RECURSO PER SALTUM
PECULATO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
PENA SUSPENSA
PRESSUPOSTOS
PENA DE PRISÃO
MEDIDA DA PENA
Sumário

Texto Integral


Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal de Comarca …… – no processo comum com intervenção do tribunal coletivo, o arguido AA, operador ….., casado, nascido a ..-05-1970, filho de BB e de CC, portador do cartão de cidadão n.º ……, e residente na ....., Apartado ..., ....-... ….., foi condenado na pena única 5 (cinco) anos e 6 (seis) de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no âmbito deste processo nº 436/14.0JACBR e no processo nº 86/16........

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

1.ª) O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

2.ª) In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevadíssimo, deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado. Efectivamente a ilicitude é elevada, mas o arguido demonstrou arrependimento, está a cumprir com as suas obrigações referentes aos outros processos, está empregado e tenta refazer a sua vida de forma honesta e íntegra, e essa atitude e opção de vida devem ser valoradas.

3.ª) O apuramento da intensidade do dolo: Dos factos dados como provados, apenas se pode retirar que a intensidade do dolo não é reduzida, mas também não deve ser levada a sua avaliação de forma exacerbada ao ponto de não se considerar o seu arrependimento.

4.ª) O arguido demonstrou um profundo sentimento de arrependimento em audiência de julgamento, mantendo sempre uma postura educada e adequada perante o tribunal. Demonstrou a preocupação de pagar as suas dívidas dentro das possibilidades económicas que possui, que no presente momento não são as melhores dado que a sua mulher está desempregada e que ele tem o ordenado penhorado, e não menos importante, não nos podemos esquecer que o mundo está em crise económica e social, não sendo Portugal uma excepção, por causa da pandemia provocada pelo Covid-19, e que todas as pessoas estão com uma menor capacidade económica.

5.ª) O arguido tem a intenção de se retratar e emendar os seus erros, para que os filhos possam ter orgulho no pai e saibam que o pai errou, mas quer corrigir o seu comportamento.

6.ª) Não podemos e nem nos devemos esquecer que este processo apesar de ter sido julgado só agora em 2020, é cronologicamente anterior aos outros processos em que o arguido foi condenado, mas que por razões processuais só está a ser julgado agora, pelo que o presente processo tem de ser julgado como se o arguido fosse primário, porque o mesmo não pode ser prejudicado por factos alheios à sua pessoa e que condicionaram o andamento processual deste processo. Pelo que, para todos os efeitos processuais o arguido deverá ser julgado como arguido primário, já que temos um processo de 2014 que só está a ser julgado em 2020.

7.ª) O presente acórdão recorrido não procedeu a uma correcta valoração do facto do arguido ter uma culpa muito elevada, não considerando assim o princípio da culpa e incorrendo na violação do disposto nos artigos 40. n° 2, 72.º e 73.º do Código Penal.

8.ª) O relatório social (artigo 370.º do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, o tribunal não valorou correctamente o mesmo, quando esse mesmo relatório tem a seguinte conclusão: “Desde o ano de 2017, após um período de maior instabilidade, com a instauração de processos-crime, relacionados com a sua actividade laboral, que veio a cessar, o arguido conseguiu emprego encontrando-se inserido profissionalmente. Usufrui do apoio do seu agregado familiar. Caso o arguido venha a ser condenado, e o Tribunal opte por uma medida não detentiva, afiguram-se-nos que o arguido tem condições para cumprir uma medida na comunidade, vocacionada para a consciencialização do desvalor da conduta e par o ressarcimento dos danos causados a terceiros”.

9.ª) O arguido demonstrou um profundo sentimento de arrependimento em audiência de julgamento, mantendo sempre uma postura educada e adequada perante o tribunal;

10.ª) Pelo que, dada à ocorrência de várias circunstâncias justificativas de atenuação especial da pena, que se reforçam no facto do arguido ter estabilidade familiar e social, estar profissionalmente integrado e estável, e com o fruto do seu trabalho tem pago as indemnizações devidos à conta dos outros processos em que foi condenado, pelo que a sociedade ganha muito mais com o arguido em liberdade e a trabalhar para pagar as suas dívidas, do que com ele em cumprimento de prisão efectiva, em que perderá o emprego e não poderá sustentar a família e pagar as suas dívidas.

11.ª) Atendendo as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, e no caso verifica-se que o arguido mostrou arrependimento, está a pagar as dívidas aos assistentes dos demais processos, o tribunal deverá que ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão poderá ser aplicada porque sustenta e viabiliza os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado, que se encontra integrado em termos familiares, sociais e está empregado, pagando as indemnizações dos outros processos com o fruto do seu trabalho, pelo que retirá-lo desta inserção social é optar por um retrocesso na sua reintegração como pessoa apta a conviver em sociedade, e é estar a tirar a hipótese do arguido pagar as suas dívidas aos titulares do direito de indemnização, que estão actualmente a serem compensados pelo arguido, e que ficarão prejudicados se o arguido cumprir pena de prisão efectiva, bem como os filhos menores do arguido, que não têm culpa de nada e que ficarão numa situação económica ainda mais débil, ainda para mais na actual conjunctura nacional e internacional de pandemia.

12.ª) A consideração conjunta destas circunstâncias diminui a culpa do arguido-recorrente e a necessidade de uma pena de prisão efectiva.

13.ª) No momento de proceder à determinação das consequências jurídicas dos crimes praticados, o tribunal de 1ª instância valorou em demasia as circunstâncias relativas à ilicitude do acto e às necessidades de prevenção de prevenção geral e especial, bem como os antecedentes criminais do Arguido

14.ª) Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

15.ª) O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

16.ª) A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

17.ª) A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

18.ª) A medida da culpa do arguido impõe que a pena não seja superior a 5 anos de prisão. Ou seja, a aplicação do artigo 40º do Código Penal estabelece um limite máximo de 5 anos.

19.ª) As exigências de prevenção geral não justificam que o limite mínimo ultrapasse o que é estabelecido pela moldura abstrata: 5 anos de pena de prisão, suspensa por igual período.

20.ª) Os antecedentes criminais do arguido tornam intensas as necessidades de prevenção especial.

21.ª) Quando praticou os crimes, manifestou realmente impulsividade. Teve dificuldade em se autocontrolar. Facilmente adotou condutas impróprias e ilegais, mas está arrependido, está empregado, assumiu os seus compromissos e está socialmente integrado.

23.ª) Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no nº 2 do artigo 71º do CP.

24.ª) O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

25.ª) A medida da culpa não permite que a pena ultrapasse os cinco anos de prisão.

26.ª) As intensas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior aos cinco anos de prisão.

28.ª) Os artigos 40.º, 71.º e 131.º do Código Penal implicam uma condenação a pena não superior a 5 anos de pena de prisão suspensos na sua execução.

29.ª) Condenando o arguido a 5 anos e 6 meses de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nesses preceitos legais.

