fotos de fls. 446 a 448 e relatório pericial de fls. 623).
Para prova da factualidade constante de 5. a 7. o Tribunal atendeu às declarações confessórias da arguida, que admitiu a compra do estupefaciente, os valores envolvidos na transacção e o local, nas quais neste estrito particular se fez fé na medida em que corroboradas pelos elementos de prova já referidos supra, designadamente auto de início e de vigilância e relatório correspondente de fls. 460 a 463, o auto de notícia por detenção de fls. 436 a 437, o auto de busca e apreensão de fls. 443 a 443 verso, as fotos de fls, 446, 448, os depoimentos das testemunhas (…), agentes da PSP, os quais revelaram conhecimento directo dos factos por si relatados e nos quais, atentas as funções desempenhadas se fez fé, prestando depoimentos circunstanciados e corroborados entre si, esclarecendo o papel de cada um na investigação do caso concreto.
Quanto aos valores envolvidos na transacção e valores e quantias de outras aquisições, o Tribunal socorreu-se tão só das declarações da arguida, que neste estrito particular mereceram credibilidade, não sendo contrariadas por outra prova. Os factos respeitantes à natureza, peso, grau de pureza e n.º de doses do estupefaciente adquirido pela arguida naquele 09.10.2019 resultaram provados pelo relatório pericial de fls. 623. Quanto às entregas de estupefaciente a (...), não obstante a arguida ter procurado negar o facto de ser fornecedora do mesmo, o que não colheu, a convicção do Tribunal assentou essencialmente na certidão judicial de fls. 102 e ss, da qual resulta os contactos entre a arguida e o (…), em linguagem codificada, mas que resulta à saciedade por força das regras da experiência tratar-se de produto estupefaciente.
Para prova das transacções referentes a (...) o Tribunal fez fé nas declarações da arguida de assunção de algumas das transacções (facto 18, 21, 29, 30, 32), e apenas nesse estrito particular porquanto corroboradas pelos demais meios de prova a este propósito, fosse as próprias escutas telefónicas (constantes do apensos, I, e III fls. 1 a 4, 33 a , 35, 36, , 46 e 47), fosse pelo depoimento da testemunha (...), sendo que quanto às demais, o Tribunal atendeu apenas ao demais meios de prova, designadamente as escutas telefónicas (constantes do apensos II – fls. 5, 6 a 8 – e III fls. 13 a 16), tendo a testemunha (...) esclarecido o valor em regra pago pelo produto estupefaciente, no que se fez fé, atento o modo espontâneo como o fez, não se vendo que tenha qualquer interesse no desfecho da lide que o conduzisse a faltar à verdade. A este propósito cumpre ainda assinalar o facto de a testemunha (...) ter referido que se encontrava com a arguida por motivo relacionados com a aquisição de canabis, esclarecendo os termos em que o produto era trazido e entregue pela arguida.
Para prova dos factos respeitantes aos dias 24.06.2019 e 10.07.2019 o Tribunal formou a sua convicção uma vez mais por apelo às escutas telefónicas, cujas transcrições constam do apenso II fls. 9 a 10 e III fls. 7 a 9, e respectivos autos de intercepção e relatório de OPC, aliados às regras da experiência, considerando uma vez mais que o tipo de linguagem é da mesma natureza codificada utilizada pela arguida noutras transacções de estupefaciente.
No que respeita às transacções relacionadas com (...), uma vez mais a colaboração da arguida foi sinuosa, ora admitindo algumas transacções, ora negando outras situações. De modo que, além das declarações confessórias da arguida, para prova da demais factualidade (que contraria as declarações da mesma quando nega os factos) o Tribunal considerou o depoimento da testemunha visada – (...) -, o qual descreveu de forma bastante circunstanciada o intervalo de quantidade, preços e a cadência com que adquiria estupefaciente à arguida, bem assim o tipo de relacionamento que tinha com a mesma, tudo conjugado também neste particular com as respectivas escutas telefónicas (cuja transcrição consta do apenso II fls. 2 a 4, apenso III fls. 17 a 20, 27 a 32, 51, 52, 58 a 61) e bem assim respectivos autos de intercepção e relatórios de OPC.
O facto respeitante à propriedade do veículo resultou provada por apelo ao DUA de fls. 444 a 445, e bem assim às declarações da arguida, que admitiu tê-lo adquirido, no que, uma vez mais, apenas neste estrito particular se fez fé, na medida em que corroborado por outro meio de prova.
Quanto ao produto, objectos e quantia em dinheiro que se encontravam no veículo e na residência da arguida no dia 09.10.2019 ao final da tarde, a convicção do Tribunal assentou não só nas declarações da arguida, mas também, ao auto de notícia por detenção de fls. 436 a 437; ao auto de busca e apreensão de fls. 443 a 443 verso, 451 a 451 verso, aos comprovativos de depósito de fls. 464, 465 e aos fotogramas fls. 446 a 448, 452, 453, conjugados com os depoimentos dos agentes da PSP (…), nos quais pelas razões já apontadas supra se fez fé, sendo que na parte em que não admitiu a factualidade imputada, as declarações da arguida foram inquinadas pelos demais meios de prova acabados de apontar, neles se fazendo fé, pois que não se vislumbra qualquer interesse no desfecho da causa (contrariamente à arguida). Apenas não se provando a existência de 5 notas de €10,00, porquanto tal não resulta dos elementos de prova apontados.
No que se refere à falta de autorização da arguida deter ou entregar o estupefaciente, a convicção do Tribunal assentou nas declarações da própria, não tendo razões para nelas não crer, neste estrito particular, até porque desfavoráveis à mesma.
A natureza do estupefaciente em causa resultou provada dos elementos probatórios dos autos concatenados entre si – seja declarações da arguida, seja, depoimentos das testemunhas (...) e (...) - seja do auto de busca e apreensão tanto ao veículo automóvel, como à residência, mais concretamente ao quarto da arguida e cozinha e concretos bens apreendidos e bem assim relatório pericial, do qual se conclui, sem dúvida que estamos na presença de canabis resina.
Para prova do elemento subjectivo o Tribunal socorreu-se das regras da experiência e da livre convicção, conjugadas com os depoimentos das testemunhas, as declarações da própria arguida e escutas telefónicas (considerando desde logo o tipo de linguagem codificada, admitida pela arguida). No que concerne à factualidade respeitante às condições sócio-económicas da arguida o Tribunal atendeu às declarações da própria, nas quais neste particular se fez fé, não tendo neste circunspecto qualquer motivo para as pôr em crise – de resto porque não contrariadas por qualquer outro meio de prova -, conjugadas com as testemunhas por si arroladas e ainda com o relatório social elaborado pela DGRSP, e certificados de formação.
Os factos respeitantes à situação clínica da arguida resultaram provados por apelo aos elementos clínicos da mesma e bem assim relatório da DGRSP.
Os antecedentes criminais da arguida resultaram provados por apelo ao CRC junto aos autos.
Os factos não provados resultaram assim em virtude de falta, insuficiência de prova ou mesmo prova produzida em sentido contrário.
***
B) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
B.1) DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
A arguida vem acusada pelo Ministério Público da prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C do mesmo diploma. Nos termos do art. 21º nº1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”.
A tabela I-C a que se referem os autos inclui o produto estupefaciente referido nos factos provados – resina de canabis. De acordo com a jurisprudência dominante, “(…) o bem jurídico protegido primordialmente com o tipo legal é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade ou, mais sinteticamente, a saúde pública; ou, dizendo de outra maneira, a saúde geral, a saúde da colectividade, "entendida como conjugação e síntese das boas condições físicas e psíquicas dos cidadãos" – cfr. Ac. STJ de 13.12.1995, P. 048174, in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido vem entendendo a doutrina[1] [2] e a OMS.
