SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
CRIME CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
Sumário


1 - Da hermenêutica do nº 8, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, resulta inequívoco que se criou um instituto próprio e com requisitos próprios, para os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, dependente apenas do superior interesse da vítima e da ausência dos pressupostos constantes das alíneas b) e c), do nº 1.

2 – Assim, quando estão em causa crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, não é exigível a verificação do pressuposto de o crime não ser punível com pena superior a 5 anos de prisão ou com sanção diferente da prisão, mas apenas um outro pressuposto que é o superior interesse da vítima, para além dos comuns.

Texto Integral





ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Inquérito, com o nº 130/19.5GFALR, a correrem termos na Procuradoria da República da Comarca de Santarém, Departamento de Investigação e Acção Penal – 1ª Secção de Santarém, o Ministério Público findo o inquérito decidiu aplicar a suspensão provisória do processo relativamente a:
- (…)
Porquanto resulta fortemente indiciado nos autos, que o mesmo “(…) incorreu na prática, como autor material e em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171º, nº 3, alínea a), e de um crime de pornografia de menores, previsto e punido no artigo 176º, nº 1, alínea c), 30º, nº 1 e 77º, todos do Código Penal.
Dispõe o artigo 281º, nº 8 do CPPenal que, “Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do nº 1”.
Afirmando-se como emanação do princípio da oportunidade, em bom rigor, a suspensão provisória do processo não deve ser entendida como uma faculdade do Ministério Público, mas antes como um poder-dever, como uma decisão vinculada, reconduzível mais a um “princípio de legalidade aberta”, estando o Ministério Público obrigado à sua aplicação, verificados os pressupostos legalmente definidos1, in casu, os do nº 8 do artigo 281º do CPPenal.
(...) não tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza – cfr. fls. 150.
Consultada a base de dados do Serviço de Informação do Ministério Público (SIMP) relativa à suspensão provisória do processo, constata-se que não é conhecida aplicação anterior ao arguido de tal instituto por crime da mesma natureza – cfr. fls. 146 a 148.
Por outro lado, sustento que o interesse de (…) não só não desaconselha como dita esta solução. Nas suas próprias palavras, a jovem expressa que tenta “não pensar muito nisto” e que nunca mais falou com o arguido, sendo que a prossecução destes autos para julgamento, ainda que, por ter prestado declarações para memória futura, (...) não tivesse de a ele comparecer, não deixaria de produzir efeitos mais amplificados que a medida de diversão por que ora se opta e, por conseguinte, de a obrigar a rememorar o que quer esquecer.
Decorre, destarte, da própria vontade de (...) de elidir este período da sua vida, a desnecessidade de pena e a urgência de medida pedagógica e, do mesmo passo, reintegradora.
Ouvido (...) sobre esta possibilidade (cfr. fls. 129-130), pelo mesmo foi dado o respectivo assentimento e aceitação das injunções que lhe foram propostas, a saber, não contactar, directa ou indiretamente, por qualquer meio, com (...) e, cumulativamente, prestar 50 (cinquenta) horas de serviço de interesse público em entidade beneficiária a indicar pela DGRSP e sob supervisão desta direcção-geral.
Pelo exposto, verificando-se os pressupostos do nº 8 do artigo 281º do CPPenal, entendo ser de suspender provisoriamente o processo, pelo período de 6 (seis) meses, sob condição de, nesse prazo, (...), não contactar, directa ou indiretamente, por qualquer meio, com (...) e, cumulativamente, prestar 50 (cinquenta) horas de serviço de interesse público em entidade beneficiária a indicar pela DGRSP e sob supervisão desta direcção-geral”.