30.ª) Na procedência das questões anteriormente suscitadas, relativa à ocorrência de várias circunstâncias justificativas de atenuação especial da pena, tudo devidamente ponderado, a pena adequada é uma pena única de prisão até cinco (5) anos suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do CP

31.ª) Nestes termos,

Face à matéria ora apresentada deverá o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, salvo o devido respeito por opinião adversa, dar provimento ao recurso, e em consequência fixar-se o quantum da pena em conformidade com as conclusões precedentes, aplicando-se uma pena única de prisão de até cinco (5) anos suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do CP, para que o arguido possa continuar integrado em termos familiares, sociais, mantendo o seu trabalho para que possa pagar com o fruto do mesmo, as indemnizações em que foi condenado nos outros processos, e que ainda não pôde pagar por falta de disponibilidade financeira, dado o facto da sua mulher estar desempregada devido à crise provocada pelo vírus Covid-19, pelo que retirá-lo desta inserção social é optar por um retrocesso na sua reintegração como pessoa apta a conviver em sociedade, e vedar a hipótese do arguido pagar as suas dívidas aos titulares do direito de indemnização (aos que estão actualmente a serem compensados pelo arguido e aos dois outros lesados que serão também compensados por ele em breve), e que ficarão prejudicados se o arguido cumprir pena de prisão efectiva, e ainda os seus filhos menores, que irão ficar numa situação de pobreza dada a situação de desemprego da mãe em plena crise pandémica, pelo que atendendo as circunstâncias expostas, o tribunal deverá promover a manutenção da sua ressocialização, que está a ser voluntariamente obtida com o comportamento do arguido, com o que se fará JUSTIÇA para as várias pessoas envolvidas neste processo, desde os lesados até à família do arguido.

1.3. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

«I – Face à factualidade considerada provada pelo Tribunal a quo, e que o arguido não põe em crise, se acaso pudéssemos concluir haver erro no quantum das penas sempre o mesmo seria por defeito e nunca por excesso.

II – A expressão “um grau de ilicitude acima da média” mais não significa senão que o constatar da existência de uma intensidade da ilicitude revelada pelo arguido, expressa na repetição das vezes que o arguido agiu da mesma forma movido pelo sentimento vil da ganância na busca pelo lucro fácil, já que aquando os factos praticados o arguido não apresentava ainda problemas económicos apenas quis enriquecer rapidamente e a todo o custo, o que revela a sua personalidade disforme ao direito.

III – Na determinação do grau de ilicitude é fundamental o grau de violação dos bens jurídicos protegidos, importando considerar que foram várias as acções do arguido, que colocaram em causa o próprio sistema de justiça.

IV - A decisão recorrida, descreve, passo a passo, quais os elementos de facto que foram tidos em conta para quantificar a pena, sendo, pois, bem expresso o procedimento adotado e verificando-se que no raciocínio seguido o Tribunal recorrido respeitou integralmente os ditames da lei na escolha e determinação da pena concreta.

V – O arguido não demonstrou qualquer arrependimento.

VI – O arguido não se encontra a indemnizar voluntariamente as vítimas dos seus crimes, de tal modo que as mesmas tiveram de recorrer a uma acção executiva e penhorar o seu vencimento para lograrem reaver o dinheiro com que aquele se locupletou. Apesar de cronologicamente os factos que sustentam a condenação ora em causa terem sido os primeiros a ser praticados pelo arguido, do seu CRC ressalta que a negatividade do seu comportamento posterior ao crime e o facto de que o arguido continuou a praticar crimes iguais aos ora em questão até ser destituído das suas funções de agente de execução.

VII - O recorrente não invocou quaisquer factos que sustentassem o seu pedido, limitando-se a valorar cada uma dessas circunstâncias já consideradas de forma diferente do que o fez o Tribunal.

VIII - As exigências de prevenção geral fixam o limiar mínimo da protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada, sendo o seu limite máximo definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas, que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade.

IX - Não deixou o Tribunal a quo de analisar detalhadamente as circunstâncias que militam a favor do arguido, que todavia se resumem à sua inserção social, familiar e profissional.

X– E são precisamente essas circunstâncias que impedem que o arguido seja condenado em pena superior.

XI - A determinação do quantum exacto de pena só será objecto de alteração se na decisão recorrida tiver ocorrido violação das regras d aexperiência ouse se verificar desproporção da quantificação efectuada, o que não existiu nem sequer o próprio recorrente evidencia nas suas alegações.

Sem conceder e por mera cautela,

XII – Caso se considere que a pena do arguido se deverá situar nos 5 anos de prisão, sempre se dirá dever o mesmo cumprir tal pena em termos efectivos.

XIII - A decisão de suspensão está condicionada à adequada protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, ponderadas as concretas circunstâncias de cada agente e as concretas especificidades de cada conduta típica, em face do concreto bem jurídico violado.

XIV – Dos factos supra referidos facilmente se verifica que não estão reunidas quaisquer condições que permitissem efectuar um juízo de prognose positiva a favor do arguido.

XV – A personalidade do agente é factor acentuadamente negativo dada a ausência de consciência ética que se manifesta com a sua não admissão dos factos e a responsabilização de terceiros pela ocorrência dos mesmos.

XVI – Tão pouco se denota qualquer interiorização da gravidade das suas condutas, de que não se mostrou arrependido, nada fazendo para ressarcir as vítimas dos seus crimes.

XVII - Finalmente, e com especial relevância, as circunstâncias do crime não contêm qualquer especificidade que contribua para o juízo de prognose favorável, bem pelo contrário, demonstrando o arguido uma personalidade distorcida face ao direito.

XVIII - Todas as circunstâncias elencadas no artº 50º do Código Penal para avaliação da possibilidade de suspensão da execução da pena são absolutamente desfavoráveis a tal opção, nenhuma permitindo um juízo de prognose favorável caso se venha a considerar que a pena concreta deverá baixar para os 5 anos de prisão.

Termos em que, improcedendo os recursos interpostos e mantendo na íntegra o acervo das doutas decisões recorridas, V.ªs Excªs farão, como sempre, JUSTIÇA !»

1.4. Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso, nos seguintes termos: (…)

«O recorrente AA alega, em síntese, que:

- Foi violado o disposto na al. a), do nº 2, do art. 71º do Cod. Penal, ao ter sido fixada a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”, considerando que o grau de ilicitude é moderado, que demonstrou arrependimento, que está a cumprir com as suas obrigações referentes aos outros processos, que está empregado, e que tenta refazer a sua vida de forma honesta e íntegra, devendo ser valoradas esta sua atitude e esta sua opção de vida;

- A intensidade do dolo não é reduzida, mas também não deve ser levada a sua avaliação de forma exacerbada ao ponto de não se considerar o seu arrependimento, uma vez que demonstrou a preocupação de pagar as suas dívidas dentro das possibilidades económicas que possui, que actualmente não são as melhores, uma vez que a sua mulher está desempregada e tem o seu ordenado penhorado;

- Os factos reportam-se aos anos de 2012, 2013, e 2014, e que o acórdão recorrido não valorou correctamente o relatório social, sendo que consta do mesmo que:[1] “Desde o ano de 2017, após um período de maior instabilidade, com a instauração de processos-crime, relacionados com a sua actividade laboral, que veio a cessar, o arguido conseguiu emprego encontrando-se inserido profissionalmente. Usufrui do apoio do seu agregado familiar. Caso o arguido venha a ser condenado, e o Tribunal opte por uma medida não detentiva, afiguram-se-nos que o arguido tem condições para cumprir uma medida na comunidade, vocacionada para a consciencialização do desvalor da conduta e par o ressarcimento dos danos causados a terceiros”.

