ESTABELECIMENTO COMERCIAL
QUEDA DE CLIENTE
DANOS CORPORAIS SOFRIDOS
RESPONSABILIDADE CIVIL DA PROPRIETÁRIA
DEVER DE PREVENÇÃO DO PERIGO
Sumário

- Quer em resultado das normas que regulam a segurança nos estabelecimentos comerciais, quer por via do dever genérico de prevenção do perigo que recai sobre entidades exploradoras/proprietárias de estabelecimentos comerciais abertos ao público e por força da atividade desenvolvida e de que beneficiam, sobre a 1ª R. impendia o dever de prevenir, evitar, a produção de danos a terceiros, estando vinculada a adotar condutas adequadas a prevenir nomeadamente o risco de quedas, mantendo o pavimento dos corredores de circulação livre de objetos estranhos, como uma palete vazia, no topo de um corredor.

- Segundo este princípio geral de dever de prevenção do perigo a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados.
- Por não se ter provado qualquer comportamento censurável da A. que tenha sido concausal do evento lesivo, sobre a mesma não impende qualquer responsabilidade na sua produção.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



M. instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra W Hipermercados SA. e S., pedindo a condenação das rés no pagamento da quantia de € 39.088,87, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.
Para o efeito alegou, em síntese, que em 26/02/2017, pelas 17:50 horas, encontrava-se como cliente no interior do hipermercado Y. Quando se deslocava num corredor lateral em direção ao corredor central, ao virar a esquina desse corredor, colocou o pé esquerdo no interior de uma palete de madeira que se encontrava abandonada no local sem sinalização.  O pé ficou preso e caiu sobre a palete. Em consequência sofreu lesões que importaram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que a 1ª R., enquanto proprietária e entidade que explora o referido estabelecimento e a 2ª R. enquanto eventual seguradora, devem ressarcir.

A R. W Hipermercados SA., em contestação, impugnou na generalidade os factos aduzidos pela autora, confirmando que na data do acidente a sua responsabilidade civil por danos que ocorressem no interior do estabelecimento estava transferida para a ré S.

Concluiu pela improcedência da ação.

A R. S. apresentou contestação, alegando que o contrato de seguro tem franquia contratualmente estabelecida no valor de € 5.000,00 e aderiu à contestação deduzida pela ré W, desconhecendo os factos alegados pela autora, impugnando ainda a documentação junta aos autos pela demandante.

Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio, consignados (por acordo das partes) os factos que podiam entender-se como provados e enunciados os temas da prova.

Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
Sem prejuízo das condições do contrato de seguro acertadas entre ambas, condeno solidariamente as rés a pagar à autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a soma global de €26.238,00 (vinte e seis mil duzentos e trinta e oito euros). 
Acresce juros vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde a citação. 
Custas pela autora e rés na proporção do respetivo decaimento.                              
Valor para efeito de cálculo: - €39.088,87.”

