TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
PENA PARCELAR
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
OBJETO DO RECURSO
PENA SUSPENSA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PRESSUPOSTOS
PENA DE PRISÃO
Sumário


I - A incriminação do tráfico visa proteger a saúde pública, “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos” e, mediatamente, também “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”.
II - O traço marcante do privilegiamento do tráfico advém da consideravelmente diminuída da ilicitude da conduta típica.
III - Na vigente incriminação do tráfico de menor gravidade, o legislador limitou-se a fornecer, exemplificativamente, alguns indicadores que podem traduzir-se na considerável diminuição da ilicitude.
IV - Na tarefa de concretizar outros indicadores, a jurisprudência tem apontado os seguintes: atuação individual ou em pequena entreajuda; sem que sejam utilizados meios sofisticados; que não seja exercido como modo de vida; ausência de lucros ou vantagens; os proventos obtidos financiarem consumos do próprio e de familiares ou equiparados; pequena “carteira” de compradores ou consumidores; curto período de tempo; ocasionalidade do tráfico; não implicação de familiares; não utilizar colaboradores; pequena e circunscrita territorialidade da atividade; inexistência de contactos internacionais ; não concorram circunstâncias que agravam a punição do tráfico.
V - A jurisprudência sustenta que uma destas circunstâncias, por si só, regra geral, não é suficiente para diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico.
VI - O direito penal da UE estabeleceu a necessidade de uma moldura penal agravada quando “a infração envolva drogas que causam maiores danos à saúde”. Nestas situações a conduta deve ser sancionável “com pena máxima de prisão com uma duração de, no mínimo, entre cinco e dez anos” – art. 4.º, n.º 2, al. b), da Decisão-Quadro 2004/757/JAI.
VII - Para que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art. 25.º, do DL n.º 15/93, de 22-01, não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico (matricial). É indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que deva ter-se por consideravelmente diminuída.
VIII - Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art. 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


I. RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Cível e Criminal ……. - Juiz .., mediante acusação do Ministério Publico, imputando-lhe (assim como à coarguida) um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 2 do DL n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I -A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal, e ao segundo, ainda a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, foram julgados e por acórdão de 3 de outubro de 2019, condenados os arguidos, aqui recorrentes:

- AA, de 43 e os demais sinais dos autos,

- pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, aI. ª a), do DL n.º 15/93, de 22.01, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, ao mesmo anexas, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- BB, de 27 anos e os demais sinais dos autos,

- pela prática, em coautoria e concurso real, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al.ª a), do DL n.º 15/93, de 22.01., por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, ao mesmo anexas, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática, em autoria material, sob a forma consumada e concurso real, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, aI. ª c) da Lei n.º 512006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; e

- em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77.º, do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O Tribunal coletivo decidiu também determinar perdidas em favor a perda a favor do Estado:

- as substancias estupefacientes, as embalagens ou sacos em plástico usados para acondicionar os estupefacientes, as armas de fogo, os telemóveis, nos termos dos art.ºs 35.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. e 109.º, do Código Penal;

- os demais os objectos, quantias monetárias e viaturas automóveis apreendidos nos autos, nos termos dos art.ºs 35.º, do DL n.º 15/93, de 22.01., 1.º, n.º 1, a) e 7.º, da Lei n.º 5/2002 de 11.01., e 109.º, do Código Penal.

O Ministério Público e os arguidos impugnaram a decisão condenatória, recorrendo perante a 2ª instância.

O Tribunal da Relação …….., por acórdão de 6/10/2020, concedendo provimento ao recurso do Ministério Público, revogou a decisão recorrida na parte respeitante à qualificação jurídica dos factos provados e, em consequência, condenou:

- o arguido AA, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, nº 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- o arguido BB:

- como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, aI. ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23/02 - 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;

Decidiu julgar totalmente improcedente o recurso dos coarguidos AA e BB;

Confirmando, no mais, a decisão impugnada.

2. os recursos:

Inconformados com o agravamento da condenação, os arguidos AA e BB recorrem, agora para o Supremo Tribunal de Justiça.

i.    do coarguido AA:

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

A) Quanto á qualificação jurídica

1ª - A decisão recorrida ao alterar a qualificação jurídica efectuada na 1ª instância, aludiu a jurisprudência com quase 30 anos, proferida no domínio da anterior lei (DL. 430/83 de 13/12).

2ª - em 30 anos, a jurisprudência empreendeu um caminho consolidado de alargamento do campo de aplicação do crime p. p artº 25 do Dl. 15/93 de 22/01.

3ª – a mais recente jurisprudência deste Colendo Tribunal, tem entendido que, casos como o destes autos devem integrar o crime privilegiado p. p artº 25 do dl. 15/93 de 22/01.

4ª - Os argumentos da decisão recorrida, para estribar a subsunção ao crime p. p nº 1 do artº 21º do Dl. 15/93 de 22/01, soçobram, vejamos:

A) Quanto à natureza dos produtos que os arguidos vendiam a terceiros – heroína, cocaína e canábis, as duas primeiras consideradas “drogas duras” -, não impede a subsunção a este tipo legal, alias a maioria das vezes em que é aplicável tem a ver com tais produtos;

B) Quanto ao período de tempo em que desenvolveram essa atividade – cerca de dez meses-, não é elevado, a jurisprudência entende que pode ir até dois anos;

C) Acresce que o recorrente era consumidor e procedia à venda de estupefacientes directamente a consumidores, sem intermediários, maioritariamente na via pública ou em locais públicos, sem meios logísticos;

D) não ostentava, nem lhe eram conhecidos bens de elevado valor, nem tão pouco tinha acesso a grandes quantidades de estupefacientes.

5ª - Por todo o exposto bem andou o tribunal de 1ª instância ao subsumir a conduta do recorrente ao crime p. p art.º 25.º, al. a), e andou mal o Tribunal “quo” ao alterá-la condenando-o pela prática do crime p. p nº 1 do artº 21º do Dl. 15/93 de 22/01.

6ª - a decisão recorrida, na respectiva argumentação, denota fragilidade intrínseca, uma vez que, pese embora afaste o crime privilegiado, invoca em abono de tal pretensão critérios utilizados precisamente para a subsunção da conduta de um arguido a tal crime.

7ª – Nomeadamente os meios utilizados serem os usuais em tais actividades ilícitas, a organização em causa ser bastante rudimentar, estar-se perante um negócio familiar de venda de produtos estupefacientes e, ainda, ser levado a cabo numa área geográfica bem delimitada.

8ª - Motivos pelos quais é de elementar justiça que seja concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a qualificação jurídica do crime p. p do art.º 21º, n.º 1, do D.L 15/93 de 22/01, para um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22.01., por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C .

Cumulativamente:

B) do quantum da pena

9ª - alteração que terá de se repercutir num abaixamento da pena, a determinar dentro da moldura penal que este preceito legal prescreve.

10ª –ao contrário do que consta no acórdão da 1ª instância, mantido nesta parte, pelo Tribunal “a quo”, o grau de ilicitude ser mediano, pois estamos ante crime de tráfico comum, cujo “modus operandi” é o normal;

11ª – a intensidade do dolo, sendo directo, deve ser considerada mediana;

12ª - o arguido revela capacidade crítica e consciência do normativo social violado, e á data encontrava-se desempregado, subsistindo do vencimento da sua companheira, trabalhadora no ramo da restauração;

13ª - Consumia haxixe, tendo sido consumidor de cocaína e heroína até aos 25 anos, altura em que fez tratamento no CRI ……, com recurso ao programa Metadona;

14ª - No que se refere às necessidades de prevenção especial, ambos os arestos consideram que revela capacidade crítica e consciência do normativo social violado.

15ª - Quanto às necessidades de prevenção geral, foram consideradas elevadas atenta a frequência com que ocorrem estes tipos de crime e a necessidade de consciencialização social para a ilicitude dos actos que os corporizam;

17ª - A ponderação do caso, deverá conduzir a que as necessidades de prevenção geral sejam consideradas médias.

18ª - Tendo como base os antecedentes criminais do arguido, consideramos adequada a pena concreta de 3 anos de prisão.

19ª – suspensa na respectiva execução, atendendo a que o recorrente:

a) revela capacidade crítica e consciência do normativo social violado;

b) denota interiorização da culpa pelo desvalor da acção;

c) Já cumpriu mais de um ano de prisão preventiva;

d) Conta com o apoio da companheira que trabalha.

