RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA ÚNICA
ROUBO AGRAVADO
FURTO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I - Os autos revelam que, entre Maio de 2015 e Setembro de 2017, por diversas vezes, algumas com exibição de faca e com empurrões e agressão, com uma ferramenta, sobre o ofendido, o arguido (e outros) se apoderou de bens e valores de montante pouco superior a € 6.000, que o arguido tem antecedentes por crimes de violência após subtracção e de condução sem habilitação legal, que, com cerca de 29 anos de idade, tem companheira e quatro filhos de menor idade, e dedicava-se à apanha de fruta e à compra e venda de cavalos, e, afiança, tem apoio familiar da companheira e progenitores.
II - A materialidade provada, encarada na sua globalidade, concede concluir que a ilicitude dos factos é elevada, sendo-o também a culpa, lato sensu, que, prolongados e reiterados no tempo, os episódios denotam, por referência à personalidade unitária do arguido, um modo-de-ser e de vida refractário ao direito, que, face à sua gravidade e reiteração, os factos suscitam forte repulsa social. reclamando pena de significado que reafirme inequivocamente os valores penais violados, e que a personalidade do arguido revela grave desajustamento aos valores do direito penal, exigindo pena que, com firmeza, o reaproxime do respeito deles.
III - Tudo ponderado, na moldura abstracta de 4 anos a 24 anos e 4 meses de prisão, a pena de 11 anos de prisão (a tanto se reduzindo a pena de 14 anos de prisão concretizada na instância), situa-se em medida suficientemente distante do limite mínimo para ancorar as necessidades punitivas do caso e em medida suficientemente distante do limite máximo para responder às exigências de ressocialização.

Texto Integral




Processo n.º 59/17.1GASRP.S1

Recurso penal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nos autos de processo comum em referência, em que é arguido AA – filho de BB e de CC, natural ……, …..., nascido a ... de Janeiro de 1992, solteiro, com residência na Rua ……………, …, ……, agora em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional ……. –, precedendo audiência para efeitos de cúmulo jurídico superveniente, nos termos do disposto no artigo 472.º, do Código de Processo Penal (CPP), os Senhores Juízes do Tribunal Judicial da Comarca…. – Juízo Central Cível e Criminal …. – Juiz …, por acórdão de 4 de Novembro de 2020, decidiram nos seguintes (transcritos) termos:

«[…] operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos e nos processos nº. 134/15......, 11/17......, 32/16......, 35/15...... e 520/16...... condena-se AA na pena única de 14 (catorze) anos de prisão e na coima de €500 (quinhentos euros).»

2. O arguido interpôs recurso daquele acórdão.

Formula o pedido nos seguintes (transcritos) termos:

«Deve pena única aplicada ao arguido em cúmulo jurídico superveniente ser reformulada e fixada em montante que […] determinarão, mas nunca em montante superior a 10 (dez) anos de prisão.»

Extrai da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

«l.a Finalidades de prevenção - nunca finalidades absolutas de retribuição e expiação - podem justificar e legitimar a pena, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

2.a Tal interpretação decorre do chamado princípio da referência constitucional ou princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem dos bens jurídicos (Prof. Figueiredo Dias, As Consequências jurídicas do Crime, pp. 72-73).

3.a Esse princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas que a culpa decide na medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas a medida da culpa afirma-se como limite máximo da mesma pena.

4.a Ao depararmo-nos com o disposto no art.° 71.°, n.° 2 do CP, percebemos facilmente que era intenção do legislador que ao determinar-se a pena, deveria o julgador em primeiro lugar escolher os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada.

5.a Dispõe o art.° 40.°, n.° 1 do CP, sobre as finalidades da punição, que são a protecção   dos   bens jurídicos  mas  também,   e   não   num  plano   de subalternidade a protecção e reintegração do arguido na sociedade.

6.a A prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exata da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição do excesso.

7.a Quando estamos perante uma pena excessiva, ainda que tenha sido considerada necessária, que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta.

8.a Neste caso, entende o recorrente que o Tribunal recorrido teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

9.a Sr. Procurador-Geral-Adjunto Dr. Eduardo Maia Costa referiu no seu artigo "res socialização de delinquente: Evolução e Destino" em que defende uma visão liberal e humanista, alicerçada na acentuação das medidas alternativas à prisão e na reinserção social dos delinquentes, no pressuposto, enunciado oficialmente, de que não é a gravidade das penas que constitui o antídoto eficaz ao alastramento do crime.

