DIVÓRCIO LITIGIOSO
CONVOLAÇÃO PARA MÚTUO CONSENTIMENTO
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
NECESSIDADE
REGIME PROVISÓRIO
Sumário

I - Não obsta à convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento a circunstância de os cônjuges não terem formulado acordo de regulação das responsabilidades parentais (requerendo aquando do pedido que o acordo quanto a tais responsabilidades “seja decidido conforme as consequências do Artigo 1778º-A do Código Civil”) num contexto em que, alguns minutos depois e no apenso de regulação das responsabilidades parentais, os progenitores acordaram num regime provisório, o qual foi homologado, sendo ordenado o prosseguimento de tal apenso.
II - O que importa é que haja um regime de regulação das responsabilidades parentais vigente e que acautele o superior interesse das crianças. Condicionar o decretamento do divórcio por mútuo consentimento ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso de regulação das responsabilidades parentais consubstancia, no caso, uma restrição desproporcional e desnecessária do direito dos cônjuges a convolarem o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento (cf. Artigos 1779º, nº2, do Código Civil, 931º, nº4, do Código de Processo Civil e 18º, nº2, da Constituição), acautelado que se mostra o interesse dos menores com a vigência de um regime provisório e prosseguindo a regulação das responsabilidades parentais tendo em vista a prolação de uma decisão que fixe um regime definitivo.
III - A circunstância do regime ser provisório em nada bole com o que fica dito porquanto o mesmo vigora até que seja fixado um regime definitivo e, mesmo quando o acordo sobre as responsabilidades parentais é apresentado como definitivo pelas partes, tal não obsta a que o mesmo seja objeto de alteração posterior se circunstâncias supervenientes o justificarem.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 25.9.2020, BB intentou ação de divórcio sem consentimento contra CC.
Apensos a estes autos encontram-se o Apenso A- Inibição e Limitação ao Exercício das Responsabilidades Parentais em que é Requerente: CC e Requerido: BB e o Apenso B - Regulação das Responsabilidades Parentais em que é Requerente: CC e Requerido: BB.
Em 9.12.2020, realizou-se tentativa de conciliação com início pelas 11.50 horas, constante da ata o seguinte:
«De seguida, pela Ilustre Mandatária da ré foi solicitada a palavra, a qual no seu uso disse ter na sua posse os acordos relativamente à utilização da casa de morada de família e da relação de bens, acordos esses que, depois de apresentados à Ilustre Mandatária do autor, pela mesma foi dito que o seu cliente concorda com o seu teor, pelo que autor e ré requerem a convolação do presente divórcio em divórcio por mútuo consentimento, para o que formulam os seguintes:--‑
---ACORDOS--‑
A) Na impossibilidade de as partes chegarem a um acordo quanto a questão das responsabilidades parentais, as partes requerem que o mesmo seja decidido conforme as consequências do artigo 1778-A do código civil;--‑
B) Prescindem mutuamente da pensão de alimentos, por dela não carecerem;--‑
C) Não existem animais de estimação a dar destino.--‑
d) Os bens comuns mostram-se relacionados conforme o acordo junto aos autos na presente data, cujo teor reproduzem.--‑
e) A casa de morada de família será atribuída ao cônjuge marido conforme acordo junto aos autos na presente data, cujo teor reproduzem.--‑
---Após, pela Mma. Juiz foi proferido o seguinte:--‑
=DESPACHO=
---Em face do adiantado da hora, da diligência ainda a ter lugar no apenso B) e a necessidade de melhor ponderar a aplicação do regime ora solicitado pelas partes, determina-se que se concluam os autos logo que oportuno.--‑»
No apenso B, de Regulação das Responsabilidades Parentais, decorreu Conferência de Pais, também no dia 9 de dezembro de 2020, com início pelas 12.05 horas, tendo os progenitores (ora apelante e apelado) acordado na fixação de um regime provisório, o qual foi homologado por despacho, ordenando-se o prosseguimento dos autos (fls. 45-47).
Em 23 de fevereiro de 2021, foi proferido o seguinte despacho:
«A Lei 61/2008 de 31/10, que alterou o regime jurídico do divórcio, consagrou, a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” – cfr. artigo 1773º, nº 1, do Código Civil.
O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, tendo como causa de pedir um dos fundamentos previstos no artigo 1781º do Código Civil.