A R. W Hipermercados SA interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.º- A autora caiu dentro de um hipermercado por ter tropeçado numa palete que era suficientemente visível relativamente aos utentes que a pretendesse contornar, para quem circulasse no corredor ao local onde se encontrava pela direita ou pelo meio do corredor, deslocando-se a autora pela esquerda, ao lado da filha que seguia pela direita.
2.º- Por causas não apuradas mas atinentes à Autora, esta tropeçou na palete que era ou podia ser visível.
3.º- A Autora não circulou com o cuidado que lhe era exigido dentro de um hipermercado, que é um local de múltiplos riscos onde, como se diz na sentença, deve ocorrer sempre a atenção devida e pese embora a observação das prateleiras na procura, observação ou escolha dos diversos produtos, não se deve olvidar a segurança da própria circulação.
4.º- Não podendo ser imputada qualquer responsabilidade à Ré que não teve qualquer comportamento negligente, tudo se devendo a um caso fortuito
Termos em que dando provimento ao Recurso e revogando a sentença substituindo por outra que absolva a Ré dos pedidos, se fará a necessária JUSTIÇA.”
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A A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1- A recorrente vem interpor recurso da douta sentença, apenas da parte em que fixou a culpa da Autora no acidente em causa em 25%, e por via disso condenou as Rés apenas no pagamento de 75% do valor total dos danos apurados, condenando estas no pagamento de 26.238,00 ao invés da totalidade dos danos apurados 34.984,00.
2- A recorrente aceita o valor dos danos fixados pelo tribunal a quo, ou seja, o valor global de 34.984,00, sendo 3.484,00 por danos patrimoniais e 31.500,00 por danos não patrimoniais.
3- A recorrente considera que não teve nenhuma culpa na produção do acidente e que este se deveu em exclusivo à culpa da 1.ª Ré, que por acção e/ou omissão, não cuidou de remover, ou pelo menos assinalar um perigo iminente abandonado num corredor onde transitavam os seus clientes.
4- A recorrente dá como aceites e por reproduzidos todos os factos dados como provados na douta sentença recorrida.
5- Tenhamos então por assente que a Autora, aqui recorrente, circulava no interior de um supermercado, na qualidade de cliente, na companhia da sua filha, e que ao virar num dos corredores tropeçou numa palete vazia que estava abandonada no local, pois minutos antes tinha servido para descarregar material.
6- Importa assim fixar a culpa no facto de junto ao topo de uma prateleira, que delimita um dos vários corredores de circulação do supermercado, estar abandonada uma palete que antes tinha servido para transportar produtos de reposição no supermercado, sendo que foi nessa palete que a recorrente tropeçou, caiu e queda essa que foi o nexo causal para os danos que a Autora sofreu e que foram dados como provados nos autos.
7- A douta sentença recorrida socorre-se, e bem, do artigo 487º, n.º2 do Cod. Civil, que define a bitola pela qual se mede o grau de culpa do lesante: “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Mas falha na sua aplicação.
8- O julgador não nega que incumbia à 1.ª Ré a tomada de medidas para minorar o risco de acidentes com a permanência das paletes no local de descarga, pois aceita que uma palete vazia, potencia maior risco de perigo do que permanecendo na área do corredor, total ou parcialmente ocupada com bens de consumo, desde logo porque estando a palete vazia aumenta o risco de a mesma não ser visível por quem circula nos corredores do supermercado.
9- Mas se o julgador entende que existe culpa da 1.ª Ré em não ter acautelado a remoção atempada da palete vazia, ou pelo menos a colocação de algum aviso, tal como acontece quando o piso está molhado, ou mesmo colocando a palete “em pé” encostada em local que não perturbasse a visibilidade, ou mesmo empilhada juntamente com outras paletes num recanto do estabelecimento. 
10- O certo é que ainda assim o julgador considerou que a autora também agiu com culpa própria, uma vez que quem circula num supermercado não pode apenas olhar para as prateleiras, tem de olhar para o chão e acautelar possíveis perigos, uma vez que caminhar num supermercado, não é o mesmo que caminhar num centro comercial.
11- É aqui que a recorrente discorda do julgador. A recorrente não podia prever que no final de um dos corredores estava uma palete vazia, que ali tinha sido abandonada por quem algum tempo antes tinha descarregado a palete. E como não viu, nem se apercebeu da palete no chão, acabou por tropeçar na mesma e cair em cima da palete, com todos os danos daí decorrentes.
12- Ganha aqui especial destaque as normas relativas à higiene e segurança a observar nas grandes superfícies comerciais, mormente das que demandam a obrigação de manter permanentemente limpo e sem fonte de perigo de queda, para alem dos que nela trabalham, todos os transeuntes que as frequentem, para compras ou em lazer, como é o caso do Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de escritório e serviços – DL n.º 243/86 de 20 de Agosto, cujo artigo 6.º estipula que “todos os locais de trabalho, zonas de passagem, instalações comuns e ainda os seus equipamentos devem estar convenientemente e permanentemente conservados e higienizados”.
13- Sucede que a autora, como um normal cliente num supermercado, quando circula não vai a olhar para o chão, antes presta a sua atenção às prateleiras e os produtos que estas expõem e ao virar num dos corredores é colhida de surpresa por uma palete de madeira vazia que fora ali deixada após a reposição, num dos corredores de circulação, não conseguindo evitar o embate e a consequente queda.
14- Não estando assinalado nenhum perigo na livre circulação de um supermercado o facto de estar uma palete abandonada num corredor de circulação, numa esquina de um corredor secundário no qual transitam clientes, constituindo um perigo pela sua falta de visibilidade, uma queda provocada pela não visualização da palete vazia, em pleno corredor de circulação a culpa tem de ser atribuída em exclusivo à 1.ª ré, que na qualidade de proprietária do estabelecimento tem de garantir a segurança dos clientes.
15- Em face do exposto, é de concluir que a 1.ª Ré, ao não actuar como devia, evitar deixar ao abandonou uma palete vazia num corredor de circulação, violou as normas de segurança, que visam proteger as pessoas que circulam no estabelecimento, pelo que, a sua actuação omissiva é ilícita, nos termos do artigo 486 e 483 nº1 do C.Civil – Neste mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 1036/02-2, 22-01-2003, unanimidade, in http://www.dgsi.pt;
16- Assim, concordando a Autora com a fixação dos montantes a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, deve a culpa do acidente ser atribuída em exclusivo às Rés e em consequência serem estas condenadas a pagar à autora a totalidade dos montantes apurados, ou seja, a quantia de 34.984,00 (trinta e quatro mil novecentos e oitenta e quatro euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, bem como nas custas processuais.
17- Ao atribuir 25% de culpa à autora a douta sentença violou os preceitos legais dos artigos 483º/1, 486º e 487º/2 todos do Código Civil e ainda o artigo 6.º do DL n.º 243/86 de 20 de Agosto, termos em que dando provimento ao presente recurso se fará a acostumada JUSTIÇA!”
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A R. S. aderiu ao recurso interposto pela Ré W., nos termos do disposto no artº 634º, nº 2, al. c) e nº 3 do CPC, apresentou contra-alegação ao recurso interposto pela A. e requereu a ampliação do recurso, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I.- Os presentes autos têm como objeto do litígio a averiguação da responsabilidade do acidente ocorrido no interior do supermercado gerido pela primeira ré; apuramento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora e sendo caso disso, apurar a respetiva componente indemnizatória.
II.- Entendeu o doutro tribunal a quo que o evento se deveu à conduta da A. e da 1ª Ré, efetuando uma divisão de responsabilidades na ordem 25%-75% respetivamente.
III.- A ora Ré/Apelante não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve correta apreciação da matéria de facto, nos seguintes temas da prova 1.º e 2.º, nem houve uma correta aplicação das regras de direito. 
IV.- Sendo que os factos provados nas alíneas h) e i), são contraditórios.
V.- Ora, são pressupostos essenciais da responsabilidade civil por factos ilícitos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano.
VI.- Sendo que só existirá obrigação de indemnizar caso seja imputada às RR./Apeladas a imputação de um ato ou omissão ilícitos, cuja prova, evidentemente recai sobre a A./Apelante.
VII.- Se atentarmos ao Auto de Inspeção Judicial ao Local e respetivas fotografias, e ao sentido de circulação da A., verificamos que o acidente ocorreu num dos corredores centrais no hipermercado e a palete encontrava-se junto ao topo de uma das prateleiras.
VIII.- Atendendo ao sentido de circulação da A., a palete era visível, independentemente de nas prateleiras estarem ou não colocados outros bens.
IX.- A viragem à esquerda ou à direita no interior do supermercado não ocorre em ângulos fechados e existia espaço mais do que necessário que permitisse o seu contorno, sem nenhuma dificuldade.
X.- O evento ocorreu única e exclusivamente por culpa da A., a qual circulava no interior do estabelecimento sem os devidos cuidados exigíveis ao homem médio colocado nas mesmas circunstâncias.
XI.- Ora do supra exposto, não se retira qualquer norma que a 1ª Ré tenha violado, geradora de responsabilidade civil.
XII.- A Co-Ré não omitiu qualquer dever de cuidado que lhe fosse imposto, pelo que não é responsável pelo evento a que se reportam os autos, não sendo igualmente imputada qualquer responsabilidade à ora R/Apelante.
XIII.- O douto tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º e ss do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve:
a)- O RECURSO interposto pela A./Apelante ser julgado improcedente por não provado.
b)- O RECURSO SUBORDINADO ser julgado procedente por provado e a douta sentença revogada quanto à responsabilidade das RR. na produção do evento, absolvendo-as do pedido.”
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A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. – Os considerados assentes aquando a realização da audiência prévia:                  
a)– Cerca das 17;50 horas do dia 26 de fevereiro de 2017 a autora encontrava-se na qualidade de cliente no interior do supermercado Y.                   
b)– Na referida situação a autora caiu junto ao topo de corredor servido por prateleiras de ambos os lados e junto a uma palete de madeira de transporte e acondicionamento de bens que ali se encontrava imobilizada.                   
c)– Após a queda a autora foi transportada numa cadeira de rodas para o interior de um gabinete onde, através de formulário que lhe foi cedido, cuidou da participação do acidente à seguradora ali identificada.                   
d)– Na data e hora do acidente a 1.ª ré tinha a responsabilidade civil por danos sofridos a terceiros no interior das suas instalações para a 2.º ré – S., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 000, válido para o espaço de tempo compreendido nas datas de 01/01/2017 a 31/12/2017.                   
e)– O indicado contrato de seguro tem franquia contratualmente fixada no valor de € 5.000,00.                  
f)– A autora nasceu a 27/09/48, tendo na data do acidente 68 anos de idade.