10.a O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo fixar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor.

11.a O critério especial fornecido pelo art.° 77.°, n.° 1, do CP, significa que este específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global.

12.a O respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta (Ac. STJ de 18-01-2012).

13.a Como se refere no Ac. do STJ de 10-09-2009, Proc. n.° 26/05.8SOLSB-A.S1 - 5.a, - a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito expansivo sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito repulsivo que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas.

14.a Ora, esse efeito repulsivo prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

15.a Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.

16.a Ora, as penas parcelares que integram o cúmulo são todas muito semelhantes, sendo a mais alta de 4 anos e a mais baixa de 7 meses de prisão.

17.a Com exceção do crime de condução sem habilitação legal, as condutas do arguido inscrevem-se dentro do mesmo campo de actuação (crimes contra o património).

18.a Os montantes de que apoderou não foram expressivos.

19.a Não tem registada qualquer outra condenação por factos posteriores.

20.a Consta no relatório social, que o condenado goza de apoio familiar, quer da sua companheira quer da família alargada.

21.a O condenado tem 28 anos de idade, sendo pai de 4 filhos menores, com idades compreendidas entre os 8 anos e os 5 meses de idade.

22.a O instituto do cúmulo jurídico, por oposição ao do cúmulo material, é um instituto cuja aplicação tem, entre outras, finalidades que favorecem o condenado, pois a pena aplicada será sempre menor do que o somatório das penas parcelares.

23.a Acontece que, o recorrente, se não fosse realizado o cúmulo jurídico superveniente, estava a cumprir duas penas sucessivas, uma de 8 anos e 6 meses de prisão a que foi condenado no processo n.° 134/15...... e outra de 6 anos e 6 meses de prisão no processo n.° 59/17….. (onde foi agora realizado o cúmulo superveniente).

24.a A pena aplicada na decisão cumulatória, de 14 anos de prisão quase que se fixa no limite máximo do somatório das penas sucessivas, pondo em causa os princípios que norteiam a opção do cúmulo jurídico em detrimento do cúmulo material.

25.a Entende o condenado que o tribunal recorrido, não poderia deixar de ter em conta esta situação na determinação da pena única aplicada na decisão cumulatória.

26.a A pena única de 14 (catorze) anos de prisão aplicada ao condenado é claramente exagerada e desproporcional à gravidade dos factos, pois trata-se de crimes contra o património, em que estão em causa quantias pequenas. Com o devido respeito, Meritíssimos Juízes Conselheiros, são aplicadas a homicidas e a traficantes penas substancialmente menores.

27.a Como é que uma pena destas pode levar um jovem a acreditar na justiça e motivar-se para a sua reinserção social.

28.a Quando o recorrente no estabelecimento prisional refere perante os outros reclusos a pena em que foi condenado, estes ficam estupefactos e perguntam-lhe logo se matou alguém.

29.a A pena mais grave que integra o concurso é de 4 anos de prisão.

30.a A actividade criminosa do arguido deve ser enquadrada numa média/pequena criminalidade, muito longe da grande criminalidade, violenta e organizada.

31.a Neste caso, entende o recorrente que o Tribunal recorrido teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

32.a Devendo em consequência a pena única aplicada ao recorrente em cúmulo jurídico superveniente ser reformulada e fixada em montante que V. Ex.as, Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente fixarão, mas nunca superior a 10 (dez) anos de prisão.

33.a Houve por parte do tribunal recorrido errada aplicação dos art.°s 40.°, n.°s 1 e2e 71.°, 77.°, todos do CP.»

3. O recurso foi admitido, por despacho de 11 de Dezembro de 2020.

4. O Senhor Procurador da República no Tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo a confirmação do julgado.

5. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça é de parecer, designadamente (transcrição):

«O respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta , como se fundamenta no acórdão do STJ de 18-01-2012, leva-nos igualmente a considerar excessiva a pena única de 14 anos de prisão aplicada – que quase se fixou no limite máximo do somatório das penas sucessivas, como alega o recorrente, não repugnando que a mesma seja fixada em 11 anos de prisão, porquanto se considera que a mesma comporta ainda a medida da culpa global com que o recorrente atuou, nos termos dos arts. 78º nº1 e 77º do CP.»

