SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CONTRATO DE MÚTUO
CRÉDITO À HABITAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DO ÁLCOOL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
AMBIGUIDADE
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


I- As presunções judiciais, constituindo matéria de facto, são insindicáveis pelo STJ.
II- O único controlo que esta instância pode fazer nesse capítulo é conferir se o iter percorrido para tirar a presunção judicial respeitou as regras legais do procedimento probatório [existência de factos-base, admissibilidade (artigo 351º do CC) e inexistência de ilogicidade manifesta].
III- Não é ambígua a cláusula de exclusão de responsabilidade da seguradora em que se estabelece não estar coberto o risco de morte resultante de factos que sejam consequência de embriaguez e abuso de álcool, ou de estupefacientes fora de prescrição médica.
 

Texto Integral




PROC. N.º 1479/17.7T8BJA.E1.S1

6ª SECÇÃO (CÍVEL)

REL. 172[1]

                                                           *

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

AA e BB, menores, representados por sua mãe, CC, moradora na rua …, …..., intentaram a presente acção declarativa, na forma de processo comum, contra Ocidental-Companhia Portuguesa de Seguro de Vida, S.A., com sede em …., pedindo a sua condenação no pagamento “ao Banco Millennium BCP, do montante correspondente à soma dos capitais em dívida nos dois empréstimos, à data do falecimento do Segurado” e, ainda, os “juros vencidos e vincendos que se vierem a apurar por aquela entidade bancária”.

Fundamentaram esse pedido, em síntese, nos seguintes factos:

-         Os Autores AA e BB são filhos e únicos e universais herdeiros de DD, que faleceu no dia 18 de Outubro de 2014, no estado de solteiro, em consequência de um acidente de viação, quando seguia num motociclo da marca ……, modelo ….…., e foi embater na traseira de um outro veículo, segurado na Companhia de Seguros;

-           Com vista à aquisição da casa em que residia com os filhos e a sua companheira, o DD celebrou dois contratos de mútuo com o Banco Millennium BCP, com os nºs …....673, no valor de 10.000,00 €, e …....983, no valor de 75.000,00 €;

-      Tais seguros tinham como coberturas contratadas a morte e invalidez total e permanente;

-           A adesão aos seguros de vida crédito à habitação encontra-se datada de 5 de Maio de 2008, tendo os respectivos certificados individuais sido emitidos em 30 de Maio seguinte, com um capital seguro inicial de 10.000,00 € e de 75.000,00 €, os quais foram sofrendo as devidas atualizações, durante a vigência dos contratos;

-           Na sequência de contacto efetuado junto do Banco, credor hipotecário, para que diligenciasse o accionamento do seguro, veio a Ré declinar a responsabilidade pelo pagamento dos capitais seguros.

A acção foi julgada procedente na 1ª instância, mas, na sequência do recurso de apelação interposta pela seguradora Ocidental, o Tribunal da Relação …, depois de alterar alguns pontos da matéria de facto, revogou aquela decisão e julgou a acção improcedente.

Por essa razão, apresentaram os Autores o presente recurso de revista, no qual concluem do seguinte modo:

1 - Salvo melhor opinião de V. Exªs a questão principal nos presentes autos passará pela avaliação do depoimento da testemunha EE, como sendo a pessoa responsável para junto dos clientes tratar da contratação dos respectivos seguros de vida.

2 - Relativamente ao depoimento desta testemunha, conforme resulta da sentença do Tribunal de 1.ª Instância, bem como, do acórdão do Tribunal da Relação ……., esta testemunha referiu que não guarda memória dos contratos de seguro celebrados com o falecido, acrescentando, no entanto, que a regra era dar conhecimento dessas clausulas de exclusão aos clientes.

3 - Para a sua decisão, e bem, entendemos nós, considerou o tribunal de 1.ª Instância que a referência genérica dessa testemunha ao cumprimento das obrigações não significava que o tivesse feito no caso dos autos e como tal, decidiu o Tribunal de 1.ª Instância que tal facto alegado pela ré ora recorrida não se poderia considerar provado, uma vez que o ónus a esta incumbia.

