CASO JULGADO
EXCEPÇÃO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário

I - A figura da autoridade do caso julgado – que é distinta da exceção do caso julgado (art. 581º do CPC) e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida – visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais.
II - São também realidades jurídicas distintas a exceção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e a chamada exceção inominada da preclusão da dedução da defesa, (art. 573º do CPC) que não exige tal identidade, o qual se baseia no princípio da concentração da defesa que faz impender sobre o réu o ónus de, na ação, apresentar, contra a pretensão do autor, todos os fundamentos que com ela possam colidir
III - Não viola o caso julgado (na sua vertente positiva e negativa), nem o princípio da preclusão relativamente a anterior ação em que se pedia a nulidade dum negócio de compra e venda e se discutiu o direito de propriedade do imóvel objeto dessa compra, nomeadamente discutindo-se a participação do réu e autora que viviam em união de facto nos custos da construção desse imóvel, o ora autor, ali réu, que, na improcedência daquela ação veio invocar, em ação autónoma o enriquecimento sem causa da ré.

Texto Integral

610/12.3T2AND.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 2

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
B…, instaurou ação declarativa de condenação sob a forma ordinária contra C…, solteira, tendo formulado os seguintes pedidos:
- Seja declarado que o autor é o único dono e legítimo possuidor do prédio, sito em …, composto pela Fração B, do artigo 4494, da freguesia … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 8527, por o ter adquirido por usucapião;
- Seja a ré condenada a reconhecer o autor como o único e legítimo dono do referido prédio e a proceder à respetiva entrega ao autor;
- Seja ordenado o cancelamento da inscrição registral a favor da ré;
- Subsidiariamente, seja a ré condenada a restituir ao autor, a título de enriquecimento sem causa, quantia correspondente ao valor do imóvel, no montante de € 130.000,00 e nunca inferior a € 119.000,00, ou ao menos correspondente ao valor que resultar de perícia a efetuar ao mesmo, na presente ação.
Para tanto alegou em suma que:
- Está pendente um processo instaurado pela ré contra o ora autor com o n.º 121/06.8TBOBR, a correr seus termos pelo Juízo de Grande Instância Cível de Anadia – Juiz 1, na qual a autora peticiona que:
a) seja declarado encontrar-se ferido de nulidade absoluta, por simulado, o negócio jurídico titulado por escritura pública de 13 de Dezembro de 2004 – compra e venda - e em consequência ser determinado o cancelamento de todos e quaisquer registos que eventualmente hajam sido requeridos ou efetuados com base nesse negócio;
b) ou, se assim se não entender deve ser considerado que o negócio é nulo ou de ineficácia absoluta, por nele ter sido intencionalmente declarada e aposta, por parte do representante da autora, o réu B…, afirmação falsa e contrária à vontade da A. e às instruções que dela havia recebido por força do mandato que ela lhe havia conferido pela procuração outorgada no dia 14 de Setembro de 2004.
Que nesse processo foi proferida sentença declarando nulo o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 13/12/2004, no qual o aí réu declarou vender em representação da autora, a outra pessoa, também réu na ação, pelo preço de cinquenta mil euros, a fração autónoma B e foi determinado o cancelamento da inscrição da propriedade com base no contrato declarado nulo, sentença que à data da instauração da presente ação ainda não tinha transitado em julgado.
Alega o autor que, transitando em julgado tal sentença a aí autora passa a ser, por efeitos do registo, a única titular do direito de propriedade da fração B.
Porém, a fração B, que era a casa de morada de família do então casal constituído por autora e ré, que viveram em união de facto, não é propriedade da ré, mas sim do autor.
Alega que aquela fração B, (tal como as demais moradias implantadas no mesmo lote), foi construída exclusivamente com meios próprios do autor, que exclusivamente pagou todos os materiais de construção necessários à edificação e ao acabamento da moradia, a mão-de-obra, as ligações à rede pública de esgotos, água, eletricidade e telefone, os muros de vedação e tudo quanto ali foi feito no lote e na moradia.
Foi o autor negociou as vendas dos lotes e das moradias e celebrou com os adquirentes as respetivas escrituras de compra e venda e fez seu o produto das vendas.
A escritura de compra e venda da aludida fração B foi, com o acordo dos vendedores e do autor, celebrada com a ré, mas esta sabia que não tinha contribuído com qualquer quantia sua para a aquisição do referido terreno e que a totalidade do preço tinha sido pago pelo autor.
Foi o autor quem pagou os impostos, as despesas com a escritura e com o registo predial de aquisição do prédio e quem, posteriormente realizou todos os atos necessários à construção do prédio que viria a ser a fração B, desde a fase dos projetos, dos licenciamentos camarários, dos contratos de empreitada, de entre outros que identifica e quem suportou todas as despesas com dinheiro exclusivamente seu, tendo ainda trabalhado e acompanhado a obra;
Todos os atos referidos foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, por todos sendo visto como o único e exclusivo dono, por si e antepassados que representa, há mais de 20, 30 anos, de modo contínuo, na convicção de ser o único e legítimo possuidor e dono do prédio, considerando, por isso, que adquiriu a propriedade da fração B por usucapião, que expressamente invoca.
Em 14 de Setembro de 2004, a ré outorgou uma procuração a favor do autor, nos termos da qual lhe concedia poderes para em seu nome celebrar contratos promessa de compra e venda e vender a quem quisesse, pelo preço, cláusulas e condições que entendesse por convenientes, podendo ele próprio, mandatário, comprar para si: o prédio urbano, sito na “Rua …, …, …”, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, constituído por fração B.
O prédio composto pela fração B à data da sua conclusão, no ano de 2003, valia mais de € 130.000,00, mas nunca menos de € 124.000,00 e à data da cessação da vivência em comum, em Novembro de 2006, valia mais de € 120.000,00, mas nunca menos de € 119.000,00.
Tendo o autor suportado todos os custos relacionados com a fração B, alega que sempre ocorrerá uma situação de enriquecimento sem causa, na medida em que, com a cessação da vivência em comum, a ré ficou enriquecida no seu património em valor correspondente ao do imóvel.
Citada a ré veio apresentar contestação, em que se defendeu por exceção e por impugnação.
Invocou as exceções de preclusão, de caso julgado e litispendência, considerando que os factos dados como provados no processo 121/06 não podem ser novamente discutidos nesta ação, tendo o ora autor, na contestação que apresentou no referido processo, alegado que era proprietário do imóvel, contestando que a aí autora (e ora ré) fosse proprietária da fração B, uma vez que teria sido ele (ali Réu) que havia comprado unicamente para si e no seu exclusivo interesse o terreno onde foi construída, invocando para tanto o pagamento da totalidade do preço do mesmo, mais sustentando que a ali Autora não teria praticado qualquer ato de negociação do imóvel, bem sabendo que o Réu o estava a adquirir para si próprio e com meios exclusivos, até porque esta teria sido incumbida pelo Réu para outorgar a escritura de venda da outra fração (A) a favor de terceiros por ele escolhidos, mas tendo sido ele a receber o preço dessa venda.
Os factos referidos e alegados pelo ora autor na contestação do processo 121/06, apesar de o aí réu não ter deduzido reconvenção, são os mesmos que alega nesta ação e com base nos quais formula os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade por usucapião e subsidiariamente o enriquecimento sem causa, não o podendo fazer, na medida em que precludiu o seu direito. Considera a ré que, por aplicação do disposto no artigo 573º do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado e depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente, deveria o ora autor ter invocado todos os fundamentos que já lhe eram conhecidos, não podendo, numa ação autónoma, pretender discutir a mesma realidade factual.
Invoca ainda a ré as exceções de litispendência pelo facto de o processo 121/06 ainda não ter sentença transitada em julgado e de caso julgado – autoridade do caso julgado – exceção incluída no princípio da preclusão, relativamente a factos que já foram dados como assentes no primeiro processo.
Sem prescindir e por impugnação, a ré nega a versão alegada pelo autor, apresentando uma diversa.
O autor exerceu o contraditório em relação a todas as exceções invocadas, concluindo pela sua improcedência, referindo, em suma, que no processo n.º 121/06 não estava o aí réu obrigado a deduzir pedido reconvencional, sendo a reconvenção facultativa, motivo pelo qual não está impedido de fazer valer o seu direito numa ação autónoma.
Mais refere que no primeiro processo a autora invocou como causa de pedir a simulação, tendo sido sobre essa causa que o réu exerceu o seu direito de defesa. Não se discutiu no processo em causa qualquer direito de propriedade, nem o instituto do enriquecimento sem causa, não ocorrendo, por conseguinte, qualquer preclusão ou caso julgado no exercício dos direitos que vem reclamar neste processo.
Foram solicitadas informações sobre o estado do processo n.º 121/06.6TBOR e por estar ainda pendente, foi determinada a suspensão da instância por causa prejudicial até ser proferida decisão final, transitada em julgado, no referido processo.
O processo manteve-se suspenso até que foi proferida decisão final, transitada em julgado, no processo n.º 121/06.6TBOR, com a consequente cessação da suspensão da instância.
Foram solicitadas certidões da sentença e Acórdãos proferidos no processo 121/06.6TBOBR com nota do trânsito em julgado, assim como dos articulados principais do processo, documentos que foram juntos.
Veio a ser proferido saneador-sentença, tendo o tribunal conhecido das exceções invocadas e decidido da seguinte forma:
“Pelo exposto, julga-se e declara-se verificada a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência, absolve-se a ré da instância.
Custas pelo autor por a elas ter dado causa (artigo 527º, n.º 1 do CPC)”.
Inconformado, o Autor B… interpôs o presente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. O douto saneador sentença proferido pelo Tribunal a quo julgou verificada a autoridade do caso julgado e absolveu a ré da instância.
2. Entendeu o Tribunal que o reconhecimento do direito da aqui ré como proprietária do imóvel em causa nos autos, na ação 121/06, é um antecedente lógico e necessário dos comandos decisórios dessa ação e que, como tal, encontra-se abrangido pela autoridade do caso julgado, impedindo se discuta novamente, na presente ação, a propriedade do imóvel.
3. O autor/recorrente deduziu, na presente ação, três pedidos principais e um pedido de natureza subsidiária, designadamente, que fosse declarado que o autor é o único dono e legítimo possuidor do prédio, sito em …, composto pela fração B, do artigo 4494, da freguesia …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 8527, por o ter adquirido por usucapião (1º pedido principal), que fosse a ré condenada a reconhecer o autor como o único e legítimo dono do referido prédio e a proceder à respetiva entrega ao autor (2º pedido principal), que fosse ordenado o cancelamento da inscrição registral a favor da ré (3º pedido principal) e que fosse a ré condenada a restituir ao autor, a título de enriquecimento sem causa, quantia correspondente ao valor do imóvel, no montante de € 130.000,00 e nunca inferior a € 119.000,00, ou ao menos correspondente ao valor que resultar de perícia a efetuar ao mesmo na presente ação (pedido subsidiário).
4. O autor/recorrente desconhece se é o mesmo antecedente lógico e necessário, referido no ponto 2 das presentes conclusões, que impede ou prejudica o conhecimento pelo Tribunal a quo do pedido subsidiário deduzido pelo autor, já que a douta decisão proferida nada diz quanto a essa questão e também não contém os concretos fundamentos jurídicos e o iter lógico-racional até à conclusão de que esse pedido também está afetado, irremediavelmente, pela autoridade do caso julgado, nos termos em que esta foi definida (através do antecedente lógico e necessário do reconhecimento da propriedade).
5. Tal omissão de pronúncia, falta de fundamentação e obscuridade são causa de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, e 615º, nº 1, als. b), c) e d), ambos do CPC.