20ª - entendemos que é ainda possível formar um juízo de prognose favorável, e concluir que, mantendo-se em liberdade, não voltará a delinquir.

21ª - A interpretação do estipulado pelo legislador, (art.º 70.º do CP), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial positiva ou de socialização, sobre outras, mormente as de prevenção geral.

22ª - à luz e atentos os critérios ínsitos no artºs 50º, do CP, deverá determinar-se a suspensão da execução da pena, a aplicar ao ora recorrente, após o abaixamento pelo qual pugna na al. C) da presente motivação, por período igual às mesma (art.º 50º/5 do CP), cumulada com:

a) Regime de prova, nos termos do disposto no art.º 53º nº. 1 do CP;

b) Sujeição a regras de conduta de conteúdo positivo, que o plano de reinserção social reputar necessárias e adequadas, designadamente comprovar que se encontra laboralmente activo (alínea c) do nº 1 do art.º 52º do CP);

c) Efectuar tratamento destinado a erradicar os hábitos aditivos (al. b) do (nº 1 do artº 52 do CP).

23ª - Caso hipoteticamente assim se não entenda, in extremis, o recorrente pugna, face aos motivos anteriormente expostos, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 43 do CP, no sentido o remanescente da pena concreta que consideramos adequada, ser cumprida com sujeição a OPHVE.

24ª - O Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 40º nºs 1 e 2, 42º nº 1, 50º nº 1, 53º 1, 43 nº 1 al. b), 70º e 71º todos do CP.

ii. recurso do coarguido BB:

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

B. - as circunstâncias em que os factos ocorreram, diminuem consideravelmente a ilicitude do Arguido;

C. - O art° 25° pressupõe por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre "consideravelmente diminuída" em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos;

D. - Os critérios de proporcionalidade na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de "considerável diminuição de ilicitude";

F. - A quantidade de droga é um dos factores determinantes de aferição da diminuição da ilicitude prevista no art° 25°, que tem como fonte o Art° 24° do DL 430/83, mas o artigo catual é mais amplo;

G. - a apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos quantitativos;

H. – resultou provado que vendeu heroina e cocaína a sete consumidores, a quem entregou doses individuais a que correspondem respectivamente 10,00 e 20,00 por cada dose;

I. - A actividade de venda decorreu durante cerca de nove meses, de Dezembro de 2017 a 1 Setembro de 2018;

J. as quantidades vendidas, regra geral uma dose de cada vez e a quantidade total de droga vendida são diminutas;

K. - a ilicitude do facto consideravelmente diminuída, não releva apenas da quantidade, mas ainda da qualidade, dos meios utilizados, da modalidade e circunstâncias da acção -Ac. STJ-CJ-III-96, pág. 163;

L. - O que conta é a situação individualizada, com as suas particularidades que variam de caso para caso;

M. - Não se vislumbra sinal exterior de riqueza, que possa deduzir que retirava grandes proveitos da venda de droga;

N. - Não foi apreendida uma única nota do BCE;

O. - Os meios utilizados eram escassos, as entregas eram feitas em casa ou locais previamente acertados;

P. - a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um negócio de rua sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que conflui com a gravidade do ilícito;

Q. - Deste modo, tais factos enquadram-se no designado "tráfico de rua";

R. - A jurisprudência do STJ tem vindo a alargar o campo de aplicação do art° 25° ao pequeno tráfico, aos "dealers" ou "retalhistas" de rua, sem ligações a redes, desprovidos de organizações ou de meios logísticos e sem acesso a grandes quantidades de droga;

S. - foi correcta a condenação do Arguido na prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. p. pelo artº 25°, do Dec.Lei N° 15/93. de 22 de Janeiro.

U. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção - Art° 71° n° 1, do C. Penal;

V. - porque a culpa não é susceptível de medida exacta, fica o julgador com uma certa liberdade na determinação da pena, norteando-se por outros critérios (legais) como as exigências de prevenção, de acordo com o sentido e alcance do art° 71° C. Penal.

W. A liberdade do julgador é juridicamente vinculada ao princípio da culpa e aos fins das penas - protecção dos bens e integração do agente na sociedade;

X. - Vinculada, ainda, à proporcionalidade entre o tipo ou medida da sanção e a culpa, as causas da medida da pena e todas as circunstâncias relevantes no caso

W. - O Arguido é de humilde condição social e está integrado social e familiarmente;

Y. - A prevenção geral e a reintegração do Arguido na sociedade poderá também fazer de forma mais equilibrada, mediante uma pena menos gravosa;

Z. - a douta decisão recorrida violou as normas constantes dos art° 71° do C. Penal e art° 25° do Dec. Lei n° 15/93, por aplicar pena excessiva e desconforme aos elementos favoráveis ao arguido que o Tribunal se absteve de ponderar;

AA. – entende-se adequado a aplicação da pena de três anos e seis meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) e 6 (seis) meses de prisão.

BB. - Nos termos dos critérios decorrentes dos Art° 70° e 71° do Código Penal, a pena também tem uma finalidade preventiva e a curta história social e criminal do Arguido não é compatível com um perigoso delinquente que exija fortes e duradouras penas para que a comunidade viva em paz;

CC. - Dispõe o Art°. 50°, n°. 1 do C. P., que o Tribunal deve suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam deforma adequada as finalidades da punição;

DD. - A suspensão da execução de pena de prisão, enquanto medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico é um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades das penas e se verifiquem os pressupostos a que alude o art 50 do CP;

EE. - A tendência do direito penal actual é o recurso à prisão efectiva em última instância sempre que outras medidas não possam preencher os objectivos das finalidades da punição;

FF. - a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, na base um juízo de prognose social favorável ao condenado. - Ac. do STJ de 2002/jan/09-Recurso nº 3026/0 l-3a.

GG. - A simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;

II. - O envio do Arguido para a clausura do Estabelecimento Prisional em nada contribuía para a sua recuperação e reintegração.

3. resposta do Ministério Público:

O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação ……. na resposta, pugna pelo improvimento dos recursos, defendo a confirmação do acórdão recorrido.

Ao reclamado “desagravamento” do crime de tráfico opõe as quantidades (que indica), as qualidades (duas «drogas duras») e o tempo por que o tráfico foi exercido (10 meses).

Quanto à dosimetria das penas, aponta a proximidade do limiar inferior da moldura do crime de tráfico pelo qual os arguidos vêm condenados.

4. parecer do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pronuncia-se, doutamente, pela improcedência do recurso, argumentando (em síntese)

Os arguidos comercializaram “cannabis, heroína e cocaína, sendo que estas duas últimas, pelo seu potencial de danosidade da saúde dos consumidores e poder de adição, são tradicionalmente, referidas como «drogas duras»”. “Estamos ao nível do «tráfico de rua», tendo os recorrentes actuado usando um modus operandi comum a este tipo de venda de estupefacientes: comunicando com os clientes/consumidores por telemóvel, marcando encontro nos locais da cidade de Évora onde desenvolveram a sua actividade - durante cerca de dez meses- até que foram detidos e disso viveram. Utilizaram as suas residências (duas) também, como local para as transacções, sempre que instruíram os compradores a aí se dirigirem, para o efeito. Socorreram-se, também, para se abastecer e para vender os produtos estupefacientes de viaturas automóveis em que se deslocavam, para tal fim. Atentemos, contudo, que o total dos estupefacientes que lhes veio a ser apreendido em intervenções efectuadas quando se deslocavam de automóvel, atingem as seguintes quantidades:

• HAXIXE: 28, 652g; • HEROÍNA: 210,095g: • Cocaína: 14,833g

“quantidades não despiciendas de estupefaciente”. “A heroína e a cocaína, objecto de apreensão tinham um valor de mercado entre 7 250,00€ e 14 500,00€.