Da Produção da Prova em Julgamento:                   
g)– A palete encontrava-se imobilizada no topo de um corredor secundário do hipermercado e não continha bens colocados na sua superfície por ter sido descarregada alguns minutos antes. 
h)– A prateleira imediatamente anterior (no topo da qual a palete permanecia), estava repleta de bens que tapava por completo a visão através da mesma.
i)– A palete era suficientemente visível relativamente aos utentes que a pretendessem contornar, para quem circulasse no corredor na direção ao local onde se encontrava, se caminhassem pela direita ou pelo meio do corredor, deslocando-se a autora pela esquerda, ao lado de sua filha que seguia pela direita.                  
j)– A autora tropeçou na base da palete, quando virou à esquerda no topo da prateleira e caiu sobre a superfície da palete.                   
k)– A autora saiu em cadeira de rodas do gabinete onde permaneceu, até ao veículo automóvel da sua filha.                   
l)– A autora foi internada no hospital da Luz em Lisboa pelas 23:15 horas do dia 26/02/2017 
m)– Como consequência do tropeção e queda a autora sofreu fratura proximal do fémur esquerdo.                   
n)– Foi submetida a intervenção cirúrgica em 28/02/2017, sendo realizada artroplastia total da anca esquerda, não cimentada
o)– Teve alta hospitalar em 06/03/2017.                    
p)– Pós-operatório decorreu sem complicações tendo iniciado reabilitação, com indicação para marcha com apoio.                  
q)– Em 20/03/2017 teve consulta de ortopedia, com remoção de suturas.                  
r)– Inicialmente a autora deslocava-se com auxílio de duas canadianas, após meados de abril a meados de maio, com uma canadiana.                   
s)– A autora entre 06/04/2017 a 04/08/2017 beneficiou de 60 seções de fisioterapia numa clínica de reabilitação física situada em Vila Real.                    
t)– Em setembro de 2017, a autora apresentava marcha claudicante, referindo dor, coxa com moderada atrofia, com limitação da mobilidade na flexão e rotações, principalmente interna e abdução, com lombalgia agravada desde o acidente, não conseguindo fazer posição de cócoras desde o acidente.                  
u)– Derivado da intervenção cirúrgica a que foi sujeita, ostenta cicatriz extensa na coxa esquerda, com cor diferenciada da tonalidade da pele. 
                  