Estamos perante os chamados crimes de perigo abstracto, para cujo preenchimento não se exige um concreto e efectivo perigo para o bem jurídico protegido, bastando a possibilidade de o resultado danoso poder ocorrer. Segundo Faria Costa, “(...) crimes de perigo abstracto são todos aqueles em que o perigo não é elemento do tipo, mas tão-só motivação do legislador”.[3]
É o facto de estarmos perante um bem jurídico de pendor supra individual e possibilidade da sua violação que determinam a tutela antecipada do bem jurídico para um momento prévio à sua efectiva violação - dano - violação - punindo a lei tais comportamentos quando tal possibilidade se manifesta. Faria Costa (op. cit.) fala a propósito de perigo - violação. No mesmo sentido, cfr. ac. STJ de 12.06.2008, P.08P1782, in www.dgsi.pt.
Daqui decorre que para que se pratiquem os crimes em causa não é necessário identificar as concretas pessoas cuja saúde está em perigo, sendo suficiente que a detenção do produto consubstancie um risco da sua distribuição por um número indeterminado de pessoas.
São elementos do tipo objectivo do art. 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro:
· cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver
· plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III
· falta de autorização para as condutas supra;
· fora dos casos previstos no artigo 40.º.
- Por sua vez, dispõe o art. 25º al. a) do mesmo diploma que “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.
Quanto ao art. 25º al. a) do mesmo diploma, o tipo objectivo integra os mesmos elementos apontados no art. 21º, abrangendo, também, as substâncias e preparações das tabelas V e VI. O elemento diferenciador neste tipo prende-se com o facto de a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída, atento:
· os meios utilizados;
· a modalidade ou as circunstâncias da acção;
· a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Quanto ao tipo subjectivo, trata-se em ambos os casos de crimes dolosos (art. 13º CP), em qualquer das suas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual – art. 14º CP).
Acresce que o crime de tráfico, atenta a forma como o legislador o prevê, traduz-se num crime de mera actividade, ou seja, para que se consume basta o preenchimento de uma das condutas descritas no tipo objectivo.
O tipo legal previsto no art. 21.º surge como tipo fundamental, tendo no 24.º a previsão das situações que podem configurar uma agravação e no art. 25.º um tipo especial, que constitui um escape do sistema para evitar que situações de ilicitude consideravelmente diminuída caiam no tipo fundamental.
O tipo legal previsto no art. 25.º surge, assim como um minus face ao tipo previsto no art. 21.º, abarcando casos em que o tráfico de estupefacientes – tal como previsto no art. 21.º - ocorre de modo em que se mostra consideravelmente diminuída a quantidade do ilícito.
O art. 25º consagra, por isso, um específico tipo legal de crime, o que permite caracterizá-lo como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21º (JESCHECK).
Com efeito, para a subsunção de factos a um crime de tráfico de menor gravidade importa fazer-se um juízo positivo sobre a ilicitude do facto de onde possa concluir-se por uma diminuição significativa da mesma - um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.
O legislador não é taxativo nos elementos que podem ser considerados para efeitos da subsunção ao tipo legal do art. 25.º, apontando como elementos a ter em conta os já referidos supra (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção – relacionados com a acção típica propriamente dita - e a qualidade ou quantidade do estupefaciente – relacionados com o objecto da acção típica)
Todos os factores a ponderar para este efeito relacionam-se com o desvalor da conduta do agente, com a execução do facto e, portanto, fazem parte do tipo de ilícito, não jogando aqui qualquer valoração no que toca ao desvalor da atitude interna do agente, à sua personalidade ou qualquer juízo relativo à culpa e/ou da necessidade de pena.
A tudo acresce a necessidade de fazer uma análise correlacionada dos factores a ponderar, operando uma visão global, não sendo bastante que um factor por si seja determinante na valoração da conduta do agente para efeitos da sua subsunção ao tipo legal de crime em apreço ou para a sus subsunção ao tipo fundamental, antes se exigindo uma análise global das circunstâncias nos termos apontados.
Sobre este assunto, MARIA JOÃO ANTUNES, in Decisões de Tribunais de 1ª instância, Comentários, 1993, pág. 296, referia que o artigo 25º “(…) exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada”. Referia ainda que o legislador “(…) consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição”, o que no seu entender significava duas coisas fundamentais: “(…) Por um lado, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações são meramente indiciadoras da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar do substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no artigo 25º”.
O Tribunal não desconhece vária jurisprudência que tende a enquadrar os pequenos traficantes, designadamente os de rua, no tipo legal de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25.º.
Mas nem sempre é/pode ser assim.
Tudo depende da factualidade concreta em apreço. Sobre esta matéria, ademais, se pronunciou também o STJ no Ac. de 02.10.2019, P. 2/18.0GABJA.S1, in www.dgsi.pt, cujo su(...) pela sua clareza se deixa reproduzido:
I - Prevê o art. 25.º, do DL 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no art. 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma.
II - Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”
III - O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir, exemplificativamente, “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.
IV - Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: - o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; - a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; - a dimensão dos lucros obtidos; - o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; - a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; - a duração temporal da atividade desenvolvida; - a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; - a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; - o número de consumidores contactados; - a extensão geográfica da atividade do agente; - a existência de contactos internacionais; - o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados, por exemplo, recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente, ou a automóveis.
V - Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade.
VI - A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º.”.
*
Atenta a factualidade dada por provada e considerando o enquadramento jurídico apontado, resulta à saciedade que a arguida praticou factos que se subsumem ao tipo legal de crime de que vem acusada.
Com efeito, atenta a factualidade dada por provada, designadamente de 1. a 34.., resulta à saciedade que entre Outubro de 2017 e 09.10.2019 – data da detenção – a arguida adquiria para distribuição para venda e venda a terceiros canábis resina, deslocando-se para tal a Lisboa, transportando-o até Évora, onde depois procedia à preparação do produto e acondicionamento, estabelecendo os contactos com o distribuidor e consumidores por meio de mais de um contacto telefónico e deslocando-se até aos mesmos para fazer a entrega do produto, gerindo os proventos.
Mais se provou que no dia da detenção, ocorrida após uma deslocação a Lisboa para aquisição de canabis resina, tinha na sua posse no veículo em que se transportava três placas daquele estupefaciente, com o peso total de 280,850 gramas, com um grau de pureza de 14,8 THC correspondentes a pelo menos 831 doses e ainda no interior do seu quarto, concretamente, no interior de uma caixa de metal, que se encontrava em cima de uma mesa-de-cabeceira, 1,612 gramas de canábis resina, droga essa que permitia a concretização de, pelo menos, 3 doses de canabis e no interior da cozinha, concretamente, em cima da bancada, uma faca de cozinha, com cabo de madeira, com 11 cm de lâmina e 21,5 cm de comprimento total, contendo vestígios de uma substância de canabis resina.
Provou-se ainda que a arguida (...) sabia que não tinha autorização para deter ou entregar a terceiros canábis resina, que a arguida (...) tinha perfeito conhecimento que o produto que vendia, oferecia, tinha e guardava no seu veículo e na sua residência é considerado pela sua composição, natureza, características e feitos, substâncias estupefacientes, sabendo que por esse motivo a sua detenção, venda e oferta, a qualquer título a terceiros, lhe estava vedada, que quis vender canábis resina a indivíduos, designadamente (...), (...) e (...), a troco de dinheiro, o que quis e conseguiu, que quis ter e guardar canábis resina no interior do seu veículo e da sua residência, o que quis e conseguiu e que agiu de forma livre, voluntária e consciente, nos atos supra descritos, bem sabendo que tais condutas não lhe eram permitidas por lei e eram punidas penalmente.