Por despacho de 30-10-2020, o Sr. Juiz de Instrução Criminal, veio discordar da suspensão provisória do processo nos termos propostos pelo Ministério Público, porquanto:
“No entender do Ministério Público a factualidade indiciada nos autos é subsumível da imputação ao arguido (...) da prática, como autor material e em concurso real, em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. no artigo 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal com pena de prisão de 30 dias a três anos e de um crime de pornografia de menores, p. e p. no artigo 176º, nº 1, alínea c), 30º, nº 1 e 77º, todos do Código Penal, com pena de prisão de um a cinco anos de prisão.
O Ministério Público no requerimento em causa equacionou (e propôs) o accionamento do instituto da suspensão provisória do processo por estarem reunidos os pressupostos constantes do art. 281º do Código de Processo Penal.
Ora, dispõe tal preceito legal que:
Artigo 281º
Suspensão provisória do processo
(…)
Por outro lado, embora o Ministério Público no requerimento em causa não o refira de forma expressa está implícito no mesmo o entendimento que, in casu, a suspensão provisória do processo é admissível, não obstante as molduras penais abstractamente aplicáveis, em concurso efectivo, ultrapassarem os cinco anos.
Em favor de tal entendimento, conhecemos, José P. Ribeiro de Albuquerque – A gestão do Inquérito, Instrumentos de Consenso e Celeridade, Worshop, Évora, 3/7/2008; Branco, Isabel Maria Fernandes – Considerações Sobre a Aplicação do Instituto da Suspensão Provisória do Processo, Dissertação de Mestrado em Direito, Universidade Portucalense, Departamento de Direito, 2013 e a Directiva 1/2014 da Procuradoria-Geral da República.
No nosso modesto entender, embora tal interpretação seja defensável de iure condendo não é a mesma legalmente admissível face à lei vigente, isto é, é ilegal a suspensão provisória do processo relativamente ao mesmo arguido – no âmbito de concurso efectivo de crimes – que abstractamente e em conjunto ultrapassem os cinco anos de prisão (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-06-2006, processo nº 0542832; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-02-2005, in, CJ, XXX, 1, 146 e, concordante, o PGA Vinício Ribeiro, 2008:559 e o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, pág. 760, nota 5), tal como sucede no caso em apreço.
Duas notas finais:
1ª Embora já fosse conhecida a divergência doutrinal que supra se assinalou e tendo sido objecto de recentes alterações legislativas (Lei nº 20/2013, de 21/02, Lei nº 30/2017 de 30/05 e Lei n.º 39/2020, de 18 de Agosto) o legislador deixou intocável o corpo do supra citado nº 1 do art. 281º do Código de Processo Penal.
2ª Finalmente, a alteração legislativa do Código de Processo Penal efectuada pela Lei nº 1/2006 de 25 de Fevereiro ao conferir nova redacção ao art. 14º, nº 2, alínea b), atribuindo competência ao Tribunal Colectivo de julgar os processos “(…) cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime” eliminando, por conseguinte, a expressão “e não devam ser julgados em processo sumário” (cf., igualmente, a nova redacção conferida ao art. 381º, do Código de Processo Penal referente ao processo sumário) quis necessariamente comprimir o espaço de resolução da acção penal de uma forma mais simples (ou simplista) em que necessariamente também se situa o instituto da suspensão provisória do processo excluindo do mesmo os crimes com moldura penal abstracta mais elevada e aquelas acções dos agentes que em concurso efectivo ultrapassem o limite abstractamente aplicável de 5 anos de prisão.
Nestes termos, face ao entendimento a que aderi e atento o preceituado no art. 281º do Código de Processo Penal, não dou a minha concordância à requerida suspensão provisória do processo”.

Inconformada com o assim decidido, a Magistrada do Ministério Público interpôs o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. O Ministério Público entendeu ser de suspender provisoriamente o processo relativamente ao arguido (...), ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 8 do CPPenal, estando suficientemente indiciada a prática pelo mesmo de factos integradores da previsão do crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171º nº 3, alínea a) do CPenal e punido com pena de prisão até três anos, e do crime de pornografia de menores, previsto no artigo 176º, nº 1, alínea c) do CPenal e punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2. A decisão judicial em apreço é recorrível, sendo-o sempre, mesmo para quem sustente que configura acto discricionário - apreciador da bondade ou falta dela da decisão do Ministério Público.
3. No caso vertente, a questão sub judice é de legalidade estrita, o que emerge da formulação do despacho de discordância, no sentido da inadmissibilidade legal da suspensão.
4. Preceitua o artigo 281º, nº 8 do CPPenal que, “Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do nº 1”.
5. Tal artigo manda aplicar a suspensão provisória do processo a todos os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado, cuja pena máxima pode alcançar os quinze anos de prisão, desde que se verifique a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza e ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza, se o Ministério Público entender que essa solução é a que melhor acautela o interesse da vítima.
6. Estão em causa crimes contra a autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado, que envolvem dois jovens – (…), à data dos factos, contava apenas 16 anos -, cuja repercussão foi bastante limitada e sobre os quais já passou mais de um ano, pelo que apresentação do arguido a julgamento seria manifestamente contraproducente, por amplificar aquela repercussão e levar (...) a rememorar o que já pode ter esquecido.
7. Foi, em síntese, tal raciocínio que, em nome do interesse da vítima, levou o Ministério Público a decidir aplicar a suspensão provisória do processo, de harmonia com o artigo 281º, nº 8, pelo que mal andou o Mmo. JIC ao discordar dessa decisão, invocando o nº 1, do referido artigo.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso e substituindo o despacho recorrido por outro, que dê a concordância à aplicação da suspensão provisória do processo, farão Vossas Excelências, como sempre, Justiça.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta do seu parecer que firmou nos autos.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- Impugnação do despacho proferido por inexistência de fundamento legal para a não concordância com a suspensão provisória do processo, pelo juiz de instrução.