v)– No exame a que a autora foi submetida no IML resultou:                        
- Data da consolidação médico-legal das lesões, fixada em 26/10/2017;
- Défice funcional temporário, fixável num período de 9 dias;                        
- Défice funcional temporário parcial, fixável em 234 dias;                        
- Quantum doloris, fixável no grau 4 (numa escala de 7);                       
- Défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, 10 pontos;                        
- Dano estético permanente, fixável no grau 4 (numa escala de 7);                        
- Repercussão permanente nas atividades desportivas e lazer, grau 1 de 7;                        
- Eventual necessidade de revisão da artroplastia;  
                 
w)– Naturalmente, devido à intervenção cirúrgica a que foi submetida, a autora ficou inibida da prática sexual (aceitando-se tenha ocorrido até junho de 2017, conforme alegado, já que a data da consolidação das lesões ocorreu em 26/10/20179.                   
x)– A autora teve necessidade de tomar medicação para atenuar as dores de que padecia;
y)– Ficou limitada no trabalho doméstico, pelo menos até à data da consolidação das lesões;        
z)– O seu estado depressivo (ante existente) foi influenciado em razão do agravamento sofrido, tendo de ser medicada.                   
a1)– Ficou impedida de conduzir, influenciando a sua frequência em atividade lúdica de pintura num atelier que frequentava;                   
b1)– Ficou com dificuldade de movimentação em areais (praia), devido à dissimetria dos movimentos, em especial até à data da consolidação das lesões.                   
c1)– Em razão direta do acidente a autora suportou gastos em consultas, exames, assistência hospitalar e fisioterapia, a soma de €2.734,00                   
d1)– Em razão direta do acidente a autora suportou custos acrescidos em deslocações e alimentação no período de 06/03/2017 a 25/09/2017.
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A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
Não se provou que os seguranças do supermercado que acorreram ao local, não tivessem prestado assistência à autora e que tivessem referido que não estava inanimada.                   
Não se provou que em deslocações e portagens a autora tivesse gasto €570,63 e em alimentação €783,63 como consequência direta do acidente.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).

As questões a decidir são as seguintes:
1.-Da contradição entre os factos provados constantes das alíneas h) e i) 
2.-Dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual (v.g. ilicitude e culpa) na produção do acidente de que A. foi vítima

Questão prévia
A R. S. requereu a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no art. 636.º do CPC., nos seguintes termos:
“I.- Ampliação do Objeto do Recurso nos termos do disposto no art. 636.º do CPC.
A ora Ré/Apelante vem requerer a ampliação do objeto do recurso da douta sentença da parte em que fixou a culpa das RR./Apeladas no acidente em causa em 75%, e por via disso condenou as Rés no pagamento de 75% do valor total dos danos apurados, isto é, condenando-as no pagamento de 26.238,00 euros. (…)
6.- A ora Ré/Apelante não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, porquanto na mesma:
a)- Não houve correta apreciação da matéria de facto, nos seguintes temas da prova: 
1.º- Saber em que situação a palete de madeira permanecia imobilizada num dos topos de corredor do hipermercado; se continha bens ou estava vazia; de estava encostada ao topo da prateleira ou afastada da mesma e se era suficientemente visível pelos clientes que a pretendessem contornar;
2.º- Averiguar qual a precisa causa que originou a queda da autora (tropeção; pé preso, choque com a palete ou outra); a dinâmica da queda e posição em que ficou quanto o movimento de queda cessou. 
b)- Não houve correta avaliação dos factos e aplicação das regras de direito. (…)
13.- Salvo melhor opinião, os factos provados nas alíneas h) e i), são contraditórios.”

E nas conclusões rematou do seguinte modo:
“III.- A ora Ré/Apelante não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve correta apreciação da matéria de facto, nos seguintes temas da prova 1.º e 2.º, nem houve uma correta aplicação das regras de direito. 
IV.- Sendo que os factos provados nas alíneas h) e i), são contraditórios.”