Porém, também pode ser objeto de convolação/conversão em divórcio por mútuo consentimento. Por isso se dispõe no artigo 1779º, nº 2, do Código Civil, que: “Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo, ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade de divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações”. 1
Permitiu-se, destarte, a possibilidade de os cônjuges acordarem apenas quanto ao divórcio, não quanto às consequências do divórcio, caso em que conforme decorre do disposto no artigo 1778ºA do Código Civil: “2- Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos.
3- O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo  1775.º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um  divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
4- Tanto para a apreciação referida no n.º 2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária.
5- O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo.
Na determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges.”. 2
Por conseguinte, sempre que os cônjuges acordem quanto ao divórcio, a declaração de vontade de ambos permitirá a convolação do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento.
Todavia, faltando os acordos ou algum dos acordos pressuposto do divórcio por mútuo consentimento – alimentos, destino sobre os animais de companhia, destino sobre a casa de morada de família, exercício de responsabilidades parentais e relação de bens comuns – o processo prosseguirá sem o acordo dos cônjuges relativamente às matérias não acordadas e o divórcio, ainda que convolado/convertido, só pode ser decretado depois de proferida decisão transitada em julgado na matéria não acordada – cfr. artigos 1775º e 1778ºA, ns.º 3 e 5, do Código Civil.
Com efeito, havendo acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, o divórcio converte-se em mútuo consentimento. Porém, só pode ser decretado e dissolvido o vínculo quando fixadas todas as consequências do divórcio, ou seja, quando decididas, por decisão transitada em julgado, todas as matérias não acordadas entre os cônjuges, rectius, a necessidade de alimentos, o destino da casa de morada de família, o destino dos animais de companhia, relacionados os bens comuns, regulado o exercício das responsabilidades parentais.
Como doutamente se decidiu, entre outros, no acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no processo n.º 4508/17.0T8BRG.G1, a 03-05-2018: (...)
II. Numa acção de divórcio que tiver resultado da conversão por acordo do divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges em mútuo consentimento, o Juiz só poderá proferir a sentença que decrete o divórcio, depois de terem sido por si decididas as questões sobre as quais os cônjuges não alcançaram acordo  (art. 1775º, 1778º-A, nº 4, 5 e 6 do CC).
III- Para este efeito, a solução que parece mais conforme com as intenções da Lei e o princípio da adequação formal (art. 547.º CPC) é a de o Tribunal fixar os regimes necessários relativos às aludidas questões, sobre as quais não existe ainda consenso entre os cônjuges, como uma questão incidental, através da forma da jurisdição voluntária, devendo tal procedimento iniciar-se com uma notificação às partes para que as mesmas aleguem o que tiverem por conveniente (e apresentem os respectivos meios de prova), seguida de debate a realizar a final”. 3
Criou assim o legislador, por esta via, uma figura híbrida, que tem vindo a ser denominada, na doutrina e na jurisprudência, como divórcio por mútuo consentimento  judicial, que segue, nas matérias não acordadas, o regime do divórcio sem consentimento do outro cônjuge porquanto impõe decisão judicial, com o que se gera, na verdade, acrescidas dificuldades e complexidades na gestão e tramitação processual, retardando-se a dissolução de um vínculo já destruído e indesejado.
Ora, no caso em apreço, os cônjuges mantêm o propósito de ser divorciar e alcançaram acordo sobre 4 (quatro) das matérias consequência do divórcio: relacionaram bens comuns, prescindiram de alimentos, destinaram a casa de morada de família ao cônjuge marido e declararam não ser donos de animais de companhia para dar destino.
Contudo, não alcançaram acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, pelo que só depois de proferida decisão transitada em julgado na ação de regulação de responsabilidades parentais já em curso poderá ser proferida decisão nestes autos, circunstância que obriga à suspensão da instância dada a existência de causa prejudicial.
Pelo exposto, e ao abrigo dos artigos 269º, n.º 1, alínea c), e 272º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 549º, n.º 1, do mesmo diploma, declara-se suspensa a instância até que seja proferida sentença transitada em  julgado no âmbito da ação de regulação das responsabilidades parentais apensa  aos presentes autos.
DN.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«1. A presente ação divórcio sem consentimento do outro cônjuge deu entrada em tribunal e foi distribuída em 25/09/2020.
2. Nessa data, corriam já termos os autos de Inibição e Limitação ao Exercício das Responsabilidades Parentais e os de Regulação das Responsabilidades Parentais que foram depois autuados por apenso à ação de divórcio em 21/10/2020, respetivamente, como Proc. N.º 19673/20.1T8LSB-A e Proc. N.º 19673/20.1T8LSB-B (cf. Termo de Apensação, a fls ...).