Tudo visto,
mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C do mesmo diploma, tendo a arguida agido com dolo directo.
***
Considerando a factualidade nos exactos termos dados por provados não se vê sequer como enquadrar a conduta da arguida na previsão do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro sob a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”.
Com efeito,
- a actividade da arguida perdurou por cerca de dois anos – Outubro de 2017 a Outubro de 2019;
- a arguida adquiria canabis resina para posterior distribuição para venda a terceiros ou venda directa a consumidores;
- a actividade desenvolvia-se na cidade de Évora;
- a arguida socorreu-se da distribuição e venda de canábis para aumentar os seus rendimentos mensais, podendo concluir-se que vivia com os rendimentos obtidos (também) dessa actividade;
- a aquisição de produto pela arguida tinha lugar em Lisboa, onde a arguida habitualmente se deslocava, designadamente a local não concretamente apurado no Bairro do Casalinho da Ajuda;
- a arguida (...) efetuava contacto prévio com o fornecedor, acertando as quantidades e local onde se encontravam para proceder à compra e venda de canabis resina, o que ocorreu, designadamente no dia 30 do Julho de 2019;
- no dia 18 de Setembro de 2019, a arguida (...) acordou com o seu fornecedor encontrarem-se em Belém, Lisboa para que aquela procedesse à compra e venda de canabis resina;
- no dia 9 de Outubro de 2019, entre as 15 horas e 4 minutos e as 15 horas e 16 minutos, no Casalinho da Ajuda, em Lisboa, a arguida (...) procedeu à compra de canabis resina ao seu fornecedor;
- no dia 9 de Outubro de 2019 a arguida adquiriu ao seu fornecedor três placas de canábis resina pelo preço total global de €480,00.
- cada placa de cannabis resina adquirida pela arguida no dia 9 de Outubro de 2019 tinha o preço inicial de €240,00, tendo o fornecedor feito um desconto de €80,00 por placa;
- as três placas de canabis resina adquiridas pela arguida em 09 de Outubro de 2019 tinham o peso total de 280,850 gramas, com um grau de pureza de 14,8 THC correspondentes a pelo menos 831 doses;
- noutras vezes que a arguida adquiria canábis resina
- que não a 09.10.2019 - pela compra de 50 gr., correspondente a ½ placa, a arguida pagava €100,00 e pela compra de 25gr., correspondente a ¼ de placa, a arguida pagava €25,00;
- após, adquirir a canabis resina, a arguida (...) procedia à divisão, e acondicionamento da canabis resina e posterior venda aos consumidores, estabelecendo o respetivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente;
- a arguida (...) através dos telemóveis de que era utilizadora, nomeadamente com os números (…), remetia mensagens escritas ou recebia telefonemas de consumidores que pretendiam adquirir canabis, marcando encontros com estes, na cidade de Évora;
- os consumidores, que pretendiam adquirir produto estupefaciente canabis resina acertavam hora e local de entrega do mesmo, bem como estabeleciam o preço de venda;
- durante o mês de Outubro de 2017 a arguida (...) entregou, por diversas vezes, quantidades canábis a (...), para que este vendesse a consumidores finais;
- (...) costumava comprar à arguida quantidade que variava ente um quarto de placa de canábis, meia placa, pagando pelas referidas quantidades;
- no dia 04-06-2019, a arguida (...), encontrou-se com (...), num café, sito no Bairro São José da Ponte, em Évora, a quem vendeu uma quantidade não apurada de resina de canábis, mediante contrapartida monetária entre €20,00 a €30,00;
- no dia 23-06-2019, pelas 15 horas e 40 minuto, em Évora, a arguida (...), encontrou-se com (...), a quem entregou uma quantidade não determinada de resina de canábis mediante contrapartida monetária entre €20,00 a €30,00;
- no dia 24-06-2019, pelas 14 horas e 30 minutos, em Évora, a arguida (...) encontrou-se com um individuo, cuja identidade não se apurou, mas que é titular do número (…), a quem vendeu meia placa de resina de canábis;
- no dia 09-07-2019, pelas 15 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), no Bairro S. José da Ponte, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20 de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 10-07-2019, pelas 11 horas, a arguida (...) encontrou-se com um individuo, cuja identidade não se apurou, mas que é titular do número (…), a quem vendeu uma quantidade não determinada de canabis resina;
- no dia 16-07-2019, a arguida (...) encontrou-se com (...), pelas 15 horas e 30 minutos, na Rua Vasco da Gama, junto ao clube de pesca, em Évora, a quem entregou uma placa de resina de canabis, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 25-07-2019, a arguida (...) encontrou-se com (…), titular do número de telemóvel (…), pelas 14 horas e 20 minutos, junto ao Teatro Garcia de Rezende, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, ficando este de entregar uma quantia em dinheiro posteriormente;
- no dia 11-08-2019, pelas 18 horas e 15 minutos, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 15-08-2019, depois das 17 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 18-08-2019, depois das 14 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), numa bomba de gasolina, em Évora, a quem entregou uma quantidade de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro;
- além do referido de 24. a 27. (...), adquiria à arguida canábis resina desde pelo menos Outubro de 2017, ao fim de semana, com cadência pelo menos quinzenal, sendo que a canabis resina assim adquirida e a referida de 24. a 27. tinha a espessura compreendida entre um dedo mindinho com comprimento de 5 a 6cm e o dobro dessa quantidade, pela qual (...) pagava a (...) a quantia correspondente entre €20,00 a €40,00;
- no dia 22-08-2019, pelas 14 horas e 30 minutos, a arguida (...), encontrou-se com (...), num café no Bairro dos Álamos, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20,00 euros de canabis resina, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 05-09-2019, pelas 18 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...), no café sito no Bairro dos Álamos, em Évora, a quem entregou a quantidade equivalente a €20,00 de resina de canabis, mediante contrapartida em dinheiro;
- no dia 06-09-2019, depois das 19 horas, em Évora, a arguida (...) encontrou-se com (...) para receber o dinheiro proveniente da canábis resina que lhe entregou no dia 25-07-2019;
- no dia 25-09-2019, pelas 19 horas, a arguida (...) encontrou-se com (...) para receber o pagamento, em numerário, da quantidade de canábis resina vendida no dia 23-06-2019;
- no dia 9 de Outubro de 2019, entre as 18 horas e as 18 horas e 15 minutos, em Évora, a arguida (...) tinha no interior do seu veículo automóvel, com a matrícula (...):
- debaixo do forro do banco do condutor, guardava a canábis resina referida em 8.;
- no interior de uma carteira na consola central do referido veículo, uma nota de 20,00 euros;
- na consola central do referido veículo, um telemóvel, marca Huawei, com o IMEI (…);
- no mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas entre as 18 horas e 45 minutos e as 19 horas e 40 minutos, a arguida (...) tinha no interior da sua residência, sita no (…):
- no interior do seu quarto, concretamente, no interior de uma caixa de metal, que se encontrava em cima de uma mesa-de-cabeceira, 1,612 gramas de canábis resina, droga essa que permitia a concretização de, pelo menos, 3 doses de canabis;
- no interior da cozinha, concretamente, em cima da bancada, uma faca de cozinha, com cabo de madeira, com 11 cm de lâmina e 21,5 cm de comprimento total, contendo vestígios de uma substância de canabis resina;
- a arguida reside com a tia materna em Évora, subsistindo o agregado com a reforma da tia de cerca de 400,00€ e com a pensão de invalidez da arguida de €227,00;
- a arguida padece de doença autoimune;
- após terminar o trabalho na (…), ao nível dos serviços de jardinagem, no inicio do ano transato, a arguida dedicou-se à compra e venda online de bijuteria, bem como à participação em feiras para venda dos referidos produtos, como complemento salarial, logrando um rendimento mensal entre €250,00 a €400,00/mês.