4 -   Perante o mesmo depoimento, e agora com prejuízo do princípio da imediação, entendeu o Tribunal da Relação ……. que a referida referência genérica ao cumprimento de tal obrigação significaria que também no caso dos autos e relativamente aos contratos em apreço teria sido cumprida aquela obrigação de comunicação das referidas cláusulas de exclusão de responsabilidade.

5 -   Ao entender como entendeu, o Tribunal da Relação ……. afastou desde logo a hipóteses de podermos estar perante a tão popular excepção à regra.

6 -     E para considerar provado que aquela obrigação foi cumprida por parte da Ré, teve de se socorrer, como parece obvio, de uma presunção, para suprir a falta de prova daquele facto e em completa violação ao art. 349º do C.C..

Pois,

7 - As presunções não são meio de suprir a falta de prova dos factos e não podem eliminar as regras do ónus da prova nem são meio admissível para alteraras respostas aos factos, o que foi feito no acórdão recorrido quanto aos factos a) e b) dos não provados pelo Tribunal de 1ª Instância.

8 -   Não podendo, consequentemente, servir para inferir um facto que se deu como não provado, sob pena de se estar a modificar (ilicitamente) a decisão quanto à matéria de facto.

9 - Consequentemente resultou também daí a violação do disposto no art. 342º do CC, pois incumbia à Ré o ónus da prova de que havia dado conhecimento e explicado ao falecido as cláusulas de exclusão da responsabilidade.

10 - Erro que assume ainda maior expressão porque estamos perante um contrato de adesão sujeito a um regime específico porque existe uma parte mais frágil.

11 – O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que instituiu o regime das clausulas contratuais gerais, veio criar medidas legistas mais rigorosas e apertadas do que as previstas no Código Civil, por forma a permitir ao julgador, corrigir as desigualdades que não raras vezes resultam da celebração desses contratos, com prejuízo para a parte mais frágil, ou seja o consumidor.

12 - Entendemos que a Ré não demonstrou que satisfez o dever de comunicação, o dever de informar a que estava obrigada e cabia-lhe tal ónus, nos termos do art. 5º do citado D.L.

13 - Sendo consequência de tal omissão, considerarem-se tais cláusulas de exclusão inexistentes ou excluídas do contrato de seguro, e como tal inaplicáveis.

14 - Em todo o caso, tais cláusulas de exclusão sempre seriam ambíguas e como tal devem ser interpretadas no sentido mais favorável ao falecido, o mesmo é dizer, agora, em relação aos Autores. 

15 - Em ambos esses sentidos, veja-se o entendimento do Tribunal da Relação no Porto, quanto a esta matéria, explanado no acórdão proferido no processo n.º 5643/03, sendo também aí Ré a Ocidental – Companhia de Seguros de Vida, S.A.      

16 - Sem prejuízo de, e como resulta da PI art. 43º, os docs.13 e 14 juntos, referentes às clausulas contratuais gerais do contrato, nunca foram sequer assinados pelo falecido, o que reforça o atrás expendido, quanto à inexistência e consequente inaplicabilidade.

Nas contra-alegações a Ré pediu a improcedência do recurso.

                                                                       *

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, as únicas questões a dirimir na presente revista dizem respeito à alteração da matéria de facto e à invocada ambiguidade da cláusula contratual de exclusão de responsabilidade da seguradora.

                                                                       *

II.        FUNDAMENTAÇÃO

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. Os Autores são filhos de DD;

2.         DD faleceu no dia 18 de Outubro de 2014 às 21h45, no estado de solteiro, deixando como como únicos e universais herdeiros os Autores;

3.         DD faleceu em consequência de um acidente de viação quando seguia num motociclo, marca ……., modelo ….., e foi embater na traseira de um outro veículo;

4.         O acidente ocorreu durante a noite, num local sem iluminação pública e de fraca visibilidade;

5.         O acidente ocorreu ao descrever uma curva, a qual é precedida de uma recta com cerca de 700 metros;

6.         O falecido conduzia com taxa de 1.65g/l álcool no sangue;

7.         Tais factos, deram origem a abertura de um inquérito com o número 81/14…….., que correu termos no tribunal judicial de ….;