6. A ação 121/06 tem como causa de pedir os concretos factos da simulação, num contexto de união de facto, e tem como pedidos (no que à presente ação interessa) os decorrentes daquela causa de pedir, designadamente, a declaração de nulidade do ato negocial, em causa nesses autos, não tendo sido deduzido nenhum pedido de reconhecimento do direito de propriedade e, necessariamente (princípio do pedido), não tendo sido emitida nenhuma decisão quanto ao reconhecimento do direito de propriedade.
7. Não era condição necessária a essa ação que o imóvel, sob discussão, estivesse inscrito no registo predial a favor da aí autora, porquanto seria suficiente à sua legitimidade e ao seu interesse em agir a demonstração da união de facto e a aquisição de património na vigência dessa união de facto, isto é, a legitimidade (processual e substantiva) da aí autora e o seu interesse em agir ficariam igualmente preenchidos, caso o imóvel estivesse inscrito no registo predial a favor do aí réu, e aqui autor/recorrente.
8. Donde se conclui que o reconhecimento do direito de propriedade não é um antecedente lógico e necessário da decisão proferida no processo 121/06 e não constitui uma questão jurídica que já haja sido decidida e, portanto, prejudique o conhecimento da mesma na presente ação.
9. Não pode considerar-se como antecedente lógico e necessário da decisão proferida na ação 121/06, a circunstância de se haver dado como provado o facto de se encontrar registado a favor da aí autora o imóvel.
10. Os factos julgados como provados num processo não têm autonomia própria fora desse processo e não fazem caso julgado material.
11. O caso julgado material, seja enquanto exceção, seja na veste de autoridade do caso julgado, incide sobre decisões sobre as questões jurídicas colocadas pelas partes à apreciação dos tribunais e não sobre factos ou juízos probatórios.
12. É ainda incompreensível que a douta decisão proferida aduza como fundamentação a repetição pelo autor/recorrente, na presente ação, da matéria já por si alegada, em sede de impugnação, no processo 121/06, mesmo quando essa matéria por si alegada não foi dada como assente.
13. O que é o mesmo que dizer que o Tribunal a quo faz estender a eficácia do caso julgado, na veste de autoridade, não só aos factos provados – o que não é admissível -, mas também aos factos não assentes!
14. Nenhum direito do autor, a qualquer dos efeitos jurídicos que peticiona na presente ação, ficou precludido em face da posição que assumiu e/ou poderia ter assumido no processo 121/06, uma vez que a única exigência que se lhe impunha era discutir e contraditar os factos da simulação (o que fez).
15. A douta decisão nega ao autor (denegação de justiça), de modo injusto e ilógico, o direito deste discutir as relações patrimoniais nascidas, entre ele e a ré, na vigência da união de facto, e em concreto a medida da contribuição de cada um para a aquisição do imóvel e a atribuição deste imóvel (no todo ou em parte) ou a restituição do que terá pago, na medida do seu empobrecimento.
16. A douta decisão é nula e, sem prejuízo, incorre também em erro de julgamento, por violar as normas, entre outras, dos artigos 266º, 421º, 577º, al. i), 608º, nº 2, e 615º, nº 1, als. b), c) e d), 619º, 621º, todos do Código de Processo Civil.”
Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
Este, foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
- a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia e obscuridade;
-se ocorre erro de julgamento, por não se verificar a exceção do caso julgado, nem a autoridade do caso julgado.

III-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Com interesse para o conhecimento das exceções invocadas, com base nas certidões judicias extraídas dos processos 121/06.6TBOBR e 121/06.6TBOBR-A, o tribunal julgou provados os seguintes factos:
1.º Correu seus termos pela então Instância Central Cível de Aveiro, atual Juízo Central Cível de Aveiro, uma ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário em que era autora C… e réus B…, D… e mulher E…;
2.º Nesse processo, a autora C… peticionou que fosse declarado ferido de nulidade absoluta, por simulado, o negócio jurídico titulado pela escritura pública celebrada em 13 de Dezembro de 2004 no Cartório Notarial de Águeda, a qual (escritura pública) devia também ser declarada nula e de nenhum efeito, devendo, consequentemente, ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos que eventualmente hajam sido requeridos ou efetuados na Conservatória do Registo Predial respetiva com base na transmissão constante daquele instrumento notarial.
3.º Subsidiariamente peticionou que o negócio jurídico aí declarado fosse considerado ferido de nulidade ou, pelo menos de ineficácia absoluta, por nele ter sido intencionalmente declarada e aposta, por parte do representante da Autora, o Réu B…, afirmação falsa e em tudo contrária à vontade da Autora e às instruções que dela havia recebido por força do mandato que ela lhe havia conferido pela procuração outorgada no dia 14 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial de Águeda, arquivada com aquela escritura.
4.º Requereu que juntamente com a citação para essa ação, fosse o Réu B… notificado que a Autora lhe retirava todos os poderes que lhe conferiu pela procuração outorgada no dia 14 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial de Águeda, que expressamente revoga, por meio da resolução do contrato de mandato por ela titulado, para o que invocou fundamento em justa causa decorrente dos factos alegados na petição inicial.
5.º Alegou, para o efeito, que é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra B, referente ao rés-do-chão e primeiro andar direito do prédio urbano sito nos …, …, freguesia …, inscrito na matriz predial urbana sob artigo 4494, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob n.º 08527, que registou em seu nome através da inscrição G1, apresentada em 12 de Dezembro de 20002, cujo direito de propriedade lhe adveio por compra do terreno a F… e mulher G… em 2001, e no qual construiu a expensas próprias o prédio urbano em regime de propriedade horizontal, com as frações autónomas A e B.
6.º Mais alegou que desde 1994 viveu em união de facto com o Réu B… e durante esta união os proventos das atividades económicas da Autora e Réu B… eram depositados em duas contas bancárias, que identificou, de que a Autora era exclusivamente titular, sendo todos os negócios celebrados indistintamente por um e outro, sendo porém a Autora quem movimentava aquelas contas bancárias.
7.º Mais alegou que em 2004 o Réu B… envolveu-se sentimentalmente com outra mulher e urdiu um plano para se apropriar de tudo quanto pertencia à Autora. Para tal, sugeriu-lhe vender aquela fração B, que era a casa de morada de família, que se tornara pequena face às necessidades e desejos do casal e, com o produto da venda, comprariam outra mais espaçosa, ao que a Autora aderiu, com base na convicção de um projeto de comunhão de vida com o Réu, para sempre.
8.º Mais alegou que na concretização de tal propósito, o Réu B…, em 14/09/2004, convenceu a Autora, que de nada desconfiava, a outorgar várias procurações que lhe concediam poderes para movimentar livremente as contas bancárias tituladas pela Autora e vender o imóvel constituído pela fração "B".
9.º Mais alegou que, munido de tal procuração, o Réu B… celebrou em 13 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Águeda, uma escritura pública, onde falsamente declarou vender ao Réu D…, que falsamente declarou comprar à Autora, pelo preço de €50.000,00, que declarou já ter pago, a fração autónoma designada pela letra B, propriedade da Autora. Nem o Réu D… quis comprar aquela fração autónoma, nem a Autora ou o seu procurador, o Réu B…, quis vender tal prédio, não tendo sido pago pelo mesmo qualquer preço. Os Réus B… e D… declararam falsamente, com consciência dessa falsidade, vontade diferente da vontade real, com intenção de prejudicarem a Autora, bem sabendo o Réu B… que a vontade da Autora era contrária à que ele declarou naquela escritura, facto que era do conhecimento do Réu D….
10.º Mais alegou que o Réu D… nunca pagou qualquer preço e o prédio valia mais de €120.000,00. O Réu B… não tinha capacidade económica para comprar tal imóvel, sendo devedor do Réu B… de diversas quantias.
11.º Mais alegou que em meados de Junho de 2005 o Réu B… comunicou à Autora o fim da sua comunhão de vida, altura em que a Autora tomou conhecimento da outorga daquela escritura pública. Foi o Réu B…, e não o Réu D…, quem intimou a Autora a abandonar a casa até 31 de Dezembro de 2005, e o Réu D…, sabendo que a Autora vivia na casa nunca lhe comunicou tê-la comprado.
12.º Nesse processo – 121/06 - os réus D… e mulher, E…, contestaram a ação, concluindo pela sua improcedência. Deduziram pedido reconvencional, pedindo que a Autora fosse condenada a reconhecer os Réus como únicos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado nos autos, bem como condenada a abster-se de praticar quaisquer atos que ofendessem ou limitassem de forma grave e ilegítima o gozo e fruição dos ora Reconvintes sobre tal prédio.
13.º No mesmo processo – 121/06 - o réu B… apresentou contestação negando que a autora fosse proprietária do imóvel identificado na petição inicial, alegando que foi o Réu que em 2001 comprou, a F… e mulher G…, o terreno inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o artigo 7313, unicamente para si próprio e no seu exclusivo interesse, tendo pago a totalidade do preço daquele terreno com cheques pessoais sacados sobre a conta n.º…….. de que era o único e exclusivo titular.
14.º Mais alegou que a Autora não praticou qualquer ato de negociação daquele terreno, bem sabendo que o Réu B… o estava a adquirir para si próprio e com meios exclusivos.
15.º Mais alegou que nesse terreno o Réu construiu o prédio urbano identificado na petição inicial com dinheiro próprio, incumbindo a Autora de outorgar a escritura pública de venda da fração "A" daquele prédio a favor de terceiros adquirentes por ele escolhidos, tendo recebido e feito seu o preço da venda dessa fração A.
16.º Mais alegou que os vendedores daquele terreno, o gabinete de engenharia que elaborou o projeto de construção, os funcionários do Departamento de Obras Particulares da Câmara Municipal … que receberam e tramitaram o pedido de licenciamento da construção das habitações, as empresas e empresários que construíram o prédio e os adquirentes da fração "A", tinham conhecimento que os atos praticados pela Autora em nome dela eram sob instruções, por conta e no interesse do Réu B….
17.º Mais alegou que a Autora outorgou a procuração de 14 de Setembro de 2004 no Cartório Notarial de Águeda de modo livre e consciente, bem sabendo que através daquele instrumento permitia a transferência da titularidade do prédio ali referido para o Réu B… ou para quem e pelo preço, cláusulas e condições que este entendesse, no cumprimento do que se obrigara perante este. E foi no uso dos poderes conferidos por tal procuração que o Réu B… vendeu ao Réu D… aquela fração, pelo preço de €50.000,00, que recebeu, tendo a quantia de €16.000,00 sido paga em dinheiro, a quantia de €10.000,00 por compensação com crédito por obras efetuadas pelo Réu D… e €24.000,00 por compensação com as rendas relativas a cinco anos, devidas pelo contrato de arrendamento celebrado com os Réus D… e mulher, referente ao mesmo imóvel.
18.º Impugnou ainda que alguma vez a Autora tivesse trabalhado consigo na sua atividade.
19.º Mais alegou que a autora só formalmente é que é titular das contas n.º……......... do H… e ………… do Banco I…, que foram abertas em 2003 com valores monetários da sua pertença exclusiva, sendo este quem de facto movimentava tais contas.
20.º Admitiu ter vivido em união de facto com a Autora, tendo posto fim a tal relação.
21.º Mais alegou que com data de 06 de Abril de 2006 a Autora requereu a sua notificação judicial avulsa, que correu termos sob n.º 265/06.4TBOBR e foi notificada ao Réu, com vista a revogar a procuração aludida. Por sua vez, o Réu requereu também, com data de 09 de Junho de 2006, no Tribunal de Oliveira do Bairro, a notificação judicial avulsa da Autora dando-lhe conhecimento que recusa os factos e fundamentos invocados, a forma da revogação e a própria revogação da procuração.
Concluiu pela improcedência da ação.