- Se verifica a existência de várias circunstâncias justificativas de atenuação especial da pena, uma vez que tem estabilidade familiar e social, está profissionalmente integrado e estável, tem pago as indemnizações devidas à conta dos outros processos em que foi condenado, com o fruto do seu trabalho;

- A sociedade ganha muito mais caso esteja em liberdade e a trabalhar para pagar as suas dívidas, do que esteja em cumprimento de prisão efectiva, situação em que perderá o emprego e não poderá sustentar a família nem pagar as suas dívidas;

- Quando praticou os crimes, manifestou realmente impulsividade, que teve dificuldade em se autocontrolar, tendo adoptado condutas impróprias e ilegais;

- A suspensão da execução da pena de prisão poderá ser aplicada por sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial, sendo que o acórdão recorrido[2] “(…) valorou em demasia as circunstâncias relativas à ilicitude do acto e às necessidades de prevenção de prevenção geral e especial, bem como os antecedentes criminais do arguido (…)”;

- A medida da sua culpa impõe a aplicação de uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, em obediência ao disposto nos arts. 40º, 50º, 71º, e 131º do Cod. Penal, promovendo-se assim a manutenção da sua ressocialização, que está a ser voluntariamente obtida com o seu comportamento

Consideramos que poderá assistir razão ao recorrente AA quando pugna pela aplicação de uma pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução.

E, para tal, iremos apreciar se a pena única de 5 (cincos) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva aplicada ao recorrente AA se mostra excessiva, face a todo o circunstancialismo dado como provado.

Começaremos por enunciar os preceitos legais que versam sobre a punição, em situação de concurso de crimes.

O art. 77º, que versa sobre as regras da punição do concurso, e estatui que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente “.

2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.

Resulta do citado art. 77º do Cod. Penal, que há lugar à aplicação de uma pena única, em cúmulo jurídico, quando todas as penas parcelares forem de prisão ou forem penas de multa, isto é, quando forem da mesma espécie.

Desta forma, o pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso de crimes, e para a aplicação do cúmulo jurídico das penas, consiste na prática pelo agente de diversos crimes, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, como consta da primeira parte, do citado art. 77º, nº 1, do Cod. Penal.

E, temos o art. 78º, que sob a epígrafe “Conhecimento superveniente do concurso”, refere que:

“1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

Para a apreciação da conduta do recorrente AA, o acórdão recorrido teve em conta as duas decisões condenatórias correspondentes aos processos crimes supra identificados, o seu certificado do registo criminal, e a sua informação social, tendo feito constar que:

[3](…) 2. A imagem global do ilícito é, no caso, marcada fortemente pela motivação do arguido de aproveitar o exercício das suas funções de agente de execução para se apropriar de dinheiro que lhe estava confiado no exercício e para cumprimento dessas funções e de desenvolver essa actividade em termos latos.

As cinco infracções desenvolvem-se num período de cerca de um ano e meio: 17.12.2012 (50.326,37 euros), 15.10.2013 (3.870,76 euros) e 04.07.2014 (15.630,15 euros); além disso, a soma das importâncias com que o arguido se locupletou atinge 69.827,28 euros.

O arguido ainda não efectuou qualquer pagamento por conta da obrigação que lhe foi imposta, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo 436/14.0JACBR, como condição da suspensão da execução da pena de prisão (…)”.

E, para a determinação da pena única aplicada ao recorrente AA o acórdão recorrido fez constar que:

4“[4](…) Considerando a homogeneidade da actuação, o “efeito expansivo” das penas menos graves não pode ser residual, com a consequente aplicação de uma pena conjunta moderadamente acima da pena parcelar mais grave (um terço da diferença entre a pena parcial mais grave e a soma das demais).

Tendo em conta que a pena parcelar mais grave é de dois anos e oito meses e que a soma das outras quatro penas é de oito anos e seis meses, a pena única do cúmulo jurídico das mesmas, deve fixar-se em cinco anos e seis meses de prisão (…).

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em efectuando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos processos 436/14.0JACBR e 86/16......., nos termos do disposto nos artigos 77º, nºs 1 e 2 e 78º, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única de cinco anos e seis meses de prisão efectiva (…)”.

Estamos perante uma decisão sobre a aplicabilidade de uma pena única conjunta, em sede de conhecimento superveniente, que deverá ser fundamentada, em cumprimento do art. 374º do Cod. Proc. Penal, e ainda do art. 71º, nº 3, do Cod. Penal, que refere que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Ora, entende-se ter sido muito sucinta a fundamentação do acórdão recorrido para a fixação da pena única do concurso que aplicou ao recorrente AA.

Com efeito, o acórdão recorrido, na respectiva fundamentação, invocou a imagem global do ilícito, que considerou marcada fortemente pela motivação do recorrente AA de aproveitar o exercício das suas funções de agente de execução para se apropriar de dinheiro que lhe estava confiado no exercício e para cumprimento dessas funções e de desenvolver essa actividade em termos latos, e o facto de se estar perante a prática de cinco infracções, que tiveram lugar num período de cerca de um ano e meio, tendo o mesmo se locupletado com um montante que atingiu € 69.827,28, não tendo ainda efectuado qualquer pagamento, por conta da obrigação que lhe foi imposta por este Supremo Tribunal, no âmbito do Proc. nº 436/14.0JACBR, como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Contudo, para a determinação da pena única a aplicar, há que ponderar o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, procedendo-se a uma avaliação da gravidade da ilicitude global dos mesmos (tendo em conta o tipo de conexão entre os factos em concurso), e há que proceder também a uma avaliação da personalidade do autor de tais factos, de forma a aferir em que termos é que a mesma se projecta nos factos por si praticados, e a apurar se a sua conduta traduz uma tendência para prática de crimes, ou apenas se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade.

O acórdão não se pronunciou sobre a questão de saber se face aos factos cometidos pelo recorrente AA estamos na presença de ocasionalidade, pluriocasionalidade, se existe ou não uma tendência criminosa, tendo justificado a opção pela aplicação de uma pena conjunta, que se situa moderadamente acima da pena parcelar mais grave (um terço da diferença entre a pena parcial mais grave e a soma das demais).