3. Em 9/12/2020 foi realizada a tentativa de conciliação prevista no n° 1 do art. 931° do Cód. Proc. Civil e nela A. e R. manifestaram o seu propósito de se divorciarem, confirmaram os acordos então apresentados e requereram a convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento.
4. Tal como ficou consignado na Ata da referida tentativa de conciliação, ambos os cônjuges manifestaram o propósito de se divorciarem, ambos requereram a convolação do presente divórcio em divórcio por mútuo consentimento e declararam ainda que (…)
5. Foi então determinado na referida tentativa de conciliação que os autos fossem conclusos para prolação de decisão que veio a ser proferida por despacho de 23/02/2021 com a Ref.a 402693863 e que constitui o objeto do presente recurso, decisão esta que se tem por intrinsecamente complementada pelo que ficou declarado e estipulado naquela referida diligência de 09/12/2020.
6. Nesta decisão, determinou-se conforme se transcreve:
"Contudo, não alcançaram acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, pelo que só depois de proferida decisão transitada em julgado na ação de regulação já em curso poderá ser proferida decisão nestes autos, circunstância que obriga à suspensão da instância dada a existência de causa prejudicial.
Pelo exposto, e ao abrigo dos artigos 269o, n.0 1, alínea c), e 272o, n.01, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi do art. 549°, n° 1, do mesmo diploma, declara-se suspensa a instância até que seja proferida sentença transitada em julgado no âmbito da ação de regulação das responsabilidades parentais apensa aos presentes autos."
7. Desde logo, verifica-se não ter sido declarada a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, nem na tentativa de conciliação, nem subsequentemente na douta decisão ora recorrida.
8. A convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento tem como único pressuposto a vontade manifestada pelos cônjuges de pretenderem dissolver o seu casamento, como inequivocamente resulta do disposto no n.º 4 do art. 931° do Cód. Proc. Civil,
9. E não depende, para além dessa manifestação de vontade, da verificação cumulativa de qualquer outro requisito, mormente da existência ou inexistência de todos os acordos relativos às questões previstas no art. 1775° do Cód. Civil.
10. Sem prejuízo, não tendo sido declarada a convolação e tendo sido considerado na douta decisão recorrida que não estavam reunidos os requisitos para ser decretado o divórcio por mútuo consentimento, não existe fundamento para ter sido decretada a suspensão da presente ação,
11. Uma vez que esta mantém-se inalterada, ou seja, continua a ser um divórcio sem consentimento do outro cônjuge e como tal deve continuar a tramitar.
12. Por sua vez, a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge não está dependente da tramitação, nem da decisão das ações tutelares cíveis que correm por apenso e autonomamente à mesma, como sucede no caso vertente no que respeita à ação de regulação das responsabilidades parentais e à ação de inibição ou limitação dessas responsabilidades,
13. Nem a tramitação autónoma da ação tutelar cível de regulação constitui causa prejudicial da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
14. Não se verificam, portanto, quaisquer pressupostos de facto ou de direito que fundamentem a suspensão da ação de divórcio pendente - ação de divórcio sem consentimento - tal como foi decretada nos termos do art. 269°, n.º 1, alínea c) e do art. 272°, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
15. Pelo que deve ser revogada a douta decisão recorrida, e caso não seja decidido conforme adiante se propugna, deverá ser ordenado o prosseguimento da presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, sendo ordenada a notificação da R. para contestar e seguindo-se depois os ulteriores termos legais.
Ainda e sem prescindir,
16. No caso dos autos, não estamos em presença de um divórcio por mútuo consentimento, como tal requerido "ab initio" por ambos os cônjuges, de comum acordo, no tribunal, caso o casal não tenha acordo sobre algum dos assuntos previstos no n.° 1 do art. 1775° do Cód. Civil (art. 1773°, n°s 1 e 2 do Cód. Civil), ou no âmbito do processo remetido ao Tribunal pela Conservatória nos termos do art. 1778° do Cód. Proc. Civil.
17. Este divórcio, também denominado por mútuo consentimento "judicial", tem apenas como único pressuposto o mútuo acordo das partes sobre o próprio divórcio, não sendo sequer exigida qualquer alegação quanto aos fundamentos de facto ou de direito relativos às questões sobre as quais os cônjuges não lograram alcançar acordo, como se prevê no n.° 1 do art. 1778° A do cód. Civil.
18. Neste processo, as questões sobre as quais os cônjuges não lograram alcançar acordo, são tramitadas nos próprios autos, como incidentes da própria ação, podendo até e para o efeito ser determinado pelo Juiz a prática de atos e a produção de prova eventualmente necessária, como se prevê expressamente nos n.º 2 e 4 do art. 1778°-A do Cód. Civil.