2 - Apreciando e decidindo:

Apreciando, resulta dos autos, que por decisão do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 281º, nº 8, do Código de Processo Penal, suspender provisoriamente o processo relativamente ao arguido (...), onde se encontra indiciada a prática pelo mesmo de factos integradores da previsão do crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos e do crime de pornografia de menores, previsto no artigo 176º, nº 1, alínea c), do Código Penal e punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Solicitada ao juiz de instrução, a sua concordância com a promovida suspensão provisória do processo em tais termos, o mesmo veio a recusar concordar com tal suspensão provisória, porque em seu entender, no caso concreto, por se tratar de uma situação de concurso efectivo de crimes, punidos com penas de prisão até 3 anos e até 5 anos e, em abstracto o limite máximo do cúmulo jurídico se situar nos 8 anos de prisão, tal instituto jurídico não seria legalmente admissível, nos termos do constante do nº 1, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, porque só admissível para situações em que em abstracto a pena máxima não seja superior a 5 anos de prisão.
Assim, a questão resume-se em saber se o despacho do juiz de instrução tem fundamento legal, pois o recorrente Ministério Público entende que em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, não agravado pelo resultado, tendo em conta o interesse da vítima, a suspensão provisória do processo, apenas exige os pressupostos constantes das alíneas, b) e c), do nº 1, do artigo 281º e, não os constantes do corpo desse mesmo nº 1, pois, o nº 8, do mesmo artigo 281º, do Código de Processo Penal, constituiria um instituto autónomo de suspensão provisória, exclusivo para os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, exclusivamente balizado pelo superior interesse da vítima, a ausência de condenação anterior ou aplicação anterior de suspensão provisória, por crime da mesma natureza, obtida a concordância do arguido e do juiz de instrução.
A suspensão provisória do processo consagrada nos artigos 281º e 282º, do Código de Processo Penal, visa a busca de soluções de consenso tendo em vista a protecção de bens jurídicos penalmente tutelados e bem assim a ressocialização dos delinquentes.
Pressupondo a sua aplicação a inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza e aplicação anterior da medida, em que o grau de culpa não se revele elevado, e, em concreto, seja possível atingir por meios menos gravosos para o arguido as exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
O Ministério Público, no termo do Inquérito e constatando a existência de indícios suficientes da prática de um crime por parte do arguido, decide-se pela suspensão provisória do processo, sujeitando o arguido às injunções tidas como adequadas, sendo esta decisão de suspensão provisória do processo da exclusiva competência do Ministério Público, dependendo da verificação cumulativa dos pressupostos referidos nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 281º, e da concordância do juiz de instrução.
Sendo o instituto da suspensão provisória do processo um “instrumento processual de diversão e consenso” que pretende evitar a dedução da acusação e a realização do julgamento, cuja decisão compete ao Ministério Público, que é o titular da acção penal, também deverá estar sob a titularidade e controle do mesmo Ministério Público, a aplicação de tal instituto jurídico de suspensão provisória do processo.
No seguimento do entendimento que vem sendo sufragado pelo Tribunal Constitucional, a intervenção do juiz de instrução na suspensão provisória do processo, terá de se limitar a assegurar a tutela dos direitos fundamentais, como decorre do disposto nos artigos os 268º e 269º, do Código de Processo Penal, para salvaguardar a liberdade e a segurança dos cidadãos no decurso do processo-crime e para garantir que a prova levada ao processo foi obtida com respeito pelos direitos fundamentais.
E uma vez que as medidas que venham a ser aplicadas, comportam o risco de contender com direitos, liberdades e garantias e para assegurar que, pelo conteúdo e pelo modo dos comportamentos a que o arguido se compromete, não é afectada a zona de indisponibilidade de direitos fundamentais, é que se justifica a intervenção do juiz de instrução/juiz das garantias, que fiscalizará, com base na ordem jurídico-constitucional dos direitos fundamentais a adequação, necessidade e proporcionalidade da autolimitação, bem como a sua racionalidade.
Dentro dos pressupostos está a "concordância" do arguido e do assistente, que são verdadeiramente livres e obedecem aos interesses pessoais de quem as profere, enquanto a concordância do juiz de instrução exerce uma função de controlo de interesse público, tratando-se de um poder-dever.
Nestes termos e retornando ao controvertido, cumpre avaliar se efectivamente, o nº 8, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, constitui um instituto autónomo de suspensão provisória do processo, relativamente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, com pressupostos específicos e diversos dos constantes do nº 1, da mesma disposição legal, para além dos expressamente referidos, das alíneas b) e c).
Para Cláudia Matias, (A suspensão provisória do processo: o regime legal presente e perspectivado, págs. 19 e 20), tal constitui um instituto específico deste tipo de crimes e que depende apenas da verificação dos seguintes requisitos:
i) concordâncias do arguido, do Ministério Público e do juiz de instrução relativamente à aplicação do instituto;
ii) ausência de anterior condenação por crime da mesma natureza;
iii) ausência de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza;
iv) conclusão do Ministério Público de que a aplicação da suspensão provisória do processo é do interesse da vítima, ou seja, que a aplicação do instituto acautela o superior interesse da criança ou jovem.
Analisado tal disposição legal, por entendermos que o legislador sabe o que pretende quando legisla, da hermenêutica do nº 8, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, resulta inequívoco que se criou um instituto próprio e com requisitos próprios, para os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, dependente apenas do superior interesse da vítima e da ausência dos pressupostos constantes das alíneas b) e c), do nº 1, para além da concordância do arguido e do juiz de instrução, nos termos supra referidos.
Até a forma de remeter para os pressupostos constantes do nº 1, permite concluir ter sido deliberado pelo legislador afastar os requisitos enunciados no corpo do mesmo nº 1, pois caso os pretendesse incluir, por uma ordem lógica, faria primeiro referência ao nº 1 e às alíneas do mesmo em seguida.
Por outro lado, é fixado um regime próprio de concordâncias, diferente do corpo do nº 1 e das diversas alíneas, para além das expressamente previstas, para a concordância do juiz de instrução, para a concordância do arguido, para a possibilidade de este requerer a suspensão provisória que não será admissível, para a análise do grau de culpa, para a avaliação das exigências de prevenção e, ser inaplicável a crimes puníveis com pena superior a cinco anos de prisão.
Então, quando estão em causa crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, não é exigível a verificação do pressuposto de o crime não ser punível com pena superior a 5 anos de prisão ou com sanção diferente da prisão, mas apenas um outro pressuposto que é o superior interesse da vítima, para além dos comuns.