A R. pugna pela incorreta apreciação da matéria de facto. Não impugnou a decisão proferida no que respeita a matéria de facto (nem na motivação, nem nas conclusões), resultando claro que entende que o Tribunal a quo deveria ter concluído, em face dos factos apurados, que o evento ocorreu única e exclusivamente por culpa da A., não havendo lugar a repartição de culpa.

Isto é, com exceção da invocada contradição entre os factos provados constantes das alíneas h) e i), a R. aceita a matéria de facto dada como provada e não provada.

Em suma, a discordância não se traduz em impugnação da decisão de facto, mas em erro de direito.
1.-Da contradição entre os factos provados constantes das alíneas h) e i) 
A R. S. invoca contradição entre os factos provados das alíneas h) e i).
Como vimos, a 2ª R. não impugnou a decisão de facto, nos termos do disposto no artº 640º do CPC.
Todavia, caso se constate contradição entre factos provados, incumbe a este Tribunal, ao abrigo dos poderes atribuídos pelo artº 662º do C.P.C., sanar tal patologia, desde que os autos disponham dos elementos necessários para o efeito.

Dispõe o artº 662º do CPC que:
1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2-A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)- Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta (…).

Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 306-307, “outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento e uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.

Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação. Em concreto, a superação da contradição pode derivar da prevalência que deva ser dada (…), por via da conjugação com outros segmentos da decisão ou com a matéria de facto que já deveria considerar-se provada.”

Os factos provados das alíneas h) e i) são do seguinte teor:
h)– A prateleira imediatamente anterior (no topo da qual a palete permanecia), estava repleta de bens que tapava por completo a visão através da mesma.
i)– A palete era suficientemente visível relativamente aos utentes que a pretendessem contornar, para quem circulasse no corredor na direção ao local onde se encontrava, se caminhassem pela direita ou pelo meio do corredor, deslocando-se a autora pela esquerda, ao lado de sua filha que seguia pela direita.  

Alega a 2ª R. que “se atentarmos ao Auto de Inspeção Judicial ao Local e respetivas fotografias, e ao sentido de circulação da A., verificamos que a palete era visível, independentemente de nas prateleiras estarem ou não colocados outros bens.”

Não lhe assiste razão.
Na alínea h) consignou-se que a prateleira em causa, estava repleta de bens que tapava por completo a visão através da mesma.
Trata-se de facto que é confirmado pelas fotografias anexas ao auto de inspeção. Com efeito, os artigos dispostos na prateleira, assim como a sua estrutura, impedem a visibilidade através dela. O que sucede em qualquer direção.
Realidade diversa é a que consta da alínea i) que se centra na visibilidade da palete, que se encontrava no topo da prateleira, a partir do corredor de circulação – e não apenas através da dita prateleira. Tal visibilidade é maior, menor ou inexistente em função da posição do utente no corredor: fica mais visível para quem se posicione à direita, diminuindo a visibilidade à medida que o utente se aproxima da esquerda do corredor, na direção do topo da mencionada prateleira.
Além de resultar da conjugação dos factos provados, decorre de forma clara das fotografias anexas ao auto de inspeção judicial, mormente as numeradas sob 1 e 2.
Ao invés do alegado pela 2ª R., se não existissem obstáculos visuais na prateleira, a palete ficaria mais visível para quem circulasse em qualquer posição no dito corredor, na sua direção.

Não existe, pois, a apontada contradição.
2.-Dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual (v.g. ilicitude e culpa) na produção do acidente de que a A. foi vítima
A., por um lado, e a R. W. (secundada pela R. S.) por outro, imputam-se reciprocamente a responsabilidade exclusiva do evento danoso, pretendendo a revogação da sentença recorrida, na medida em que atribuiu repartição na proporção de 25% para a A. e 75% para a R. W..
Estabelece o nº 1 do artº 483º que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."

Verifica-se, assim, que, de acordo com o preceito transcrito, os pressupostos da responsabilidade civil são:
a)- O facto do agente, facto esse que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão;
b)- A ilicitude - ou anti-juridicidade - podendo esta revestir a modalidade de violação de direito de outrem (direito subjetivo) ou a de violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c)- O vínculo de imputação do facto ao agente ou culpa do lesante em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e podendo revestir a forma de dolo ou negligência;
d)- O dano ou prejuízo; e
e)- O nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da factualidade apurada resulta que no dia 26 de fevereiro de 2017, cerca das 17;50 horas, a A., que se encontrava na qualidade de cliente no interior do supermercado Y, tropeçou na base de uma palete de madeira de transporte e acondicionamento de bens que se encontrava imobilizada junto ao topo de corredor servido por prateleiras de ambos os lados, quando virou à esquerda no topo da prateleira, caindo sobre a superfície da palete. Esta encontrava-se imobilizada no topo de um corredor secundário do hipermercado e não continha bens colocados na sua superfície por ter sido descarregada alguns minutos antes. A prateleira imediatamente anterior (no topo da qual a palete permanecia), estava repleta de bens que tapava por completo a visão através da mesma. A palete era suficientemente visível relativamente aos utentes que a pretendessem contornar, para quem circulasse no corredor na direção ao local onde se encontrava, se caminhassem pela direita ou pelo meio do corredor, deslocando-se a autora pela esquerda, ao lado de sua filha que seguia pela direita. Em consequência da queda a A. sofreu as lesões, sequelas e demais prejuízos descritos nas alíneas l) a d1) dos factos provados.