6. O objecto do recurso, na conformação que lhe vem dada pelo pedido formulado e pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, reporta a saber se os Senhores Juízes do Tribunal recorrido incorreram em erro de julgamento da matéria de Direito na concretização da pena conjunta acima de 10 anos de prisão, por indevida interpretação do disposto nos artigos 40.º n.ºs 1 e 2, 71.º e 77.º, do Código Penal (CP).

II

7. Os factos que importa ponderar, tal como sedimentados na instância, são os seguintes (transcrição):

«A) Nos presentes autos (59/17.1GASRP), AA foi condenado por acórdão de 09 de Julho de 2020, transitado em julgado em 24-09-2020, por factos praticados em 10 de Julho de 2017 e 14 de Setembro de 2017 nas seguintes penas parcelares:

1 (um) ano de prisão pela prática de um crime de ofensas à integridade física;

4 (quatro) meses de prisão pela prática de crime de violação de domicílio;

4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado;

3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de roubo simples.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e (seis) meses de prisão.

Resultou então provado, em síntese, que:

«No dia 10 de Julho de 2017, cerca das 18h15m, o arguido e outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, deslocaram-se à residência dos ofendidos DD e de EE, com 72 e 82 anos de idade, sita no …………, concelho …..

Nesse local, encontravam-se os ofendidos.

Através de um postigo aberto na porta de entrada, os indivíduos lograram abri-la e aceder ao interior da habitação, sem autorização e consentimento dos seus proprietários.

Enquanto o indivíduo de identidade desconhecida permaneceu na cozinha, a vigiar a ofendida EE, o arguido AA dirigiu-se ao ofendido DD e forçou-o a deslocar-se para junto da sua irmã, a ofendida EE, e o indivíduo não identificado.

Durante o percurso até a sala o arguido AA questionou várias vezes o ofendido “Onde está o dinheiro” e, em simultâneo, desferiu-lhe um pontapé no tornozelo e agarrou-lhe a camisola que vestia, rasgando-a.

Nesse local, foi questionado várias vezes do local onde guardava o dinheiro, porém o ofendido ia-lhe respondendo não possuir qualquer dinheiro.

Perante esta recusa do ofendido, dizendo que não tinha dinheiro, o arguido AA pediu ao indivíduo desconhecido, que empunhava um objecto em tudo semelhante a uma arma de fogo curta, para que, caso o ofendido não indicasse onde guardava o dinheiro que lhe desse um tiro na cabeça.

Intimidado por tais palavras e temendo pela sua vida e pela integridade física, sua e da sua irmã, o ofendido DD indicou ao arguido o local onde guardava o dinheiro, o montante de cerca de 240,00€, numa gaveta da cómoda do seu quarto.

Na posse do dinheiro, o arguido e o indivíduo desconhecido deslocaram-se para o exterior da residência e quando a ofendida EE interpelou o arguido, dizendo que ele não poderia levar o dinheiro e que iria chamar a Guarda, o arguido desferiu-lhe um empurrão que provocou a queda da ofendida ao solo, o que lhe provocou dores e hematoma no antebraço direito.

De seguida, os dois indivíduos colocaram-se em fuga daquele local, na posse do dinheiro, fazendo-o deles.

Ao actuarem da forma descrita o arguido AA agiu de forma livre e voluntária, de acordo com um plano previamente traçado e em conjugação de esforços e intentos entre si, com o propósito concretizado de fazerem deles com o uso de um objecto com as características de arma de fogo e através de violência física e do constrangimento dos ofendidos, o dinheiro que era propriedade de DD, não obstante saber que atentavam contra a saúde e integridade física deste.

O arguido AA agiu ainda com o propósito de molestar o corpo e a saúde da ofendida EE.

À data dos factos as vítimas tinham 72 e 82 anos, o que os deixava numa clara situação de vulnerabilidade, nomeadamente perante a introdução na habitação dos ofendidos, sem a sua autorização.

Mais sabia que o dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, intentos que logrou alcançar.

Conhecia ainda o arguido AA as características do objecto empunhado pelo individuo cuja identificação não se logrou apurar, em tudo semelhante a uma arma de fogo curta, que utilizaram para intimidar e constranger DD a entregar o dinheiro que guardava no interior da residência.