*
Ora,
da factualidade dada por provada resulta que a arguida foi mantendo actividade relacionada com a compra e distribuição para venda e venda directa a consumidores finais de canábis resina ao longo dos dois anos que decorreram entre Outubro de 2017 e Outubro de 2019.
Note-se que a arguida deslocava-se a Lisboa para adquirir o produto estupefaciente, o que já denota a necessidade de alguma organização, meios de locomoção – veículo automóvel – e combustível, de onde se conclui que a arguida não limitava a sua actividade à cidade de Évora, deslocando-se centenas de km para dar continuidade à actividade ilícita.
Soma-se a isto o facto de a arguida não se limitar a vender o produto directamente a consumidores finais, antes o entregando a intermediário – (...) – a fim de ele o fazer chegar a terceiros a quem também vendia, concorrendo assim a arguida para uma mais profusa disseminação do estupefaciente.
Por outro lado,
não pode ainda desconsiderar-se, antes sendo de relevar, a quantidade de estupefaciente adquirido pela arguida no dia da detenção – três placas, 280,850 gramas, com um grau de pureza – bastante significativo para os padrões habituais - de 14,8 THC correspondentes a pelo menos 831doses, sendo que este estupefaciente renderia certamente à arguida lucro além do habitual, atento, desde logo, o desconto obtido junto do fornecedor (desconto de €80,00 por placa, num total de €240,00).
Em face de tudo quanto fica dito, e feita a ponderação global nos termos acima apontados, não se pode concluir pela diminuição da ilicitude no caso concreto, a qual não pode ser menor, antes tem de ser considerável.
Não resultaram provados quaisquer factos que consubstanciem qualquer causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade, pelo que a arguida terá de ser condenada pela prática do crime a que a sua conduta se subsume.
*
B.2) DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
1. Na escolha da pena a aplicar, confrontando-se uma pena privativa e outra não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência a segunda sempre que a mesma assegure de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.70ºCP). Apela-se aqui à tutela dos bens jurídicos e ainda às finalidades de prevenção especial, que se prendem com a reintegração do sujeito para uma vida conforme ao direito. (art.40º CP).
A norma consagra igualmente uma ideia de proporcionalidade, ínsita no art.18º da CRP, sendo certo que as medidas privativas da liberdade devem ser aplicadas como ultima ratio, apenas e só quando as não privativas não forem bastantes para assegurar as finalidades supra referidas.
De acordo com o critério geral de escolha da pena previsto no aludido art.70º CP, a opção por pena privativa da liberdade só deverá ser tomada por razões de “prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração.” [DIAS, Jorge de Figueiredo – Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pag.333].
No caso concreto, em rigor a questão não se coloca, pois que o tipo legal apenas prevê pena de prisão – cfr. art. 21.º do DL 15/93, de 22.01.
2. Uma vez ultrapassada a questão da escolha da pena a aplicar, impõe-se agora determinar a medida concreta da pena de prisão.
O artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01 fixa a moldura penal abstracta prevista para o crime imputado à arguida num intervalo entre quatro a doze anos de prisão.
A lei (art.71º CP) consagrou nesta matéria o chamado “modelo da prevenção geral”, apelando na determinação da medida da pena à culpa e às finalidades de prevenção geral e especial.
De acordo com este modelo importa primeiro determinar a moldura da prevenção geral dentro da qual será determinada a pena atendendo as exigências de prevenção especial, sendo certo que a pena nunca poderá ultrapassar a medida da culpa. As exigências de prevenção constituem pressupostos de medida da pena. A culpa é seu pressuposto e limite. Concebe-se culpa sem pena. Mas jamais pena sem culpa. De acordo com o modelo da moldura da prevenção geral há um ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e um limiar mínimo abaixo do qual já não é possível assegurar a confiança da comunidade na norma jurídica violada. É dentro da moldura assim definida que irá determinar-se a medida da pena, considerando as exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir. Se tais exigências forem mínimas, a pena será fixada perto do limiar mínimo de tutela dos bens jurídicos. Se as exigências de prevenção especial forem de monta então a pena fixar-se-á junto do ponto óptimo de tutela. Há que atender, no entanto, à culpa imputada ao agente que serve de limite a medida da pena. Esta não pode, como já referido supra, ser superior à medida da culpa.
Seguimos de perto, quanto à determinação da medida concreta da pena, o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias. Jorge de Figueiredo Dias – “As consequências jurídicas do crime”, pág. 229.
Aqui chegados, o Tribunal tem de considerar designadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as previstas no art. 71º nº2 CP, mais concretamente, o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o agente à prática do crime, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
No caso concreto,
mostram-se relevantes as exigências de prevenção geral, considerando a frequente quantidade de vezes com que o crime vem sendo praticado, sendo por isso necessário na dosimetria da pena dar um sinal claro no sentido do reforço da norma jurídica violada.
Por outro lado, a arguida representou os factos que preenchem o tipo de crime em causa, tendo agido com a intenção de os realizar, actuando, pois, com dolo directo, situando-se a culpa em grau significativo, sendo de censurar a sua conduta.
Quanto ao grau de ilicitude dos factos típicos, o mesmo situa-se ainda assim num grau não superior à mediania. A este propósito cumpre assinalar que, a arguida não obstante se abastecer em Lisboa, procedia à venda e distribuição na cidade de Évora, sendo certo que a actuação da arguida, não fosse detectada, era susceptível de colocar em perigo a integridade física de muitas pessoas (a atender desde logo ao n.º de doses permitidas com o estupefaciente apreendido – mais de 800), de agravar o sofrimento moral e físico de vários toxicodependentes (destinatários da droga apreendida) e das respectivas famílias, pondo em causa também a segurança da sociedade.
Há que considerar ainda o lapso de tempo durante o qual perdurou a prática da conduta penalmente tipificada – cerca de dois anos, apenas interrompida com a detenção da arguida.
Por outro lado, bem assim importa considerar o lapso de tempo decorrido desde a o termo da prática dos factos Outubro de 2019 e a presente data.
A favor da arguida concorre o facto de ter – em certa medidaassumido alguma da factualidade imputada, sendo certo, porém, que o Tribunal não acreditou no seu alegado arrependimento como sincero, mas antes como tomada de consciência das consequências da sua conduta, já tão bem conhecidas da arguida, como resulta do seu registo criminal.
Com efeito, no que a este respeita, note-se que a arguida já foi por diversas vezes condenada por vários tipos legais de crime, essencialmente relacionados com o património – de onde se depreende, face às regras da experiência, para obtenção de proveitos para aquisição de estupefaciente, face às necessidades aditivas da arguida –, a integridade física, e também já por crime de tráfico.
De resto, como resulta da factualidade dada por provada, esta é a primeira vez que há notícia da prática pela arguida de ilícitos penais após ter cumprido em cúmulo jurídico uma pena de 8 anos e 8 meses de prisão, tendo a arguida sido restituída à liberdade com efeitos desde 25.09.2012. Porém, para efeitos de determinação da medida concreta da pena – mormente prevenção especial – o Tribunal não pode deixar de notar que entre a libertação da arguida e a prática novamente de ilícito penal decorreu menos tempo do que pena de prisão que havia cumprido.