A 1ª R., enquanto dona e exploradora do referido estabelecimento, transferiu para a 2ª R., mediante contrato de seguro, a responsabilidade civil por danos sofridos a terceiros no interior das suas instalações.
A colocação de uma palete de madeira, vazia, no topo de um corredor servido por prateleiras de ambos os lados, numa zona de circulação de pessoas, ali a deixando imobilizada, depois de ter sido descarregada, não tendo havido o cuidado de a retirar prontamente do local nem de a colocar de modo a evitar acidentes como o ocorrido (na posição vertical, por exemplo, em que ocuparia um espaço muito menor) viola elementar dever de segurança no tráfico, que impende sobre os proprietários/exploradores de estabelecimentos comerciais – a ora 1ª R..
A A. invocou em sede de recurso a violação do artº 6º do D.L. nº 243/86, de 20/08.

Por seu turno, a 2ª R., pugna pela absolvição das RR., nomeadamente, por não ter a sentença recorrida imputado à 1ª R., sua segurada, a violação de qualquer norma. 
Estabelece o artº 6º do Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços (D.L. nº 243/86, de 20/08) que “todos os locais de trabalho, zonas de passagens, instalações comuns e ainda os seus equipamentos devem estar conveniente e permanentemente conservados e higienizados.”

“Na configuração da questão que se coloca no recurso a responsabilidade civil pode emergir de uma de duas situações: 1) a segurada omitiu um dever de cuidado (subjetivo, na pessoa de um qualquer responsável) que lhe é imposto pela circunstância e ter o dever de que as pessoas que se servem do estabelecimento o façam sem terem que correr qualquer risco; 2) a segurada violou disposição legal imposta em lei ou regulamento que lhe comina a adopção de medidas normativas, para um determinado modo de exploração do estabelecimento, e destinadas a assegurar regras de segurança e higiene indispensáveis a uma correcta exploração de um estabelecimento que serve publicamente. (…)

O acórdão recorrido, numa primeira abordagem tinha entonado a inculpação da segurada recorrente no facto de deverem assumir (sic): “[particular] destaque as normas relativas à higiene e segurança a observar nas grandes superfícies comerciais, mormente das que demandam a obrigação de manter permanentemente limpo e sem fonte de perigo de queda, para além dos que nelas trabalham, todos os transeuntes que as frequentem, para compras ou em lazer, como é o caso do Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços – DL n.º 243/86, de 20.8 – cujo art.º 6.º estipula que “todos os locais de trabalho, zonas de passagem, instalações comuns e ainda os seus equipamentos, devem estar conveniente e permanentemente conservados e higienizados”.

Como salienta o Ac. STJ de 29.6.10 e que versou situação paralela à do caso em apreço, “os centros comerciais representam espaços abertos, de livre circulação para o público consumidor ou visitante, que reclamam especiais deveres por parte dos lojistas quanto à higiene e segurança do edifício e das suas instalações, na exacta medida das exigências dos utentes que os procuram, com a sólida convicção de não serem surpreendidos por acidentes ocorridos no seu seio e que escapam, de todo, pelo seu carácter insólito, a um critério de previsibilidade razoável, designadamente (…) o deslizamento no pavimento em resultado de um produto nele derramado.

Estes deveres de protecção das pessoas fazem parte do conteúdo das normas da actividade da segurança privada dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam livremente pelo seu interior, em visita ou à procura dos produtos expostos em que eventualmente estejam interessados, tal como vem definida pelo art.º 1.º, n.º 3, alín. a) do DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro (com as alterações do DL n.º 198/2005, de 10 de Nov.)  e emerge manifestamente do DL n.º 370/99, de 18 de Setembro, que estatui sobre o regime de instalação dos estabelecimentos de comércio ou armazenagem, da Lei n.º 12/2004, de 30 de Março, que disciplina sobre o regime de autorização a que estão sujeitos a instalação e a modificação de estabelecimentos a retalho e de comércio por grosso, em livre serviço e a instalação de conjuntos comerciais e do Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo DL n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951 (com as alterações dos DL n.º 43/82, de 8.2, 463/85, de 4.11, 61/93, de 3.3., 555/99, de 16.12, 117/2001, de 4.6 e 220/2008, de 12.11).” [1] (sublinhado nosso)