“O facto de estarmos perante tráfico de rua/residência, não pode ser sinónimo de uma actividade necessariamente de menor significado criminal. Como em qualquer mercado (no sentido económico do termo) este tipo de tráfico não deixa de ser o que, com grande frequência, assegura que o «produto» encontre o «consumidor», que é justamente o que se pretende obviar com a penalização do tráfico de estupefacientes. Certamente que existem realidades muito distintas, em termos da criminalidade de tráfico, mas também a nosso ver, não vemos que os factos provados e que se mostram assentes, projectem na sua visão global uma imagem que permita considerar «a ilicitude do facto» como se apresentando «consideravelmente diminuída». O que afasta a sua integração no tipo legal do art.º 25º do DL 15 / 93, de 22.01. Por outro lado, o art.º 21º, n º 1, do referido diploma, na sua larga moldura penal- pena de prisão de 4 a 12 anos, contém suficiente elasticidade, que lhe permite ajustar a determinação da medida da pena, a casos que relevando do tipo, nele definido, não se mostram, contudo dos mais gravosos. Daí que as penas de 5 anos e 6 meses que se mostram aplicadas aos dois recorrentes pela prática em co-autoria material do crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1, do DL 15 / 93, de 22.01, próximas do mínimo legal mostram-se fixadas criteriosamente e em conformidade com os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.

Neste conspecto, fica precludida a apreciação da questão da suspensão da execução das penas, ainda que se diga que sempre se entenderia que razões de prevenção geral desaconselhariam lançar mão de tal instituto, sendo certo que também razões de prevenção especial, não deixam de se fazer sentir, com particular realce para o arguido AA, o qual já fora condenado, pela prática do mesmo crime- 6 anos de prisão- e já foi objecto de dois cúmulos jurídicos.

5. contraditório:

Observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, o arguido AA reafirmou as conclusões do seu recurso.

O arguido BB nada disse.


«»


Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.


II - OBJETO DOS RECURSOS:

São as seguintes as questões para julgar:

- qualificação jurídica do tráfico;

- das penas;


III – FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

O Tribunal coletivo julgou os seguintes (respeitantes aos recorrentes):

A) Factos Provados: i). Da acusação:

1. A arguida CC é filha do arguido AA;

2. O arguido BB é companheiro da arguida CC;

3. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Dezembro de 2017, que os arguidos AA, BB e CC, dedicaram-se, em concertação de esforços e de intentos, à aquisição, venda e cedência a terceiros de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e heroína e haxixe com o intuito de obterem lucros resultantes da diferença existente entre o preço de compra e o preço de venda de tais produtos;

4. Os arguidos AA, BB e CC, decidiram proceder à venda do mencionado produto estupefaciente na localidade ……, indiscriminadamente, a consumidores que para tanto os procurassem, colaborando entre si, cada um deles aderindo e desenvolvendo esforços com vista ao desenvolvimento da actividade de venda do produto estupefaciente;

5. No desenvolvimento da actividade de compra e venda de produto estupefaciente (cocaína, heroína e haxixe), mediante plano perviamente acordado entre os arguidos, os mesmos, com regularidade, adquiriram produto estupefaciente na cidade ……, designadamente a um individuo de nome DD, com alcunha de "DD. ", com o número de telefone ......76, bem como em Espanha;

6. Para o desenvolvimento da sua actividade de venda e cedência de produto estupefaciente, os arguidos utilizaram as residências sitas na Rua ........, n.º .., em ……., Rua ........, n.º .., ......., em ….., residência dos arguidos BB e (C…), bem como a residência onde pernoitava o arguido AA, sita na Rua ........, n.º .., em ….., bem como no Parque Industrial …., em ..... e em diversos outros locais da cidade de Évora, designadamente perto das residências dos consumidores que lhes adquiriam o referido produto estupefaciente;

7. Para acordar as deslocações para aquisição do estupefaciente e sua posterior venda a terceiros, o arguido AA, com a alcunha de AA., fazia usos de contactos telefónicos com os consumidores identificados nos autos e outros não concretamente identificados, usando os números ........74 e ….....65 (associados aos alvos 10103240 e 101031040);

8. Por sua vez e para os mesmos efeitos, os arguidos BB e CC faziam usos dos contactos telefónicos ……..03, .......16 e ......81 (associados aos alvos 100332040, 100332050 e 100904080);

9. Os arguidos BB e CC contactaram, por diversas vezes, o arguido AA informando-o da existência de consumidores de produto estupefaciente que pretendiam adquirir esse produto bem como da sua localização;

10. Os arguidos e os restantes envolvidos nesta actividade contactaram entre si, tanto pessoalmente como através de telemóvel, tendo utilizado, para tanto, os números e aparelhos de telemóvel supra-mencionados, para combinar os locais e formas de entrega dos produtos, nomeadamente, cocaína, heroína e haxixe;

11. Assim, os arguidos possuíam diversos clientes na zona …. que os contactaram para adquirir produto estupefaciente e deslocaram-se às residências supra-mencionadas, sendo que, noutras ocasiões, os encontros com os clientes eram feitos em vários locais da cidade ……;

12. Tais contactos foram mantidos, em especial, com EE, FF (com a alcunha de "FF."), GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN (com a alcunha de "NN."), OO, PP, QQ, que usavam entre si os números .........61, ........36, ........59, ........65, .........03, ........50, .......03, .........52, .........71, ..........73, ........15, .......54, .........27, ….....42, ..........52 e ..........42;

13. Assim, os arguidos venderam produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em troca da correspondente quantia monetária, para além de outros, nos dias 05.07.2018, 07.07.2018, 08.07.2018, 09.07.2018, 31.07.2018, 01.08.2018, 07.08.2018, 08.08.2018, 12.08.2018, 15.08.2018, 20.08.2018, 16.08.2018, 19.08.2018, 21.08.2018, 30.08.2018, 31.08.2018 e 01.09.2018;

14. No decurso da prática dos factos, os arguidos venderam produto estupefaciente (cocaína e heroína) a diversos consumidores não concretamente identificados e a outros identificados, nomeadamente:

15. EE, utilizador do n." .......61, consumidor de heroína, adquiriu ao arguido AA, algumas vezes, pagando cerca de €10,00 (dez euros) por cada pacote de heroína, tal como sucedeu no dia 30 de Agosto de 2018;

16. Para tanto combinava previamente e por contacto telefónico, através do seu telemóvel n.º ..........61, com o arguido AA para os telemóveis descritos supra e por este utilizados;

17. FF, consumidor de heroína, contactava previamente os arguidos AA, BB e CC, através do seu telemóvel com o n." ...........36, para os telemóveis dos arguidos identificados supra, e mais frequentemente com o arguido AA, adquirindo a este um pacote de heroína por semana pagando € 20,00 (vinte euros) por cada pacote;

18. GG, consumidor de heroína, tendo comprado este produto, com uma frequência diária, pagando aos arguidos a quantia monetária de € 20,00 (vinte euros) por cada pacote, sendo que era ao arguido AA a quem GG comprou em maior número de vezes aquele produto, contactando previamente os arguidos por telefone;

19. II, consumidor de heroína, tendo comprado aquele produto aos arguidos BB e CC desde, pelo menos, de Dezembro de 2017, com uma frequência diária, pagando aos arguidos cerca de €10,00 (dez euros) por dose de heroína;

20. Para tanto, II contactava previamente os arguidos BB e (C…….) por contacto através do seu telemóvel com o n.º ...........03, para combinar com aqueles a aquisição do estupefaciente, deslocando-se depois às residências mencionadas para proceder à recolha do produto estupefaciente nessas habitações;

21. JJ, consumidora de heroína, tendo comprado este produto aos arguidos AA, BB e CC, pelo menos desde Dezembro de 2017, com uma frequência diária, pagando por pacote a quantia de € 10,00 (dez euros).

22. Para tanto, JJ, contactava previamente os arguidos através do seu telemóvel com o n.º .............03, para os telemóveis dos arguidos identificados supra, para combinar a aquisição, deslocando-se apos à residência ou à imediação das residências dos arguidos para efectuar a referida compra;

23. LL, consumidor de cocaína, tendo comprado aquele produto ao arguido AA, diariamente e várias vezes ao dia, pagando a quantia de €10,00 (dez euros) por cada dose de cocaína.

24. Para tanto, LL contactava previamente AA, através do seu telemóvel com o n.º ..........03 para o telemóvel do arguido com o n.º ...........65 para combinar a aquisição, deslocando-se, após, ao encontro do arguido AA, nos vários locais previamente combinados da cidade ……, o que veio a suceder, designadamente, nos dias 31.07.2018 e 1, 2, 3, 5, 11 e 22 de Agosto de 2018 e 01.09.2018;

25. MM, consumidor de heroína e cocaína, tendo comprado aqueles produtos desde pelo menos meados de Dezembro de 2017, com uma frequência diária, pagando por cada pacote de heroína cerca de € 10,00 (dez euros) e por cada pacote de cocaína cerca de € 20,00 (vinte euros).