No caso, resulta da matéria de facto dada como provada que o recorrente AA praticou três crimes de peculato, e dois crimes de falsidade informática, sendo que esta actividade delituosa ocorreu durante cerca de um ano e meio (em 17/12/2012, em 15/10/2013 e em 04/07/2014), tendo sido condenado nas penas singulares de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, e de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Nesta conformidade, temos que o limite máximo da moldura do cúmulo jurídico é de 11 (onze) anos e 2 (dois) meses de prisão, e o limite mínimo é de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, conforme o já citado art. 77º, nº 2, do Cod. Penal.

Temos também que os crimes de peculato e os crimes de falsificação foram cometidos de uma forma homogénea, não existindo dúvidas que é elevada ilicitude global dos factos praticados, com as inerentes necessidades de prevenção geral, que são elevadas atenta a frequência e gravidade com que são praticados crimes desta natureza, não deixando também de se ter em conta que a prática de crimes como o peculato é vista pela comunidade como um crime em que os infractores muitas vezes não têm a devida punição.

E, em sede de avaliação da ilicitude global do comportamento do recorrente AA, há que também atender ao tempo já decorrido desde a prática dos factos sem que se conheça um comportamento merecedor de reparo ao nível criminal.

Ponderando tudo isto, e sublinhando a conduta posterior do recorrente AA, e o teor do seu relatório social, poder-se-á concluir que a simples ameaça da pena de prisão o afastará da prática de novos crimes.

Estamos perante uma situação de concurso entre penas de prisão de curta duração, em que há necessidade de se recorrer ao princípio da proporcionalidade, de modo a não aplicar uma pena única superior àquela que é exigida para reafirmar a estabilização dos bens jurídicos ofendidos, face à culpa suportada pela recorrente AA, à medida da sua vontade, à sua persistência, à gravidade da sua conduta global, e à sua personalidade.

No caso, entende-se que a aplicação de uma pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período na sua execução, não colocará em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, pelo que um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do recorrente AA, não se mostra demasiado arriscado, ao considerar-se que a simples ameaça da execução da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, será suficiente para o dissuadir da prática de futuros crimes, confiando-se no seu sentido de responsabilidade, e na sua capacidade de resposta nos próximos cinco anos.

Contudo, também se entende que este risco poderá de alguma forma ser mitigado com a imposição obrigatória de sujeição a regime de prova, nos termos da parte final do nº 3, do art. 53º do Cod. Penal.

E, tendo resultado dos crimes cometidos pelo recorrente AA um prejuízo patrimonial de € 50.326,37 (factos cometidos em17/12/2012), de € 3.870,76 (factos cometidos em 15/10/2013), e de € 15.630,15 (factos cometidos em 04/07/2014) entende-se que a não sujeição a condição de pagamento, poderá conduzir a uma ideia errada relativamente à forma como foi avaliada e sancionada toda a sua conduta.

Posto isto, e ponderando a natureza dos ilícitos cometidos, as necessidades de prevenção geral e especial, entende-se ser de aplicar ao recorrente AA a pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na execução, com a sua sujeição a regime de prova, a efectivar de acordo com o que vier a ser determinado pela entidade competente, e a pagar as quantias em divida dentro do mesmo prazo, sendo que tal pena não afrontará os princípios da necessidade, da proibição do excesso, e da proporcionalidade das penas, a que alude o art. 18º, nº 2, da CRP, nem ultrapassará a medida da sua culpa, revelando-se adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso interposto pelo recorrente AA merece provimento».

1.5. Com dispensa de Vistos, e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.


***


2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1 - O arguido AA foi julgado no processo comum coletivo nº 436/12.0JACBR, do Juízo Central Criminal ………, onde foi condenado, por acórdão de 11.06.2019, transitado em julgado em 12.06.2020, pela prática de dois crimes de falsidade informática (dois anos e dois meses + dois anos e dois meses) e de dois crimes de peculato (um ano e seis meses + dois anos e oito meses), na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com a “obrigação de efectuar a reposição das quantias de que ilicitamente se apropriou (3.870,76 euros e 15.630,15 euros) ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”; tal condenação assentou nos seguintes factos:

1.1 - O arguido AA começou a trabalhar como …… em 1992, sendo titular da cédula profissional nº …… e tendo o domicílio profissional em ......

1.2 - Desde 02 de Setembro de 2003, o arguido AA exerceu a atividade de agente de execução, cessando tais funções, a seu pedido, em 09 de Dezembro de 2014, ficando definitivamente interditado do exercício das suas funções em 18 de Janeiro de 2018, na sequência de processos disciplinares que lhe foram instaurados pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça.

1.3 - No âmbito do exercício das suas funções de agente de execução, o arguido AA tinha permissão para aceder ao “Sistema Informático de Suporte à Actividade dos Agentes de Execução” (SISAAE)] através do código de utilizador 2069.

1.4 - A permissão de acesso ao SISAAE destinava-se, entre o mais, à emissão do Identificador Único de Pagamento (IUP) para a realização de movimentos nas contas cliente (“executado” ou “exequente”, consoante os tipos de movimentos).

1.5 - O arguido AA apenas podia efectuar operações a débito na conta-cliente executado para contas cujo NIB ou IBAN constassem do SISAAE, do requerimento executivo ou que lhe tivessem sido comunicados, através do ‘Citius’.

1.6 - Por imposição do Regulamento da Câmara dos Solicitadores n.º 286/2012 (publicado na II Série do Diário da República n.º 168, de 30 de Agosto), a movimentação a débito da conta-cliente tinha que ser realizada através do Identificador Único de Pagamento.

1.7 - O Identificador Único de Pagamento é uma referência informática, que funciona como ordem de pagamento, gerada pelo SISAAE que associa automaticamente um movimento bancário a crédito ou a débito a um determinado processo judicial.

1.8 - No âmbito do exercício das suas funções de agente de execução e para desempenho das mesmas, o arguido AA era titular da conta-cliente (AE) n.º ……05 do «Millennium BCP», balcão ……, para onde eram transferidas/depositadas todas as quantias recebidas e destinadas ao pagamento das quantias exequendas e demais encargos com os processos onde foi nomeado (conta-cliente executado).

1.9 - Para além daquela conta bancária, destinada ao exercício das funções de agente de execução, o arguido AA era titular, entre outras, da conta bancária pessoal, n.º ……65, da CCAM ………, CRL.

1.10 - O arguido AA exerceu, naquele período, as competências específicas e públicas de agente de execução e as demais funções que lhe estavam atribuídas por lei, encontrando-se sujeito à fiscalização da Câmara dos Solicitadores e da CAAJ e na dependência funcional dos Tribunais.

1.11 - No desenvolvimento dessa actividade, o arguido AA foi nomeado agente de execução em diversos processos executivos.

1.12 – O arguido AA foi nomeado agente de execução no processo de execução n.º 548/11........, autuado em 29.11.2011, que correu seus termos pelo juízo de competência genérica ……..., da comarca ……, em que era exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ………… e executados, entre outros, DD e marido EE.