8.         Nesse inquérito conclui-se que o acidente se deveu a algum descuido ou desatenção de DD, possivelmente ao iniciar manobra de ultrapassagem ao veículo que seguia na sua frente, aliado ao facto de aquele se encontrar sob a influencia de álcool;

9.         Com vista a aquisição da casa de habitação permanente, sita na Rua … em …, onde residia com os filhos e com a sua companheira, celebrou dois contratos de mútuo com o Banco Milennium BCP, com os números ……673, no valor de 10.000,00 €, e ……983, no valor de 75.000,00 €;

10.       Associados aos referidos contratos de mútuo foram celebrados dois contratos de seguro do ramo vida com a Ré, com a apólice n.º …... e certificados individuais n.º …254 e …...255;

11. Tais seguros tinham como coberturas contratadas a Morte e Invalidez Total e Permanente;

12.       A adesão aos seguros de vida crédito habitação encontram-se datadas de 05.05.2008, tendo os respetivos certificados individuais sido emitidos em 30.05.2008 com um capital seguro inicial de 75.000,00 €, no primeiro caso, e 10.000,00 €, no segundo, os quais foram sofrendo as devidas actualizações durante a vigência dos contratos;

13.       Na sequência do contacto efectuado junto do banco credor hipotecário para que diligenciasse pelo accionamento do seguro, a Ré declinou a responsabilidade pelo pagamento dos capitais seguros no âmbito dos contratos de mútuo hipotecários;

14.       DD assinou um documento intitulado Proposta de adesão/ Seguro de Vida Crédito Habitação em que, além do mais, se pode ler: “São exactas e completas as declarações prestadas tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-lhe sido entregue as respectivas Condições Gerais e Especiais, de que tomou integral conhecimento e tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis, com as quais concordam.”;

15.       A referida proposta foi preenchida informaticamente pelo funcionário do Interveniente, de acordo com as instruções e orientações de DD e, posteriormente, impressa e entregue ao mesmo para leitura e confirmação das informações nela constantes;

16.       Foi entregue a DD uma cópia da proposta de adesão assinada e as condições gerais;

17.       No âmbito das condições especiais das duas apólices de seguro em discussão nos autos, prevê o art.º 6º:

“6.1 Não se considera coberto por este contrato o risco de morte resultante de:

g) Factos que sejam consequência de:

(…)

- Embriaguez e abuso de álcool, ou de estupefacientes fora de prescrição médica;”;

Ainda na 1ª instância foram dados como não provados os seguintes factos:

A)        Após a assinatura da proposta indicada em 14. foram lidas e explicadas a DD as cláusulas nela insertas;

B)        O mesmo sucedeu em relação às condições gerais, que fazem parte integrante da referida proposta de adesão a seguro de vida, tendo-lhe sido, inclusivamente, explicadas tanto as coberturas como as exclusões contratadas.

Na sequência do recurso interposto pela Ré seguradora para o Tribunal da Relação ……, foram aí julgados provados os dois factos das antecedentes alíneas A) e B).

O DIREITO

No entendimento dos recorrentes, o acórdão da Relação …….. fez uso inadmissível de presunções judiciais para reverter o sentido da decisão sobre as alíneas A) e B) dos factos que a 1ª instância tinha julgado como não provados.

Todavia, e independentemente do que mais adiante se dirá, não foi isso que sucedeu.

Conforme já se referiu, a 1ª instância tinha julgado não provado que as cláusulas e as condições gerais da proposta de adesão tivessem sido lidas e explicadas ao segurado.

Para sustentar essa convicção, a Mmª Juíza ponderou do seguinte modo:

“Quantos os factos não provados o Tribunal assim os considerou na medida em que a prova produzida na audiência de julgamento não demonstrou a sua verificação.

Em primeiro lugar a testemunha CC, companheira do falecido à data da contratação do contrato de seguro, referiu que o acompanhou ao balcão do BCP antes da celebração do contrato de mútuo com vista à aquisição da habitação e que não se recorda de ter ocorrido qualquer explicação das cláusulas que integram o referido contrato de seguro (ou de qualquer outro contrato).