O Tribunal não olvida, que a arguida se encontra familiarmente inserida e bem assim que procurou inserir-se laboralmente. Porém, tal não obstou a que a mesma voltasse à prática de ilícito penal, concretamente, aquele em apreço e que já anteriormente tinha praticado, não colhendo a explicação na qual a mesma pretende refugiar-se de necessidades económicas, sabendo-se que o agregado, composto por duas pessoas, contava com um rendimento na ordem de €700,00, que é mais do que aquilo com que às vezes pode contar um agregado médio de 4 pessoas (pais e dois filhos), não se vendo que tal seja, por isso, justificação para uma conduta delituosa, mais a mais no caso da arguida, que já anteriormente havia sofrido condenação em pena de prisão efectiva, designadamente, entre outros, por crime da natureza daquele pelo qual vem agora a ser julgada.
Considerando todo o exposto, tem-se por adequado aplicar à arguida a pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
B.3) DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Atento o facto de a arguida ter sido condenada em pena de prisão não superior a cinco anos, apenas se coloca a possibilidade da sua suspensão da sua execução (art.50º CP).
A propósito, estatui o art. 50º do CP:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
A suspensão de execução da pena de prisão de curta duração não resulta como uma faculdade do Tribunal, mas antes de um poder - dever, impondo-se a sua apreciação sempre que o arguido seja condenado numa pena de prisão inferior a cinco anos.
O instituto da suspensão visa que “no domínio da pequena criminalidade, a que corresponderiam penas curtas de prisão, a simples ameaça da prisão poderia em muitos casos, nomeadamente sempre que se tratasse de delinquentes pri(...)s, bastar para pleno cumprimento das finalidades da punição” - DIAS, Figueiredo - “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão”, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124º, n.º 3804.
A pena cuja execução fica suspensa pode, contudo, ser sujeita ao cumprimento de deveres e regras de conduta e ainda à fiscalização (e apoio) dos serviços de reinserção social – cfr. arts. 51.º a 52.º CP.
Em caso de cumprimento, a pena extingue-se, permitindo “a significativa vantagem de as finalidades intimidativas da punição terem sido alcançadas sem que o agente tivesse sido submetido ao ambiente deletério e criminógeno da prisão” - DIAS, Figueiredo – op. cit.
São dois os pressupostos de que depende a suspensão:
a) a aplicação de pena de prisão em medida não superior a 5 anos e
b) um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.
Quanto a este último importará atender à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso concreto,
não se afigura adequado proceder à suspensão da pena de prisão.
Com efeito, o Tribunal não logra realizar um juízo de prognose favorável à arguida no sentido de admitir que a suspensão da execução da pena de prisão responde às necessidades de ressocialização da mesma.
De facto,
não se pode esquecer que a arguida já anteriormente havia cumprido pena privativa da liberdade, em cúmulo, de 8 anos e 8 meses, incluindo por crime da natureza daquele em apreço. Sucede que sequer tal pena se mostrou dissuasora o bastante para que a arguida passasse a conduzir a sua vida em conformidade com o Direito. Na verdade, decorridos apenas cerca de cinco anos após o cumprimento de pena de 8 anos e 8 meses, a arguida volta à actividade criminosa, o que significa que, se a prisão por tão longo período não foi suficiente para afastar a arguida de uma vida ligada ao crime, tão pouco a essa finalidade corresponderá a suspensão da execução da pena de prisão a que agora vai condenada. Sequer o facto de se encontrar inserida laboral e familiarmente permite alcançar tal juízo, pois que já com tal enquadramento a arguida prevaricou e precisamente com a justificação da insuficiência económica do agregado, que não se vê se tenha alterado para melhor no decurso dos autos.
Assim sendo, não resta senão concluir pelo cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada.
*
III. DESTINO DOS BENS E PRODUTOS APREENDIDOS
Nos termos do disposto no art. 35.º n.º 1 do DL 15/93, de 22.01:
1 - São declarados perdidos a favor do estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
2 - As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.”.
Por sua vez, resulta do disposto no art. 36.º n.º 2 do mesmo diploma que são também perdidos a favor do Estado os objectos direitos e vantagens que, através da infracção tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes para si ou para outrem.
Mais resulta do disposto no art. 62.º do mesmo diploma que o estupefaciente seja destruído, por incineração.
Em face do exposto, considerando os autos de apreensão juntos aos autos a fls. 443, 443v e 451, 451v, que aqui se dão por reproduzidos,
declara-se o perdimento a favor do Estado
- da canabis resina com o peso de 288,89 gramas, em formato de 3 (três) placas;
-do telemóvel, marca Huawei, com o IMEI (…).
- da canabis resina, com o peso de 1, 612 gramas;
- da faca de cozinha, com cabo de madeira, com 11 cm de lâmina e 21,5 cm de comprimento total;
- da caixa de metal;
- do veículo automóvel de matrícula (...).
- Por não resultar da matéria de facto que a quantia monetária apreendida resultasse da actividade ilícita, após trânsito, cumpra o disposto no art. 186.º CPP.
(…).»
*
2.3. Conhecimento do recurso
O objeto do recurso restringe-se à matéria de direito, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto pela 1ª instância, uma vez que não foi impugnada pela recorrente e o acórdão não evidencia enfermar de qualquer dos vícios decisórios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP.
2.3.1. Do erro de subsunção
A recorrente manifesta discordância quanto à subsunção da sua conduta que resultou apurada, ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo seu entendimento que devia ser enquadrada no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Não aduz a recorrente quaisquer fundamentos para sustentar essa sua posição.
O Ministério Público defende que se mostra correto o enquadramento jurídico da conduta do recorrente no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Vejamos:
Decorre do disposto no artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que comete o crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos: Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver - fora dos casos previstos no artigo 40º do citado Decreto-Lei nº 15/93 -, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III - anexas ao Decreto-Lei em referência.
E dispõe o artigo 25º al. a) do enunciado Decreto-Lei: «Se, nos casos previstos nos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade daquelas plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de um a cinco anos se se tratar de preparações compreendidas nas tabelas I a III.
É entendimento pacífico que o normativo do artigo 21º define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas atividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objetivo do crime; e no artigo 25º é definido um tipo privilegiado em relação ao tipo fundamental do artigo 21º.
O acento tónico do privilegiamento é explicitamente colocado na sensível diminuição do grau de ilicitude do facto, ou seja, no menor desvalor da ação, na sua menor gravidade, portanto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos fatores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo, quais sejam os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da ação e a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias e preparados.
Como vem sendo salientado pela jurisprudência o artigo 25º, al. a) constitui uma «válvula de segurança do sistema», destinada a evitar que tenham idêntico tratamento os casos de tráfico menor e os de tráfico importante e significativo e que sejam aplicadas penas desproporcionadas em situações de menor gravidade objetiva[4].
Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artigo 25º, haverá que proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo (os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade do produto em causa), podendo juntar-lhes outras, «permitindo, desse modo, ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição, em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artº. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma do artº. 25º.»[5]
O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que, no domínio do tráfico de menor gravidade, não releva apenas, e nem sequer preponderantemente, a quantidade de droga transacionada, tudo dependendo da apreciação e consideração conjuntas das circunstâncias, fatores ou parâmetros mencionados no artigo 25º. Têm interesse, designadamente, o período de tempo da atividade, o número de pessoas adquirentes da droga, a repetição de vendas ou cedências, as quantidades vendidas ou cedidas, a abrangência da zona geográfica em que a atividade foi desenvolvida, os montantes envolvidos e a natureza dos produtos estupefacientes.
