1 - A notificação para o pagamento da pena de multa, a que se reporta o artigo 489º, n.º 2, do CPP, deve ser feita quer ao defensor do arguido/condenado, quer a este último, nos termos do disposto no artigo 113º, n.º 10, do CPP..
2 - Na situação em que o arguido tenha prestado termo de identidade e residência no processo, com observância do disposto no artigo 196º, n.º 3, alíneas c) e e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, essa notificação não tem, obrigatoriamente, de ser efetuada através de contato pessoal, podendo sê-lo, por via postal simples (cf. artigo 113º, n.º 1, al. c) e n.º 3, do CPP).
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões da motivação do recurso a questão suscitada é a da ilegalidade do despacho recorrido, por o arguido não ter sido regularmente notificado para proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado.
2.2. Despacho recorrido
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«Uma vez que a pena de 80 dias de multa em que o Arguido foi condenado nestes autos não foi paga, dada a impossibilidade de tal pena ser executada e verificando-se que o Arguido não requereu a substituição da referida pena de multa por dias de trabalho, nos termos do artigo 49.º do código penal decide-se converter a referida pena de multa em 53 dias de prisão subsidiária.
Notifique, comunique ao registo criminal e após o trânsito em julgado do presente despacho emita os competentes mandados de detenção do Arguido para cumprimento da pena de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.»
2.3. Conhecimento do recurso
Tal como acima referimos a questão suscitada no recurso é a da ilegalidade do despacho recorrido, que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 1, do CP, por o arguido não ter sido regularmente notificado para proceder ao pagamento da pena multa em que foi condenado.
Pugna o recorrente pela revogação do despacho recorrido, com as legais consequências.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de o recurso dever ser julgado procedente. Defende que não estando comprovado nos autos que o arguido/recorrente tenha sido válida e regularmente notificado, para a morada que indicou no último TIR que prestou nos autos, nem sequer se iniciou o prazo previsto no artigo 489º do CPP, para o pagamento da multa ou para requerer o respetivo pagamento fracionado ou deferido ou a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, pelo que, não podia a pena de multa ser convertida em prisão subsidiária. Conclui no sentido de que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que determine a notificação do arguido, por via postal simples, com prova de depósito, da conta da multa, para a morada do TIR.
Vejamos:
Sobre a conversão da multa em prisão subsidiária, dispõe o artigo 49º, n.º 1, do Código Penal: «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…).»
Relativamente ao prazo de pagamento da multa, dispõe o artigo 489º do CPP:
«1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2. O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no numero anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.»
É de 15 dias o prazo para o condenado requer a substituição da multa por dias de trabalho (cf. artigo 490º, n.º 1, do CPP).
E perfilhamos do entendimento jurisprudencial de que o prazo para o condenado requerer o pagamento da multa em prestações é igualmente o fixado no n.º 2 do artigo 489º, ou seja, de 15 dias.
Temos, assim, que o prazo de 15 dias para pagamento voluntário da multa ou para requerer a substituição da multa por dias de trabalho ou o pagamento da multa em prestações, conta-se a partir da notificação ao condenado para pagar a multa.
Quanto às regras a observar na notificação ao condenado para proceder ao pagamento da multa, importa ter presente o seguinte:
A notificação para o pagamento da pena de multa, a que se reporta o artigo 489º, n.º 2, do CPP, deve ser feita quer ao defensor do arguido/condenado, quer a este último, nos termos do disposto no artigo 113º, n.º 10, do CPP.
Em relação à modalidade que deve revestir a notificação ao arguido/condenado para proceder ao pagamento da multa (artigo 489º, n.º 2, do CPP), é nosso entendimento que, na situação em que o arguido prestado termo de identidade e residência no processo, com observância do disposto no artigo 196º, n.º 3, alíneas c) e e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro – sendo, nesse ato, dado conhecimento ao arguido de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada no TIR, exceto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos; e de que, em caso de condenação, o TIR só se extinguiria com a extinção da pena, nos termos do disposto no artigo 214º, n.º 1, al. e), do CPP –, essa notificação não tem, obrigatoriamente, de ser efetuada através de contato pessoal, podendo sê-lo, por via postal simples (cf. artigo 113º, n.º 1, al. c) e n.º 3, do CPP)[1].
No caso em apreço, com relevância para a apreciação da questão que nos ocupa, importa reter os seguintes elementos/ocorrências processuais que resultam dos autos:
a) No dia 03/10/2019, o arguido, ora recorrente, perante a GNR, prestou Termo de Identidade e Residência, indicando como morada para efeito de notificações a Rua (…) (cf. fls. 21)
b) Posteriormente, nessa mesma data (03/10/2019), perante o Ministério Público, o arguido prestou novo Termo de Identidade e Residência, indicando como morada para efeito de notificações o (…) (cf. fls. 41);
c) A audiência de discussão e julgamento teve lugar, em 17/10/2019, estando o arguido presente e tendo, no final sido proferida sentença, que o condenou, pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00, sendo, nesse ato, o arguido e o respetivo defensor notificados da sentença (cf. ata de fls. 75 a 78);
c) Após transito em julgado da sentença (que ocorreu em 18/11/2019), foi expedida, em 22/11/2019, carta para a morada supra indicada, na al. a), para notificação do arguido para proceder ao pagamento da multa em que foi condenado, no prazo de 15 dias (artigo 489º, n.º 2, do CPP) e remetida a respetiva guia, sendo essa carta devolvida, ao remetente (cf. fls. 83);
d) Tendo-se diligenciado pela notificação do arguido, por contato pessoal, através da GNR, na morada supra indicada, na al. a), onde está sediada uma Comunidade Terapêutica, não foi possível efetuar a notificação, por o arguido já aí não se encontrar, tendo saído da instituição em agosto de 2018 (cf. fls. 87 a 91).