As testemunhas EE e FF, ambos funcionários do BCP, referiram ter tido intervenção na de concessão de crédito a DD e contratação do seguro associado mas que em concreto não guardam memória da situação em concreto nem das informações prestadas na ocasião. Descreveram no entanto quais os procedimentos habituais nessas situações, assumindo que no caso concreto tais procedimentos tenham sido adoptados.

Da mesma forma a testemunha GG, gestora de sinistros da ré, descreveu de modo genérico os procedimentos adoptados para a contratação dos contratos de seguro, não revelando qualquer conhecimento concreto sobre os factos em discussão na presente acção.

Assim, da prova produzida a propósito da factualidade constante de A e B não se pode retirar que, em concreto, o falecido DD as cláusulas constantes seja da proposta de seguro seja das condições gerais ou particulares da apólice.

Os depoimentos das testemunhas HH, II e JJ em nada contribuíram para a formação da convicção do Tribunal na medida em que aquelas não revelaram ter qualquer conhecimento dos factos em causa nos autos”.

Por considerar não cumprido o dever de informação resultante do artigo 5º do regime das Clausulas Contratuais Gerais, previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, o tribunal da 1ª instância declarou a exclusão da cláusula referida no ponto 17. da matéria de facto, ao abrigo do artigo 8º, alíneas a) e b) do mesmo diploma, e concluiu que inexistia qualquer fundamento para que a Ré seguradora não procedesse aos pagamentos devidos em consequência da morte do segurado, fazendo assim proceder a acção.

Outra foi, contudo, a avaliação feita na 2ª instância sobre os elementos de prova atinentes a essa matéria, impugnada pela seguradora no recurso de apelação, como a seguir se reproduz:

“Devendo a Relação, na área da alteração da matéria de facto, "formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova", procedeu-se, somente, dado o teor especifico da matéria de facto impugnada, à audição, na íntegra, do registo dos depoimentos das testemunhas FF, EE e CC, prestados na audiência de julgamento - os últimos dois complementados, com o teor concordante das introduções prévias às respetivas instâncias, feitas pelos ilustres mandatários judiciais, face a deficiente qualidade, em termos de som, das respostas dadas.

As notas relevantes a retirar dos mesmos são as seguintes:

- testemunha FF - referiu que só interveio, "na parte de aprovação interna do banco", acrescentando que nunca abordou o cliente; mencionou que, por norma, as propostas de adesão ao seguro são efetuadas ao balcão do banco, sendo, depois, dada para ler e assinar ao cliente, se estiver tudo correio; disse que é "normal", aquando da subscrição do seguro, associado aos mútuos, para efeitos de crédito à habitação, o banco dar conhecimento aos clientes das cláusulas das condições particulares e as principais das gerais, nomeadamente as referentes às causas de exclusão do seguro, explicando-as, se necessário for; referiu que não sabe o que passou, com o crédito e seguro referidos nos autos, uma vez que não contactou o cliente;

- testemunha EE - referiu trabalhar no BCP, desde o ano 2000, fazendo este tipo de operações, desde 2002; disse que participou na contratação deste seguro, acrescentando que a proposta de adesão contém a sua assinatura; mencionou que as perguntas efetuadas, para efeitos de preenchimento da proposta de adesão são, por norma, introduzidas no computador, e, depois, feita a impressão; mencionou que o procedimento do banco, no domínio do seguro em causa, passa pela informação das cláusulas particulares e as principais das gerais da apólice de seguro, nomeadamente, as causas de exclusão, e sua explicação, se necessário for; disse não se recordar do caso concreto, mas o procedimento é sempre o mesmo; referiu não ter conhecimento que o contrato de seguro em causa tenha sido objeto de reclamação;

- testemunha CC - disse que vivia com o segurado falecido, …, aquando da sua morte, como se casados fossem; referiu que acompanhou o processo da compra da casa, deslocando-se, pelo menos uma vez, ao banco, sendo o atendimento feito por uma mulher; disse recordar-se de terem sido feitas perguntas, mas não de explicações sobre matérias específicas, como a morte e invalidez.