1.13 - O arguido AA foi nomeado agente de execução no processo de execução nº 1310/07……, da Vara Mista ……, instaurada em 12.03.2013, em que eram exequentes FF e mulher GG, e executados, entre outros, HH, II, e mulher JJ.

1.14 - Em 01 de Setembro de 2014, este processo executivo passou a ter o nº 4076/14........ tendo sido distribuído na Secção de execução da Instância Central da Comarca ……, devido à reforma do mapa judiciário então concretizada, continuando o arguido como agente de execução.

1.15 - No exercício das suas funções de agente de execução, nomeado nos referidos processos de execução, o arguido AA realizou penhoras nos vencimentos dos ali executados.

1.16 - No processo n.º 548/11........ foi penhorada a quantia global de 5.293,28 euros, resultante dos descontos que foram efectuados no vencimento que a executada DD auferiu durante o período compreendido entre Janeiro de 2012 e Outubro de 2013, enquanto funcionária da Câmara Municipal……...

1.17 - No processo n.º 4076/14........ foi penhorada a quantia global de 23.570,69 euros, resultante dos descontos que foram efectuados nos vencimentos dos executados, sendo:

1.17.1 - HH, desconto de 820,99 euros, entre 09.05.2013 e 10.10.2014, no salário que auferia enquanto trabalhadora da empresa «………»;

1.17.2 - JJ, desconto de 6.407,55 euros, entre 08.05.2013 e 10.09.2014, no salário que auferia enquanto trabalhadora do «………»; e

1.17.3 - II, desconto de 16.342,15 euros, entre 20.06.2013 e 25.09.2014, no salário que auferia enquanto trabalhador da empresa «………».

1.18 - Tais quantias em dinheiro, em cumprimento da respectiva ordem de penhora, foram creditadas na aludida conta-cliente executado n.º .....05 de que o arguido AA era titular no «Millennium BCP», balcão ......

1.19 - Esses valores destinavam-se ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos com o respectivo processo executivo.

1.20 - O arguido AA sabia que apenas podia movimentar essa conta e utilizar tal dinheiro para dar pagamento aos credores e demais encargos com os referidos processos de execução.

1.21 - Em 14 de Outubro de 2013, naquele processo n.º 548/11........, o arguido AA emitiu, através da plataforma informática SISAAE, um IUP no valor de 3.870,76 euros, preenchendo, pela sua própria mão, nos espaços reservados aos “dados do pagamento”, como natureza do movimento o de “pagamento de serviços” e como beneficiário o seu próprio nome (“AA”), fazendo constar como conta-cliente a debitar a sua conta-cliente executado com n.º “............05 ” e como conta a creditar a sua própria conta bancária pessoal n.º ............ 65.

1. 22 - O arguido AA introduziu aqueles “dados do pagamento”, como “pagamento de serviços” sem emitir qualquer nota discriminativa de honorários e/ou de despesas que eventualmente fossem devidos.

1.23 – Assim, o arguido AA conseguiu que tal documento, depois de devidamente validado pelo SISAAE, passasse a representar uma ordem de pagamento a si próprio no referido valor de 3.870,76 euros.

1.24 - Porém, tal ordem de pagamento não tinha subjacente, nem se destinava, ao pagamento de qualquer serviço prestado no âmbito do aludido processo executivo.

1.25– Em 15 de Outubro de 2013, o arguido AA, através da ordem de pagamento constante desse IUP, concretizou a correspondente transferência bancária para a sua conta pessoal ……..65, da quantia de 3.870,76 euros, que fez sua.

1.26 - Em 02 de Junho de 2014, naquele processo n.º 4076/14........, o arguido AA emitiu, através da plataforma informática SISAAE, um IUP no valor de 15.630,15 euros, preenchendo, pela sua própria mão, nos espaços reservados aos “dados do pagamento”, como natureza do movimento o de “entrega de resultados ao exequente (IUP)” e como beneficiário o nome do exequente “FF”, fazendo constar como conta-cliente a debitar a sua conta-cliente executado com n.º “................05 ” e como conta a creditar a sua própria conta bancária pessoal n.º “.................65”.

1.27 - O arguido AA introduziu aqueles “dados do pagamento”, como “entrega de resultados ao exequente” sem emitir qualquer nota discriminativa de honorários e/ou de despesas que eventualmente fossem devidos.

1.28 – Assim, o arguido AA conseguiu que tal documento, depois de devidamente validado pelo SISAAE, passasse a representar uma ordem de pagamento a si próprio no referido valor de 15.630,15 euros.

1.29 - Porém, tal ordem de pagamento não tinha subjacente, nem se destinava, ao pagamento de qualquer serviço prestado no âmbito do processo executivo nem ao pagamento do crédito dos exequentes, por força de transacção que havia sido celebrada.

1.30 – Em 04 de Junho de 2014, o arguido AA, através da ordem de pagamento constante desse IUP, concretizou a correspondente transferência bancária para a sua conta pessoal ..................65 daquela quantia de 15.630,15 euros, que fez sua.

1.31 - Qualquer um dos referidos movimentos bancários efetuado na conta-cliente do arguido (................05), foi realizado sem a emissão da nota de honorários e despesas e/ou ao decurso do prazo de oposição no âmbito dos processos de execução a que diziam respeito.

1.32 - O arguido AA usou tal dinheiro para a satisfação de despesas próprias e do seu agregado familiar e não devolveu qualquer quantia dos referidos montantes que transferiu para a sua conta pessoal.

1.33 - O arguido AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer suas as supra referidas quantias em dinheiro, sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que resultavam das referidas penhoras e se destinavam aos aludidos pagamentos no âmbito dos respectivos processos executivos.

1.34 - O arguido aproveitou, para tanto, a circunstância de, em razão das suas funções profissionais de agente de execução, ter o acesso aos montantes que foram sendo depositados nas contas-clientes, que só lhe eram acessíveis, em razão das dessas suas funções.

1.35 - O arguido AA tinha a noção de que tais montantes deveriam ser utilizados no pagamento das quantias exequendas, despesas e encargos relacionados com os processos executivos que lhe foram distribuídos, e que apenas podia fazer seus alguns dos referidos montantes, que fossem devidos a título de honorários e reembolso de despesas após conciliar os mesmos, elaborar a respectiva nota e aguardar o decurso do prazo de oposição.

1.36 - Não obstante, o arguido actuou da forma descrita, dando ao dinheiro um destino diferente daquele a que se destinava, estando perfeitamente ciente de que a sua conduta, ao trair a confiança funcional que lhe foi depositada com o acesso ao dinheiro recebido dos exequentes e executados, e porque praticada no âmbito da actividade pública do Estado, colocava em causa, como efectivamente colocou, além dos interesses patrimoniais do Estado, a fidelidade e a probidade exigida pelo exercício dessas funções.

1.37 - O arguido AA, ao emitir os IUP´s nos termos descritos, agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de criar nos utilizadores do sistema a convicção de que se tratavam de ordens de pagamento verdadeiras e regulares, desvirtuando, desta forma, como era sua intenção, a demonstração dos factos que por eles podiam ser comprovados.