19. Por decorrência desta especifica tramitação incidental, a sentença que decretar o divórcio por mútuo consentimento só pode ser proferida depois dessa mesma tramitação e após o Juiz ter resolvido intra processo, as questões incidentais respeitantes às temáticas referidas nas alíneas do n° 1 do art. 1775° do Cód. Civil que tenham pertinência para o caso concreto.
20. Por sua vez, no caso vertente, estamos em presença de um divórcio sem consentimento do outro cônjuge que pode ser objeto de convolação em divórcio por mútuo consentimento como prevê o art. 1779°, n.º 2 do Cód. Civil.
21. No caso vertente, ambos os cônjuges manifestaram o propósito de se divorciarem e requereram a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, prescindiram mutuamente de alimentos por deles não carecerem, acordaram quanto à atribuição da casa de morada de família e quanto à relação de bens comuns e declararam não haver animais de companhia a dar destino.
22. E quanto à questão das responsabilidades parentais, o que ficou consignada na Ata da Tentativa de Conciliação foi "a impossibilidade de as partes chegarem a acordo", ficando também expressamente reconhecido na douta decisão recorrida que a inerente ação já está em curso e corre por apenso.
23. Assim e para efeitos de fixação dos efeitos do divórcio nos presentes autos, não se verifica a existência de quaisquer questões em aberto, a enxertar na ação de divórcio, como incidentes desta ou que tenham que ser tramitadas nos seus próprios autos, nem existem questões que dependam da prática de quaisquer atos que ao Juiz caiba determinar, como os que se preveem no n.º 4 do art. 1778°-A do Cód. Civil,
24. E quanto à única questão não acordada - a regulação das responsabilidades parentais - a respetiva ação tramita já autonomamente, por apenso aos autos da ação de divórcio, sem influir na tramitação desta, e também e, sobretudo, sem depender da tramitação desta, como expressamente se reconhece na douta decisão recorrida.
26. Não se verificam, portanto, nos presentes autos quaisquer questões que careçam de ser desencadeadas e de tramitar incidentalmente na própria ação de divórcio para que nela o divórcio possa ser convolado e decretado como divórcio por mútuo consentimento, não sendo por isso aplicável ao caso vertente o que se prevê nos n°s 1, 2 e 4 do referido art. 1778°-A do Cód. Civil.
Acresce que,
27. A ação de regulação das responsabilidades parentais que corre por apenso encerra ela própria todo um conjunto de problemáticas de que depende a sua própria instrução e tramitação, em particular, as que se prendem com a tramitação de processos-crime que correm termos no DIAP Regional de Lisboa,
28. Como se confirma na Ata da Conferência de Pais realizada na mesma data e subsequentemente à referida Tentativa de Conciliação, que ora se junta como Doc. 1 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
29. Bem se percebe e poderá até ser legitimo extrair dessas problemáticas que nas atuais circunstâncias possa estar excluído da disponibilidade dos cônjuges /progenitores um eventual acordo quanto à cabal regulação das responsabilidades parentais,
30. Tendo apenas sido possível estabelecer o que ficou previsto no regime provisório então fixado na Conferência de Pais realizada (cf. referida Ata).
31. Ainda e como se extrai do teor da referida Ata da Conferência de Pais de 09/12/2020, a tramitação e a instrução da ação de regulação está ela própria dependente da tramitação e evolução de dois outros procedimentos distintos de natureza criminal - o Proc. N.º 663/20.0KRLSB e Proc. N.º 1720/209.S3LSB,
32. Processos estes que, atentas as matérias em investigação, poderão por sua vez revestir, também eles, outras causas prejudiciais relativamente à própria ação de regulação das responsabilidades parentais e ao que nela haverá que ser apreciado e decidido, nomeadamente, em face do disposto no art. 1906°-A do Cód. Civil.
33. Ora, analisando a suspensão decretada até que seja proferida decisão com trânsito em julgado na ação de regulação que corre por apenso, em conjugação com todas estas circunstâncias, conclui-se inevitavelmente que tal suspensão acaba por condicionar o decretamento do divórcio a diferentes e sucessivas causas prejudiciais decorrentes de diferentes processos, a verificar em cadeia ou em cascata,
34. Ou seja, a suspensão decretada na douta decisão recorrida sujeita o decretamento do divórcio à decisão transitada em julgado na ação das responsabilidades parentais, a qual por sua vez, está condicionada à tramitação e às diferentes decisões que venham a ser proferidas nesses outros processos-crime. que podem, também eles constituir causas prejudiciais da própria ação de regulação.