O arguido agiu sempre consciente e voluntariamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

(…)

No dia 14 de Setembro de 2017, pelas 18h00m, o arguido AA, acompanhado do individuo cuja identidade não foi possível apurar, acederam ao interior do veículo automóvel de marca …………, matricula ...-AB-..., propriedade do ofendido FF, que se encontrava estacionado no ............. – ..........., ……..., concelho ….., e daí retiraram a chave da ignição, deixada pelo ofendido no interior do veículo.

Quando o ofendido regressou ao seu veículo, apercebeu-se que a chave não se encontrava no sítio que a deixou, e de imediato o arguido e o individuo desconhecido rodearam o veículo aproximando-se cada um de uma das portas.

O arguido, que se encontrava do lado do condutor, puxou o ofendido para o exterior, e de imediato agrediu-o na cabeça com uma ferramenta descrita como sendo uma chave de roquete em ferro, de cabo preto, que fez o ofendido cair ao solo.

Como o ofendido tentou levantar-se o indivíduo desconhecido agrediu-o com um pau nas costas.

Neste circunstancialismo, o arguido instou o ofendido a entregar-lhes todo o dinheiro que tivesse consigo, dizendo-lhe que o matava se não o fizesse, fazendo-se valer da presença intimidatória do indivíduo cuja identidade não possível apurar.

Intimidado pela presença dos dois indivíduos, e após ter sido agredido pelos mesmos, temendo pela sua vida, o ofendido entregou ao arguido todo o dinheiro que trazia consigo, não inferior a 1.000,00 € (mil euros), sendo que o arguido e o individuo desconhecido também se apropriaram da carteira do ofendido, contendo os seus documentos, e o telemóvel deste, de marca Samsung.

O Arguido AA apoderou-se também, nesta situação, dos Documentos do veículo do ofendido. Com a conduta descrita, o arguido agiu com a intenção de intimidar e constranger o ofendido a não resistir, para se apoderar de 1.000,00 euros em dinheiro, a carteira e o telemóvel do ofendido, o que fez, sabendo que o dinheiro e tais objectos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, intentos que logrou alcançar.

O arguido AA agiu ainda com o propósito de molestar o corpo e a saúde do ofendido FF, provocando-lhe ferida na região occipital mediana com 4 cm horizontal equimose na região occipital esquerda com 2cm de diâmetro, duas equimoses modeladas na região escapular direita, uma com 8 por 3 cm e outra com 10 por 4 cm, o que lhe determinou 10 dias de doença, tendo 3 dias com incapacidade para o trabalho.

O arguido agiu com o propósito concretizado de os fazer coisas sua, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuava sem autorização e contra a vontade do seu legítimo proprietário, causando-lhe os inerentes prejuízos patrimoniais.

O arguido AA agiu ainda com o propósito de molestar o corpo e a saúde do ofendido FF, o que conseguiu.

O arguido agiu sempre consciente e voluntariamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.»

B) Nos autos 134/15......, AA foi condenado por sentença de 30 de Abril de 2018, transitada em julgado em 20-05-2019, por factos praticados em 13 de Dezembro de 2015, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva pela prática de crime de roubo agravado. Resultou então provado, em síntese, que

No dia em questão, entre as 14H15 e as 14H45, o arguido e outros dois indivíduos deslocaram-se a um monte isolado, introduziram-se na habitação de um casal sexagenário, empunhando um deles uma faca de cozinha.

Enquanto exigiam dinheiro ao homem, aquele que empunhava a faca avançou na direcção deste que, para se proteger, colocou a mão na barriga, tendo assim ficado com a mão perfurada.

Após o arguido e os outros indivíduos percorreram as divisões da casa, vindo a ser surpreendidos pela mulher, que foi empurrada por um deles, vindo a cair desamparada no chão.

Como resultado da sua actuação, o arguido e os outros indivíduos apoderaram-se da quantia de €1.600,00, de uma espingarda de caça e quatro telemóveis, que fizeram seus.

Agiram deliberada, livre e conscientemente, utilizando a força física, a superioridade numérica e a arma branca como forma de intimidação, impossibilitando as vítimas de resistir, desta forma se apropriando de bens que não lhes pertenciam.