1.38 - O arguido actuou, também, com a noção de que, em qualquer das situações, se tratava de documentos destinados a comprovar os referidos pagamentos, e que, deste modo, adulterando a regularidade da relação jurídica estabelecida com os utilizadores do SISAAE, estava a causar um engano, através da produção de documentos não genuínos, agindo, por isso, em prejuízo da especial segurança e credibilidade que a comunidade deposita nos meios de prova.

1.39 - O arguido actuou, em qualquer caso, com o propósito de obter para si os referidos montantes em dinheiro que sabia não lhe serem devidos nos moldes em que os produziu porquanto se destinavam a outros pagamentos.

1.40 - O arguido tinha consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

2 - O arguido AA foi julgado no processo comum singular nº 86/16......., do Juízo de Competência Genérica………, onde foi condenado, por sentença de 23.11.2017, transitada em julgado em 02.05.18, pela prática de um crime de peculato, por factos ocorridos em 17.12.2017, na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo; tal condenação assentou nos seguintes factos:

2.1 - O arguido AA foi nomeado e exerceu funções na qualidade de agente de execução nos autos de execução comum N.º 405/06........ que correu termos na Instância Local ......

2.2 - Naqueles autos de execução foi penhorado e vendido por negociação particular o prédio urbano – casa de habitação e logradouro, sita na freguesia ............ – …, assim como os terrenos anexos, pelo valor de 140.010,00 euros.

2.3 - O preço do imóvel, nos termos do artigo 905º do Código de Processo Civil foi depositado na Caixa Geral de Depósitos.

2.4 - Faziam parte como credores reclamantes, com créditos aceites e graduados, o Banco Comercial Português, SA e Lacticínios Correia e Barreiras, Ldª.

2.5 - O Banco Comercial Português, SA enviou ao agente de execução nomeado nos autos, ora arguido, o NIB dos seus representantes para que o respectivo depósito fosse efectuado.

2.6 - No dia 17.12.2012, o arguido na qualidade de agente de execução emitiu um IUP no valor de 44.326,37 euros, com a natureza “Pagamento de serviços”, e beneficiário o Banco Comercial Português, SA, a debitar da conta cliente com o NIB …………05 e a creditar na conta com o NIB ……………65, pertencente ao arguido e sedeada na Caixa Crédito Agrícola ………...

2.7 - No dia 7.10.2014 o arguido na qualidade de agente de execução emitiu um IUP no valor de 6.000,00 euros, com a natureza “Entrega de resultados ao exequente/requerente” e beneficiário AA, a debitar da conta cliente com o NIB ………05 e a creditar para a conta com o NIB ………50, pertencente ao arguido e sedeada no BPI, SA.

2.8 – Ambas as transferências foram efectuadas.

2.90 - O valor de 6.000,00€ respeitante ao IUP supra referido que devida ter sido entregue à Lacticínios Correia & Barreiras, LDA, foi depositado pelo arguido numa conta bancária pessoal por si titulada.

2.10 - O arguido, no cumprimento das suas funções de agente de execução, integrava de forma regular e continua, montantes em dinheiro nas suas contas clientes resultante das penhoras efectuadas, valores esses que o mesmo deveria, posteriormente, entregar aos exequentes e/ou credores reclamantes, a quem eram destinadas.

2.11 - O arguido na qualidade de agente de execução transferiu os aludidos dois valores uma conta bancária pessoal de que é titular, sem qualquer título justificativo.

2.14 - Os credores reclamantes BCP, SA e Lacticínios Correia & Barreiras, Ldª nunca receberam a quantia devidas pelos créditos que lhes foram reconhecidos e graduados, tendo o arguido integrado tais quantias no seu património.

2.15 - O arguido AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de integrar directamente no seu património, como efectivamente aconteceu, as referidas quantias recebidas por depósitos bancários, no montante total de 50,326,37 euros, não obstante saber que as mesmas não lhe pertenciam e que depois de as receber, em virtude da sua função de agente de execução, teria que as devolver a quem eram devidas e a quem pertenciam, o que até á data, não se concretizou.

3 - Além daqueles, o arguido AA foi julgado no processo comum singular nº 53/15............., do Juízo de Competência Genérica................, onde foi condenado, por sentença de 11.10.2017, transitada em julgado em 10.11.2017, pela prática de um crime de peculato, por factos ocorridos no ano de 2014, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a deveres; em 23.06.2020, aquela pena foi declarada extinta, ao abrigo do disposto no artigo 57º, do Código Penal, por referência ao dia 10.05.2020.

4 - O arguido AA nasceu a ... de Maio de 1970, em ……, sendo sete anos mais velho que a sua irmã; o pai era empregado .......... e a mãe funcionária administrativa e residiam em …...

5 - O arguido tinha cerca de cinco anos de idade quando a família fixou residência em ..........., passando os pais a trabalhar em …, ele como empregado …………. e ela como funcionária………….

6 - O arguido frequentou a escola em ........, …. e concluiu o 12º ano de escolaridade em ................ e, posteriormente, frequentou o curso……………, no ……, de um ano e meio.

7 - Aos 22 anos de idade, após concluir o Serviço Militar, de dezoito meses, o arguido começou a trabalhar como ………, em ......

8 - Em 2017, o arguido começou a trabalhar na empresa “……” em …, …, ficando alojado num quarto em casa de pessoas amigas em …, passando os fins-de-semana, com a família em …..., ......

9 - Em Março de 2018, o arguido entrou para os quadros da empresa “…” de distribuição e logística em …, ……, com a categoria de servente de armazém, auferindo cerca de 900 euros por mês.

10 - A mulher do arguido trabalhava desde o ano 2018, na secção de padaria e charcutaria do supermercado “………” em ……, auferindo 600 euros mensais; está desempregada desde 31 de Outubro de 2020.

11 - O arguido utiliza um “………..” do ano 2006, que lhe foi emprestado pelo pai e a mulher tem um “……….” do ano de 2010.

12 - O casal recebe de abono pelos três filhos 109 euros mensais; os dois filhos mais velhos (15 e 9 anos de idade), têm apoio nos livros escolares e alimentação e o mais novo (4 anos de idade) que frequenta a pré-escola tem apoio nas refeições.

13 - O arguido, a esposa e os filhos vivem em …….., em casa dos sogros do arguido, os quais suportam as despesas fixas mensais, praticam agricultura de subsistência e têm alguns animais domésticos; os dois filhos mais velhos, têm apoio nos livros escolares e alimentação na escola e o mais novo fica a cargo dos avós maternos.

14 - O arguido e a mulher têm penhora sobre os ordenados, por empréstimos que efectuaram, ele de 100 euros por mês esta de cerca de 60 euros mensais; nas despesas em deslocação para os dois gastam cerca de 150 euros por mês; pagam 140 euros de mensalidade pelo carro da mulher.

15 - O arguido é considerado uma pessoa “trabalhadora” e com “boa imagem no meio onde reside”.