26. Para tanto, MM contactava previamente os arguidos AA, BB e CC, através do seu telemóvel com o n.º ...........52, ...........71 e ..............73, para os telemóveis dos arguidos identificados supra, para combinar a aquisição, deslocando-se depois ao encontro dos arguidos em vários locais da cidade ….….., tal como sucedeu, designadamente, no mês de Agosto de 2018, tendo ainda MM, no dia 07/08/2018, acompanhado os arguidos BB e CC à localidade ……...., onde os arguidos se foram abastecer de produto estupefaciente;

27. NN, conhecido pela alcunha de "NN.", consumidor de heroína, tendo comprado aos arguidos AA, BB e CC, mas em maior número de vezes ao arguido BB, e pelo menos desde meados de Dezembro de 2017, aquele produto, com uma frequência diária, pagando € 10,00 (dez euros) por cada pacote de heroína;

28. Para tanto, NN contactava previamente os arguidos através do seu telemóvel com o n.º ...........15, para os telemóveis dos arguidos com os números identificados supra, para combinar a aquisição, deslocando-se depois aos locais previamente combinados com os arguidos, tais como as bombas da BP ….., designadamente nos dias 24, 26 e 27 de Julho de 2018, para proceder à recolha do produto estupefaciente;

29. OO, consumidora de heroína, amiga dos arguidos BB e (C…), a quem o arguido BB, por diversas vezes, cedeu heroína, deslocando-se OO à residência da arguida CC, sita no ........, em ....., onde adquiria esse produto, tal como veio a suceder, designadamente, nos dias 24, 25,27 e 28 de Julho de 2018, e ainda nos dias 1, 22 e 31 de Agosto de 2018 e no dia 1 de Setembro de 2018, comprando de um a cinco pacotes de cada vez, ao preço de € 10,00 (dez euros) por pacote;

30. Deste modo e para o efeito, pelo menos desde Dezembro de 2017, os arguidos AA, BB e CC, adquiriram para revenda produto estupefaciente na cidade……. bem como a Espanha, ali se deslocando com frequência, transportando pequenas quantidades de produto de cada vez, fazendo uso dos seguintes veículos automóveis:

-Veículo ligeiro de passageiros de matrícula "QO-...-...", da marca e modelo ...............;

-Veículo ligeiro de passageiros, de matrícula "...-…-JF', da marca e modelo ....................;

31. Nessas deslocações à cidade ……, como os arguidos BB e CC não possuem habilitação legal para conduzir, faziam-no, tendo por condutor, um consumidor daquele produto, como era o caso de MM;

32. Após o regresso a ……….. vindos das aludidas deslocações, os arguidos davam a conhecer a diversos consumidores que os contactavam que o produto já se encontrava disponível para aquisição, combinando as deslocações por telemóvel, com troca de SMS's e telefonemas curtos, comunicando-lhes quando se podiam deslocar às residências dos arguidos referidas supra, dizendo aos indivíduos "passa lá por casa", "tá bem mano já aí vou ter" "Vai ali à maré vá" "há sim velho vá ". querendo significar com esta última expressão que havia produto estupefaciente disponível para a venda;

33. No dia 18 de Dezembro de 2017, pelas 15,30 horas, na Rua …………, em ....., foi dada ordem de paragem pelos militares da Guarda Nacional Republicana ao veículo automóvel de matrícula "...-...-HE" onde seguia ao volante o arguido AA;

34. O arguido AA imobilizou o veículo, tendo-lhe acedido a que fosse efectuada revista pessoal de segurança;

35. Nesse contexto, o arguido retirou dos bolsos das calças a quantia monetária de € 300,00 (trezentos euros), em notas de € 20,00 do BCE, que o arguido justificou alegando que tal dinheiro "resultava de vendas de veículos";

36. Seguidamente, foi dada ordem pelo Tenente RR ao arguido para colocar as mãos sob o tejadilho do carro e, nesse momento, sem que nada o fizesse prever, o arguido encetou fuga apeada, tendo os militares SS e Tenente RR encetaram perseguição apeada ao arguido, indo no seu encalço a uma distância de cerca de 10 metros, altura em que o arguido, sempre em fuga, colocou as mãos no bolso das calças e atirou para o chão um pedaço de uma substância de cor castanha com o peso de 7,1 gramas que, sujeita a competente exame pelo Laboratório de Polícia Cientifica da Polícia Judiciária revelou ser haxixe, com o peso de 7,219, com o grau de pureza de 8.3% (THC), correspondente a 11 doses diárias individuais calculadas segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março;

37. Efectuada busca ao veículo de matrícula "... - ...-HE" foi encontrado dois pedaços de uma substância, com o peso total de 10,4 gramas, a qual, sujeita ao competente exame laboratorial revelou tratar-se de haxixe, com o peso de 10,403 gramas, com o grau de pureza de 8.2 (THC), correspondente a 17 doses diárias individuais calculadas segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março;

38. Acresce que, no dia 24 de Março de 2018, foram apreendidas na posse dos arguidos AA e BB, pelas autoridades espanholas, mais concretamente pela Policia de Badajoz, 8,4 gramas de heroína e 10,2 gramas de haxixe;

39. Na concretização de plano previamente determinado, no dia 1 de Setembro de 2018, os arguidos BB e CC, na companhia de MM e TT e utilizando para seu transporte o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula "QO-...-...", sendo TT a condutora do veículo, abandonaram a localidade……. seguindo em direcção à cidade de .... e com o intuito de aí adquirirem produto estupefaciente;

40. Pelas 19,00 horas do mesmo dia, os arguidos BB e CC regressaram a ……. no mesmo veículo automóvel;

41. Nesse mesmo dia, pelas 23,00 horas, na portagem da Auto-Estrada ……, dada ordem de paragem ao veículo conduzido por TT, constatou-se que a arguida (C……) transportava na sua posse o produto que havia adquirido em .... para revenda, no meio das suas pernas, um saco, contando no seu interior:

- Um saco contendo heroína, com peso líquido de 197,147 gramas, com um grau de pureza de 36,2%, correspondente a 714 doses diárias individuais, calculadas segundo a Portaria n.º 94/06, de 26 de Março;

- Um telemóvel da marca LG, com o IMEI ………16;

42. Nesse mesmo dia, hora e local, o arguido BB, tinha na sua posse e acondicionado no interior das calças que envergava, junto da zona genital:

- Um saco contendo, no seu interior, heroína, com o peso líquido de 3,155 gramas, com um grau de pureza de 35,7%, correspondente a 11 doses diárias individuais, calculadas segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Marços;

- Dois sacos contendo, no seu interior, cocaína, com o peso líquido de 14,833 gramas, com um grau de pureza de 40,4%, correspondente a 30 doses diárias individuais, calculadas segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.

-Um telemóvel da marca AL TICE, modelo ………, com o IMEI ………22.

43. Pelas 23,40 horas do mesmo dia 1 de Setembro de 2018, o arguido AA conduzia a viatura automóvel de matrícula "...-...-JF", quando foi abordado por militares da Guarda Nacional Republicana.

44. Na sua posse, o arguido AA, tinha:

- Acondicionada na consola do veículo, haxixe, com o peso líquido de 0,830 gramas, com um grau de pureza de 12,1%, correspondente a 2 doses diárias individuais, calculadas segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março;

- A quantia monetária de € 50,00 (cinquenta euros), em notas e moedas do BCE, em cima do banco dianteiro do pendura;

- Um telemóvel da marca Alcatel, dual SWIM, com os IMEIS …………82 e …………..90.

45. Pelas 00,00 horas do dia 2 de Setembro de 2018, no interior da residência dos arguidos BB e CC, sita no .............., n.º.., Bairro ..........., em ……, foi apreendido:

- No quarto de ambos, um pacote contendo, no seu interior, heroína, com o peso bruto de 1,4 g.;

- Uma espingarda caçadeira, com a marca "Ignacio Urgartechea", do calibre 12, com o número de série 16302; e,

- Um revolver, com a marca "Leon 30leU", do calibre 9,1 mm, com o número de série ……73.