22.º Foi determinada a apensação ao processo 121/06 da Ação Ordinária sob n.º 948/06.9TBOBR;
23.º Nesses autos de Ação Ordinária sob n.º 948/06.9TBOBR era autora C… e réu B…, peticionado a autora que a procuração outorgada no dia 14 de Setembro de 2004, fosse considerada extinta, por esgotamento do seu objeto, ou se assim não se não se entendesse, fosse declarado que a mesma procuração foi validamente revogada e resolvido o correspondente contrato de mandato em 10.04.06, em virtude da comunicação efetuada, por meio da notificação judicial avulsa ou, se assim não se entendesse, fosse declarado que os factos descritos na petição inicial em 3.º a 8.º constituem justa causa para a revogação de tal procuração e resolução da relação de mandato correspondente.
24.ºApensadas as duas ações, foram assim instruídas e julgadas, tendo sido proferida sentença final.
25.º Dessa sentença foram apresentados recursos, que foram admitidos, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que determinou, de entre outros aspetos, que fossem aditados factos à base instrutória, tendo ainda sido anulada a sentença recorrida e ordenado a repetição parcial do julgamento;
26.º Foi cumprido o determinado pelo Tribunal da Relação de Coimbra;
27.º Foi proferida nova sentença em 16 de Outubro de 2017, em que se decidiu o seguinte:
“Julgo parcialmente procedente a presente ação e improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus D… e E… e, em consequência:
a) declaro a nulidade do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 13/12/2004, lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de Águeda na qual o Réu D… declarou vender em representação da Autora C… ao Réu D…, pelo preço de cinquenta mil euros, a fração autónoma inscrita na matriz sob artigo 4494, com valor patrimonial tributário de €49.005, descrita na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob n.º 8.527 e o Réu D… declarou aceitar essa venda e que a fração adquirida se destinava exclusivamente a habitação.
b) determino o cancelamento da inscrição G-1, Ap. 04/050203 relativa ao mesmo imóvel (fração autónoma), através da qual D… registou a aquisição da mesma a seu favor na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro, assim como o cancelamento de todos os registos pela inscrição G-1, Ap. 04/050203.
c) declaro extinta, por caducidade verificada em 13/12/2004, a procuração outorgada no Cartório Notarial de Águeda a cargo da Notária J…no dia 14 de Setembro de 2004, que se encontra arquivada naquele cartório Notarial com a escritura pública celebrada em 13.12.04, por esgotamento do seu objeto, naquele dia 13.12.04, através da qual a Autora constitui o Réu seu bastante procurador, com a concessão de poderes especiais para, em seu nome, prometer vender ou vender, a quem ele quisesse, pelo preço cláusulas e condições que entender convenientes, podendo ele mandatário comprar para si, a fração autónoma a que corresponde a letra "B" de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, …, …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na respetiva matriz sob o art. 4.494, podendo requerer em todas as repartições tudo quanto ao ditos atos se tornasse necessário.
d) declaro extinta, por revogada, com efeitos a partir de 14/04/200, a procuração que constitui o documento n.º 3 junto com a petição inicial, datada de 14.09.04, com termo de autenticação nessa data celebrada no Cartório Notarial de Águeda, através da qual a Autora concedeu a B… os poderes necessários para ele movimentar todas as quantias, títulos, ações e obrigações que estejam depositadas no Banco I…, incluindo movimentar, vender, comprar ou liquidar as 7.871 ações do Banco K… relativas à conta n. ………… do I…, Sucursal …, podendo para isso tudo quanto se mostre essencial ao cumprimento do mandato.
e) julgo improcedente o pedido de relegar para liquidação prévia a execução de sentença a indemnização correspondente a todos os danos causados pelo uso das procurações referidas em b) e c), em data posterior à extinção da respetiva validade, por caducidade e revogação, sem prejuízo de tais danos poderem vir a ser invocados em ação declarativa autónoma, invocando-se para tal os respetivos pressupostos.
f) julgo improcedente o pedido de declaração de nulidade da escritura pública outorgada no dia 13/12/2004, lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de Águeda.
Oficie à Conservatória de Registo Predial de Águeda em conformidade com o decidido em b), supra - cfr. art.º 8.º-A, n.º 1, al. b) do Código de Registo Predial.
Oficie ao Cartório Notarial de Águeda a cargo da Ex.ma Sr.ª Notária, Dr.ª J…, em conformidade com o decidido em c) - cfr. art.º 131.º, n.º 1, al. d) do Código do Notariado.
Custas do pedido reconvencional deduzido pelos Réus D… e E… a cargo destes.
Custas dos pedidos formulados pela Autora nos autos principais (121/06.6TBOBR) a cargo dos Réus B… e D… e E…, entendendo-se que os pedidos formulados pela Autora, julgados improcedentes, não têm expressão económica (o referido na al. e) do dispositivo por nem lhe corresponder qualquer valor e o referido na al. f) por não assumir relevância jurídica em face da procedência do pedido referido em a) do mesmo dispositivo).
Custas dos pedidos formulados pela Autora nos autos apensos (apenso A), a cargo dos Réus B….”
28.º Na sentença referida no artigo anterior foram considerados como provados os seguintes factos:
“Factos provados (da decisão anterior)
Do Proc. 121/06.6TBOBR:
“1. A Autora e o Réu B… têm um filho em comum: L…, nascido em 27 de Julho de 1997.
2. O Réu D… é carpinteiro de profissão e trabalhou para o Réu B….
3. A Autora outorgou em 14/09/2004 no Cartório Notarial de Águeda uma procuração ao primeiro Réu, B…, concedendo-lhe poderes especiais para especificadamente vender a quem quisesse, pelo preço, cláusulas e condições que entendesse, podendo ele próprio comprar para si, o prédio urbano, sito na Rua …, …, …, freguesia …, Concelho de Oliveira do Bairro, constituído por fração "B", correspondente ao rés-do-chão e primeiro direito, sito a nascente, para habitação, tendo rés-do-chão, sala, hall, cozinha, despensa, casa de banho e garagem e o primeiro andar, três quartos, duas casas-de-banho, hall e duas varandas, possuindo logradouro e jardim, inscrito na matriz sob o artigo 4494-B.
4. No dia 13/12/2004 foi outorgada escritura pública de compra e venda lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de Águeda na qual o Réu B… declarou vender em representação da Autora C… ao Réu D…, pelo preço de cinquenta mil euros, a fração autónoma identificada em 3., inscrita na matriz sob artigo 4494, com valor patrimonial tributário de €49.005, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob n.º 8.527 e o Réu D… declarou aceitar essa venda e que a fração adquirida se destinava exclusivamente a habitação.
5. A referida fração encontra-se inscrita a favor da Autora mediante a inscrição G-1 Ap. 15 de 01/06/2001 por aquisição a F… e mulher G….
6. D… registou essa aquisição a seu favor na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro pela inscrição G-1, Ap. 04/050203.
7. A constituição da propriedade horizontal do aludido prédio encontra-se registada na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob inscrição F-1 referente à Ap. n.º 26 de 12/12/2002.
7-A). Mediante escritura pública outorgada em onze de julho do ano de dois mil e dois, no Segundo Cartório Notarial de Aveiro, B… declarou vender a M…, que declarou comprar, pelo preço de oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e cinco cêntimos, o seguinte imóvel: Casa com logradouro e Quintal, sita no …, inscrito na matriz do artigo 3336 (...) descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número cinco mil duzentos e sessenta e quatro, cujo direito de propriedade ali se encontra registado a favor do vendedor, pela inscrição G-Um (...)
8. A Autora viveu com o Réu B…, com trato sexual e comunhão de mesa, durante dez anos, pelo menos desde 1995 e até 2002 na casa que aquele possuía na Rua …, …, freguesia …, e a partir desta data na casa que constitui o prédio identificado em 4.
9. Aí Autora e Réu B… recebiam amigos e familiares, aí davam as festas familiares, almoços comemorativos das efemérides locais.
10. Numa primeira fase, entre os anos de 1994 e 1997, a Autora cozinhava, tratava da casa, fazia as compras e as demais tarefas de dona de casa.
11. Mais tarde passou a trabalhar com o Réu B… na aquisição, transformação e venda de imóveis, atividade que era o principal sustento do casal.
12. A Autora era exclusiva titular da conta n.º ………….. do Banco H… e da conta n.º ………. do Banco I… onde foram depositados proventos da atividade económica referida em 11.
13. Todos os negócios eram celebrados indistintamente por um e outro.
14. A Autora movimentava as contas bancárias atrás referidas para sobre elas efetuar os pagamentos que houvesse que efetuar na compra dos imóveis e na celebração dos negócios do casal.
15. Em data anterior a Junho de 2005 o Réu B… envolveu-se sentimentalmente com outra mulher e pensou em pôr termo à situação referida em 8.
16. O Réu B… sugeriu à Autora a venda da casa identificada em 4., que se tornara pequena face às necessidades e desejos do casal.
17. E, com o produto da venda, comprar outra mais espaçosa e adequada às crescentes exigências de vida do casal e do respetivo agregado familiar.
18. A adesão da Autora à venda assentou num projeto e convicção de comunhão de vida com o Réu B….
19. O Réu B… convenceu a Autora a outorgar procurações que lhe concediam poderes para movimentar livremente as contas bancárias referidas em 12., e a identificada em 3.
20. D… não quis adquirir para si o referido prédio, nem por ele pagar qualquer quantia e nunca ninguém lho quis alienar, nem a Autora nem o seu procurador.
21. O Réu B… sabia que violava e contrariava a vontade e intenção da Autora e bem assim as suas instruções.
22. As declarações de D… e B… apostas na dita escritura foram proferidas por ambos com consciência plena e recíproca da sua falsidade.
23. O que fizeram intencionalmente, para enganar e prejudicar a autora, a qual, como bem sabiam, nunca concordaria com tal ato, visando transferir a propriedade para fora da esfera jurídica quer da autora quer do reu B… a fim de que a autora não beneficiasse ou recebesse o que quer que fosse com a venda (redação dada pelo douto acórdão da Relação de Coimbra)
24. Ao contrário das declarações da referida escritura, nunca o Réu D… pagou qualquer preço, nem a quantia de 50.000 euros aí indicada, nem qualquer outra, ao Réu B… ou à Autora.
25. O prédio valia à data de 13/12/2004 cerca de €119.000,00.
26. O Réu D… não tinha capacidade económica para comprar tal imóvel.
27. O Réu D… vivia com a família na localidade da ….
28. Na data da propositura da presente ação, o imóvel referido em 4. tinha sido apenas habitado por Autora, Réu B… e respetivo filho.
29. O Réu D… sempre soube que a Autora vivia na casa referida e nunca lhe comunicou tê-la comprado, nem nunca dela tirou ou pretendeu tirar qualquer proveito ou fruição.
30. O Réu B… em meados de Junho de 2005 comunicou à Autora que a comunhão de vida com ela tinha terminado e que deveria abandonar a casa até ao fim do mês de Dezembro de 2005.
31. Após aquela comunicação de Junho de 2005, a Autora veio a tomar conhecimento do teor e da natureza do negócio jurídico celebrado pelos Réus através da outorga na escritura pública.
32. Foi assinado pelos Réus um documento particular intitulado “Declaração-Protocolo”, datado de 13 de Dezembro de 2002, mas referindo-se no artigo primeiro “Na data de hoje, 13 de Dezembro de 2004” referente ao pagamento do preço do negócio referido em 4.(aditados)
32.º A) O direito de propriedade sobre a fração referida em E) dos factos assentes adveio à Autora por compra do terreno que fez a F… e mulher G…, em 2001.
32.º B) No qual a Autora construiu, e com base no alvará de construção n.º …, emitido em 28/12/2001 pela Câmara Municipal …, o prédio urbano de propriedade horizontal, com as frações autónomas "A" e "B".
32.º C) Foi o Réu B… quem desenvolveu e completou as negociações com F… e mulher, G…, no ano de 2001, tendentes à aquisição do terreno inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob artigo 7313, e que àqueles pertencia.
32-º D) Designadamente, o Réu B… contactou os referidos F… e mulher, G…, e mostrou-lhes o seu interesse na aquisição do terreno para si.