A aferição sobre a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pela norma em causa deve, pois, resultar de um juízo sobre uma avaliação global da situação, na qual assumem especial relevo, entre outros aspetos, a forma como o arguido atua, isoladamente ou em grupo, a qualidade da droga vendida, o período temporal em que exerce essa atividade, a repetição das vendas, os eventuais lucros apurados, as quantidades presumivelmente transacionadas e o número de consumidores abrangidos.
A este propósito por que esclarecedor cita-se o su(...) do Acórdão do STJ de 13/03/2019[6]:
«I - Prevê o art. 25.º do DL n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no art. 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
II - O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.
III - Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:
- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;
- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
- a dimensão dos lucros obtidos;
- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;
- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;
- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
- o número de consumidores contactados;
- a extensão geográfica da atividade do agente;
- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.
(…).»
No acórdão recorrido, decidiu o Tribunal a quo que a conduta da arguida/recorrente que resultou apurada, integra o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, afastando, por conseguinte, a subsunção ao crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do mesmo diploma legal, o que fundamentou, nos termos acima transcritos e que aqui se dão por reproduzidos.
Confrontando os factos que resultaram provados, no referente à atuação desenvolvida pela arguida/recorrente, evidenciando-se que a atividade desenvolvida pela arguida se reconduz ao chamado tráfico de rua, tendo em conta o longo período de tempo, em que se dedicou à venda de canábis (resina), fazendo-o durante dois anos (pelo menos, desde outubro de 2017 até 09/10/2019, data em que foi detida), na cidade de Évora, deslocando-se a Lisboa para se abastecer de tal produto estupefaciente (sendo que essa deslocação, da a distância que separa as duas cidades e considerando os custos inerentes teria de ser compensatória), efetuando a arguida, diretamente, vendas a consumidores finais (encontrando-se com estes em vários locais da cidade de Évora, após prévio contato, estabelecido através de telemóvel) e entregando também a outros indivíduos, um deles (…), tal produto estupefacientes para que o revendessem aos consumidores finais, resultando provado que a arguida/recorrente concretizou, designadamente, as transações que vêm descritas nos pontos 18. a 30. da factualidade provada, tendo-lhe sido apreendidos, no dia 09/10/2019, além do mais, os seguintes produtos, objetos e quantias monetárias:
- No interior do veículo automóvel da arguida, com a matrícula (...) [sendo a arguida intercetada pelo OPC quando regressava de Lisboa, onde se deslocou para se abastecer de canábis]: três placas de canábis (resina), com o peso total de 280,850 gramas, com um grau de pureza de 14,8 THC correspondentes a pelo menos 831 doses - que a arguida adquiriu em Lisboa pelo preço total de €480,00, tendo beneficiado de um desconto de €240,00 feito pelo fornecedor -; um telemóvel, marca Huawei, com o IMEI (…).
- Na residência da arguida, sita no (…): no seu quarto: 1,612 gramas de canabis resina, com um grau de pureza de 9,9 THC, correspondente a, pelo menos, 3 doses; na cozinha: uma faca de cozinha, contendo vestígios de uma substância de canábis resina.
Sendo a ora recorrente, desde muito jovem (concretamente desde os 17 anos, tendo atualmente 48 anos de idade), consumidora de estupefacientes, tendo abandonado o consumo de heroína, após ter integrado o Programa de Substituição Opiácea por Metadona, que terminou em contexto prisional, em 2004/2005, com acompanhamento clínico, continuando, à data dos factos, a consumir canábis, encontrando-se reformada, auferindo a pensão de invalidez, de €227,00 mensais e vivendo com uma tia, também ela reformada, dedicando a arguida também à compra e venda online de bijuteria, bem como à participação em feiras para venda dos referidos produtos, logrando, desse forma, obter um rendimento mensal entre €250,00 a €400,00/mês, sendo que os rendimentos provenientes da descrita atividade de venda de estupefacientes, ajudava a “equilibrar” o orçamento familiar, entendemos que a atuação da ora recorrente que resultou apurada não permite considerar a ilicitude consideravelmente diminuída, em termos de permitir a subsunção da sua conduta no quadro do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º, do DL 15/93 e que o tribunal recorrido decidiu acertadamente, no sentido de qualificar a conduta da ora recorrente ao crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso.

2.3.2. Da medida da pena
Pretende a recorrente que a pena em que foi condenada em 1ª instância, fixada em 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, seja reduzida para 4 (quatro) anos, limite mínimo da moldura penal aplicável.
Para fundamentar tal pretensão alega que a pena concreta que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva e desproporcional à culpa da arguida, dadas as circunstâncias do caso e a factualidade provada, tendo a arguida plena consciência dos seus erros, cumprindo as medidas de coação que lhe foram impostas, tendo estado em prisão preventiva durante mais de 8 meses, sendo as necessidades de prevenção especial e geral inferiores às que existiam quando a arguida foi sujeita a 1º interrogatório judicial.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção da pena aplicada pelo Tribunal a quo.
Apreciando:
A moldura penal abstrata aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes por cuja prática a recorrente é condenada, é a de 4 a 12 anos de prisão (cf. artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93)
A medida concreta da pena é limitada pela culpa da arguida, revelada nos factos (cf. n.º 2 do artigo CP), e terá de se mostrar adequada a assegurar a exigências de prevenção geral e especial (cf. n.º 1 do 40º e n.º 1 do 71º do Código Penal).
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se há de construir a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[7], sendo tal principio expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 40º do C.P.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua reintegração na sociedade.
Dando concretização aos mencionados vetores, o n.º 2 do artigo 71º enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente – a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o dever de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No acórdão recorrido, o Tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a determinação da medida concreta da pena aplicada à arguida, ora recorrente:
«(…)
No caso concreto,
mostram-se relevantes as exigências de prevenção geral, considerando a frequente quantidade de vezes com que o crime vem sendo praticado, sendo por isso necessário na dosimetria da pena dar um sinal claro no sentido do reforço da norma jurídica violada.
Por outro lado, a arguida representou os factos que preenchem o tipo de crime em causa, tendo agido com a intenção de os realizar, actuando, pois, com dolo directo, situando-se a culpa em grau significativo, sendo de censurar a sua conduta.
Quanto ao grau de ilicitude dos factos típicos, o mesmo situa-se ainda assim num grau não superior à mediania. A este propósito cumpre assinalar que, a arguida não obstante se abastecer em Lisboa, procedia à venda e distribuição na cidade de Évora, sendo certo que a actuação da arguida, não fosse detectada, era susceptível de colocar em perigo a integridade física de muitas pessoas (a atender desde logo ao n.º de doses permitidas com o estupefaciente apreendido – mais de 800), de agravar o sofrimento moral e físico de vários toxicodependentes (destinatários da droga apreendida) e das respectivas famílias, pondo em causa também a segurança da sociedade.
Há que considerar ainda o lapso de tempo durante o qual perdurou a prática da conduta penalmente tipificada – cerca de dois anos, apenas interrompida com a detenção da arguida.
Por outro lado, bem assim importa considerar o lapso de tempo decorrido desde a o termo da prática dos factos Outubro de 2019 e a presente data.
A favor da arguida concorre o facto de ter – em certa medidaassumido alguma da factualidade imputada, sendo certo, porém, que o Tribunal não acreditou no seu alegado arrependimento como sincero, mas antes como tomada de consciência das consequências da sua conduta, já tão bem conhecidas da arguida, como resulta do seu registo criminal.
Com efeito, no que a este respeita, note-se que a arguida já foi por diversas vezes condenada por vários tipos legais de crime, essencialmente relacionados com o património – de onde se depreende, face às regras da experiência, para obtenção de proveitos para aquisição de estupefaciente, face às necessidades aditivas da arguida –, a integridade física, e também já por crime de tráfico.