46. Os arguidos BB e CC tinham na sua posse os telemóveis que lhes estavam associados e interceptados nos autos;

47. O arguido BB não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo;

48. Os arguidos AA, BB e CC bem conheciam as características dos produtos que adquiriram e detiveram para venda, venderam e entregaram, a qualquer título e de qualquer forma, a terceiros bem como daqueles que foram encontrados na sua posse nas datas e locais descritos acima e que destinavam a ceder a terceiros, a troco de dinheiro e com intenção de obter contrapartida económica (lucro);

49. Os arguidos AA, BB e CC conheciam os efeitos nefastos na saúde humana dos produtos estupefacientes por si detidos e/ou cedidos a terceiros.

50. Os arguidos AA, BB e CC sabiam que é penalmente proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros, como fizeram, ou por qualquer modo deter como detinham, nas circunstâncias referidas para o efeito que destinavam, produtos estupefacientes da natureza e com as características dos supra descritos e, não obstante, não se eximiram de actuar do modo descrito e obterem vantagens económicas, como obtiveram, que sabiam não lhes serem devidas;

51. Quiseram ainda os arguidos AA, BB e CC agir, como sempre agiram, em conjugação de esforços e de intentos, na execução de plano elaborado e aceite por todos, em proveito comum;

52. Os arguidos AA, BB e CC não têm actividade profissional remunerada, sendo da actividade descrita que os mesmos vinham obtendo os proventos necessários à satisfação das suas necessidades;

53. O arguido BB conhecia as características das armas que guardava e, não obstante saber que a sua detenção era proibida, quis e deteve as mesmas;

54. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei e tendo sempre a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação;

ii). Das condições sociais, familiares e profissionais:

Mais se provou que AA:

55. Estudou até ao 4.º ano, que não concluiu;

56. Após o abandono da escola passou a trabalhar na venda ambulante com a família;

57. É consumidor de produtos estupefacientes - haxixe -, tendo sido consumidor de cocaína e heroína até aos 25 anos, altura em que fez tratamento no Cri ......, com recurso ao programa Metadona;

58. Quando em liberdade vivia com uma companheira, em casa dos avós paternos desta;

59. Encontra-se desempregado, subsistindo do vencimento da sua companheira, trabalhadora no ramo da restauração;

60. Revela consciência do normativo social e capacidade de juízo crítico, adoptando, porém, uma postura de minimização da sua responsabilidade face aos diversos processos judiciais que tem sido alvo;

61. Vivencia a sua actual situação jurídico-penal com ansiedade e preocupação, não se revendo nos factos descritos no presente processo;

62. No meio prisional mantem bom comportamento; Provou-se, também, que BB:

63. Estudou até ao 9.º ano, que não concluiu;

64. Quando em liberdade, vivia em casa da sua progenitora, com a sua companheira e dois filhos menores;

65. Encontra-se desempregado, nunca tendo mantido hábitos de trabalho, vivendo sempre na dependência dos pais e/ou prestações sociais do Estado, beneficiando do rendimento social de inserção, além do abono dos filhos;

66. É consumidor de produtos estupefacientes - haxixe - desde a adolescência e, desde os 24 anos, de cocaína e heroína;

67. Reconhece o desvalor da sua conduta, não sendo capaz de contrariar a prática delinquente;

68. Vivencia a sua actual situação jurídico-penal com ansiedade e preocupação, face ás consequências penais que poderão advir para si e para a sua actual companheira;

69. No meio prisional mantem bom comportamento;

iii). Dos antecedentes criminais:

Provou-se, ainda, que AA:

78. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 30/2000, do …...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca…, por sentença proferida no dia 3.02.2000, transitada em julgado, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de 500$00 (quinhentos escudos), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;

79. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 128/2000, do …...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca........, por sentença proferida no dia 30.03.2000, transitada em julgado, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 1.000$00 (mil escudos), pela prática, no dia 28.04.2000, de um crime de condução sem habilitação legal;

80. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 4/00........, do ….º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ….., por sentença proferida no dia 6.04.2001, transitada em julgado, na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à razão diária de 450$00 (quatrocentos e cinquenta escudos), pela prática, no dia 3.01.2000, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência;

81. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 91/01........, do ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca.........., por sentença proferida no dia 21.02.2002, transitada em julgado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática, no dia 23.05.2001, de um crime de condução sem habilitação legal;

82. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 315/01, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ……..., por sentença proferida no dia 4.03.2002, transitada em julgado, na pena 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, pela prática, no dia 14.04.2000, de um crime de receptação dolosa;

83. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 553/02........, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ………, por sentença proferida no dia 11. 03.2004, transitada em julgado, na pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, no dia 25.05.2002, de um crime de condução sem habilitação legal;

84. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 1/04........, do...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca…., por sentença proferida no dia 30.06.2004, transitada em julgado, na pena de 12 (doze) meses de prisão, pela prática, no dia 7.01.2004, de um crime de condução sem habilitação legal;

85. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 2/03......, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca…......., por acórdão proferido no dia 18.01.2005, transitado em julgado, na pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, no dia 5.02.2004, de um crime de tráfico de estupefacientes;

86. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 114/03......, do Tribunal Judicial da Comarca………, por sentença proferida no dia 16.11.2005, transitada em julgado, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, no dia 19.04.2003, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência;

87. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 65/99......, do ....º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ……...., por sentença proferida no dia 15.07.2005, transitada em julgado, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros), pela prática, no dia 3.09.1999, de um crime de condução sem habilitação legal;

88. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 2/03......, do ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca …......, por acórdão proferido no dia 31.10.2006, transitado em julgado, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, pela prática, no dia 5.02.2004, de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de condução sem habilitação legal e, no dia 19.04.2003, de um crime de desobediência, operando o cúmulo jurídico com as penas aplicadas ao arguido neste processo e nos processos n.ºs 1/04........, 114/03...... e 553/02........;

89. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 2/12......, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ………, por sentença proferida no dia 21.02.2013, transitada em julgado, na pena 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática, no dia 16.01.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido revogada a suspensão no dia 9.04.2015, impondo ao arguido o cumprimento da pena de prisão em que fora condenado;

90. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 922/13........, do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ......., por sentença proferida no dia 25.09.2013, transitada em julgado, na pena 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática, no dia 7.09.2013, de um crime de condução em estado de embriaguez;

91. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 236/14......, do Juízo Local Criminal -J... - do Tribunal Judicial da Comarca………, por sentença proferida no dia 26.06.2015, transitada em julgado, na pena 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática, no dia 13.03.2014, de um crime de ofenda à integridade física grave qualificada;

92. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 1/15......, do Juízo Local Criminal – J... - do Tribunal Judicial da Comarca…......, por sentença proferida no dia 11.03.2016, transitada em julgado, na pena 1 (um) ano de prisão, pela prática, no dia 21.01.2015, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições;

93. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 1/15......, do Juízo Local Criminal – J... - do Tribunal Judicial da Comarca……, por sentença proferida no dia 3.06.2016, transitada em julgado, na pena 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, operando o cúmulo jurídico com as penas aplicadas neste processo e no processo n.º 236/14......;

Mais se provou que BB:

94. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 10/12......, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca…......, por sentença proferida no dia 27.01.2012, transitada em julgado, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, substituída por admoestação, pela prática, no dia 26.01.2012, de um crime de condução sem habilitação legal;

95. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 73/12......, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca……, por sentença proferida no dia 6.02.2013, transitada em julgado, na pena 1 (um) ano de prisão, suspensa por igual período, pela prática, no dia 6.05.2012, de dois crimes de coacção agravada;

96. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 627/14......, do ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ...…, por sentença proferida no dia 4.06.2015, transitada em julgado, na pena 7 (sete) meses de prisão, suspensa por um ano, com imposição de deveres, pela prática, no dia 12.07.2014, de um crime de ofensa à integridade física simples;

97. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 8/18......, do ....º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca  …......., por sentença proferida no dia 7.08.2018, transitada em julgado, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com imposição condição, pela prática, no dia 7.08.2018, de um crime de condução sem habilitação legal;

99. BB admitiu parcialmente os factos descritos na acusação;

Factos não Provados:

Do conteúdo da acusação e da contestação apresentada pelo arguido AA, com interesse para a decisão da causa, não resultou provado que:

-     II, tenha adquirido produto estupefaciente ao arguido AA;

-     TT tenha adquirido produto estupefaciente aos arguidos;

-     No período a que se referem os factos dados como provados os arguidos tenham exercido qualquer actividade profissional remunerada;

-     AA é tido no meio em que se insere como pessoa trabalhadora, calma, cordata, respeitada e respeitadora.