32.º E) Acordou com eles o preço.
32.º F) Celebrou com eles e subscreveu, na qualidade de promitente adquirente, o contrato-promessa de compra e venda que constitui o doc. 1 da sua contestação.
32.º G) Pagou a esses vendedores, no modo e tempo combinados, a totalidade do preço, com dois cheques pessoais sacados sobre a conta n.º ………do K….
32.º H) Conta de que era exclusivo titular, e onde eram lançadas todas as quantias dos negócios que apenas o Réu B… levava a cabo.
32.º I) E manifestou aos vendedores o seu interesse na realização da escritura definitiva.
32.º J) O Réu B… vendeu a habitação referida em H) dos factos assentes, que era seu bem próprio e exclusivo, com vista ao investimento do produto dessa venda na urbanização do prédio referido em 43.º, supra
32.º L) O que efetivamente veio a fazer, tendo recebido o preço do comprador, através de cheque que depositou na sua conta.
32.º M) Além do produto da venda daquela casa, o Réu B… aplicou naquela urbanização outras quantias provenientes de poupanças suas e resultantes do seu trabalho.
32.º N) Foi o Réu B… quem encomendou o projeto de construção para o referido terreno e efetuou todas as reuniões necessárias com os autores do projeto.
32.º O) O Réu B… pagou o projeto de obra através de cheque pessoal, sacado sobre a supra referida conta bancária, de que era exclusivo titular.
32.º P) O Réu B… ajustou com empresas e empresários das várias especialidades da construção civil, como pedreiros, carpinteiros, pintores, eletricistas, canalizadores, a construção do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob número 08527/frações A e B.
32.º Q) Negociou e acordou com tais empresas e empresários o preço dos materiais de construção e das obras ajustadas, sendo que a A, por vezes, também participava nas negociações e decidiam em conjunto qual o melhor orçamento.
32.º R) Acompanhou, sempre que estava em Portugal, o desenvolvimento das obras.
32.º S) Após ter construído as duas habitações referidas em 57.º, o Réu B… ajustou a venda da fração "A" com N… e mulher O….
32.ºT) E reservou para si a fração "B".
32.º U) O Réu B… incumbiu a Autora de outorgar a escritura pública de compra e venda da fração "A" a favor dos terceiros adquirentes referidos em 61.º, por ele escolhidos.
32.º V) E recebeu e fez seu o preço da venda dessa fração, que lhe foi pago, através do Banco financiador daqueles compradores, através de transferência bancária para a referida conta n.º …….. do K….
32.º W) O Réu B… costumava deslocar-se a França e à Suíça com alguma regularidade e aí permanecer algumas semanas em cada uma das suas deslocações.
32.º X) O Réu B… tinha vários negócios a correr em Portugal, nomeadamente a aquisição e urbanização do terreno referido em 43.º e 44.º, que exigiam a prática de uma série de atos como a realização da escritura de compra e venda, a apresentação e subsequente tramitação do processo camarário de licenciamento do projeto de construção e a constituição da propriedade horizontal.
32.º Y) Ente os anos de 1994 e 1997 era o Réu B… quem suportava e pagava todas as despesas com alimentação, vestuário e calçado, produtos para casa, eletricidade, água, gás e telefone, entregando à Autora os montantes que ela lhe solicitava e eram necessários para tal efeito.
32.º Z) A partir do terceiro ou quarto ano de vida em comum, a Autora passou a trabalhar, auferindo rendimentos próprios, pelo que passou a partilhar com o Réu B… as despesas domésticas.
32.º AA) E na conta n.º ……….. do Banco I… eram lançados os dividendos das 7871 ações que foram compradas pelo Réu B…, em data anterior ao início da relação com a Autora, através de um empréstimo bancário por aquele contraído.
32.º BB) Quem contactava, discutia e era aconselhado pelos gerentes das Agências Bancárias sobre as melhores aplicações dos fundos, e os instruía sobre as aplicações a fazer.
32.º CC) E era por esses funcionários bancários tido como o verdadeiro e real titular de tais contas.
32.º DD) A Autora é a única e exclusiva titular da conta n.º ………… do P…, Agência …, e aí vem depositando os seus rendimentos e poupanças, resultantes do seu trabalho”
Do Proc. 121/06.6TBOBR-A:
“33. Em 14 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial de Águeda a cargo da Notária J…, foi outorgada uma procuração, através da qual a Autora constitui o Réu seu bastante procurador, com a concessão de poderes especiais para, em seu nome, prometer vender ou vender, a quem ele quisesse, pelo preço cláusulas e condições que entender convenientes, podendo ele mandatário comprar para si, a fração autónoma a que corresponde a letra "B" de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, …, …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na respetiva matriz sob o art. 4.494, podendo requerer em todas as repartições tudo quanto ao ditos atos se tornasse necessário.
34. Tal procuração encontra-se arquivada naquele Cartório Notarial junto dos documentos que instruíram a escritura exarada de fls. 99 a fls. 100 do Livro de Notas para escrituras Diversas daquele Cartório com o n.º 279-H.
35. No dia 13 de Dezembro de 2004, naquele mesmo Cartório, o Réu, munido daquele instrumento de mandato, celebrou com D…, carpinteiro, residente no …, concelho de Águeda, a escritura pública que constitui o documento junto a fls. 14-16.
36. Nesse mesmo dia 14 de Setembro de 2004, com termo de autenticação celebrado no mesmo Cartório Notarial acima referido, a Autora outorgou uma procuração, por documento particular, através da qual concedia ao Réu os poderes necessários para ele movimentar todas as quantias, títulos, ações e obrigações que estejam depositadas no Banco I…, incluindo movimentar, vender, comprar ou liquidar as 7.871 ações do Banco k… relativas à conta n. ……….. do I…, Sucursal …, podendo para isso tudo quanto se mostre essencial ao cumprimento do mandato.
37. Em 8.02.06, a Autora deu entrada em juízo à ação ordinária n.º 121/06.6TBOBR, na qual formulava, como pedido principal, a declaração de nulidade absoluta, por simulação, do pretenso negócio jurídico de compra e venda titulado pela referida escritura celebrada em 13.12.04 referida em 35. e, como pedido subsidiário, a declaração de nulidade do mesmo ato com base em violação das instruções e da relação de mandato.
38. A Autora na parte final da petição inicial da ação 121/06 solicitou a notificação judicial do Réu para que, no ato da citação, fosse notificado de que ela lhe retirava todos os poderes que lhe havia conferido por aquela procuração, que assim expressamente revogava, resolvendo o contrato de mandato por ela titulado.
39. A Autora requereu que no mesmo ato da citação fosse o Réu informado de que os factos narrados na petição inicial sempre deveriam constituir justa causa, assim subsidiariamente invocada, para concretização daquele ato.
40. No mesmo sítio e momento, a Autora requereu a notificação do mesmo Réu para lhe ser comunicado também que lhe revogava todas as demais procurações que lhe havia passado e lhe retirava todos os poderes que, através das mesmas, lhe havia conferido.
41. O Réu foi citado para contestar aquela ação no dia 16.05.06, data em que recebeu o duplicado da respetiva petição inicial.
42. O despacho que ordenou a citação do Réu, proferido em 17.03.06 e constante de fls. 44 daquela ação, entendeu, porém, que a referida notificação para revogação das procurações deveria ser efetuada de forma autónoma, através de notificação judicial avulsa.
43. Tal despacho transitou em julgado e a Autora veio a requerer a notificação judicial avulsa nos termos do documento junto.
44. Tal notificação, ordenada por despacho judicial de 6.04.06, foi efetuada na pessoa do Réu em 10.04.06 e publicado o respetivo anúncio em 20.04.06 num dos jornais mais lidos na localidade da residência do Réu, na qual se não publica qualquer jornal.
45. Em 9.06.06, o Réu deu entrada em juízo ao requerimento para notificação judicial avulsa da Autora, através do qual declarava impugnar os factos invocados pela Autora no requerimento atrás referido em 42. e 43. como fundamentos de justa causa para a revogação pretendida.
46. Na escritura, o Réu, na qualidade de procurador da Autora, declarou vender a D…, contra a verdade sabida, a fração autónoma referida em 33. e aquele D…, também contra a verdade sabida, declarou comprar-lha pelo preço de 50.000 euros.
41. E ambos falsamente declararam ter sido pago e recebido.
42. Na escritura de 13-12-2004 ambos outorgaram naquele título vontade diferente da sua vontade real.
43. Nem o procurador da Autora (B…) quis vender ou vendeu ao D… o dito imóvel.
44. Nem este o comprou ou quis comprar.
45. Não tendo sido pago nem recebido pela Autora ou pelo procurador qualquer preço.
46. O Réu sabia que violava e contrariava a vontade e a intenção da Autora e bem assim as instruções da mandante e os poderes por ela conferidos no respetivo instrumento de mandato.
47. A qual, conforme ambos sabiam, só havia consentido na venda válida do imóvel, que lhe pertencia, com vista à compra de uma casa melhor.
48. Autora e Ré com o trabalho de ambos sustentavam o lar.
49. Auferindo rendimentos que indistintamente aplicavam nas despesas e encargos não só da economia doméstica como em atividades económicas de interesse comum do casal.”
29.º Foram considerados como não provados os seguintes factos:
“Factos não provados:
42.º: A AA construiu o imóvel a expensas próprias.
50.º: A Autora bem sabia que o Réu B… estava a adquirir para si próprio tal terreno, e com os seus próprios e exclusivos meios?
52.º Os cheques foram depositados na conta referida em 47.
54.º: Que também se encontravam depositadas na conta n.º …….. do K…?
60.º: Pagou os materiais de construção e as obras executadas através de cheques pessoais ou através de dinheiro, extraídos da supra mencionada conta bancária?
65.º: Integrando tal quantia no seu património pessoal, da qual dispôs em seu benefício, como bem próprio e exclusivo?
66.º: Os vendedores do terreno referidos em 43.º e 44.º, o gabinete de engenharia que elaborou o projeto de construção, os funcionários do Departamento de Obras Particulares da Câmara Municipal … que receberam e tramitaram o pedido de licenciamento da construção das habitações, as empresas e empresários que construíram o prédio e os adquirentes da fração "A", tinham conhecimento que os actos praticados pela Autora em nome dela, eram instruções, por conta e no interesse do Réu B…?
69.º: Atos que exigiam que o Réu estivesse em permanência em Portugal, motivo pelo qual, com base na confiança pessoal que depositava na Autora, sua companheira e de quem tinha um filho, o Réu B… incumbiu-a e conferiu-lhe verbalmente poderes para outorgar em nome dela, mas sob as instruções, por conta e no interesse dele, a escritura pública de compra e venda do terreno referido em 43.º e 44.º?
70.º: Poderes que a Autora aceitou e executou?
71.º: Tendo sido por isso que a Autora outorgou, como compradora e sem qualquer referência ao Réu B…, a escritura pública de compra do terreno referido em 43.º e 44.º?
72.º: Bem como apresentou e subscreveu o requerimento de aprovação do projeto de obra e licenciamento da construção junto da Câmara Municipal … e requerido a constituição do prédio construído no regime de propriedade horizontal?
73.º: Tudo segundo instruções, por conta e no interesse do Réu B…?
74.º: Foi também de acordo com as instruções e a mando do Réu B… que a Autora outorgou a procuração referida em C)?
75.º: O que fez de modo livre e consciente, sabendo que através daquele instrumento permitia a transferência da titularidade do aí referido prédio para o próprio Réu B… ou para quem, e pelo preço, cláusulas e condições, este entendesse?
76.º: No cumprimento do que se obrigara perante o Réu B…?
78 (…) com exceção da eletricidade e água, que eram suportadas por este?
79.º: Nenhuma das quantias auferidas pela Autora foi alguma vez depositada em conta bancária de que fosse titular o Réu B…, designadamente na conta n.º …….. do K…, ou nas contas n.s ……......... do H… e ………… do Banco I…?