16 - O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

17 - O arguido não manifesta arrependimento.

18 - O arguido ainda não efetuou qualquer pagamento em cumprimento da obrigação que lhe foi imposta no processo 436/14.0JACBR como condição da suspensão da execução da pena de prisão.


***


3. O DIREITO

3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com a seguinte questão:

- A dosimetria da pena

3.1.1. Vejamos a determinação da medida concreta da pena do concurso aplicada ao Recorrente.

Pugna o recorrente pela pena única de prisão de até cinco (5) anos suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do CP.

Para tanto alega em síntese que:

1. A decisão recorrida considerou que o grau de ilicitude do arguido é “acima da média”, recorrendo assim a um critério estatístico que não demonstra se o grau de ilicitude é reduzido, moderado ou elevado, pelo que se mostra violado o disposto no art. 71.º, n.º 2 al. a) do CPP.

2. In casu, o grau de ilicitude do arguido não é reduzido nem elevadíssimo, logo deve ser considerado moderado.

3. O arguido mostrou arrependimento, está a cumprir as suas obrigações referentes a outros processos, está empregado e tenta refazer a sua vida de forma honesta e íntegra, o que deve ser valorado.

4. A intensidade do dolo não foi reduzida mas também não deve ser considerada tão exacerbada a ponto de não se considerar o arrependimento.

5. O arguido demonstrou um profundo sentimento de arrependimento em tribunal, demonstrou preocupação em pagar as suas dívidas dentro das possibilidades económicas que possui que neste momento não são as melhores porque a mulher está desempregada, ele tem o ordenado penhorado e o mundo está em crise económica e social face à pandemia provocada pelo Covid-19.

6. Este processo apesar de julgado apenas em 2020 é cronologicamente anterior aos outros processos em que o arguido foi condenado, pelo que o arguido deve ser considerado como se fosse primário.

7. O presente acórdão não procedeu a uma correcta valoração da culpa, violando por isso o disposto nos arts. 40.º, n.º 2, 72.º e 73.º do Código Penal.

9. O Tribunal não valorou corretamente o relatório social, que, nos termos do art. 370.º do CPP.

10. Existem várias circunstâncias justificativas de uma atenuação especial da pena, que se reforçam com o facto de o arguido apresentar estabilidade familiar e social, encontra-se profissionalmente integrado e estável, com o fruto do seu trabalho tem pago as indemnizações em que foi condenado noutros processos, pelo que a sociedade ganhará mais se o arguido continuar em liberdade a trabalhar para poder pagar as suas dívidas e sustentar a sua família.

11. Atendendo à conduta do arguido anterior e posterior ao crime, ao arrependimento demonstrado, ao facto de estar a pagar as indemnizações em que foi condenado noutros processos, o Tribunal deveria ter condenado o arguido numa pena de prisão suspensa na sua execução.

12. O Tribunal atendeu valorou em demasia a ilicitude do acto, as necessidades de prevenção geral e especial e os antecedentes criminais do arguido.

13. Violou o Tribunal o disposto nos arts. 40.º e 71.º do CP de onde decorre que na operação de fixação da medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente e o mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral, sendo a pena concreta achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou conta o arguido, não podendo a medida concreta da pena ultrapassar a culpa do arguido.

14. A culpa do arguido impõe que a pena não ultrapasse os 5 anos, que deverá ser suspensa na sua execução.

Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

O art. 78º, do Código Penal determina que:

«1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

(…)

Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [5] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral, [6] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.

Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânica e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

No mesmo sentido o AC do STJ de 12FEV14, em que foi relator o Conselheiro Pires da Graça, [7] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adotando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade».

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. nº 3177/07.

Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado, ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07.

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04».


Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.


O Tribunal Coletivo fundamentou da seguinte forma a pena única a aplicar ao arguido:

(…)

«Consequentemente, no caso em apreço, somente estão em causa as condenações sofridas pelo arguido nos processos 436/14……. e 86/16..........

Nesta conformidade, para a determinação da moldura do cúmulo jurídico, o limite máximo da pena de prisão é de onze anos e dois meses (“soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”: 1 A 6 M + 2 A 8 M + 2 A 2 M + 2 A 2 M + 2 A 8 M) sendo o limite mínimo de dois anos e oito meses (“a mais elevada das penas concretamente aplicadas”).

O referido critério para a individualização da pena única determina que sejam considerados “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

É pacífico o entendimento de que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer do Senhor Professor Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[8].

A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo artigo 40º, em matéria de fins das penas.

Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.

Como expressa o Senhor Conselheiro Carmona da Mota[9], a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas.

Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Temos, assim, a proporcionalidade entre o peso relativo de cada pena parcelar no conjunto de todas elas.

No entanto, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.

A imagem global do ilícito é, no caso, marcada fortemente pela motivação do arguido de aproveitar o exercício das suas funções de agente de execução para se apropriar de dinheiro que lhe estava confiado no exercício e para cumprimento dessas funções e de desenvolver essa actividade em termos latos.

As cinco infracções desenvolvem-se num período de cerca de um ano e meio: 17.12.2012 (50.326,37 euros), 15.10.2013 (3.870,76 euros) e 04.07.2014 (15.630,15 euros); além disso, a soma das importâncias com que o arguido se locupletou atinge 69.827,28 euros.

O arguido ainda não efectuou qualquer pagamento por conta da obrigação que lhe foi imposta, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo 436/14.0JACBR, como condição da suspensão da execução da pena de prisão.

Considerando a homogeneidade da actuação, o “efeito expansivo” das penas menos graves não pode ser residual, com a consequente aplicação de uma pena conjunta moderadamente acima da pena parcelar mais grave (um terço da diferença entre a pena parcial mais grave e a soma das demais).

Tendo em conta que a pena parcelar mais grave é de dois anos e oito meses[10] e que a soma das outras quatro penas é de oito anos e seis meses, a pena única do cúmulo jurídico das mesmas, deve fixar-se em cinco anos e seis meses de prisão.


Vejamos:

Nos presentes autos, no processo comum coletivo nº 436/12.0JACBR, do Juízo Central Criminal …….., foi o arguido AA condenado, por acórdão de 11.06.2019, transitado em julgado em 12.06.2020:

- pela prática de dois crimes de falsidade informática na pena de dois anos e dois meses, de prisão, por cada um dos crimes; e

- pela prática de um crime de peculato, na pena de um ano e seis meses, de prisão;

- pela prática de um crime de peculato, na pena de dois anos e oito meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico dessas penas, foi o arguido condenado na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com a “obrigação de efetuar a reposição das quantias de que ilicitamente se apropriou (3.870,76 euros e 15.630,15 euros) ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;

- No processo comum singular nº 86/16......., do Juízo de Competência Genérica ...…, foi o arguido condenado por sentença de 23.11.2017, transitada em julgado em 02.05.18:

Por factos ocorridos em … .12.2017, pela prática de um crime de peculato na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

As penas aplicadas ao arguido reportam-se a crimes que estão em concurso entre si, uma vez que foram cometidos antes do trânsito da decisão condenatória do processo 436/12.0JACBR, a que de entre elas primeiro transitou – 02.05.18 - e nenhum deles foi praticado depois da condenação por qualquer dos outros.