35. Neste contexto, da decretada suspensão da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, resulta afinal e imprevisivelmente um prolongado arrastamento do processo de divórcio, por tempo indefinido, contrariando e prejudicando acentuadamente a inequívoca vontade manifestada pelos cônjuges de dissolverem de imediato o seu casamento,
36. Pelo que a douta decisão recorrida acaba por constituir até uma decisão-surpresa quanto a questão sobre a qual as partes não foram sequer ouvidas, nem tiveram possibilidade de se pronunciar, o que configura a nulidade do despacho proferido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615° do Cód. Proc. Civil, nulidade que para todos os efeitos se invoca. (neste sentido, entre outros, vide Acórdão da Relação do Porto de 8/10/2018, Proc. N.º 721/12.5TVPRT.P1 e Acórdão da Relação do Porto de 2/12/2019, Proc. N.º 14227/19.8T8PRT.P1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt)
37. Por todos os invocados motivos, a suspensão decretada na douta decisão recorrida configura-se como injustificada e absolutamente contrária a todos os princípios de oportunidade e conveniência subjacentes à suspensão prevista no art. 272° do Cód. Proc. Civil,
38. E é também contrária aos princípios de adequação, simplificação e agilização processual que garantem a justa composição do litígio em prazo razoável, conforme previsto no art. 6° do Cód. Proc. Civil.
Ainda, sem prescindir e sem conceder quanto à inexistente convolação,
39. Em face dos elementos de facto aqui reunidos e verificados - o mútuo acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, os quatro acordos confirmados e a ação de regulação das responsabilidades parentais a correr autonomamente e por apenso - considera a Recorrente que caberá ao Juiz decidir tal como e literalmente se prevê no n.º 3 e n.º 5 do art. 1778°-A do Cód. Civil:
"3. O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.01 do art. 1775o sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges."
"5. O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo."
40. Com efeito, e salvo melhor opinião, considera a Recorrente que no caso vertente e à luz do n° 3 do referido art. 1778°-A, a fixação dos efeitos do divórcio quanto às questões sobre que os cônjuges não alcançaram acordo, ou seja, quanto à regulação das responsabilidades parentais, não equivale à prolação de decisão transitada em julgado na ação que corre por apenso,
41. Nem o decretamento do divórcio está dependente da verificação de tal condição, caso em que não faria qualquer sentido a expressa remissão do n.º 3 do art. 1778°-A do Cód. Civil para a fixação das consequências do divórcio como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
42. Nem tal entendimento tem acolhimento na letra da lei, nem é compatível com a tramitação da própria ação de divórcio, onde e como já antes se referiu, nada há que enxertar ou decidir incidentalmente.
43. Considera assim a ora recorrente que o Tribunal possui todos os elementos necessários para fixar as consequências do divórcio quanto a todas as questões previstas no art. 1775° do Cód. Civil,
44. Em concreto, homologando por sentença o que está estabelecido por acordo no que concerne a alimentos entre cônjuges, à atribuição da casa de morada de família e à relação dos bens comuns e quanto à questão não acordada - a regulação das responsabilidades parentais - relegando para a ação própria a correr autonomamente com esse objeto e na qual será oportunamente proferida a competente decisão judicial.
45. Entende assim a ora recorrente que, contrariamente ao sustentado na douta decisão recorrida, estando determinadas nos autos as consequências do divórcio - as que os cônjuges acordaram e a que não conseguiram ou não puderam acordar, mas cuja definição está acautelada na ação própria a correr para tal efeito - o divórcio pode ser decretado de seguida, como prevê expressamente o n.º 5 do art. 1778°-A do Cód. Civil.
46. Nesta conformidade e porque os autos oferecem todos os elementos necessários a tal apreciação e declaração, requer-se ao abrigo do disposto n.º 2 do art. 665° do Cód. Proc. Civil que, substituindo-se ao tribunal recorrido e por via do presente recurso, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 5 do art. 1778-A do Cód. Civil:
a) seja declarada a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento,
b) sejam fixadas as consequências do divórcio conforme se deixou referido, e consequentemente,
c) seja decretado o divórcio.
47. Em conformidade com tudo o exposto, deve ser revogada a douta decisão recorrida, sendo declarada a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, fixadas as consequências do divórcio conforme supra se deixou referido, e consequentemente, decretado o divórcio.