C) Foi condenado por sentença de 10-10-2017, transitada em julgado em 09-11-2017, no âmbito do processo sumário nº. 11/17......, por factos praticados em 28 de Setembro de 2017, nas seguintes penas parcelares:

1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de furto;

2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução sob regime de prova. Por despacho transitado em julgado foi revogada a suspensão.

Resultou então provado, em síntese, que

No dia em questão, o arguido e outro indivíduo, à noite, dirigiram-se a uma propriedade rústica e, perpassando a rede metálica que vedava os animais, lançaram mão a 10 borregos no valor de €1.000,00, que fizeram seus.

Agiram deliberada, livre e conscientemente, mediante acordo e intenção concretizada de fazerem seus animais que sabiam não lhes pertencerem, penetrando em propriedade cujo acesso lhes estava vedado, causando o corresponde prejuízo ao respectivo dono.

D) Foi condenado por sentença de 16-01-2018, transitada em julgado em 26-04-2019, no âmbito do processo comum singular nº. 32/16......, por factos praticados em 01 de Junho de 2016, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período sob regime de prova, pela prática de crime de condução sem habilitação legal.

Mais foi condenado numa coima de €500 (quinhentos euros) e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados, a qual já foi julgada extinta. Resultou então provado, em síntese, que

No dia em questão, o arguido conduzia um veículo automóvel numa Estrada Nacional e, ao avistar um militar da GNR que lhe deu ordem de paragem, não acatou essa ordem, prosseguindo a sua marcha até que, mais à frente, abandonou o veículo e encetou fuga a pé.

O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que não era titular de carta de condução e, por isso, não poderia conduzir tal veículo e, por outro lado, sabia que desobedecia a uma ordem regularmente emanada por um agente de fiscalização do trânsito.

E) Foi condenado por sentença de 31-10-2017, transitada em julgado em 22-05-2019, no âmbito do processo comum singular nº. 35/15......, por factos praticados em 07 de Maio e 20 de Maio de 2015, nas seguintes penas parcelares:

3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado;

3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado;

6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de burla informática.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sob regime de prova.

Resultou então provado, em síntese, que

No dia 07 de Maio de 2015, o arguido deslocou-se a uma propriedade rústica, cortou a vedação que delimita toda a propriedade e do interior da mesma retirou e fez seus vários bens de valor total superior a €2.000,00. Do interior de um veículo que também ali se encontrava retirou a carteira do respectivo proprietário, contendo vários cartões, entre eles um de multibanco com inscrição do respectivo código PIN, e ainda €50, que fez seus.

Na posse do cartão multibanco, o arguido procedeu ao levantamento da quantia de €10 numa caixa ATM, que fez seus. Com o mesmo cartão pagou ainda compras que efectuou num supermercado, no valor de €5,89.

No dia 20 de Maio de 2015, o arguido dirigiu-se à mesma propriedade rústica, efectuou novo corte na vedação e do interior de um veículo que ali se encontrava retirou e fez suas 3 baterias no valor de €120 cada.

Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizadod e fazer seus bens alheios contra a vontade dos donos, sabendo igualmente que lhe estava vedada a utilização do cartão multibanco, acedendo e utilizando sem autorização o respectivo código PIN.

F) Nos autos 520/16......, AA foi condenado por sentença de 08 de Janeiro de 2019, transitada em julgado em 04-12-2019, por factos praticados em 26 de Julho de 2016, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva pela prática de crime de roubo simples. Resultou então provado, em síntese, que

No dia em questão, pelas 14H00, o arguido entrou na residência de GG, sem a autorização desta, tendo para tal forçado a porta de entrada.

Assim que entrou, o arguido disse à ofendida “dou-te um tiro… vai buscar o dinheiro e o multibanco” enquanto remexia nas gavetas dos móveis, de onde retirou e se apoderou da quantia de €2,00.

Apercebendo-se da aproximação de um vizinho, fugiu do local, fazendo seus os €2,00.

Agiu deliberada, livre e conscientemente, utilizando expressões ameaçadoras para assegurar o êxito das suas intenções.