“Faz parte do conteúdo das normas de segurança dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam livremente pelo seu interior a visitar os produtos expostos e comprá-los, se porventura estiverem interessados, como emerge da Portaria 22.970 de Outubro de 1967, do Decreto-lei 258/92 de 20 de Novembro, do Decreto-lei 445/91 de 20 de Novembro, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo Decreto 38.382 de 7 de Agosto de 1951, alterado pelos Decretos-leis 43/82 de 8 de Fevereiro, 463/85 de 4 de Novembro, 61/93 de 3 de Março, 555/99 de 16 de Dezembro e 177/2001 de 4 de Junho, e outros diplomas que regulam as actividades específicas exercidas nas grandes superfícies, que definem as regras de construção, aprovação e licenciamento destes espaços comerciais.” [2]

Assim, quer em resultado das normas que regulam a segurança nos estabelecimentos comerciais, quer por via do dever genérico de prevenção do perigo que recai sobre entidades exploradoras/proprietárias de estabelecimentos comerciais abertos ao público e por força da atividade desenvolvida e de que beneficiam, sobre a 1ª R. impendia o dever de prevenir, evitar, a produção de danos a terceiros, estando vinculada a adotar condutas adequadas a prevenir nomeadamente o risco de quedas, mantendo o pavimento dos corredores de circulação livre de objetos estranhos, como uma palete vazia, no topo de um corredor.

Em causa, “(…) o dever jurídico de manter o espaço em condições de utilização isentas e desertas de perigo ou risco de ocorrência de situações desencadeadoras de acidentes “. [3] 
Segundo este princípio geral de dever de prevenção do perigo “aceite no nosso Direito (…) a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados” [4]
“Carneiro da Frada, “Contrato e deveres de protecção”, Coimbra 1994, págs. 163-165. Segundo este autor estão em causa situações em que a violação da propriedade ou da integridade pessoal não resultou de um ataque directo ou imediato a esses bens, ainda que negligente, e sim de uma conduta que só mediatamente a produziu, ou que se traduziu então na não observância de um dever de cuidado que a teria certamente evitado. E foi a propósito destas hipóteses, em que o dano se produziu já para além do quadro do decurso da acção que o originou, ou então por virtude de uma omissão, que se desenvolveram os chamados deveres de segurança no tráfico. Estes deveres cumprem dogmaticamente duas funções: a de assinalar os termos da equiparação à acção no campo da violação dos direitos de outrem, preenchendo assim a previsão delitual, por um lado; e a de proporcionar os quadros de tratamento das chamadas ofensas mediatas dos bens delitualmente protegidos, sobretudo do ponto de vista da fixação do juízo de ilicitude, por outro. Materialmente eles exprimem, quanto a este último aspecto, a reprovação de fazer perigar certas posições jurídicas, impondo àquele que cria ou mantém uma situação especial de perigo a adopção de providências adequadas a prevenir os danos que ela pode ocasionar.” [5]

A 1ª R. devia e podia ter tomado medida necessária e adequada para evitar que a existência da palete no pavimento, nas condições descritas, pudesse originar a queda da A., cliente do estabelecimento, designadamente procedendo à sua rápida remoção, ou colocação em posição vertical, de molde a ocupar mínimo espaço do pavimento, ou sinalizando a mesma.
A existência da palete vazia junto ao topo de uma prateleira, que delimita o corredor por onde a A. circulava, pela esquerda, e que apenas era suficientemente visível para quem circulasse na direção ao local onde se encontrava, se caminhassem pela direita ou pelo meio do corredor, foi causa do tropeção e queda da A. que, em consequência, sofreu prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
Verificam-se, assim, todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.
Importa, apurar se a atuação da A. deve ser considerada negligente e concausal do acidente – como o entendeu o tribunal recorrido e que a A. não aceita.
Estabelece o artº 570º, nº 1 do CC que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”

Para que a A. tivesse contribuído para a eclosão do sinistro necessário seria que lhe fosse exigível avistar a palete antes de nela tropeçar e cair, situação em que se impunha que a tivesse contornado – facto que não resultou provado.

As RR. afirmaram, nas respetivas contestações, ser falso que no hipermercado estivesse qualquer palete abandonada, e adiantando que, no hipermercado, é normal haver paletes colocadas no corredor central, imediatamente juntas aos topos das prateleiras, prolongando o topo das prateleiras, paletes onde é colocada mercadoria de ações promocionais e que são absolutamente visíveis, com amplo espaço de circulação, para os utentes do hipermercado.

Ora, os factos provados comportam realidade distinta:
g)– A palete encontrava-se imobilizada no topo de um corredor secundário do hipermercado e não continha bens colocados na sua superfície por ter sido descarregada alguns minutos antes.  
h)– A prateleira imediatamente anterior (no topo da qual a palete permanecia), estava repleta de bens que tapava por completo a visão através da mesma.
i)– A palete era suficientemente visível relativamente aos utentes que a pretendessem contornar, para quem circulasse no corredor na direção ao local onde se encontrava, se caminhassem pela direita ou pelo meio do corredor, deslocando-se a autora pela esquerda, ao lado de sua filha que seguia pela direita.
j)– A autora tropeçou na base da palete, quando virou à esquerda no topo da prateleira e caiu sobre a superfície da palete.” 
 