48. Ou, quando por hipótese assim não se entenda, deve ser revogada a douta decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da tramitação do processo de divórcio sem consentimento e a notificação da ora recorrente para contestar.
49 .A douta decisão recorrida violou, designadamente, o disposto nos art. 6°, 269°, n.º 1, alínea c) e art. 272°, n.º 1 do Cód. Proc. Civil e nos art. 1779°, n.º 2 e n.ºs 3 e 5 do 1778°-A do Cód. Civil.
Junta-se: Ata da Conferência de Pais realizada em 09/12/2020 no Proc. N.º 19673/20.1T8LSB-B
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas. será feita a costumada
JUSTIÇA.»
*
Contra-alegou o apelado, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 50-54).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidade do despacho proferido por constituir uma decisão-surpresa;
ii. Convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidade do despacho proferido por constituir uma decisão-surpresa.
No despacho impugnado (23.2.2021), o tribunal a quo ordenou a suspensão da instância «até que seja proferida sentença transitada em julgado no âmbito da ação de regulação das responsabilidades parentais apensa aos presentes autos
Todavia, tal suspensão não foi requerida por qualquer das partes nem o tribunal a quo facultou, previamente, o contraditório para as partes se pronunciarem sobre esse seu desiderato de ordenar a suspensão da instância – cf. Artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil.
Deste modo, a prolação de tal despacho integra uma genuína decisão-surpresa, sendo o despacho nulo por excesso de pronúncia (Artigo 615º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil).
Conforme refere Teixeira de Sousa, 20.5.2020, https://blogippc.blogspot.com/search?q=decis%C3%A3o-surpresa, em comentário a acórdão:
«Menos feliz é a adesão à orientação que qualifica a omissão do contraditório das partes como uma nulidade processual. Não o é por duas razões simples:
-- A vício decorrente da falta da audição prévia das partes é -- como é indiscutível e indiscutido -- o proferimento de uma decisão-surpresa; há, assim, uma decisão-surpresa, mas não uma "nulidade-surpresa"; basta este aspeto linguístico para justificar que o vício não é a nulidade processual, mas antes a decisão-surpresa; esta expressão indicia um desvalor da decisão, pelo que não é compreensível desconhecer este desvalor e recorrer ao da nulidade processual (e menos ainda pretender duplicar o desvalor da decisão-surpresa com o da nulidade processual); acresce que o CPC trata diferentemente as nulidades processuais (arts. 186.º ss.) e as nulidades da decisão (arts. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º), pelo que fica por justificar como é que, contra a sistemática do CPC, uma decisão viciada é uma nulidade processual;
-- O objeto do recurso é (sempre) uma decisão (não pode ser outra coisa); há uma decisão recorrida, mas não uma "nulidade recorrida"; logo, o objeto do recurso é a decisão-surpresa, o que significa que o recorrente tem de fundamentar a interposição do recurso num vício dessa decisão; em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia, dado que conhece de matéria que, perante a omissão da audição das partes, não podia conhecer (arts. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC).»
Apesar da nulidade da decisão impugnada, cabe a este Tribunal da Relação conhecer de mérito nos termos do Artigo 665º, nº1, do Código de Processo Civil (princípio da substituição), o que será feito a seguir.
Convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.
Em 25.9.2020, o autor BB intentou esta ação de divórcio sem consentimento contra CC.
Na tentativa de conciliação (cf. Artigo 931º, nº3, do Código de Processo Civil), as partes requereram a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, formulando acordos com exceção da matéria atinente às responsabilidades parentais. Quanto a estas, as partes requereram que, na impossibilidade de chegarem a um acordo, «que o mesmo seja decidido [as responsabilidades parentais sejam decididas] conforme as consequências do artigo 1778º-A do Código Civil».
Nos termos do Artigo 1779º, nº2, do Código Civil, «Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações» (bold nosso).
A propósito desta norma, refere Eva Dias Costa in Clara Sottomayor (coord.), Código Civil Anotado, Livro V, Direito da Família, Almedina, 2020, p. 538, que «o legislador manifesta preferência pelo divórcio por mútuo consentimento, baseado apenas no acordo dos cônjuges quanto ao divórcio, podendo o juiz decidir as questões que devem constar nos acordos complementares ao divórcio por mútuo consentimento, no caso dos cônjuges nelas não conseguirem acordar (…)».
E, de facto, a menção «às necessárias adaptações» (Artigo 1779º, nº2, do Código Civil) implica uma remissão para o Artigo 1778º-A, nº3, do Código Civil, nos termos do qual: «O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº1 do artigo 1775º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.» E, prosseguem os nos. 4 e 5 do mesmo Artigo 1778º-A do Código Civil:
«4. Tanto para a apreciação referida no nº2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de atos e a produção da prova eventualmente necessária.