G) Para além das referidas condenações, o condenado tem ainda os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença datada de 06/12/2010, proferida no âmbito do processo sumário n.º 46/10......, da Secção Única do Tribunal Judicial …….., transitada em julgado em 05/01/2011, por factos cometidos em 04/12/2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

- Por sentença datada de 28/02/2012, proferida no âmbito do processo comum n.º 32/10......, da Secção Única do Tribunal Judicial ……….., transitada em julgado em 07/02/2014, por factos cometidos em 07/08/2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

- Por sentença datada de 18/06/2012, proferida no âmbito do processo comum n.º 47/09......, transitada em julgado em 07/02/2014, por factos cometidos em 19/08/2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência depois da subtracção, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, prorrogada por despacho de 01/03/2016 por mais um ano;

- Por sentença datada de 24/10/2013, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.º 671/13......, do ...º Juízo do Tribunal Judicial do ........, transitada em julgado em 24/10/2013, por factos cometidos em 14/08/2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

- Por sentença datada de 28/10/2013, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.º 641/13......, do ...º Juízo do Tribunal Judicial do ........, transitada em julgado em 28/10/2013, por factos cometidos em 02/08/2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, substituída pela prestação de horas de trabalho, por despacho de 13/02/2014.

F) Com respeito às condições de vida do condenado, resulta do relatório social junto nestes autos que:

«O arguido, natural ……,  …..…., é fruto de relação de casal……., de humilde condição socioeconómica e cultural. Membro mais velho de fratria de nove elementos, regista um processo de desenvolvimento integrado no agregado directo juntamente com os irmãos mais novos, residente em habitação clandestina (construção de madeira “abarracada”), situada em meio com características rurais, na localidade ........., concelho …. (…….).

O ambiente familiar é-nos descrito como harmonioso e afectivamente gratificante, isento de dinâmicas disfuncionais, aparentando o arguido ter nele beneficiado de um enquadramento estável e sustentado em laços de inter-ajuda mútua. A situação económica do núcleo familiar era humilde, sendo a subsistência assegurada com recurso à actividade agrícola desenvolvida pelo progenitor, por conta de outrem, na apanha sazonal da azeitona e da fruta, e mais tarde da venda de gado (equídeos).

No domínio escolar, o arguido logrou somente a conclusão do 3º ano de escolaridade, tendo ingressado no sistema de ensino para além da idade regular, aos nove anos, em escola pública. Regista trajectória marcada pela fraca motivação na aquisição de saberes escolares e pelo absentismo escolar, comportamento espelhado em várias reprovações, tendo abandonado a escola, por iniciativa própria, aos catorze/quinze anos.

Após abandono escolar, começou a trabalhar em colaboração com o progenitor na apanha de azeitona e fruta, tendo aos vinte e um anos, iniciado actividade laboral por conta própria (exercida informalmente e de forma não colectada/declarada nas Finanças), no sector agrícola, na compra e venda de equídeos, trabalho que complementarizou ao longo dos anos e de forma intercalada, com os desempenhos sazonais e ocasionais na apanha da azeitona e fruta. A trajectória laboral aparenta ser irregular e instável, marcada por períodos de inactividade, situação referenciada em anteriores relatórios de assessoria aos tribunais. Com efeito, formalmente desempregado no período precedente à prisão, AA mantinha-se há algum tempo inscrito no Centro de Emprego, assegurando há vários anos a sua subsistência, a par dos rendimentos provenientes dos referidos trabalhos, com recurso a apoios sociais, sendo conjuntamente com o agregado constituído, beneficiário de Rendimento Social de Inserção.

No domínio das relações de intimidade/afectivas, o arguido assumiu aos dezanove anos, relação de união de fato com a actual companheira (HH), sendo a companheira à época, era menor de idade. O casal contraiu casamento segundo os rituais da etnia cigana, tendo da relação nascido quatro filhos (com idades compreendidas entre os oito e os cinco meses).

A dinâmica entre o casal aparenta ser afectivamente equilibrada e harmoniosa, isenta de conflitos e comportamentos disfuncionais. O casal residiu os primeiros anos em habitação clandestina, na localidade de origem do arguido, ........., tendo mudado para habitação arrendada a particular no ........, por volta de 2011/2012. Após uma permanência no ........ até 2014, o arguido, a companheira e os filhos regressaram ao concelho ……., onde viveram anteriormente, em casa cedida por familiares, integrando-se na comunidade cigana local, com a qual aparenta ter mantido uma relação gratificante de entre-ajuda e de afectividade.