A imobilização de palete vazia no topo de uma prateleira não é situação com que os clientes de um supermercado normalmente se deparam e com a qual devam contar. Situação frequente – e absolutamente diversa – é a colocação de artigos em paletes, que prolongam as prateleiras e, que precisamente devido a essa continuidade não constituem qualquer perigo para os clientes. Seguramente não mais do que as próprias prateleiras…

É manifesta a diferença entre o caso referido como “normal” e o caso dos autos, o qual não constitui situação corrente.

Em sede do presente recurso as RR. invocaram a omissão do dever de cuidado por parte da A.. Mas esta alegação não se extrai dos factos provados.

A queda da A. resultou do facto de se encontrar imobilizada uma palete vazia, no topo de uma prateleira repleta de bens, apenas suficientemente visível para quem circulasse pela direita ou pelo meio do corredor, circulando a A. pela esquerda.

As considerações tecidas na sentença recorrida relativamente às hipotéticas circunstâncias que rodearam a queda, potencialmente imputáveis à A., são puramente especulativas, não decorrendo dos factos provados.

Com efeito, não ficou demonstrado que a queda se deveu a descuido ou desatenção da A., que podia ter avistado a palete antes de cair, que circulava no meio do corredor, etc. Quanto a este particular aspeto, mencionado na sentença recorrida, importa frisar que o facto provado na alínea i) é inequívoco quanto ao posicionamento da A. no corredor: a A. deslocava-se pela esquerda do dito – e não meramente à esquerda da filha.

Por outro lado, a viragem à esquerda ou direita após as prateleiras, tanto pode suceder num ângulo fechado como num ângulo mais ou menos aberto. Não encontramos razões, mormente assentes na experiência comum, para afirmar, como o tribunal recorrido, que tal ocorre sempre em ângulo aberto.

E se muitas vezes “os clientes deixam o carrinho que transportam em qualquer local sem se preocuparem com a circulação, segurança e comodidade para quem circula”, a visibilidade que destes se tem, forçosamente pelas suas dimensões, designadamente altura, em confronto com as características/dimensões de uma palete vazia, é manifestamente distinta, muito superior. Acresce que a utilização de carrinhos de compras no interior de um supermercado, que muitas vezes se encontram imobilizados nos corredores enquanto os clientes procuram bens nas prateleiras, constitui circunstância expectável para quem neles circula. Ao invés de uma palete vazia.

Diferente seria se a palete estivesse imobilizada a meio de um corredor, dada a possibilidade de a mesma ser vista, em geral, por quem nele circula. Mas não é o caso.

Não consta dos factos provados as dimensões da palete, sendo que das fotografias constantes dos autos não se pode concordar com a consideração de ser pequena, verificando-se que a sua largura ocupa quatro mosaicos e o comprimento seis mosaicos do pavimento.
 
“Todavia, quando se não alegue, nem se demonstre ser visível para qualquer utilizador mediamente experiente e avisado o estado do piso do tapete rolante (molhado e escorregadio), não pode afirmar-se existir a obrigação de uso do corrimão por parte de quem o percorre contando com um piso seco e razoavelmente aderente.” [6]

Não tendo ficado demonstrado ser visível para qualquer utilizador medianamente experiente e avisado - nem em concreto para a A. - a existência de palete vazia no topo de uma prateleira, não era exigível que a tivesse contornado.

Por não se ter provado qualquer comportamento censurável da A. que tenha sido concausal do evento lesivo, sobre a mesma não impende qualquer responsabilidade na sua produção. E por a respetiva responsabilidade caber integralmente à 1ª R., deve esta, em solidariedade com a 2ª R., em virtude do contrato de seguro entre ambas celebrado, suportar a totalidade da indemnização arbitrada – não impugnada - impondo-se a revogação da sentença nesta parte.

Pelo exposto, julga-se:
1.-improcedente o recurso interposto pela 1º R., a que a 2ª R. aderiu;
2.-procedente o recurso interposto pela A., revogando-se a sentença recorrida, no segmento do montante indemnizatório, que se substitui pelo seguinte:
- condenam-se solidariamente as rés W Hipermercados SA e S., a pagar à autora M., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a soma global de € 34.984,00 (trinta e quatro mil novecentos e oitenta e quatro euros). 
Custas da ação e dos recursos a cargo das RR.



Lisboa, 27 de maio de 2021  


         
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente



[1]Ac. do S.T.J. de 22/05/2013, in www.dgsi.pt
[2]Ac. Relação de Guimarães de 22/01/2003, in www.dgsi.pt
[3]Ac. do S.T.J., de 22/05/2013, in www.dgsi.pt
[4]Antunes Varela, RLJ 114 (1981), pág. 79
[5]Ac. da Relação de Évora de 23/11/2017, in www.dgsi.pt
[6]Ac. da Relação do porto de 03/06/2019, in www.dgsi.pt