2. o direito:

Realça-se que os arguidos nestes autos estão condenados pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. Consequentemente, cada um responde pela totalidade dos factos constitutivos do crime, incluindo, evidentemente, as apreensões efetuadas.

Assim sendo, vejamos as questões suscitadas pelos recorrentes:  

a) da qualificação jurídica do tráfico:

i. argumentação dos recorrentes:

Os recorrentes insurgem-se contra a alteração da qualificação jurídica para o crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º do Dl n.º 15/93 de 22 de janeiro, operada pelo acórdão recorrido. Reclamam a reversão à incriminação efetuada pela 1ª instância. Alegam em síntese que a sua atividade é de traficantes de rua, sem meios e métodos sofisticados, em área geográfica circunscrita, de contacto direto com os consumidores, a quem venderam estupefacientes em quantidades não elevadas, durante um período de tempo que não prolongado, sem que tenham obtido proventos consideráveis. Defendem que a sua conduta pode subsumir-se ao tráfico de menor gravidade.

i. na decisão recorrida:

O Tribunal recorrido, na procedência do recurso do Ministério Público, qualificou os factos provados, cometido pelos arguidos, ao crime de tráfico “fundamental”. Motivou a decisão expendendo (em síntese)

“(…) a actividade delituosa dos arguidos decorreu entre meados de Dezembro de 2017 e o dia 2 de Setembro de 2018.

 (…) aos arguidos, em várias ocasiões foram aprendidas quantidades (…), a saber:

- 28,652 gramas de haxixe;

- 210,102 gramas de heroína;

- 14,833 gramas de cocaína.

(…) Pelo que (…) não se possa falar em quantidades diminutas (…), antes, e ao invés, de quantidades já de boa grandeza.

(…) vendiam no caso vertente, com especial relevo para heroína e cocaína, drogas tidas por duras.

(…) os meios utilizados (…) são os usuais em tais actividades ilícitas.

A organização (…) apresenta-se como bastante rudimentar - está-se perante um negócio familiar de venda de produtos estupefacientes - e numa área geográfica bem delimitada.

Porém, apesar destes considerandos finais, na imagem global do facto não se pode concluir que a ilicitude (…) se mostra consideravelmente diminuída e, consequentemente, os arguidos não poderem ver a sua conduta ser subsumida na estatuição do art.º 25.º, al. ª a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, crime de tráfico de menor gravidade (…).

ii. o privilegiamento:

A incriminação do tráfico (de estupefacientes e precursores) e outras atividades ilícitas visa proteger a saúde pública, “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos”. Ainda que não seja objeto imediato da proteção penal, visa também proteger “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”.

Proclama-se no preambulo da Convenção Única de 1961 sobre Estupefacientes que “a toxicomania é um flagelo para o indivíduo e constitui um perigo económico e social para a humanidade” que “incumbe de prevenir e de combater”. Tanto assim que se tem empreendido esforços no sentido da criação de um direito penal universal sobre o tráfico ilícito de estupefacientes ou pelo menos de uma forte harmonização dos regimes sancionatórios nacionais, neste âmbito.

Portugal, em linha com o direito penal internacional convencional nesta matéria e também na senda do direito penal europeu com idêntica incidência material, tipifica o ilícito criminal fundamental na repressão do tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas no artigo 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, estipulando:

1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Com abrangência tão vasta, não é excessivo concluir que qualquer atividade, não autorizada pelas entidades competentes, que incida sobre produtos estupefacientes constantes das referidas tabelas, preenche este tipo de crime.

Excetua-se o consumo. E também “a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV anexas do DL n.º 15/93, que não excedam “a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias” – Lei n.º 30/200 de 29/11.

Apesar da amplitude da moldura penal, o legislador, em linha com o estabelecido na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 20 de Dezembro de 1988 [1] entendeu que “a graduação das penas aplicáveis ao tráfico tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade. O que não implica necessária adesão à distinção entre drogas duras e leves (…).

Simplesmente, a decisão de uma gradação mais ajustada tem de assentar na aferição científica rigorosa da perigosidade das drogas nos seus diversos aspetos, onde se incluem motivações que ultrapassam o domínio científico, para relevarem de considerandos de natureza sócio-cultural não minimizáveis.”

De certo modo, na lógica deste ideário e também em conformidade com o estipulado na Convenção referida –art. 3º n.º 4 al.ª a) -, criou tipos, privilegiados e agravados – adequados à dimensão da ilicitude das diversas modalidades da ação ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, que “contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo[2].

Entre os primeiros – tipos privilegiados -, sobressai (para a economia deste recurso) o crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25º do DL n.º 15/93, estatuindo:

Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”

O traço marcante do privilegiamento advém da consideravelmente diminuída da ilicitude da conduta típica.

Esta norma que desgradua a punição do tráfico de menor entidade sucedeu à que anteriormente – o art.º 24º do DL n.º 430/83 de 13/12 -, punia o tráfico de quantidades diminutas. Com, além do mais, uma importante diferença: aquela norma fornecia o conceito legal de quantidades diminutas que podia determinar-se com suficiente precisão, como, em certa medida, se pode extrair atualmente do disposto na Portaria n.º 94/96 de 26 de março – art.9º e respetivo mapa anexo.

Na vigente incriminação do tráfico de menor gravidade, o legislador limitou-se a fornecer, exemplificativamente, alguns indicadores de que pode resultar essa modalidade consideravelmente diminuída da ilicitude do tráfico de estupefacientes - os meios utilizados; a modalidade da ação; as circunstâncias da ação; a qualidade das plantas, substancias ou preparações; e a quantidade dos estupefacientes -, conferindo à jurisprudência a tarefa de acrescentar outros indicadores que possam servir para emprestar ao tráfico uma considerável diminuição da ilicitude. Exige-se, todavia, que o labor jurisprudencial resulte no estabelecimento de parâmetros gerais e uniformes, de modo a salvaguardar que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que tal tratamento seja objetivamente justificado por uma particular e especial circunstância, irrepetível, que só pode ocorrer num determinado caso.

Nessa tarefa de clarificação dos indicadores que podem desgraduar a responsabilidade penal dos traficantes de quantidades menores, a jurisprudência tem apontado outras circunstâncias que podem também diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico, designadamente: atuação individual ou em pequena entreajuda; sem que sejam utilizados meios sofisticados; que não seja exercido como modo de vida; ausência de lucros ou vantagens; os proventos obtidos servirem para financiar consumos do próprio e de familiares ou equiparados; pequena “carteira” de compradores ou consumidores; curto período de tempo; ocasionalidade do tráfico; não implicação de familiares; não se servir de colaboradores; pequena e circunscrita territorialidade da atividade; inexistência de contactos internacionais[3], que não concorram circunstâncias que possam agravar o crime.

A jurisprudência sustenta que uma destas circunstâncias, por si só, regra geral, não é suficiente para diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico. O que releva, decisivamente, é a imagem global da concreta atividade de tráfico desenvolvido pelo agente.

Sustenta-se no citado Ac. de 2/10/2019, deste Supremo Tribunal que “estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade”.

“É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º[4].

Alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta também que não pode ter-se a ilicitude por consideravelmente diminuída quando no caso ocorrer alguma das circunstâncias que, nos termos do art.º 24º, agravam o crime de tráfico. Assim, no Ac. de 28/10/2015 sustentou-se[5]:ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art. 24.º, do DL 15/93.

O legislador do direito penal da União Europeia (EU) nesta matéria – Decisão-Quadro 2004/757/JAI - considerou que “para determinar o nível das sanções, deverão ser tomados em conta elementos de facto, tais como as quantidades e o tipo de drogas traficadas e a circunstância de a infração ter ou não sido cometida no âmbito de uma organização criminosa”.

E quanto ao tipo de drogas traficadas estabeleceu a necessidade de uma moldura penal agravada quando “a infração envolva drogas que causam maiores danos à saúde”. Nestas situações a conduta deve ser sancionável “com pena máxima de prisão com uma duração de, no mínimo, entre cinco e dez anos” – art. 4º n.º 2 al. ª b) da cit. Decisão-Quadro.

As drogas psicotrópicas ou psicoactivas, assim como as drogas estimulantes, criam adição e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e, reflexamente, para a saúde pública.