Há cerca de dois/três anos, AA e a família constituída regressaram ao ........, por motivos que alude o próprio e a companheira relacionarem-se com questões laborais (mais oportunidades de negócio no sector da compra e venda de cavalos, na região) e com as frágeis condições de habitabilidade do agregado, à época. Releva-se a existência de referências a desavenças entre AA e pessoas da sua etnia, durante a sua permanência em …...., e que foram apresentadas pelo próprio, em sede de anteriores avaliações, como explicativas da decisão de mudança do agregado para o .........

Neste contexto, AA e a família mudaram-se para casa de uma prima em segundo grau do arguido (II), tendo passado a co-habitar com a mesma (arrendatária do imóvel), em apartamento de tipologia T2, arrendado a particular, na morada indicada na capa deste relatório, e onde a companheira e os filhos permanecem a viver desde a sua prisão.

Com antecedentes criminais de natureza diversa, o arguido foi julgado e condenado no passado em várias penas não privativas de liberdade, por crimes contra o património (furto e roubo), de violência após subtracção, condução de veículo sem habilitação legal, remontando os contactos com o Sistema da Administração da Justiça, pelo menos ao ano de 2015. Actualmente cumpre no estabelecimento Prisional …….., por decisão transitada em julgado a 18.06.2018, uma pena de prisão de um ano e sete meses, no seguimento de revogação de pena suspensa, pela prática de um crime de furto. (…)

À data da actual prisão, AA encontrava-se há pelo menos dois anos, a residir de forma contínua, juntamente com a companheira e os filhos, junto de uma prima do próprio, em habitação arrendada pela última, no ......... Embora inscrito no Centro de Emprego e formalmente desempregado, refere o exercício de trabalhos ligados ao sector agrícola, na venda e compra de equídeos, fonte de rendimento que era complementarizada com apoio social (RSI) de que o próprio era beneficiário juntamente com o agregado constituído, e através do qual assegurava a sua subsistência económica, descrita pelo arguido e as fontes familiares consultadas, como satisfatória face às necessidades básicas do seu agregado. A companheira mantém o apoio social referenciada, que acrescido do abono para os filhos, se situa actualmente em 500 euros/mês, montante através do qual assegura o pagamento da renda da habitação onde se mantém a residir com os quatro filhos e a prima do arguido.

À data dos fatos constantes nas peças processuais em apreço, o arguido residia acompanhado do agregado constituído, na localidade ........., concelho ...... (Alentejo), dedicando-se no plano laboral juntamente com a companheira, aos trabalhos agrícolas sazonais na apanha da azeitona e de fruta, e à compra e venda de cavalos.

Em termos de perspectivas futuras, não apresenta no domínio laboral um projecto de reintegração estável e estruturado. Verbaliza intenções em se dedicar à compra e venda de automóveis usados, por conta própria, e/ou em parceria com terceiro, sendo que na concretização do negócio por si idealizado, pretende angariar financiamento com recurso à venda de alguns equídeos de que é proprietário e que afirma se encontrarem instalados na quinta de um amigo, no ......... No exterior, o arguido pretende mudar para a residência própria dos progenitores, onde se encontra presentemente a residir a sua companheira e os filhos, em …. O arguido refere manter o suporte familiar por parte da companheira e dos progenitores, tendo a companheira mudado recente para casa dos sogros, em …, em virtude da prima com quem vivia ter recomposto vida conjugal, deixando de existir condições habitacionais que permitissem a permanência da companheira e dos filhos do arguido, na antiga morada de residência. (…)

Em meio contentor, tem manifestado alguns constrangimentos a nível disciplinar, tendo sido afastado do posto laboral onde se encontrava dentro da prisão, tendo trabalhado cerca de um ano na cozinha do EPL, na sequência de lhe ter sido instaurado processo disciplinar por posse de telemóvel. A nível interno, o arguido aparenta ter reduzida capacidade ao nível da resiliência a situações de dificuldades no seu trajecto vivencial, apresentando um discurso onde transparece fraca capacidade em auto avaliar de forma reflexiva e consequencial, os seus comportamentos desajustados, que tem implicado as anteriores condenações, não obstante manifestar verbalmente arrependimento.»

8. Em matéria de escolha e medida da pena conjunta, os Senhores Juízes do Tribunal recorrido ponderaram, designadamente, nos seguintes (transcritos) termos:

«No caso concreto

- Quanto à homogeneidade das condutas ilícitas do condenado, com excepção do crime de condução sem habilitação legal, os demais inscrevem-se dentro do mesmo campo da marginalidade a que o condenado resolveu aderir (crimes contra o património).