f) Na sequência do despacho que recaiu sobre a promoção do Ministério Público, no sentido de a pena de multa em que foi condenado ser convertida em 53 dias de prisão subsidiária, foi expedida carta, em 24/02/2020, para a morada supra indicada, na al. a), com vista à notificação do arguido do teor de tal promoção e para, querendo, sobre ela se pronunciar, no prazo de 5 dias, carta essa que veio devolvida, com a indicação “mudou-se” (cf. fls. 92 e 93).
g) Tendo-se diligenciado pela notificação do arguido, para o efeito referido em f), por contato pessoal, através da GNR, na morada supra indicada, na al. b) – (…) –, tal não foi possível, por tendo a GNR se deslocado a essa morada, no dia 10/07/2020, o arguido/condenado não ter sido encontrado (cf. fls. 97 a 100).
h) Em 21/10/2020, o Tribunal a quo, decidindo sobre a promoção do Ministério Público para que se convertesse a pena de multa em 53 dias de prisão subsidiária, proferiu o despacho recorrido (cf. fls. 101).
O arguido, ora recorrente, prestou, na mesma data, mas em momentos distintos, primeiro perante a GNR e depois perante o Ministério Público, Termo de Identidade e Residência, sendo diferente a morada que o arguido indicou, num e no outro dos Termos de Identidade e Residência, para as notificações.
Assim, sendo o TIR que o arguido, ora recorrente, prestou perante o Ministério Público e que se mostra junto a fls. 41, posterior ao TIR que havia prestado perante a GNR, a morada indicada pelo arguido/recorrente que teria se ser atendida para efeito de expedição de notificações que lhe fossem dirigidas, teria de ser a que indicou no segundo TIR, ou seja, (…).
Sucede que a notificação, por via postal, expedida ao ora recorrente, para proceder ao pagamento da multa em que foi condenado, no prazo de 15 dias (artigo 489º, n.º 2, do CPP), foi remetida para a morada da Rua (…), a qual foi indicada, pelo arguido, no primeiro TIR prestou, sendo a carta devolvida ao remetente. E não tendo sido possível notificar o arguido/condenado, através de contato pessoal, nessa morada, por já aí não se encontrar/residir.
Por conseguinte, não tendo a notificação do arguido/condenado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 489º, n.º 2, do CPP, por via postal, sido expedida para a morada pelo mesmo indicada no segundo TIR que prestou, a fls. 41, ou seja, (…), como se impunha que o fosse, nos termos sobreditos, há que considerar que o arguido/condenado, ora recorrente, não foi notificado para proceder ao pagamento da multa.
Não tendo o arguido/condenado sido notificado para proceder ao pagamento da multa, conforme dispõe o artigo 489º, n.º 2, do CPP, sendo que só a partir dessa notificação se iniciava a contagem do prazo de 15 dias, para o pagamento voluntário da multa, para que o arguido/condenado pudesse requerer a substituição da multa por dias de trabalho ou o pagamento diferido ou em prestações da multa (cf. artigo 47º, n.º 3, do CP), e constituindo o decurso desse prazo, pressuposto básico do procedimento legal de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 1, do Código Penal, não podia o Tribunal a quo determinar a substituição da pena de multa em que o arguido, ora recorrente, foi condenado nos autos, por prisão subsidiária. Por conseguinte, o despacho recorrido, que assim decidiu, é ilegal, por violar o disposto no artigo 49º, n.º 1, do CP.
Consequentemente, impõe-se revogar o despacho recorrido, determinando-se que seja substituído por outro que ordene a notificação do arguido/condenado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 489º, n.º 2, do CPP, por via postal, a expedir para a morada que indicou no último TIR que prestou, a menos que tenha comunicado, entretanto, nova morada, aos autos, em cumprimento do disposto no artigo 196º, n.º 3, al. c), do CPP.
Concede-se, pois, provimento ao recurso.
3. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido/condenado (…) e, em consequência:
- Revoga-se o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro, que determine a notificação do condenado/recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 489º, n.º 2, do CPP, por via postal, a expedir para a morada que indicou no último TIR que prestou, a menos que tenha comunicado, entretanto, nova morada, aos autos, em cumprimento do disposto no artigo 196º, n.º 3, al. c), do CPP.
Sem tributação.
Notifique.
Évora, 08 de junho de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] Neste sentido, cf., entre outros, Ac.s da RP de 11/05/2016, proc. 53/06.8PCPRT.P1 e de 11/01/2017, proc. 1884/96.0JAPRT.P1 e Ac. da RC de 13/7/2016, proc. 120/14.4PTCBR.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.