Uma das substâncias psicoativas é heroína. É um opioide que desenvolve tolerância com grande rapidez”, obrigando a aumentar a quantidade autoadministrada, “com o fim de conseguir os mesmos efeitos que antes eram conseguidos com doses menores, o que conduz a uma manifesta dependência. Passadas várias horas da última dose, o viciado necessita de uma nova dose para evitar a síndrome de abstinência provocada pela falta dela. “Devido aos seus potentes efeitos eufóricos e à intensidade da sintomatologia de abstinência, geram um alto grau de dependência. Há milhares de pessoas no mundo inteiro que tentam tratar a dependência destas substâncias” – pag. web do SICAD. Tratamento consiste em terapia comportamental e medicação.

Estima-se que em 2015 houvesse em todo o mundo 17 milhões de consumidores de opiáceos como a heroína[6]. No mesmo ano, os opioides foram a causa de 122 000 mortes[7].

O heroinómano acaba desligado da realidade social, com problemas familiares e profissionais e muitas vezes envereda pela criminalidade.

Uma dessas substâncias estimulantes que afeta o cérebro e causa um estado de euforia é a cocaína. “Com enorme potencial de dependência é a que provoca a maior percentagem de dependentes depois de ser consumida em poucas ocasiões.

 Devido à curta duração dos seus efeitos psicoativos e ao rápido aparecimento de sintomas de abstinência, provoca um consumo compulsivo. Apesar de não gerar uma síndrome de abstinência com sinais físicos típicos, as alterações psicológicas são notáveis: hiper-sonolência, apatia, depressão, ideias suicidas, ansiedade, irritabilidade, intenso desejo de consumo. Este estado pode conduzir ao abuso de depressores como as benzodiazepinas, o álcool e os opiáceos”. – pág. web do SICAD.

Estas duas drogas constituem o eixo do narcotráfico nacional e internacional.

iii. no caso:

Vejamos, a esta luz, o caso dos autos.

Está assente nos factos provados que os recorrentes, conjugando esforços e intentos, durante cerca de 9 meses (de meados de dezembro de 2017 a 2 de setembro de 2018) traficaram heroína e cocaína (e também canábis/haxixe). Estupefacientes que adquiriam em .... e em Espanha, transportando-os para Évora, onde os guardavam, repartiam, ofereciam, vendiam e entregavam aos compradores, em porções que iam de uma a 5 doses, sendo a heroína a €10,00 a cocaína a €20,00. Identificaram-se 12 compradores e quem venderam, alguns deles diariamente e algum mais que uma vez no mesmo dia.

As encomendas e os locais de transação eram combinados, habitualmente, através de comunicação via telemóvel.

Aos arguidos – rememora-se que o tráfico foi exercido em coautoria material -, foram apreendidas 14,833 gramas de cocaína, 207,102 gramas de heroína e 28,652 gramas de haxixe, quantidades que, somadas perfazem um quarto de quilograma.

O coarguido BB, em uma só apreensão, transportava consigo 197,147 gramas de heroína, com um grau de pureza de 36,2%, correspondente a 714 doses diárias individuais, calculadas segundo a Portaria n.º 94/06, de 26 de março.

Utilizavam dois automóveis nas deslocações efetuadas para adquirir e transportar e para efetuar algumas entregas.

Baseavam as vendas, essencialmente, nas próprias residências.

O coarguido BB traficava conjuntamente com a sua companheira, mãe de duas crianças, filhas de ambos e o pai da coarguida CC.

O coarguido AA traficava conjuntamente como a coarguida CC, sua filha e o companheiro desta.

A factualidade assente, plasma a situação de “medianos” traficantes sobretudo de heroína, também de cocaína e de canabis/haxixe, que comprovam regularmente em quantidades que, em casa transação, davam para várias centenas de doses individuais. Estupefacientes que vendiam diária e diretamente, a consumidores, na ordem de dois dígitos.

Vendiam com intenção lucrativa, de modo a obter rendimentos que lhe permitiam subsistir sem trabalhar.

Circunstancialismo fáctico provado que não permite concluir pela considerável diminuição da ilicitude do tráfico exercido pelos arguidos.

E não admite por quatro razões essenciais:

A primeira, de peso, resulta da principal espécie de estupefaciente traficado, principalmente heroína, mas também cocaína.

Como se assinalou, a qualidade do estupefaciente é uma das circunstâncias que o legislador manda ponderar para ajuizar do grau da ilicitude consideravelmente diminuída do tráfico. Se o legislador manda atender a esse facto, não pode o interprete desconsiderar a indicação legislativa e conferir igual tratamento a todo e qualquer estupefaciente. O aplicador do direito não pode adotar interpretação que desconsidera a letra da lei.

Acresce, como se referiu, que o direito penal internacional e o penal europeu consideram circunstância agravante da punibilidade, a qualidade do estupefaciente traficado. Interpretação normativa que coloque no mesmo patamar todos os estupefacientes, desrespeita não só o regime interno como os direitos convencional europeu e universal nesta matéria.

A segunda advém do período temporal pelo qual adquiriram, introduziram no país, transportaram, guardaram, acondicionaram, puseram em venda, venderam, forneceram heroína, cocaína e canábis – ininterruptamente, durante cerca de 9 meses.

Tempo suficiente, por um lado, para ter comprado e vendido quantidades que, somadas, atingem dimensão expressiva, (se de uma só vez compraram 200 gramas de heroína e 15 gramas de cocaína que dariam para 725 doses individuais – como se conclui da apreensão efetuada em 1/09/2018 –, no tempo em que exerceram o trafico, comprando com “frequência”, adquiriram alguns quilogramas desses estupefacientes ou, em outra quantificação, que davam para doses individuais na ordem dos quatro dígitos.

A terceira razão reside em que - conforme resulta dos factos provados - os arguidos se tornaram, praticamente, “profissionais do tráfico”, sendo com os proventos dessa atividade que custeavam as suas despesas – cfr. ponto 52 dos factos provados. Não se apura que, nos 10 meses que antecederam a sua detenção estivessem empregados ou tenham exercido qualquer atividade profissional lícita, com caráter permanente e remunerado. Também não se lhes conheciam outras fontes de rendimentos com que pudessem governar-se. Era, pois, esta a sua ocupação e modo de vida.

Em quarto lugar porque traficaram em família, pai, filha e companheiro desta, centrando o tráfico nas próprias residências. Com os coarguidos BB e CC viviam duas crianças filhos de ambos.

É certo que vendiam na residência e em vários locais da via pública e que os meios utilizados para traficar não são sofisticados, nem resultou provado que de uma só vez tenham comprado ou vendido quilogramas de heroína, cocaína e canábis. Contudo estas circunstâncias, por si só, não são suficientes para que deva julgar-se que a ilicitude se apresenta degrada a um patamar tão inferior ao normal que possa qualificar-se de consideravelmente diminuída. Por um lado, como nota o Digno Procurador-Geral Adjunto, o denominado «tráfico de rua» não pode ser sinónimo de uma actividade necessariamente de menor significado criminal” porque “como em qualquer mercado (no sentido económico do termo) este tipo de tráfico não deixa de ser o que, com grande frequência, assegura que o «produto» encontre o «consumidor», que é justamente o que se pretende obviar com a” incriminação da multiplicidade dos atos que materializam a ação típica. Ainda que sem dados científicos, socorrendo-nos, portanto, apenas das regras da experiência comum, podemos concluir que os vulgarmente ditos traficantes de rua são um elo absolutamente indispensável e, por conseguinte, muito importante na fileira que se encadeia desde a produção ao consumo. Sem estes, os produtores, os fabricantes e os grossistas não conseguiriam facilmente alcançar um elevado número de compradores. Acresce que os “traficantes de rua” não se limitam à mera intermediação na circulação do produto até ao consumidor final. Quase sempre manipulam os estupefacientes adicionando-lhe substâncias usualmente ditas de “corte” que não deixam de os tornar, muitas vezes, ainda mais prejudiciais para a saúde dos consumidores.

Por outro lado, não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico (matricial). Para que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art.º 25º do DL n.º 15/93 de 22/01, exige-se uma “degradação” bem mais acentuada, é indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que deva, na expressão da lei, ter-se por consideravelmente diminuída. Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art.º 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade.

É assim que se apresenta a realidade histórica demonstrada pelos factos provados. Efetivamente, pelas concretas razões expostas, o tráfico exercido, em coautoria material, pelos recorrentes contém circunstâncias que não permitam subsumi-lo à previsão do art.º 25º al. ª a) citado. Os factos provados, cometidos pelos arguidos, preenchem o crime de tráfico previsto no art.º 21º do DL 1/93, pelo qual vêm sentenciados.