5. O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo
Por sua vez, o Artigo 931º, nº4, do Código de Processo Civil, dispõe que: «Estabelecido o acordo referido no número anterior [acordo no divórcio por mútuo consentimento], seguem-se no próprio processo, com as necessárias adaptações, os termos dos artigos 994º e seguintes (…)».
Nos termos do Artigo 994º do Código de Processo Civil:
«1 - O requerimento para a separação judicial de pessoas e bens ou para o divórcio por mútuo consentimento é assinado por ambos os cônjuges ou pelos seus procuradores e instruído com os seguintes documentos:
a) Certidão de narrativa completa do registo de casamento;
b) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores;
c) Acordo que hajam celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores, se os houver;
d) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que careça deles;
e) Certidão da convenção antenupcial e do seu registo, se os houver;
f) Acordo sobre o destino da casa de morada da família.
2 - Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.»
Por sua vez, o Artigo 996º, nº2, dispões que: «No caso contrário [inexistência de desistência do pedido de divórcio por mútuo consentimento], é exarado em ata o acordo dos cônjuges quanto à separação ou divórcio, bem como as decisões tomadas quanto aos acordos a que se refere o artigo 1775º do Código Civil.»
Na eventualidade dos cônjuges não alcançarem um dos acordos pressupostos para o divórcio por mútuo consentimento – sendo esse o caso porquanto não formalizaram aquando do pedido de convolação o acordo de regulação das responsabilidades parentais, requerendo em ata que «o mesmo seja decido conforme as consequências do artigo 1778º-A do Código Civil» (fls. 24) – haverá que articular os regimes dos Artigo 1778º-A do Código Civil com os Artigos 931º, nº4, 994º e 996º, nº2, do Código de Processo Civil.
No que tange a esta articulação, acolhemos a análise de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2020, Almedina, pp. 449-450:
«Este art. 1778º-A, nº 3, do CC, tem suscitado interpretações díspares. Assim, por exemplo, faltando o acordo sobre a casa de morada de família, em RE de 10-11-10, 1069/08, entendeu-se que o tribunal tem de seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (em sentido confluente, cf. RL 11-7-13, 3546/10), o que implica a dedução do pedido por apenso à ação de divórcio (art. 990º, nº 4) e a sua tramitação nos termos dos demais números dessa disposição legal. Todavia, opõe-se a esta interpretação e à própria letra do nº 3 do art. 1778º-A o argumento de que não faz sentido remeter para o regime do divórcio sem consentimento (cf. arts. 931º e 932º) porquanto neste processo o juiz não aprecia nem decide as questões referidas no nº 1 do art. 1775º, não constituindo tais questões objeto do divórcio sem consentimento (Tomé Ramião, O Divórcio e as Questões Conexas - Regime Jurídico Atual, p. 60).
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, p. 713, pronunciam-se sobre a questão nestes termos: “parece razoável afirmar que a solução mais adequada não é a de cumprir uma tramitação própria e autónoma relativamente à atribuição da casa de morada de família, à regulação das responsabilidades parentais ou à fixação de alimentos. A solução que parece mais conforme com as intenções da lei e o princípio da adequação formal (art. 547º) é a de fixar os regimes necessários como uma questão incidental, através da forma de jurisdição voluntária.” Rita Lobo Xavier, em Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, p. 21, defende que “na situação em que o juiz terá de fixar as consequências do divórcio, parece evidente que não o poderá fazer sem que sejam alegados e provados factos que sirvam de fundamento à sua decisão. Será necessário que os cônjuges tragam ao processo tais factos e proponham os respetivos meios de prova, para que possa ser marcada uma audiência final para a produção da mesma, tal como acontece no divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”.
A falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio não converte o processo de divórcio num divórcio sem consentimento dos cônjuges. Assim, faz mais sentido aplicar os princípios gerais da jurisdição voluntária (arts. 986º a 988º), na medida em que o divórcio por mútuo consentimento se insere no âmbito desses procedimentos, bem como aplicar os arts. 994º a 997º e 999º. Nesta senda, as questões sobre as quais as partes não lograram acordo constituem incidentes da ação de divórcio por mútuo consentimento judicial, devendo ser tramitadas nos próprios autos, podendo o juiz determinar a prática de atos e a produção de prova considerada necessária (art. 1778º-A, nº 4, do CC) com observância dos princípios processuais, designadamente do contraditório e da igualdade (RG 15-3-16, 259/14).