De resto, como resulta da factualidade dada por provada, esta é a primeira vez que há notícia da prática pela arguida de ilícitos penais após ter cumprido em cúmulo jurídico uma pena de 8 anos e 8 meses de prisão, tendo a arguida sido restituída à liberdade com efeitos desde 25.09.2012. Porém, para efeitos de determinação da medida concreta da pena – mormente prevenção especial – o Tribunal não pode deixar de notar que entre a libertação da arguida e a prática novamente de ilícito penal decorreu menos tempo do que pena de prisão que havia cumprido.
O Tribunal não olvida, que a arguida se encontra familiarmente inserida e bem assim que procurou inserir-se laboralmente. Porém, tal não obstou a que a mesma voltasse à prática de ilícito penal, concretamente, aquele em apreço e que já anteriormente tinha praticado, não colhendo a explicação na qual a mesma pretende refugiar-se de necessidades económicas, sabendo-se que o agregado, composto por duas pessoas, contava com um rendimento na ordem de €700,00, que é mais do que aquilo com que às vezes pode contar um agregado médio de 4 pessoas (pais e dois filhos), não se vendo que tal seja, por isso, justificação para uma conduta delituosa, mais a mais no caso da arguida, que já anteriormente havia sofrido condenação em pena de prisão efectiva, designadamente, entre outros, por crime da natureza daquele pelo qual vem agora a ser julgada.
Considerando todo o exposto, tem-se por adequado aplicar à arguida a pena de 4 anos e 9 meses de prisão
Que dizer?
O grau de ilicitude dos factos, é mediano, considerando o período temporal em que a arguida/recorrente desenvolveu a atividade de venda a terceiros de canábis (resina), fazendo-o, pelo menos, desde outubro de 2017 até 09/10/2019 – data em foi detida – adquirindo o estupefaciente, em Lisboa e procedendo à respetiva venda em Évora, onde residia, efetuando diretamente vendas aos consumidores finais e entregando também a arguida a outros indivíduos estupefaciente para que o vendessem aos consumidores, sendo-lhe apreendidos, no âmbito de revista e busca efetuadas, no dia 09/10/2019, além do mais, três placas de canábis (resina), com o peso total de 280,850 gramas, com um grau de pureza de 14,8 THC correspondentes a, pelo menos, 831 doses e 1,612 gramas de canábis (resina), com um grau de pureza de 9,9 THC, correspondente a, pelo menos, 3 doses.
O dolo da arguida/recorrente, reveste a modalidade de dolo direto, cuja intensidade se revela acentuada, dada a persistência da resolução criminosa da arguida durante o período de tempo em que desenvolveu a descrita atividade, sendo que, o facto de ser consumidora de canábis, ainda que pudesse influir na sua determinação para praticar os factos e contribuir para o amolecimento da contra motivação a que o fizesse, não foi essa a motivação preponderante, pois que, a arguida visou a obtenção de lucro económico, com a atividade desenvolvida;
No tocante às condições pessoais da arguida/recorrente, apresentado um percurso de vida desestruturado, fortemente condicionado pela adição de estupefacientes, cujo consumo iniciou aos 17 anos de idade, tendo sido dependente de opiáceos, durante muitos anos, tendo integrado o programa de substituição dessas substâncias por Metadona, durante a reclusão, no Estabelecimento Prisional, em cumprimento de uma pena única de 8 anos e 8 meses prisão, que foi julgada extinta, com efeitos a partir de 25/09/2012, continuando a arguida a consumir canábis, hábito que mantinha, à data da prática dos factos, encontrando-se reformada, por invalidez, vivendo com uma tia, também ela reformada e fazendo a arguida alguns trabalhos de bijuteria, que vendia em feiras.
Militam contra a arguida os extensos antecedentes criminais que regista, pela prática de crimes de diversa natureza, entre os quais, crimes contra o património, propriedade e integridade física e tendo sido já também condenada por crime de tráfico de estupefacientes, cumprindo penas de prisão efetiva.
As exigências de prevenção geral, tal como se assinala no acórdão recorrido, são prementes, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes, com todas as consequências incomensuravelmente graves daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade, exigências essas, que como se refere no Ac. do STJ de 21/08/2018, proferido no proc. n.º 656/14.7PAMGR.C2.S1[8], «a imporem a reintegração da norma jurídica persistentemente violada pelo arguido e dos interesses jurídicos por ela visados, a reclamarem pela comunidade grande firmeza da parte das instâncias formais de controlo no sentido de se reprimir este tipo de criminalidade que aporta inexoravelmente profunda e devastadora erosão dos valores sociais.»
No que concernente às necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos serem acentuadas, atentos os antecedentes criminais que a arguida regista, tendo cumprido penas de prisão efetiva e a circunstância de ser consumidora de estupefacientes, desde muito jovem, sendo que, pese embora, se possa manter abstinente do consumo de opiáceos, não sendo, como é sabido, fácil a reabilitação de pessoas nessa situação, para uma vida livre de drogas e existindo o risco de recaída e, com ele, o risco de reiteração da atividades criminosas que normalmente lhe andam associadas, como o é, a de tráfico, circunstâncias que constituem fatores de risco para que volte a delinquir.
Neste contexto, ponderando as circunstâncias do caso, as exigências de prevenção e a culpa da arguida/recorrente, entendemos que a pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, aplicada em 1ª instância, mostra-se ajustada e adequada às necessidades de prevenção geral e especial, que, no caso, se fazem sentir, sem exceder a culpa da arguida/recorrente, pelo que, se decide mantê-la.
No recurso, não é equacionada a questão da suspensão da execução da pena aplicada à recorrente e o Tribunal a quo justificou, devidamente, a decisão tomada no sentido de afastar essa pena de substituição, pelo que, não existe fundamento para alterar o assim decidido, que se mantém.
O recurso, é, pois, também nesta vertente, improcedente.

2.3.3. Da restituição do veículo automóvel apreendido
Pugna a arguida/recorrente para que seja determinada a restituição do veículo automóvel apreendido nos autos e cujo perdimento a favor do Estado foi declarado no acórdão recorrido.
Para fundamentar tal pretensão alega a recorrente que não há o perigo do veículo ser utilizado para a prática de qualquer crime, dado que a arguida se encontra presa e tendo o mesmo veículo sido adquirido com rendimentos obtidos de forma lícita, tendo a tia da arguida, com quem vivia, interesse na sua utilização «para maior comodidade de vida, dado ser uma pessoa já de idade avançada, que sempre beneficiará com o seu uso quando for visitada por familiares que poderão usar o carro para a ajudar nas idas às compras, farmácias e a todos os serviços necessários.»
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de dever manter-se a decisão de perda do veículo a favor do Estado, tendo o mesmo sido utilizado na prática da atividade de tráfico a que a arguida/recorrente se dedicava, designadamente, nas deslocações efetuadas pela arguida de Évora a Lisboa, para adquirir o produto estupefacientes.
Apreciando:
O Tribunal a quo transcrevendo o disposto nos artigos 35º e 36º do Decreto-Lei n.º 15/93, declarou a perda a favor do Estado, no que aqui releva, do veículo automóvel com a matrícula (...).
O artigo 35º do Decreto-Lei n.º 15/93, na redação introduzida pela Lei n.º 45/96, de 3 de setembro, sob a epígrafe “Perda de objetos”, dispõe, no seu n.º 1, que: «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos
E o artigo 36º do citado Decreto-Lei nº. 15/93, que tem por epígrafe “Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto”, estatui:
«1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.
4 - Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.
5 - Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna
Para a declaração de perda a favor do Estado, ao abrigo do disposto no citado artigo 35º, basta que os objetos possam considerar-se instrumentos do crime, no sentido de que tenham servido ou se destinem a servir para a prática de uma infração prevista no Decreto-Lei n.º 15/93.