80.º: A Autora nunca destinou ou usou quaisquer das quantias por si ganhas para pagar, em parte ou na totalidade, as despesas com a escritura pública de compra do terreno referido em 43.º e 44.º, as despesas com o processo de licenciamento da obra e das habitações e as despesas com a constituição da propriedade horizontal?
81.º: As contas n.s ……......... do H… e ……….. do Banco I… foram abertas em 22/05/2003, com quantias e valores monetários pertença exclusiva do Réu B…?
82.º: Resultado do trabalho e negócios que o mesmo desenvolvia sozinho e para si?
83.º: Sendo o Réu B… quem procedia a transferências de outras contas dele ou de outrem, mas a mando dele, e a depósitos diretos de quantias ou cheques relacionados com a sua atividade empresarial ou negocial?
84.º: Sobre a conta n.º ……......... do H… eram efetuados todos os movimentos relacionados com a atividade empresarial do Réu B…, como pagamentos e recebimentos?
86.º Era unicamente o RR B… quem decidia sobre todos os movimentos daquela conta
89.º: A Autora limitava-se a assinar, e raramente preencher, os cheques que o Réu B… lhe apresentava para o efeito?
90.º: Ficando sempre o Réu B… com os livros de cheques e os talões de depósito na sua posse?
91.º: A Autora nunca se deslocou à Agência do H… ou à Agência do I… para tratar de qualquer movimento bancário ou recolher qualquer informação?
92.º: A Autora nunca procedeu a transferências ou efetuou depósitos nessas contas, de montantes provenientes de rendimentos próprios ou resultantes de atividade por si exercida?
94.º: A Autora nunca participou da atividade empresarial e negocial do Réu B…?
95.º: A Autora sabia que estava obrigada a transferir para o Réu B… a fração "B" a que alude a procuração referida em C) da matéria assente, o que fez de livre vontade?”
30.º Da fundamentação jurídica da sentença consta, para além do mais, o seguinte:
“Alegando ser legítima proprietária da fração autónoma inscrita na matriz sob artigo 4494, decorrente da presunção que deriva da inscrição registral do direito em seu nome, peticiona a AA. a declaração de nulidade, por simulação absoluta e, subsidiariamente, de ineficácia em relação à Autora, por abuso de poderes de representação, do contrato de compra e venda (titulado pela escritura pública outorgada no dia 13/12/2004 no Cartório Notarial de Águeda) outorgado pelo Réu B…, em representação da Autora, e pelo Réu D….
Contestam os Réus tal direito de propriedade, alegando o Réu B… que o direito de propriedade sobre tal fração lhe pertence, por ter adquirido o terreno e construído aquela fração com dinheiro próprio e exclusivo. Por sua vez, alegam os RR os Réus D… e E… que adquiriram o imóvel do seu legítimo dono tal fração, invocando atos de posse sobre a mesma (por si e antepossuidores). E nessa medida, peticionam, em sede reconvencional, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a referida fração.
Com relevo para a decisão a causa provou-se que a referida fração "B" do prédio urbano sito na Rua …, …, …, freguesia …, Concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz sob o artigo 4494-B, encontrava-se inscrita a favor da Autora mediante a inscrição G-1 Ap. 15 de 01/06/2001 por aquisição a F… e mulher G…. Por isso, beneficiava da presunção contida no artigo 7.º do Código de Registo Predial, estando dispensada de fazer prova do mesmo, cabendo aos Réus ilidir a mesma - artigo 350º, nº 1, do Código Civil. (…) É que o registo, inscrevendo atos, publicita direitos; e publicita-os da forma precisa como nele se acham definidos. Quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar.”
31.º Mais consta que: “Assumido este pressuposto fundamental, que legitima substantivamente a Autora a deduzir os pedidos que formula, há que analisar se se verificam os pressupostos da simulação absoluta do negócio de compra e venda celebrado sobre tal fração pelos Réus. (…) Declarada a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda relativo à fração autónoma, a qual tem efeitos retroativos, o pedido reconvencional formulado pelos RR Réus D… e mulher, tem necessariamente de improceder. Na verdade, não resulta da factualidade provada quaisquer factos de onde se possa afirmar o direito de propriedade dos mesmos, quer por força da compra a venda, atento o negocio simulado, quer por via da aquisição originaria, uma vez que não há prova de factos reconduzíveis à usucapião.
Improcede, pois, o pedido reconvencional deduzido.
32.º Da sentença identificada nos artigos anteriores foram interpostos recursos.
33.º Por Acórdão proferido pelo TR Porto de 27 de Setembro de 2018 foi o recurso julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida;
34.º Foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
35.º Por Acórdão proferido no dia 11 de Julho de 2019 foi dado provimento parcial aos recursos, anulando o ponto 4.2 do Acórdão recorrido e determinando a reapreciação da matéria de facto rejeitada nesse ponto, procedendo à alteração de outros pontos do acórdão se fosse o caso. Quanto ao mais, foi confirmado o acórdão recorrido.
36.º Baixaram os autos ao TR Porto tendo sido proferido novo Acórdão em 19-03-2020.
37.º Pelo Acórdão referido no artigo anterior foi, em cumprimento do Acórdão do STJ, reapreciada a matéria de facto (o que anteriormente tinha sido rejeitado no ponto 4.2), concluindo-se pela improcedência do recurso interposto sobre a mesma e mantendo inalterada a matéria de facto. Mantendo-se inalterada a matéria de facto, deixou-se como reproduzida a fundamentação de direito do primeiro Acórdão e a consequente confirmação da sentença recorrida.
38.º Da fundamentação do Acórdão proferido pelo TR Porto de 27 de Setembro de 2018, dado como reproduzida no Acórdão de 19-03-2020 consta, para além do mais, o seguinte, no seu ponto 5.1:
“Através da ação que propõe contra os réus, pretende a autora que seja declarado, nulo, por simulação (…) do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 13-12-2004 (…). Tal contrato teve por objeto a fração autónoma inscrita na matriz sob o artigo 4494 que a autora alega pertencer-lhe, com base na presunção do registo que deriva da inscrição registral do direito de aquisição a seu favor.
Resulta efetivamente comprovado que a referida fração encontra-se inscrita a favor da autora (…) por aquisição a F… e mulher (…).
De acordo com o artigo 7º do Código de Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
Se a aquisição do direito de propriedade do prédio se achar registada, beneficia o registrante da presunção de que o direito de propriedade existe e pertence ao titular inscrito nos ermos definidos no registo.
(…) a função do registo predial é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica.
A presunção é ilidível (…).
Contrapondo-se à eficácia meramente declarativa do registo, a usucapião é doada de eficácia constitutiva, que assim prevalece sobre aquele e tem potencialidade de o afastar.
Como elucida Oliveira Ascensão “é preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes, mas nada pode contra a usucapião.”
Defende o Réu B… nas suas alegações de recurso que “a alegação e prova da comunhão ou sociedade de atividade e de resultados provam, desde logo, que a autora não era exclusiva proprietária do imóvel, uma vez que o réu B… como assumido pela autora, também era dono material do mesmo”(…) e que “estando ilidida a presunção registral, teria a autora de provar os elementos constitutivos do direito de propriedade que se arroga, designadamente, a medida do seu direito de propriedade, medida que resultaria da demonstração do acordo (de comunhão ou societário) efetuado entre a autora e o réu B… ou da demonstração da sua contribuição para a aquisição do terreno e para a construção da casa e despesas inerentes - conclusão 49.
Nenhum dos réus pôs em causa a validade do registo, nem a sua eficácia, ainda que meramente declarativa.
A presunção que dele deriva, a favor da autora, não foi, ao contrário do que proclama o réu B…, ilidida.
A comunhão ou sociedade de atividade e de resultados não constitui facto suficiente para permitir concluir que não era a autora a proprietária exclusiva da fração “B” e que o réu B… era também “dono material” da mesma, não sendo também a união de facto fonte de aquisição do direito de propriedade.
Não tendo o mesmo réu logrado demonstrar o exercício de atos compatíveis com a posse perpetuados pelo tempo necessário à aquisição do direito de propriedade por via da usucapião – o que a verificar-se se sobreporia à eficácia declarativa do registo, afastando a presunção que dele deriva -, necessariamente que se terá de concluir que não se mostra ilidida a presunção do registo, constituído a favor da autora que, assim, ao contrário do que sustenta o réu, não terá de fazer prova dos elementos constitutivos do seu direito de propriedade, nem da medida desse direito. (…)”
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:
41. Da nulidade por omissão de pronúncia e obscuridade
Defende o Apelante que o despacho sob recurso é nulo, por omissão de pronúncia, falta de fundamentação e obscuridade, que constituem causa de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, e 615º, nº 1, als. b), c) e d), ambos do CPC.
Diz o Apelante que o Tribunal recorrido entendeu que o reconhecimento do direito da aqui ré como proprietária do imóvel em causa nos autos, na ação 121/06, é um antecedente lógico e necessário dos comandos decisórios dessa ação e que, como tal, encontra-se abrangido pela autoridade do caso julgado, impedindo se discuta novamente, na presente ação, a propriedade do imóvel.
Porém, o autor/recorrente deduziu, na presente ação, três pedidos principais e um pedido de natureza subsidiária, designadamente, que fosse declarado que o autor é o único dono e legítimo possuidor do prédio, sito em …, composto pela fração B, do artigo 4494, da freguesia …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 8527, por o ter adquirido por usucapião (1º pedido principal), que fosse a ré condenada a reconhecer o autor como o único e legítimo dono do referido prédio e a proceder à respetiva entrega ao autor (2º pedido principal), que fosse ordenado o cancelamento da inscrição registral a favor da ré (3º pedido principal) e que fosse a ré condenada a restituir ao autor, a título de enriquecimento sem causa, quantia correspondente ao valor do imóvel, no montante de € 130.000,00 e nunca inferior a € 119.000,00, ou ao menos correspondente ao valor que resultar de perícia a efetuar ao mesmo na presente ação (pedido subsidiário).
Entende o Recorrente que, relativamente ao pedido subsidiário deduzido pelo autor, a decisão proferida nada diz quanto a essa questão e dela também não contém os concretos fundamentos jurídicos e o iter lógico-racional até à conclusão de que esse pedido também está afetado, irremediavelmente, pela autoridade do caso julgado, nos termos em que esta foi definida (através do antecedente lógico e necessário do reconhecimento da propriedade), pelo que a sentença é nula por omissão de pronúncia.
Vejamos.
O Tribunal a quo proferiu despacho saneador, tendente a conhecer das exceções dilatórias que foram arguidas pela ré, na contestação, após ter solicitado a necessária documentação ao processo 121/06.6TBOR, por entender dispor dos necessários elementos para tal, (cfr. art. 593º do C.P.C.), vindo a julgar procedente a exceção do caso julgado (inicialmente arguida como litispendência, visto que aquele processo ainda se encontrava pendente), com a consequente absolvição da Ré da instância.
Ocorre omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de conhecer questão suscitada ou não aprecie alguma pretensão.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis [1], “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Constitui jurisprudência pacífica [2] que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Significa isto que a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Na síntese do acórdão do STJ, de 2011.02.08[3] :“Por outro lado, como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do Art.º 668 nº1 d) [atual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)] do C.P.C., daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia”.
No caso em apreço, o tribunal recorrido, conclui da seguinte forma:
“A decisão proferida no primeiro processo, na parte em que, na sua fundamentação reconhece à autora o direito de propriedade sobre a fração B, projeta a sua autoridade de caso julgado na presente ação na sua já referida eficácia positiva, relativa à vinculação subjetiva à não contradição e à repetição adjetiva da decisão sobre a situação substantiva ou antes, projeta-se como impedimento subjetivo à repetição do conteúdo do aí decidido e (simultaneamente) à contradição do conteúdo dessa decisão.