O Tribunal recorrido fundamentou os factos não provados, nomeadamente, na circunstância de "as testemunhas EE e FF, ambos funcionários do BCP", apesar de terem "tido intervenção na concessão de crédito a DD e contratação do seguro associado”, não guardarem “memória da situação em concreto, nem das informações prestadas na ocasião", descrevendo, "no entanto quais os procedimentos habituais nessas situações, assumindo que no caso concreto todos procedimentos tenham sido adotados", considerando, em consequência e em síntese, que "a prova produzida na audiência de julgamento não demonstrou a sua verificação".

Não subscreve esta Relação este juízo. Efetivamente, não é razoável que a testemunha EE, a única que contactou o falecido segurado - a testemunha FF não o fez -, passados quase onze anos, guarde "memória da situação em concreto" e "das informações prestadas na ocasião".

Quando muito pode "guardar memória" dos procedimentos que seguiu, em 2008, na contratação do seguro associado ao crédito à habitação e se, no negócio com o falecido segurado, DD, seguiu a prática ordenada pelo banco, a qual passava pela informação das cláusulas particulares e as principais das gerais da apólice de seguro, nomeadamente, as causas de exclusão, e sua explicação, se necessário for.

Ora, a resposta da testemunha EE foi a seguinte: adotava sempre o que estava determinado. Como tal, observou, no caso dos autos, a mencionado dever de informação.

Considerar insuficiente, para efeitos de prova da informação/explicação do clausulado da apólice de seguro associada ao crédito para habitação, a afirmação, apenas, da observância, no caso concreto, do protocolo ordenado pelo banco mediador, equivaleria, na prática, a uma impossibilidade de prova, apenas ultrapassável pelo recurso à gravação, de preferência, com som e imagem, da outorga dos ditos contratos de seguros.

De referir, também, que os demandantes/recorridos AA e BB rejeitam, apenas, que as cláusulas contratuais gerais, tenham sido apresentadas ao segurado DD, não, também, as particulares - capital seguro, início da cobertura, prazo e periodicidade de pagamento do prémio -, constantes da proposta de adesão, que veio a ser aceite, como é costume, pela referida seguradora demandada,

Assim sendo, não é normal que o Tribunal recorrido declare desconhecer se as cláusulas particulares da apólice, acima mencionada, não foram lidas e explicadas ao segurado DD, quando os próprios demandantes/recorrentes não colocam tal questão. Sucede, também, que não é razoável que do dito segurado, ......, tenha cumprido um contato de seguro, durante cerca de seis anos, sem saber o capital seguro, início da cobertura, prazo e periodicidade de pagamento do prémio.

Igualmente não é típico que o dito segurado falecido, …., com funções, segundo fez constar na proposta de adesão, no "rádio-patrulha", seja parte num contrato de seguro de vida, sem que lhe tenha sido entregue um texto com as cláusulas gerais deste negócio, com o consequente desconhecimento da não cobertura do risco morte, por facto que seja consequência de "embriaguez e abuso de álcool", quando, por escrito, por ocasião da feitura da proposta de adesão e no texto desta, declara que lhe foram entregues "as respetivas Condições Gerais e Particulares, de que tomou (…) conhecimento e tendo-lhe (...) sido prestados todos os esclarecimentos sobre e as mesmas condições contratuais, nomeadamente, sobre as garantias e exclusões aplicáveis com as quais concorda".

No caso dos autos, a convicção desta Relação, na área em causa, não coincide com a do Tribunal recorrido.

Pelo exposto, procede este segmento da apelação, pelo que, em consequência e revogando a decisão recorrida, julga esta Relação provados os factos vertidos nas alíneas a) e b) dos factos não provados”.

Vê-se nitidamente desta transcrição que o exercício de reanálise da prova feito na Relação … não extravasou os poderes contidos no n.º 1 do artigo 662º do CPC.

Por outro lado, nítido também se afigura que, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, a Relação não fez uso de qualquer presunção judicial, isto é, não tirou nenhuma ilação de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. artigo 349º do CC.

Os factos sujeitos à reapreciação da 2ª instância foram os mesmos sobre os quais se debruçou, não tendo criado nova materialidade fáctica a partir deles.