Não se justifica autonomizar do processo de divórcio por mútuo consentimento judicial a apreciação de tais questões, porquanto a fixação das consequências do divórcio constitui um pressuposto necessário da homologação do divórcio por mútuo consentimento, ou seja, o juiz não pode decretar o divórcio por mútuo consentimento sem fixar as consequências desse tipo de divórcio.
Em suma e no que tange à fixação das consequências do divórcio (art. 1778º-A, nº 3, do CC), haverá que aplicar os arts. 292º (provas, prazo de oposição), 294º (limite de testemunhas), 295º (alegações orais e decisão), ex vi art. 986º, nº 1, sendo os parâmetros substantivos da decisão os decorrentes dos arts. 1793º do CC (casa de morada de família), 1905º e 1906º (regulação das responsabilidades parentais) e 2016º e 2016º-A do CC (alimentos). O juiz deve atuar o princípio da adequação formal, sobretudo na fase liminar, esclarecendo as partes sobre a tramitação que será seguida e convidando os cônjuges a aduzirem a concreta factualidade que estriba os pedidos formulados.»
Daqui decorre que, inexistindo acordo dos cônjuges quanto à regulação das responsabilidades parentais, e em regra, cabe ao juiz efetuar tal regulação com aplicação das normas e princípios enumerados na citação que antecede, constituindo a decisão assim a proferir condição sine qua non do subsequente decretamento do divórcio por mútuo consentimento.
Todavia, no caso em apreço, existe uma situação particular: no mesmo dia em que os cônjuges requereram a conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, decorreu (quinze minutos depois) Conferência de Pais no apenso B de regulação de responsabilidades parentais, tendo os progenitores (ora apelante e apelado) acordado na fixação de um regime provisório, o qual foi homologado por despacho, ordenando-se o prosseguimento dos autos (fls. 45-47).
A Mma. Juíza a quo não atentou neste circunstancialismo fáctico quando proferiu a decisão impugnada.
Ora, tendo sido firmado subsequentemente ao pedido de convolação (alguns minutos depois) um acordo quanto ao regime provisório de regulação das responsabilidades parentais (homologado por despacho), prosseguindo este processo para uma decisão definitiva, estão inerentemente fixadas as consequências do divórcio por mútuo consentimento quanto à regulação das responsabilidades parentais, nada obstando a que seja decretado o divórcio por mútuo consentimento. Num contexto desta índole, não faz sentido atuar o princípio da adequação formal tendo em vista produzir prova para prolação de uma decisão quanto às responsabilidades parentais porquanto já existe um regime acordado e homologado. A circunstância do regime ser provisório em nada bole com o que fica dito porquanto o mesmo vigora até que seja fixado um regime definitivo (cf. regime equivalente do nº2 do Artigo 994º do Código de Processo Civil, bem como o Artigo 28º do RGPTC) e, mesmo quando o acordo sobre as responsabilidades parentais é apresentado como definitivo pelas partes (cf. Artigos 994º, nº1, al. c), do Código de Processo Civil), tal não obsta a que o mesmo seja objeto de alteração posterior se circunstâncias supervenientes o justificarem (cf. Artigo 42º do RGPTC). Ou seja, o acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais está sempre sujeito às mutabilidades decorrente da cláusula rebus sic stantibus.
O que importa é que haja um regime de regulação das responsabilidades parentais vigente e que acautele o superior interesse das crianças. Condicionar o decretamento do divórcio por mútuo consentimento ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso de regulação das responsabilidades parentais consubstancia, no caso, uma restrição desproporcional e desnecessária do direito dos cônjuges a convolarem o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento (cf. Artigos 1779º, nº2, do Código Civil, 931º, nº4, do Código de Processo Civil e 18º, nº2, da Constituição), acautelado que se mostra o interesse dos menores com a vigência de um regime provisório e prosseguindo a regulação das responsabilidades parentais tendo em vista a prolação de uma decisão que fixe um regime definitivo. Note-se que o decretamento do divórcio por mútuo consentimento não interfere na prossecução do apenso B de regulação das responsabilidades parentais, o qual prosseguirá os seus termos.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se a decisão proferida em 23.2.2021;
b) Convola-se o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento;
c) Decreta-se o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes CC e BB, relevando-se o acordo quanto ao regime provisório das responsabilidades parentais fixado no Apenso B em 9.12.2020, sem prejuízo do prosseguimento de tal apenso até decisão final.
Custas pelo apelado na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 8.6.2021
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).