Assim não seria se novos factos, ocorridos posteriormente ao processo 121/06 tivessem ocorrido e tivessem sido alegados, o que não é o caso.
Pode assim dizer-se que na presente ação o autor pretende, relativamente ao direito de propriedade que foi reconhecido no primeiro processo à autora, que o tribunal decida sobre o mesmo objeto duas vezes e que decida sobre ele de maneira diferente (ou seja, reconhecendo-lhe o direito de propriedade que não reconheceu no primeiro processo, a título de exceção), sem alegar factos supervenientes sobre a data em que contestou a primeira ação. A isso obsta a exceção dilatória do caso julgado, sob a vertente da autoridade de caso julgado e o princípio da preclusão que garantem, não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica, obstando a que o juiz do segundo processo seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada. A força do caso julgado material abrange, para além das questões decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão desse comando decisório”.
Porém se neste segmento conclusivo, o tribunal recorrido se debruça apenas sobre o pedido principal formulado nesta ação pelo autor (de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fração objeto desta ação), tal não quer dizer que tenha omitido pronúncia sobre o pedido subsidiário, formulado pelo autor nesta ação que consistiu no seguinte: - Subsidiariamente, ser a ré condenada a restituir ao autor, a título de enriquecimento sem causa, quantia correspondente ao valor do imóvel, no montante de € 130.000,00 e nunca inferior a € 119.000,00, ou ao menos correspondente ao valor que resultar de perícia a efetuar ao mesmo, na presente ação.
Da fundamentação do despacho, constata-se que aquele pedido subsidiário não ficou “esquecido” na apreciação da exceção dilatória do caso julgado.
O Tribunal faz-lhe referência expressa, ao afirmar: “Já nesse processo o autor alegou, na contestação, que era proprietário da fração B e as razões pelas quais o considerava e que são as mesmas que invoca neste processo. Não é pelo facto de não ter deduzido reconvenção no primeiro processo que o aí réu e ora autor pode, sob a roupagem de uma nova ação e sob uma diferente qualificação jurídica – usucapião e, subsidiariamente o enriquecimento sem causa -, vir alegar os factos que já tinha alegado na contestação ao primeiro processo instaurado pela autora.”
No despacho sob recurso, o tribunal entendeu não diferenciar da solução jurídica adotada – absolvição da instância em consequência do caso julgado – por entender que pedido subsidiário assenta na alegação dos mesmos factos que o ora autor, já tinha alegado na contestação ao primeiro processo instaurado pela autora.
Daqui decorre o entendimento expresso na sentença recorrida que quer o pedido principal, quer o pedido subsidiário do enriquecimento sem causa assentam nos mesmos factos alegados na contestação, no primeiro processo e como tal encontram-se cobertos pela exceção do caso julgado que foi julgada procedente.
Não ocorre assim a nulidade arguida, não se verificando igualmente qualquer obscuridade na decisão recorrida.
4.2 Da exceção do caso julgado/autoridade do caso julgado.
Discorda o Apelante da decisão proferida por entender que o caso julgado material, seja enquanto exceção, seja na veste de autoridade do caso julgado, incide sobre decisões sobre as questões jurídicas colocadas pelas partes à apreciação dos tribunais e não sobre factos ou juízos probatórios.
Alega que é incompreensível que a decisão proferida aduza como fundamentação a repetição pelo autor/recorrente, na presente ação, da matéria já por si alegada, em sede de impugnação, no processo 121/06, mesmo quando essa matéria por si alegada não foi dada como assente, o que é o mesmo que dizer que o Tribunal a quo faz estender a eficácia do caso julgado, na veste de autoridade, não só aos factos provados – o que não é admissível -, mas também aos factos não assentes.
Que nenhum direito do autor, a qualquer dos efeitos jurídicos que peticiona na presente ação, ficou precludido em face da posição que assumiu e/ou poderia ter assumido no processo 121/06, uma vez que a única exigência que se lhe impunha era discutir e contraditar os factos da simulação (o que fez).
Alega por último que a decisão nega ao autor (denegação de justiça), o direito deste discutir as relações patrimoniais nascidas, entre ele e a ré, na vigência da união de facto, e em concreto a medida da contribuição de cada um para a aquisição do imóvel e a atribuição deste imóvel (no todo ou em parte) ou a restituição do que terá pago, na medida do seu empobrecimento.
Decidindo.
O que está em causa neste recurso é (tão só) saber se, tendo transitado em julgado as decisões proferidas no processo 121/06.6TBOR, as mesmas impedem que o Tribunal aprecie os pedidos formulados nesta ação, o que equivale a saber se estes se encontram ou não abrangidos pela autoridade do caso julgado daquelas decisões judiciais.
Não há dúvida que existe uma interligação entre o objeto da ação 121/06.6TBOR que se encontrava pendente, aquando da propositura desta ação e o objeto da presente ação.
Na verdade, o autor recorre a juízo, interpondo esta ação contra a ré, alegando desde logo[4] pretender “acautelar-se” dos efeitos duma decisão desfavorável naquela ação, que já havia sido proferida na data da p.i, mas que se encontrava sob recurso.
O autor expressamente declara pretender acautelar-se da possibilidade de na identificada ação vir a ser definitivamente julgada procedente a nulidade da compra e venda, por simulação (negócio em que o autor interveio como vendedor, em representação da ré, munido de uma procuração que foi objeto de impugnação na ação que veio a ser apensada ao processo 121/06.6TBOR e que foi aí julgada conjuntamente), e em consequência a ré vir a readquirir a titularidade registral do imóvel composto pela fração B, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … com o artigo 4494 e descrita na conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro nº 8527, precisamente o imóvel de que o autor se arroga proprietário nesta ação e cujo direito de propriedade pretende que aquela ré lhe reconheça.
A verdade é que o “receio” do autor concretizou-se, já que na aludida ação ficou definitivamente decidido o seguinte:
-foi declarada a nulidade do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 13/12/2004, lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de Águeda na qual o Réu B… declarou vender em representação da Autora C… ao Réu D…, pelo preço de cinquenta mil euros, a fração autónoma inscrita na matriz sob artigo 4494, com valor patrimonial tributário de €49.005, descrita na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob n.º 8.527 e o Réu D… declarou aceitar essa venda e que a fração adquirida se destinava exclusivamente a habitação.
-Foi determinada o cancelamento da inscrição G-1, Ap. 04/050203 relativa ao mesmo imóvel (fração autónoma), através da qual D… registou a aquisição da mesma a seu favor na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro, assim como o cancelamento de todos os registos pela inscrição G-1, Ap. 04/050203.
-Foi declarada extinta, por caducidade verificada em 13/12/2004, a procuração outorgada no Cartório Notarial de Águeda a cargo da Notária J… no dia 14 de Setembro de 2004, que se encontra arquivada naquele cartório Notarial com a escritura pública celebrada em 13.12.04, por esgotamento do seu objeto, naquele dia 13.12.04, através da qual a Autora constitui o Réu seu bastante procurador, com a concessão de poderes especiais para, em seu nome, prometer vender ou vender, a quem ele quisesse, pelo preço cláusulas e condições que entender convenientes, podendo ele mandatário comprar para si, a fração autónoma a que corresponde a letra "B" de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, …, …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na respetiva matriz sob o art. 4.494, podendo requerer em todas as repartições tudo quanto ao ditos atos se tornasse necessário.
-Foi declarada extinta, por revogada, com efeitos a partir de 14/04/200, a procuração que constitui o documento n.º 3 junto com a petição inicial, datada de 14.09.04, com termo de autenticação nessa data celebrada no Cartório Notarial de Águeda, através da qual a Autora concedeu a B… os poderes necessários para ele movimentar todas as quantias, títulos, ações e obrigações que estejam depositadas no Banco I…, incluindo movimentar, vender, comprar ou liquidar as 7.871 ações do Banco K… relativas à conta n. ……….. do I…, Sucursal …, podendo para isso tudo quanto se mostre essencial ao cumprimento do mandato.
- foi julgado improcedente o pedido de declaração de nulidade da escritura pública outorgada no dia 13/12/2004, lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de Águeda.
Do exposto resulta comprovado que a referida fração B, encontra-se atualmente e em consequência desta decisão transitada em julgado, inscrita a favor da autora (…) por aquisição a F… e mulher (…), por ter sido anulada a compra e venda que teve por objeto a aludida fração, feita pela ré a terceiros.
Ora, de acordo com o artigo 7º do Código de Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
Presumindo-se o direito de propriedade a favor da aqui Ré, pode ou não o autor perante aquela demonstrar ser ele o proprietário da fração, por a ter adquirido por usucapião, como pretende fazer nesta ação?
Ao beneficiar da presunção do direito, tal significa que a ré se encontra dispensada de provar quer a aquisição originária, quer as aquisições derivadas anteriores á aquisição que conseguiu inscrever.
Na verdade, de acordo com o disposto no art. 350º do C.C., quem tem a seu favor uma presunção legal, carece de provar o facto a que ela conduz.
Porém, esta presunção, porque iuris tantum pode ser ilidida por prova em contrário (art. 350º n.º 2 do C.C.).
Daí que, á partida, nada impeça o autor de em ação proposta contra a ré vir a afastar aquela presunção, demonstrando que tem sobre o imóvel direito real incompatível com a mesma.
Só assim não será, se esta questão, tiver sido já apreciada pelo tribunal mediante decisão transitada em julgado, entendimento acolhido pelo tribunal recorrido, que por esse motivo absolveu a ré da instância, impedindo o autor de demonstrar nesta ação, o seu alegado direito de propriedade.
Para saber se ocorre ou não este impedimento, importará pois, antes do mais, debruçarmo-nos sobre o conceito de caso julgado.
Nos termos do artº 619º, nº 1 do C.P.C. “Transitada em julgado a sentença, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a matéria de facto controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 480 e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Por sua vez, dispõe o artº 621º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
As decisões judiciais, em especial as sentenças, conduzem à pacificação das relações jurídicas controvertidas, contribuindo para a indispensável segurança jurídica e social (cf. art.º 619.º, n.º 1 e 621.º, ambos do CP Civil).
Por inerência, razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta, quer por via da exceção do caso julgado, quer por via da exceção da autoridade de caso julgado ou efeito positivo externo do caso julgado.
Os aludidos preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (artº 628º do C.P.C.) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
Porém, é habitual, na jurisprudência, assim como na doutrina, proceder-se á distinção no caso julgado entre a sua “vertente negativa” e a “vertente positiva”, defendendo-se que na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a “exceção de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.[5]
O instituto do caso julgado exerce, tal como é reconhecido, duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 580º do C.P.C.). A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Em qualquer dos casos o que está em causa são exigências de segurança e de certeza jurídicas, necessárias ao tráfico jurídico-económico, bem como a necessidade de acautelar o prestígio dos tribunais, evitando situações em que os tribunais sejam confrontados com a alternativa de contradizer uma anterior decisão sobra a mesma situação concreta, ou de reproduzir essa mesma decisão anterior.
Explica o Prof. Lebre de Freitas [6] que “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa [7], “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Relativamente á situação em apreço, não há dúvida que o caso julgado, enquanto exceção dilatória (isto é na sua vertente negativa) se encontra afastado, visto que o mesmo pressupõe a tríplice identidade, (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, como impõe o art. 581º do CPC), que manifestamente se não verifica no confronto desta ação com a ação a qual tem desde logo um pedido e causa de pedir distintos.
Na ação 121/06.6TBOR a autora (aqui ré) pretendia obter a declaração de nulidade do contrato de compra e venda do imóvel dos autos, invocando os factos necessários á demonstração da ocorrência da simulação invocada, já nesta ação o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a aludida fração, invocando a cessação da união de facto com a ré e a aquisição da fração com dinheiros próprios, invocando a aquisição do direito por usucapião.