Temos, assim, que a alteração do sentido da decisão sobre aqueles concretos pontos de facto [alíneas A) e B)] teve na sua base uma ponderação diversa dos elementos de prova disponíveis, sendo estes exclusivamente constituídos por prova testemunhal, que, como é sabido, é de livre apreciação – cfr. artigo 396º do CC.

Também como é sabido, está vedado ao STJ sindicar ou controlar a decisão da matéria de facto, salvo se se verificar a violação de normas de direito probatório [ofensa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova], o que não é, manifestamente, o caso dos autos – cfr. artigo 674º, n.º 3, do CPC.  

Diga-se, para finalizar este ponto do recurso, que as presunções judiciais também constituem matéria de facto e, nessa medida, são insindicáveis pelo STJ. O único controlo que esta instância pode fazer nesse capítulo é conferir se o iter percorrido para tirar a presunção respeitou as regras legais do procedimento probatório [existência de factos-base, admissibilidade (artigo 351º do CC) e inexistência de ilogicidade manifesta]. Contudo – repete-se – o acórdão recorrido não se fez uso de qualquer presunção judicial.

b)

O outro ponto em que assenta a revista diz respeito à suposta ambiguidade da cláusula de exclusão de responsabilidade da seguradora, constante do artigo 6º, 1, alínea g) das condições especiais.

Uma cláusula é ambígua quando, por não ser inteiramente clara, possibilita interpretações diversas.

O artigo 10º do referido DL 446/85 declara que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas de harmonia com as regras relativas à interpretação dos negócios jurídicos, isto é, as regras constantes do artigo 236º do CC.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 11º refere que as cláusulas contratuais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.

Como ensina Galvão Telles[2], não se formula neste n.º 1 um critério específico para as cláusulas ambíguas ou duvidosas, antes se faz apelo ao critério geral do artigo 236º, n.º 1, do CC.

Se, mesmo assim, a dúvida persistir, prevalecerá o sentido mais favorável ao aderente, conforme determina o n.º 2 do citado artigo 11º.

A propósito deste regime referem os Almeida e Costa e Meneses Cordeiro[3]: “pesam, de novo, as responsabilidades próprias daquele que se prevalece de cláusulas contratuais gerais, adstrito a deveres de clareza, agora reforçados pelo princípio da boa-fé, que, segundo a doutrina moderna, dispensa uma protecção especial do contratante fraco ou em posição desfavorecida”.

Para apoio da invocação da ambiguidade da cláusula referida no ponto 17. dos factos provados, indicam os recorrentes um acórdão da Relação do Porto, sem menção da data em que foi proferido nem do local onde pode ser consultado. Fazem referência insuficiente ao número do processo (5643/05) e reproduzem, no corpo das alegações, parte desse acórdão.

Acontece que o segmento que poderia interessar à tese que defendem, no capítulo das exclusões de cobertura, mostra-se truncado, não permitindo compreender o âmbito da exclusão no caso aí versado. Pelos excertos reproduzidos fica-se, no entanto, com a ideia certa de que a situação não é equiparável à dos autos.

De todo o modo, não podem restar dúvidas de que, no caso em apreço, a cláusula excludente da responsabilidade da seguradora, mencionada no ponto 17. da matéria de facto, está redigida de forma tão clara que deita por terra o vício de ambiguidade de que os recorrentes falam. Qualquer destinatário dessa declaração negocial, colocado na posição do real declaratário, apreenderia que o risco de morte resultante de evento provocado por embriaguez ou abuso de álcool estaria arredado da cobertura.

Em consequência, o recurso improcede também nesta parte.

                                                                       *

III. DECISÃO

Nestes termos, nega-se a revista.

                                                           *

Custas pelos recorrentes.

                                                           *

LISBOA, 28 de Abril de 2021

O relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos, Maria Olinda Garcia e Ricardo Costa.

Henrique Araújo (Relator)

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[1]     Relator:     Henrique Araújo
     Adjuntos:    Maria Olinda Garcia
                         Ricardo Costa
[2] “Manual dos Contratos em Geral”, 4ª edição, página 323.
[3] “Cláusulas Contratuais Gerais”, página 32.