No quadro fáctico provado o grau de ofensividade à lei e o desvalor da sua ação, estão longe de configurar ilicitude consideravelmente diminuta.

Improcede, por isso, esta pretensão dos recorrentes.

b) da medida das penas:

i. recorrente AA:

Este arguido limita-se a repetir a alegação apresentada no recurso perante a Relação que ia direcionada a reclamar a redução da pena de 5 anos de prisão que lhe foi aplicada na 1ª instância pela coautoria material de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º al. ª a) do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. No vertente recurso, nas cls 10ª a 18ª, reproduz, praticamente na integra, as anteriores cls 2ª a 10ª. A única diferente é a cls 9ª na qual reclama a projeção na medida da pena da peticionada reversão da qualificação jurídica. Repete também a pretensão da aplicação de pena suspensa (anteriores cls 12ª a 17ª nas atuais 19º a 22ª). E, subsidiariamente, o cumprimento do remanescente da pena de prisão em regime de permanência na habitação (anterior cls 18 na atual 23ª).

Nada diz quanto à individualização da pena pela prática do crime de tráfico “matricial” por que vem condenado no acórdão recorrido, com a moldura penal de 4 a 12 anos de prisão. Tanto assim que peticionada a condenação em pena com a mesma medida que tinha reclamado no recurso perante a 2ª instância - 3 anos de prisão –, evidentemente aqui inaplicável, porque aquém do limiar mínimo da moldura penal do crime de tráfico “base”.

ii. recorrente BB:

Este arguido, ainda que sem repetir anteriores conclusões, todavia, neste segmento, mais não fez que reclamar a individualização da pena por referência ao crime de tráfico de menor gravidade. Omitiu qualquer alusão à determinação da pena pela prática do crime de tráfico “comum” p. e p. pelo art-º 21º n.º 1 do DL n.º 17/93 de 22 de janeiro. Tanto assim que indica como violado somente o art. 25º citado diploma legal. Tão patente é que peticiona a fixação da medida pena em 3 anos e 6 meses de prisão, portanto abaixo do limite mínimo da moldura penal do crime cometido.

Nada constando das conclusões – que definem o objeto do recurso e delimitam os poderes de cognição do tribunal ad quem -, quanto à pena decretada ou que pretendessem ver aplicada pela prática, em coautoria material do crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, por que vêm condenados e se confirma, ficou, neste segmento, sem objeto a impugnação dos recorrentes.

É uniforme neste sentido a jurisprudência deste Tribunal, como dá nota e reafirma o Ac. de 17/10/2018, no qual se decidiu: “não tendo sido mencionada ao longo da motivação e não constando das conclusões qualquer referência a medida das penas, incluída a pena única, o STJ não pode apreciar a justeza da medida fixada no que respeita à pena conjunta”.

No mesmo sentido decidiu este mesmo Tribunal (e coletivo) no Ac. de 11/03/2020. Reafirmou no Ac. de 29/04/2020, ambos proferidos no Proc. 753/18.0JABRG.G1.S1. E mais recentemente no Ac. de 10/03/2021, proferido no proc. 330/19.8GBPVL.G1.S1.

Ainda que pareça abundante, realça-se a autonomia, para efeitos de recurso, especificamente, à luz do disposto no art.º 403º n.ºs 1 e 2 al. ª d) e f) do CPP, da questão da culpabilidade e da qualificação jurídica relativamente à questão da determinação da sanção. Aliás, em perfeita consonância com o regime estabelecido nos art.ºs 368º (“questão da culpabilidade” – entre as quais se inclui a de apreciar e decidir se “se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime” ou seja, a qualificação jurídica dos factos) e 369º (“questão da determinação da sanção”), ambos do CPP.

Aplicado este regime normativo ao caso, é incontestável que a questão do privilegiamento do tráfico é perfeitamente autónoma, distinta da questão da determinação da medida da pena aplicada ao crime de tráfico “comum”.

Improcedendo – como efetivamente improcedeu – o reclamado privilegiamento, confirmando-se, como se confirma, a condenação pelo tráfico p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro e nada tendo os recorrentes AA e BB alegado e concluído quanto à pena decretada ou que pretendesse ver aplicada pela prática do referido crime, não resta senão concluir que a dosimetria da correspondente pena que lhe foi imposta pelo Tribunal da Relação, é questão não suscitada e, consequentemente, não estando incluída no objeto do vertente recurso, estão aqui fora de reexame.

Outro tanto valendo para a dosimetria da pena única aplicada ao recorrente BB. Com a particularidade de tão pouco mencionar a norma do art.º 77º do Cód. Penal ou aludir aos critérios especiais de individualização de pena conjunta.

Não vindo questionadas nas conclusões (nem da alegação) a medida da pena aplicada pelo Tribunal recorrido aos arguidos, por terem cometido um crime de tráfico p. e p. pelo citado art. 21º, nem a medida da pena única que, em cúmulo jurídico foi aplicada ao recorrente BB pelo concurso daquele ilícito penal com o crime de detenção de arma de fogo fora das condições legais, não pode este Supremo Tribunal conhecer da dosimetria dessas penas

Os recorrentes limitaram o dissidio à qualificação jurídica dos factos, descurando que a improcedência dessa sua pretensão deixava incólume o a pena aplicada pelo crime de tráfico p, e p, pelo art. 25º n.º 1 do DL n.º 15/93 em citação. E quanto ao recorrente BB, por consequência, também assim a pena conjunta.

c) da pena suspensa:

Os recorrentes, pugnando pela desqualificação do crime de tráfico e repetindo a alegação de recurso apresentado perante a 2ª instância que visava essencialmente que não lhes fosse imposta pena não efetiva de prisão, insistem na pretensão de aplicação de pena de substituição.

Nos termos do art. 50º n.º 1 do Cód. Penal, pressuposto formal da suspensão da execução da pena é que tenha sido fixada em medida não superior a 5 anos de prisão.

Mantendo-se os recorrentes condenados em penas com medida concreta superior a 5 anos de prisão, não se verifica o assinalado pressuposto. Pelo que, não se verificando o inultrapassável pressuposto formal, falece de sentido esta pretensão dos recorrentes.

d) da execução da pena de prisão em RPH:

Outro tanto se conclui quanto à execução da pena de prisão no regime de permanência na habitação do remanescente da pena de prisão, peticionada pelo arguido AA.

Pressuposto formal incontornável deste regime especial de execução da pena privativa da liberdade é que a prisão efetiva a cumprir não exceda dois anos, seja porque foi decretada na sentença condenatória em medida não superior; ou quando, em consequência de desconto nos termos dos artigos 80º e 81º do Cód. Penal, o remanescente não ultrapasse aquela medida; ou ainda quando resulte da revogação de pena de substituição.

Em razão da medida da pena aplicada - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão -, e porque o desconto de que pode beneficiar será de um ano e um dia, não se verifica, evidentemente, o referido pressuposto formal     

Improcede, assim, o recurso dos arguidos.  


IV. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide:

a) julgar improcedente o recurso dos arguidos, confirmando-se o acórdão recorrido;


*


Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada recorrente, em 6 UCs – art. 513º n.º 1 do CPP, art.º 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de abril de 2021.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Atesto o voto de conformidade da C.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Féria de Almeida – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[8] .

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira adjunta)


______

[1] Artigo 3º n.º 4 al.ª a)  “As Partes tornam a prática de qualquer das infrações estabelecidas de acordo com o n.º 1 deste artigo passível de sanções proporcionais à sua gravidade, tais como pena de prisão ou outras penas privativas de liberdade, multa e perda de bens”.
[2] Direito Penal, As consequências Jurídicas do Crime, pag. 199/200.
[3] Ac. STJ de 2-10-2019, proc. 2/18.0GABJA.S1, www.dgsi.pt.
[4] Ibidem.
[5] Proc.  411/14.4PFVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt
[6] «Statistical tables». World Drug Report 2016 (pdf). Vienna, Austria: [s.n.] Maio de 2016. p. xii, 18, 32. ISBN 978-92-1-057862-2.
[7] GBD 2015 Mortality and Causes of Death, Collaborators. (8 de outubro de 2016). «Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015.». Lancet. 388 (10053): 1459–1544. PMID 27733281. doi:10.1016/s0140-6736(16)31012-1
[8]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.