Afastada a exceção dilatória do caso julgado, importará agora averiguar se se verificou ofensa à autoridade de caso julgado, que não se confunde com aquela exceção dilatória.
Encontra-se esquematicamente traçada a divisão entre as duas figuras no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010, [8] da seguinte forma:
“I - A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.”
Importará, pois apurar se o caso julgado material da decisão transitada proferida na ação nº 121/06.6TBOBR se projeta neste processo enquanto autoridade de caso julgado, isto é, enquanto proibição de contradição da decisão anterior e imposição/vinculação de repetição da decisão anterior, que contém para o tribunal um comando de omissão que lhe estabelece o não proferimento de decisão idêntica ou diversa da anterior em relação a todos os pedidos ou à totalidade dos pedidos formulados.
Pressupondo que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida (nesse sentido), a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º do C.P.C.
Constitui entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – ver por todos os acórdãos do STJ de 12.07.2011 e de 21.3.2013 [9].
Como diz Miguel Teixeira de Sousa [10] “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.”
Isto posto, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 581° do CPC,
Como explicava o Professor Alberto dos Reis [11] “É em função do teor da decisão que se mede a extensão objetiva do caso julgado”, consequentemente, a autoridade deste.
Assim a nossa atenção deverá apenas recair apenas sobre a questão de saber se autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida no processo 121/06.6TBOR impede ou não o Apelante de ver discutida nesta ação o direto de propriedade que se arroga, adquirido por usucapião.
Quanto á questão da discussão sobre o direito de propriedade do aqui autor, concordamos integralmente com a decisão recorrida, que se encontra muito bem fundamentada.
Apesar de não ter deduzido pedido reconvencional, o aqui autor, réu na ação 121/06TBBOR apresentou contestação, invocando factos impeditivos do direito da autora de ver declarada a nulidade da compra e venda por simulação, negando que a autora fosse proprietária do imóvel identificado na petição inicial; alegando que foi o Réu que em 2001 comprou, a F… e mulher G…, o terreno inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o artigo 7313, unicamente para si próprio e no seu exclusivo interesse, tendo pago a totalidade do preço daquele terreno com cheques pessoais sacados sobre a conta n.º……... de que era o único e exclusivo titular.
Mais alegou que nesse terreno o Réu construiu o prédio urbano identificado na petição inicial com dinheiro próprio, incumbindo a Autora de outorgar a escritura pública de venda da fração "A" daquele prédio a favor de terceiros adquirentes por ele escolhidos, tendo recebido e feito seu o preço da venda dessa fração A.
Alegou igualmente que os vendedores daquele terreno, o gabinete de engenharia que elaborou o projeto de construção, os funcionários do Departamento de Obras Particulares da Câmara Municipal … que receberam e tramitaram o pedido de licenciamento da construção das habitações, as empresas e empresários que construíram o prédio e os adquirentes da fração "A", tinham conhecimento que os atos praticados pela Autora em nome dela eram sob instruções, por conta e no interesse do Réu B….
Invocou ainda que a Autora outorgou a procuração de 14 de Setembro de 2004 no Cartório Notarial de Águeda de modo livre e consciente, bem sabendo que através daquele instrumento permitia a transferência da titularidade do prédio ali referido para o Réu B… ou para quem e pelo preço, cláusulas e condições que este entendesse, no cumprimento do que se obrigara perante este. E foi no uso dos poderes conferidos por tal procuração que o Réu B… vendeu ao Réu D… aquela fração, pelo preço de €50.000,00, que recebeu, tendo a quantia de €16.000,00 sido paga em dinheiro, a quantia de €10.000,00 por compensação com crédito por obras efetuadas pelo Réu D… e €24.000,00 por compensação com as rendas relativas a cinco anos, devidas pelo contrato de arrendamento celebrado com os Réus D… e mulher, referente ao mesmo imóvel.
Ou seja, alegou na contestação, tendo em vista a improcedência da ação movida pela ora ré, ali autora, a factualidade que ora invoca nesta ação, tendo em vista o reconhecimento do seu invocado direito de propriedade, sobre a mesma fração B, impeditivo da invalidade da compra e venda que constituía o objeto daquela ação judicial.
E o Tribunal naquela ação teve oportunidade de apreciar a existência daquele direito de propriedade do réu, uma vez que, conforme resulta supra dos factos assentes, nomeadamente do facto 38, onde se reproduziu parcialmente a fundamentação do Acórdão proferido pelo TR Porto de 27 de Setembro de 2018, dado como reproduzida no Acórdão de 19-03-2020 consta, consta, para além do mais, o seguinte:
Através da ação que propõe contra os réus, pretende a autora que seja declarado, nulo, por simulação (…) do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 13-12-2004 (…). Tal contrato teve por objeto a fração autónoma inscrita na matriz sob o artigo 4494 que a autora alega pertencer-lhe, com base na presunção do registo que deriva da inscrição registral do direito de aquisição a seu favor.
Resulta efetivamente comprovado que a referida fração encontra-se inscrita a favor da autora (…) por aquisição a F… e mulher (…).
A presunção é ilidível (…).
Contrapondo-se à eficácia meramente declarativa do registo, a usucapião é doada de eficácia constitutiva, que assim prevalece sobre aquele e tem potencialidade de o afastar.
Defende o Réu B… nas suas alegações de recurso que “a alegação e prova da comunhão ou sociedade de atividade e de resultados provam, desde logo, que a autora não era exclusiva proprietária do imóvel, uma vez que o réu B… como assumido pela autora, também era dono material do mesmo”(…) e que “estando ilidida a presunção registral, teria a autora de provar os elementos constitutivos do direito de propriedade que se arroga, designadamente, a medida do seu direito de propriedade, medida que resultaria da demonstração do acordo (de comunhão ou societário) efetuado entre a autora e o réu B… ou da demonstração da sua contribuição para a aquisição do terreno e para a construção da casa e despesas inerentes - conclusão 49.
Nenhum dos réus pôs em causa a validade do registo, nem a sua eficácia, ainda que meramente declarativa.
A presunção que dele deriva, a favor da autora, não foi, ao contrário do que proclama o réu B…, ilidida.
A comunhão ou sociedade de atividade e de resultados não constitui facto suficiente para permitir concluir que não era a autora a proprietária exclusiva da fração “B” e que o réu B… era também “dono material” da mesma, não sendo também a união de facto fonte de aquisição do direito de propriedade.
Não tendo o mesmo réu logrado demonstrar o exercício de atos compatíveis com a posse perpetuados pelo tempo necessário à aquisição do direito de propriedade por via da usucapião – o que a verificar-se se sobreporia à eficácia declarativa do registo, afastando a presunção que dele deriva -, necessariamente que se terá de concluir que não se mostra ilidida a presunção do registo, constituído a favor da autora que, assim, ao contrário do que sustenta o réu, não terá de fazer prova dos elementos constitutivos do seu direito de propriedade, nem da medida desse direito. (…)”.
No caso em apreço, o reconhecimento do direito de propriedade do autor, por usucapião, nesta ação, implica uma repetição, nesta parte do objeto da ação 121/06.6TBOR, importando uma vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada, e o efeito impeditivo dos sujeitos à repetição e à contradição da decisão transitada.
E mesmo que se entendesse que o aqui autor, réu naquela ação não tenha invocado a aquisição do direito de propriedade por usucapião, sempre estaria impedido de o fazer nesta nova ação, pois a tanto o impediria um outro princípio, conexo com a figura do caso julgado, que é o princípio da preclusão.
Com efeito, em relação ao réu (posição que o ora autor ocupava na ação 121/06TBBOR) vigora o princípio da concentração da defesa na contestação - art. 573º, nº 1 do CPC – que lhe impõe que toda a defesa que seja possível deduzir, seja efetivamente deduzida na contestação, sob pena de o não poder ser em momento posterior. Este princípio tem, em relação ao réu, reflexo nos limites objetivos do caso julgado formado sobre a decisão que venha a ser proferida abrange o discutido e o que o poderia ter sido – tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat – impossibilitando que o réu possa invocar em ação posterior os factos que devendo ter alegado como fundamento da oposição deduzida em anterior ação.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 6 de fevereiro de 2020 [12] “O efeito preclusivo antes referido aplica-se igualmente aos fundamentos que ao réu tivesse sido possível ter invocado como contra-direito em reconvenção. Com efeito, muito embora a dedução da reconvenção seja facultativa – artº266º, nº 1, do CPC - o princípio da liberdade de reconvir “não vale de forma absoluta ou irrestrita, tendo o réu sempre de jogar, no momento em que contesta, com a probabilidade de vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. Porque sobre esta se forma caso julgado material, o réu não pode, através de uma ação, com base em factos anteriores ao encerramento da discussão no primeiro processo, vir a afetar o teor da sentença neste proferida”.
Do exposto resulta que, tal como se entendeu na sentença sob recurso, o ora autor encontra-se impedido de nesta ação ver reconhecido o direito de propriedade que invoca sobre a fração B a que se reportam estes autos, uma vez que essa questão foi apreciada e decidida no processo 121/06TBBOR, encontrando-se a coberto da autoridade do caso julgado.
Apenas se não concorda é com as consequências da verificação da autoridade do caso julgado.
Na sentença sob recurso, foi a ré absolvida da instância por verificação da exceção dilatória do caso julgado.
Ora, conforme ficou supra explicitado a autoridade do caso julgado não se confunde com a exceção dilatória do caso julgado. A exceção dilatória do caso julgado conduz á absolvição da instância nos termos do disposto no art.576º nº 2 do C.P.C.
Já a verificação da autoridade do caso julgado implica que o tribunal conheça do mérito do pedido de reconhecimento do direito de propriedade, julgando-o (no caso em apreço) improcedente em consequência da imposição da autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo 121/06TBBOR, onde, na respetiva fundamentação ficou afastada a existência de tal direito, isto é por se mostrar incompatível tal pedido com o sentido daquela decisão transitada em julgado.
Impõe-se assim nesta parte a alteração da decisão sob recurso, que absolveu a ré da instância.
Por último, haverá agora que aferir se este raciocínio pode ser estendido ao pedido subsidiário formulado pelo autor nesta ação (tal como fez implicitamente na decisão sob recurso).
4.3 Do enriquecimento sem causa
Relativamente a este pedido, pensamos que o mesmo não se pode considerar incluído na autoridade do caso julgado da decisão proferida no 121/06TBBOR.
Com efeito, para o caso de improcedência do pedido principal que é de lhe ser reconhecida a propriedade sobre o mesma fração, pede o réu que a ré seja condenada a restituir-lhe a quantia equivalente ao valor do imóvel com que se locupletou, isto porque alega o autor, foi ele quem custeou exclusivamente o imóvel, pelo que inexiste causa para o enriquecimento da ré. Alega para tanto que viveu em união de facto com a ré e tendo cessado essa união, constata que o aludido imóvel foi adquirido pela ré, tendo sido, porém o autor quem contribuiu para a aquisição do terreno e para a construção da casa e despesas inerentes com dinheiro, o que no caso em apreço redunda num enriquecimento da ré, á custas do seu empobrecimento.
Esta factualidade foi invocada pelo réu na contestação da ação 121/06TBBOR, para demonstrar ser ele o proprietário da fração B e tais factos foram julgados não provados. (ver facto supra 29).
Nos fundamentos da decisão proferida pode ler-se o seguinte [13]: “a alegação e prova da comunhão ou sociedade de atividade e de resultados provam, desde logo, que a autora não era exclusiva proprietária do imóvel, uma vez que o réu B… como assumido pela autora, também era dono material do mesmo”(…) e que “estando ilidida a presunção registral, teria a autora de provar os elementos constitutivos do direito de propriedade que se arroga, designadamente, a medida do seu direito de propriedade, medida que resultaria da demonstração do acordo (de comunhão ou societário) efetuado entre a autora e o réu B… ou da demonstração da sua contribuição para a aquisição do terreno e para a construção da casa e despesas inerentes - conclusão 49.