Pelo exposto resultando inequívoco do despacho recorrido, que o juiz de instrução obsta a dar a sua concordância, à suspensão provisória do processo, por entender que na situação concreta não é legalmente admissível a aplicação de tal instituto jurídico, porquanto os crimes em concurso efectivo, admitem em cúmulo jurídico uma pena abstracta até 8 anos de prisão, superior ao pressuposto de 5 anos de prisão, estipulado no corpo do nº 1, do artigo 281º, do Código de Processo Penal.
O que, nos termos supra, referidos extravasa as competências que a lei lhe confere no âmbito da suspensão provisória do processo, nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, não agravados pelo resultado, conforme referido, revogando-se este despacho por absoluta falta de fundamento legal para a sua prolação e, em sua substituição, o senhor juiz de instrução deverá proferir despacho judicial de concordância com a suspensão provisória do processo pela qual se decidiu o Ministério Público, com o acordo do arguido, nos termos previstos no artigo 281º, nº 8, do Código de Processo Penal.
Por tudo o exposto, procede o recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem custas, pela procedência do recurso e a qualidade do recorrente.


III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido, por falta de fundamento legal e determinando que, em sua substituição, o senhor juiz de instrução profira o despacho judicial de concordância com a suspensão provisória do processo pela qual se decidiu o Ministério Público, com o acordo do arguido, nos termos previstos no artigo 281º, nº 8, do Código de Processo Penal.

Sem custas, pela procedência do recurso e a qualidade do recorrente.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora, 08-06-2021

(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
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(Beatriz Marques Borges)