E a tratando-se de coisas ou direitos relacionados com o crime, a declaração da respetiva perda, ao abrigo do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 15/93, depende apenas de serem produto do crime, o mesmo é dizer serem resultado da infração.
Porém, no respeitante à declaração de perda de veículos automóveis, o Supremo Tribunal de Justiça tem introduzido um elemento moderador a uma interpretação que conduza a uma aplicação automática da norma do artigo 35º do Decreto-Lei n.º 15/93, recorrendo à invocação da causalidade adequada, em ordem a salvaguardar o princípio da proporcionalidade consagrado no nº 2, do artigo 18º, da CRP. Assim, tem sido preconizada a orientação no sentido de se exigir que a relação do veículo com a prática do crime se revista de um carácter significativo, numa relação de causalidade adequada, para que a infração se verifique em si mesma ou na forma de que se revestiu.
Exige-se que da matéria factual provada resulte que entre a utilização do veículo e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu exista uma relação de causalidade adequada, de modo a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma em que o foi[9].
Nesta esteira desta orientação jurisprudencial, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 13/03/2013[10], cujo sumário passamos a citar: «Mesmo no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, a declaração de perdimento de objetos a favor do Estado só deve acontecer quando do factualismo provado resulta que entre a utilização do objeto e a prática do crime existe uma relação de causali­dade adequada, de tal forma que sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma e com a significação penal relevante verificada; e, de todo o modo, que a perda do instrumento do crime equacione, à luz do princípio da proporcionalidade, a gravidade da atividade levada a cabo e a serventia que ao objeto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida”.[11]»
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso dos autos:
Não resulta da matéria factual dada como provada que o veículo automóvel com a matrícula (...), apreendido nos autos, em que seguia a arguida/recorrente, no dia em que foi detida (09/10/2019) e com registo de propriedade em seu nome, seja produto da atividade de tráfico de estupefacientes, que haja sido adquirido com dinheiro proveniente dessa atividade.
Está provado que o produto estupefaciente/canábis (resina) com o peso total de 280,850 gramas, que foi apreendido à arguida/recorrente, no dia 09/10/2019, era transportado naquele veículo, estando escondido sobre o forro do banco do condutor, deslocando-se a arguida de Évora a Lisboa, no mesmo veículo, aí adquirindo tal produto estupefaciente.
Porém, não resulta da matéria factual provada que, ao longo do período em que se dedicou à atividade de tráfico, nas deslocações que efetuou, de Évora a Lisboa, onde se abastecia de canábis (resina), a cuja venda se dedicava, na cidade de Évora, a arguida utilizasse o mencionado veículo automóvel. E também não resulta dos factos provados que a arguida utilizasse o aludido veículo automóvel para se deslocar até aos locais onde concretizou vendas de estupefacientes, assegurando-lhe o veículo uma maior mobilidade e facilidade na concretização dessas transações, apresentando-se como um meio relevante para que a atividade de tráfico a que se dedicava fosse desenvolvida nos termos em que o foi.
O enunciado entendimento preconizado pelo STJ, vem sendo reiteradamente acolhida na jurisprudência dos Tribunais da Relação. A título meramente exemplificativo, trazem-se à colação os Acórdãos da RC de 09/01/2012 e de 19/02/2020[12], cujo respetivo su(...) se passa a transcrever:
«Se o produto estupefaciente apreendido, transportado em veículo automóvel, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito, por não ser indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do arguido, seu proprietário, não pode concluir-se que tal viatura seja instrumento do crime e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, não havendo, por isso, lugar à declaração da perda de tal veículo a favor do Estado.»
«I – Não obstante o arguido ter transportado, nas últimas três semanas antes de ser detido, na viatura automóvel por si conduzida, as substâncias estupefacientes que adquiriu, inexistindo uma relação de causalidade adequada entre a utilização daquele veículo e a prática do crime previsto no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, é injustificada a declaração de perda a favor do Estado de tal meio de locomoção.
II – Com efeito, quer o estupefaciente adquirido, quer o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, eram facilmente transportáveis de outro modo, nomeadamente no próprio corpo do arguido ou com recurso a transporte público.»

Neste quadro, no caso dos autos, inexistindo suporte factual provado de que resulte a utilização reiterada, habitual ou frequente desse veículo, por parte da arguida, na atividade de tráfico a que se dedicava e em relação ao transporte do estupefaciente efetuado no dia 09/10/2019, tendo em conta, designadamente, o respetivo peso e volume, não se estando perante uma situação em que a utilização do veículo fosse essencial para o cometimento do ilícito e indispensável ao transporte e ocultação do produto estupefaciente, podendo a arguida ter-se deslocado a Lisboa, transportado e ocultado o produto estupefaciente, de outra forma, v.g. utilizando transportes públicos e dissimulando o estupefaciente no vestuário que usasse ou em alguma mochila ou saco que utilizasse, tendo em conta a orientação jurisprudencial que se supra se deixou referida e que se perfilha, entendemos que não existe uma «relação de causalidade adequada» entre a utilização daquele veículo e a prática do crime previsto no artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, por que a arguida é condenada, não sendo, por isso, de declarar a perda do referido veículo a favor do Estado.
Assim sendo e, neste segmento, assiste razão à recorrente, pelo que, se impõe revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou a perda a favor do Estado do referenciado, que, se substitui por outra, determinando-se a restituição do mesmo veículo à arguida ou a quem esta confira poderes para proceder ao respetivo levantamento.
O recurso é, pois, parcialmente procedente.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida (...) e, consequentemente:

a) Revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou a perda a favor do Estado do veículo automóvel, com a matrícula (...) e em substituição, determinar a restituição à arguida ou a quem esta confira poderes para proceder ao respetivo levantamento, do referido veículo.

b) No mais, confirmar o acórdão recorrido.

Sem tributação, dada a procedência parcial do recurso.

Notifique.

Évora, 08 de junho de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] MARTINS, Lourenço - "Droga e Direito", Ed. Aequitas/Ed. Notícias, pp. 122 e ss..
[2] JUBERT, Ujala Joshi – “Los Delitos de Tráfico de Drogas I” -, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 1999, p. 28
[3] COSTA, Faria – “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Vol. III, Coimbra Editora, 1999, p. 868
[4] Cfr., entre outros, Ac.s do STJ de 06/04/2016 proc. n.º 73/13.6PEVIS.S1, de 02/10/2019, proc. n.º 2/18.0GABJA.S1 e de 08/04/2021, proc. n.º 1/19.5PBPTM.S1, o primeiro e o último acessíveis em www.dgsi.pt e o segundo com su(...) pub. em Su(...)sSTJ/criminal2019.pdf, págs. 625 e 626.
[5] Cfr. Ac. do STJ de 02/03/2011, proc. n.º 58/09.7GBBGC.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no proc. n.º 227/17.6PALGS.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, pág. 215.
[8] Cujo su(...) se encontra publicado no Boletim de Su(...)s do STJ, Secções Criminais, Ano 2018, págs. 475 e 476
[9] Neste sentido, cfr., entre outros, Ac. do STJ de 21/10/2004, proferido no proc. 04P3205, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Proferido no processo nº. 44/11.7PEMTS.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[11] No mesmo sentido, cfr., entre muitos outros, Ac. da RL de 09/03/2021, proc. n.º 145/16.5PAMTJ.L1-5, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Proferidos, respetivamente. no proc. n.º 2965/11.8TAVNG.C1 e no proc. n.º 1/18.1PEVIS.C1, acessíveis in www.dgsi.pt.