Nenhum dos réus pôs em causa a validade do registo, nem a sua eficácia, ainda que meramente declarativa.
A presunção que dele deriva, a favor da autora, não foi, ao contrário do que proclama o réu B…, ilidida.
A comunhão ou sociedade de atividade e de resultados não constitui facto suficiente para permitir concluir que não era a autora a proprietária exclusiva da fração “B” e que o réu B… era também “dono material” da mesma, não sendo também a união de facto fonte de aquisição do direito de propriedade.
Não tendo o mesmo réu logrado demonstrar o exercício de atos compatíveis com a posse perpetuados pelo tempo necessário à aquisição do direito de propriedade por via da usucapião – o que a verificar-se se sobreporia à eficácia declarativa do registo, afastando a presunção que dele deriva -, necessariamente que se terá de concluir que não se mostra ilidida a presunção do registo, constituído a favor da autora que, assim, ao contrário do que sustenta o réu, não terá de fazer prova dos elementos constitutivos do seu direito de propriedade, nem da medida desse direito. (…)”
O tribunal debruça-se sobre uma questão diversa da ora invocada como causa de pedir- do enriquecimento sem causa – que é a da demonstração do direito de propriedade do réu.
O enriquecimento sem causa (art. 473º do C.Civil) supõe uma deslocação patrimonial injustificada, ilegítima, injusta e, portanto, indevida. O enriquecimento de alguém somente será injusto, dando por isso lugar à restituição dos valores recebidos quando a entrega desses valores não seja determinada por uma causa justificativa.
É necessário que haja um enriquecimento, que pode consistir na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, através do aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, ou ainda poupança de despesas.
Ora este é um objeto diverso da questão da propriedade do imóvel, embora o seu conhecimento assente em factos comuns a factos que o ora autor, ali réu, invocou na ação 121/06TBBOR.
Com efeito, o autor alegou na contestação, assim como alega agora nesta ação em suma, que foi com o fruto do seu trabalho que custeou a aquisição do terreno e a construção e legalização da moradia, sendo que a ré não disponibilizou qualquer quantia monetária para tal. Assim, tendo cessado a vivência em comum do autor e ré, (que viviam em união de facto) esta ficou enriquecida no seu património em valor equivalente ao valor da moradia e o réu ficou empobrecido em valor equivalente.
Importa não olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Ora nada nos autos permite concluir que o Autor tenha contrariado, com o seu pedido subsidiário de enriquecimento sem causa, a decisão proferida na ação 121/06TBBOR.
Como vimos supra, a autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado.
Com tem sido entendimento maioritário da jurisprudência, e como se depreende do disposto nos artigos 91.º e 581.º do CPC, a autoridade do caso julgado abrange a decisão contida na sentença bem como, em certos termos, os seus fundamentos. A eficácia do caso julgado não se limita, de facto – saliente-se –à decisão final. Na realidade, “embora se aceite que a eficácia de caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”[14]
No caso em apreço, nos fundamentos da decisão preferida na ação 121/06TBBOR, foi apreciada a questão da eventual contribuição de dinheiros próprios do ora autora para a aquisição da fração B tendo em vista a eventual demonstração daquele do direito de propriedade do ora autor sobre a aludida fração, mas já não na perspetiva do eventual enriquecimento sem causa da ré.
Significa isso que relativamente ao pedido subsidiário formulado nesta ação, entendemos que não ocorre violação da autoridade de caso julgado.
Mas importará saber se ocorre violação do princípio da preclusão, que está ligado á figura do caso julgado no sentido da máxima latina, segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível” ou “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debet”.
O princípio da preclusão, não se resume aos meios de defesa que o réu deduziu, mas “mesmo aos que ele não chegou a deduzir e até aos que ele poderia ter deduzido com base num direito seu (por ex.: ser ele, Réu, o proprietário do prédio objeto da venda).
A questão é saber se o réu deveria ter invocado na ação 121/06TBBOR, o enriquecimento sem causa da ré, para o caso de aquela ação ser julgada procedente com efeito dali decorrente de ser a ré, ali autora, em consequência da nulidade da venda, considerada a proprietária exclusiva do imóvel em discussão.
Ou seja, o raciocínio que o réu faz na petição inicial nesta ação de ter de se “precaver” quanto á eventual procedência da ação121/06TBBOR, pedindo a condenação da ré no pagamento do valor do imóvel, por ter sido construído a expensas do autor, com fundamento em enriquecimento sem causa, deveria ter ocorrido naqueloutra ação, onde invocou precisamente aquela factualidade, para demonstrar o seu invocado direito de propriedade.
A preclusão, enquanto fenómeno processual, mostra correlatividade com um ónus processual, ou seja, o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cfr. artigo 573º, nº 1 do Código de Processo Civil), isto é, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação - na sugestiva expressão de CASTRO MENDES, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa»[15] pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, por razões de lealdade na litigância processual, a que subjazem, igualmente, razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram, mas poderiam ter sido, invocados.
Sublinhando as consequências mais importantes do aludido princípio, esclarece Manuel de Andrade[16]: «devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha».
A razão de ser do princípio da preclusão está relacionada quer com a lealdade das partes (compelindo-as a fazerem jogo franco desde o início) e na segurança jurídica que não pode consentir que, após a prolação de uma decisão transitada em julgado, a parte vencida possa instaurar outra ação em que alegue factos, não invocados na ação anterior, que teriam inviabilizado a procedência da primeira causa.
Por essa razão, a lei impõe o princípio da preclusão da defesa, ao dispor que toda a defesa deve ser deduzida na contestação – art. 573º do CPC.
No objeto da aludida ação, que tinha em vista a anulação de um negócio de compra e venda, na discussão da invalidade da compra e venda foi incluída a questão, trazida pela aí autora (ora ré) e pelo réu (ora autor) da propriedade da fração B supra identificada, alegando a aí autora ter sido a mesma construída a suas expensas exclusivamente, enquanto durou a união de facto com o réu e este, alegou na mesma ação o contrário, que foi ele quem adquiriu o terreno com dinheiro seu e construiu ali a fração autónoma também exclusivamente com capitais seus.
Nesta ação discutiu-se assim, tendo em vista aferir o direito de propriedade invocado pelo ali réu sobre o imóvel objeto da venda simulada a quem pertencia o capital utilizado quer na aquisição do terreno, quer na construção da fração.
Como vimos, a autoridade do caso julgado da decisão anterior não se estende à questão do enriquecimento sem causa, que não foi objeto de discussão naquela ação.
A questão é pois saber se o réu tinha o ónus de ter invocado o enriquecimento sem causa da ré, pedindo em via reconvencional, caso a aquela ação procedesse, que a ré o restituísse das quantias com que contribuiu para a compra do terreno e construção do imóvel.
Apesar da questão se apresentar como discutível, cremos que a resposta a esta questão deva ser negativa, pelas seguintes razões:
Como salienta Miguel Teixeira de Sousa [17] “a preclusão resulta da omissão da prática de um acto depois do momento legal ou judicialmente fixado, ou seja, normalmente a preclusão é temporal.”, distinguindo a esse respeito a preclusão intraprocessual e a extraporcessual:
“A preclusão (temporal) obsta a que, num processo pendente, um acto possa ser praticado depois do seu momento de realização definido pela lei ou pelo juiz: é a preclusão intraprocessual. Por exemplo: (i) na petição inicial, o autor tem o ónus de alegar os factos que constituem a causa de pedir (art. 552.o, n.o 1, al. d)); se o não fizer, não pode alegar esses factos em momento posterior da acção; (ii) no final da petição inicial, o autor tem o ónus de indicar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (art. 552.o, n.o 2 1.a parte); se não cumprir este ónus, esse demandante não pode entregar mais tarde o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo anterior também não pode ser realizado num processo posterior.
Importa salientar um aspeto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exatamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num processo posterior. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num processo posterior.”
A questão que a que se deve dar resposta é a de saber se o aqui autor deveria ter invocado o enriquecimento sem causa na ação121/06TBBOR, sendo certo que a fazê-lo teria ser pela via reconvencional, o que por si não afasta a aplicabilidade da preclusão extraproecssual.[18]
Só que como salienta Miguel Teixeira de Sousa [19] se a preclusão intraprocessual é, naturalmente, autónoma de qualquer caso julgado, já a preclusão extraprocessual está intimamente ligada ao caso julgado, concluindo aquele professor que “(…) depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a atuar através da exceção de caso julgado.
Ora no caso em apreço, como vimos o caso julgado ficou afastado relativamente a esta pretensão do autor fundada no enriquecimento sem causa.
Na verdade, o pedido ora formulado, em nada contraria a decisão proferida na ação ação121/06TBBOR (que julgou nula por simulação a compra e venda); o eventual direito á restituição não se fundamenta no direito de propriedade do ora autor (que foi afastado naquela ação), mas na contribuição monetária para a sua aquisição no quadro da união de facto do autor e ré e por último, o instituto do enriquecimento sem causa mostra-se subsidiário, isto é, apenas pode ter lugar quando a lei não faculte outro meio ao “empobrecido” (cfr. art. 474º do C.Civil.
Pelo exposto entendemos que não ocorre nem a exceção do caso julgado, nem a autoridade do caso julgado, nem a violação do princípio da preclusão no que respeita o pedido subsidiário formulado nesta ação, nada impedindo assim que o ora autor o veja discutido nesta ação autónoma.
Terá assim que, nesta parte, ser julgada procedente a apelação.

V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o saneador sentença ser alterado, julgando-se improcedentes os pedidos formulados na p.i de declaração do autor como único dono e legítimo possuidor do prédio, sito em …, composto pela Fração B, do artigo 4494, da freguesia … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 8527; da condenação da ré a reconhecer o autor como o único e legítimo dono do referido prédio e a proceder à respetiva entrega ao autor e consequente alteração da inscrição registral, por violação da autoridade do caso julgado.
No demais são julgadas improcedentes as exceção do caso julgado, a autoridade do caso julgado e violação do princípio da preclusão, devendo os autos prosseguir os ulteriores e normais termos para apreciação do pedido subsidiário formulado na ação.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Custas pelo apelante.

Porto, 25 de maio de 2021
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
______________
[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143.
[2] Ver por todos o acórdão do STJ de 27.3.2014 (P555/2002), disponível in www.dgsi.pt
[3] Relator Moreira Alves, www.dgsi.pt.jstj - proc. 842/04.8TBTMR.C1.S1.
[4] Cfr. art. 5º da petição inicial.
[5] Cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017, Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 22.06.2017, Proc. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354.
[7] In O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss.
[8] de que foi Relator, o Juiz Desembargador, Jorge Arcanjo, acórdão disponível in www.dgsi.pt.
[9] Disponíveis in www.dgsi.pt. (processo 129/07.4.TBPST.S1 e processo 3210/07.6TCLRS.L1.S1, respetivamente
[10] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579.
[11] In Código de Processo Civil anotado, vol. V, pg. 174.
[12] Relatado pelo Juiz Conselheiro João Bernardo, no P 428.17.7T8FLG.A.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Facto supra 38.
[14] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, cit., p. 715
[15] in “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177.
[16] In "Noções Elementares de Processo Civil", p. 382.
[17] In Preclusão e Caso Julgado, artigo publicado disponível no “paper” do Blog do IPPC.
[18] Vejam-se os os Acórdãos do STJ de 5 de setembro de 2017 (proferido no P6509/16.7T8PRT.P1.S1), do qual foi Relator Júlio Gomes e de 6 de fevereiro de 2020 (proferido no P428.17.7T8FLG.A.P1.S1,), em que foi Relator João Bernardo, onde se pode ler: ““O efeito preclusivo antes referido aplica-se igualmente aos fundamentos que ao réu tivesse sido possível ter invocado como contra-direito em reconvenção”.
[19] Loc citado.