O momento determinante em se fixa a data a partir da qual os crimes estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico é o trânsito em julgado da primeira condenação, conforme AC do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 09/2016.

Pelo que só podem ser cumuladas entre si penas relativas a crimes que estejam em concurso e tenham sido praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.

Para além destas o arguido sofreu a seguinte condenação:

No processo comum singular nº 53/15......, do Juízo de Competência Genérica ......, por sentença de 11.10.2017, transitada em julgado em 10.11.2017, pela prática de um crime de peculato, por factos ocorridos no ano de 2014, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a deveres; em 23.06.2020, aquela pena foi declarada extinta, ao abrigo do disposto no artigo 57º, do Código Penal, por referência ao dia 10.05.2020.

As finalidades da aplicação de penas e medidas de segurança visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nºs 1 e 2, do C.P), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[11], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».

E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).

A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».

Assim, no caso subjudice, para a determinação da pena conjunta importa considerar o seguinte:

- um grau de ilicitude elevado; o modo de execução; a gravidade das consequências- o lapso temporal em que os factos ocorreram - cerca de um ano e meio – de … .12.2012 (50.326,37 euros), … .10.2013 (3.870,76 euros) e … .07.2014 (15.630,15 euros), o montante global das importâncias com que o arguido se locupletou - 69.827,28 euros.

Relativamente à sua conduta anterior e posterior aos factos e as condições pessoais do arguido consta da matéria de facto provada o seguinte:

4 - O arguido AA nasceu a ... de Maio de 1970, em ......, sendo sete anos mais velho que a sua irmã; o pai era empregado ……. e a mãe funcionária ………e residiam em …...

5 - O arguido tinha cerca de cinco anos de idade quando a família fixou residência em ........, …..., passando os pais a trabalhar em ………, ele como empregado .......... e ela como funcionária ...........

6 - O arguido frequentou a escola em ........, ….... e concluiu o 12º ano de escolaridade em ......... e, posteriormente, frequentou o curso ........., no …..., de um ano e meio.

7 - Aos 22 anos de idade, após concluir o Serviço Militar, de dezoito meses, o arguido começou a trabalhar como ………, em ......

8 - Em 2017, o arguido começou a trabalhar na empresa “…….….” em …, ……, ficando alojado num quarto em casa de pessoas amigas em …., ………, passando os fins-de-semana, com a família em ….., ......

9 - Em Março de 2018, o arguido entrou para os quadros da empresa “……...” de distribuição e logística em ….., ……, com a categoria de servente de armazém, auferindo cerca de 900 euros por mês.

10 - A mulher do arguido trabalhava desde o ano 2018, na secção de padaria e charcutaria do supermercado “………” em ……, auferindo 600 euros mensais; está desempregada desde 31 de Outubro de 2020.

11 - O arguido utiliza um “………” do ano 2006, que lhe foi emprestado pelo pai e a mulher tem um “…..….” do ano de 2010.

12 - O casal recebe de abono pelos três filhos 109 euros mensais; os dois filhos mais velhos (15 e 9 anos de idade), têm apoio nos livros escolares e alimentação e o mais novo (4 anos de idade) que frequenta a pré-escola tem apoio nas refeições.

13 - O arguido, a esposa e os filhos vivem em ……, em casa dos sogros do arguido, os quais suportam as despesas fixas mensais, praticam agricultura de subsistência e têm alguns animais domésticos; os dois filhos mais velhos, têm apoio nos livros escolares e alimentação na escola e o mais novo fica a cargo dos avós maternos.

14 - O arguido e a mulher têm penhora sobre os ordenados, por empréstimos que efectuaram, ele de 100 euros por mês esta de cerca de 60 euros mensais; nas despesas em deslocação para os dois gastam cerca de 150 euros por mês; pagam 140 euros de mensalidade pelo carro da mulher.

15 - O arguido é considerado uma pessoa “trabalhadora” e com “boa imagem no meio onde reside”.

16 - O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

17 - O arguido não manifesta arrependimento.

18 - O arguido ainda não efetuou qualquer pagamento em cumprimento da obrigação que lhe foi imposta no processo 436/14.0JACBR como condição da suspensão da execução da pena de prisão.


A culpa do arguido enquanto reflexo da ilicitude, ou seja, como censura por o arguido ter atuado como descrito, é elevada - tendo em atenção a conduta concreta do arguido que ficou descrita na factualidade apurada, não podia desconhecer a gravidade das consequências dos atos por si praticados, considerando que contribuiu com a sua conduta em causar prejuízos a vários lesados no valor global de 69.827,28 euros.

No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), no caso o bem jurídico protegido no crime de falsidade informática o bem jurídico protegido é o da segurança nas transações bancárias. No crime de peculato por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários.

As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo em atenção que são crimes muito comuns na sociedade, gerando desconfiança e insegurança dos cidadãos.

As exigências de prevenção especial, em todo este contexto, assumem uma intensidade muito elevada, atendendo que o arguido apesar de não ter sofrido condenações anteriores, no entanto, posteriormente veio a sofrer condenações por ter cometido crimes iguais aos ora em questão até ser destituído das suas funções de agente de execução. O arguido ainda não efetuou qualquer pagamento por conta da obrigação que lhe foi imposta, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo 436/14.0JACBR, como condição da suspensão da execução da pena de prisão.


Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um limite mínimo de dois anos e oito meses de prisão [correspondente à pena concreta mais elevada] e o limite máximo de onze anos e dois meses de prisão , aplicável ao caso concreto, deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entendemos que se mostra adequada a pena aplicada ao arguido no acórdão recorrido, de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Neste sentido mostra-se prejudicada a apreciação da suspensão da execução da pena, uma vez que a pena aplicada é superior ao limite previsto no artigo 50º, do Código Penal.


***


4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do arguido.

Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


***


Lisboa, 14 de abril de 2021



Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves


________

[1]  Transcrição das conclusões da DGRSP da Equipa Baixo Mondego 1, de 03/11/2020.
[2] Transcrição de excertos das suas alegações
[3] Transcrição de parte do acórdão recorrido
[4] Continuação de transcrição de parte do acórdão recorrido.
[5] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[6] Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt
[7] Proc. 1335/12.5JAPRT.S1, disponível in dgsi.pt
[8] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291.
[9] Citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.09.2010 pelo Senhor Conselheiro Souto de Moura, que temos seguido
[10] Com elevado e devido respeito, não acompanharemos o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, constante da página 58 do acórdão de 11 de Março de 2020, de que, neste caso, a pena mínima para efeitos da moldura do cúmulo jurídico seja de um ano e seis meses; com efeito, seguiremos a interpretação, decorrente do nº 2, do artigo77º, do Código Penal, de que a pena aplicável “tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
[11] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244