- Deles se extrai ainda que o condenado não hesita em usar a violência para atingir o seu propósito de se locupletar à custa do património alheio (vários crimes de roubo, sendo um deles qualificado e outro agravado);

- Foram cometidos durante um período alargado de tempo (2015-2017), revelando assim o condenado reflexão e persistência na actividade criminosa. Ou seja, estamos perante uma personalidade que revela tendência criminosa e não apenas alguém que num determinado contexto, isolado ou delimitado num curto espaço de tempo, cometeu crimes.

- Não foram expressivos os montantes com que se locupletou e a violência utilizada não produziu lesões físicas ou sequelas particularmente gravosas;

- Ao nível da culpa, o condenado agiu sempre com dolo directo e intenso.

- Regista outras condenações por crimes de condução sem habilitação legal e violência depois da subtracção, sem que tenha cumprido penas de prisão efectivas.

- No que tange ao comportamento posterior, não tem registada qualquer outra condenação por factos posteriores.

- Quanto às suas condições pessoais, para além do que mais consta no relatório social, realça-se o facto de o condenado beneficiar de apoio familiar, mas, por outro lado, apresenta «reduzida capacidade ao nível da resiliência a situações de dificuldades no seu trajecto vivencial, apresentando um discurso onde transparece fraca capacidade em auto avaliar de forma reflexiva e consequencial, os seus comportamentos desajustados».

Donde, consideramos que a pena única a aplicar deverá situar-se num patamar mediano por referência aos limites mínimo e máximo atrás referidos.

Considera-se assim adequada a condenação na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, a que acresce a coima de €500 (quinhentos euros).»

Vejamos.

9. O artigo 77.º n.º 1, do CP, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»

10. A determinação da pena conjunta visa sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, e não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (para dizer com o Professor Jorge de Figueiredo Dias, em «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», pp. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

11. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação, tal seja, afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, a que se refere o CP.

12. Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

13. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

14. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

15. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais.

16. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

17. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado.

18. Isto posto e revertendo ao caso, não pode deixar de sublinhar-se a extrema gravidade, a todos os títulos, da conduta do recorrente, a justificar as penas parcelares concretizadas na instância, penas que, mesmo de ofício, não suscitam qualquer reparo.

19. Quanto à pena do cúmulo, afigura-se que, na ponderação conjunta dos factos (avultando a prática de factos consubstanciadores da autoria material de crimes de roubo, agravado e qualificado, entre 2015 e 2017, de montantes pouco expressivos sem adição de lesões e sequelas na integridade física dos ofendidos particularmente gravosas) e da personalidade do arguido recorrente (revelada, designadamente, no relatório social), se mostra concretizada em medida que, na moldura abstracta de 4 anos a 24 anos e 4 meses de prisão, pode ser mitigada.

Vejamos ainda.

20. Os factos (aqui reduzidos ao essencial do iter delitivo) revelam, designadamente, que:

(i) nos dias 7 e 20 de Maio de 2015, o arguido introduziu-se numa propriedade rústica, onde se apoderou de bens no valor de cerca de 2.400 euros;

(ii) no dia 13 de Dezembro de 2015, o arguido (e dois outros indivíduos) num monte isolado e com exibição de faca aos ofendidos, apoderou-se de bens no valor de cerca de 1.600 euros;

(iii) no dia 26 de Julho de 2016, sob ameaça do ofendido, o arguido apoderou-se de 2 euros;

(iv) nos dias 10 de Julho e 14 de Setembro de 2017, o arguido (e outro indivíduo), entraram em casa dos ofendidos (idosos) e, sob ameaças contra a vida, e um empurrão, apoderou-se de 240 euros, e apoderou-se do carro de outro ofendido, apoderando-se de 1.000 euros, agredindo-o na cabeça com uma ferramenta;

(v) no dia 28 de Setembro de 2017, o arguido (e outro indivíduo) introduziu-se numa propriedade rústica, apoderando-se de dez borregos no valor de 1.000 euros.

21. Predominando os crimes de média criminalidade, avultam embora crimes de grande criminalidade, violenta, como o de roubo – cfr. artigo 1.º, do CPP.

22. A apurada conduta do arguido foi exercida sobre diversas vítimas, sob ponderosos graus de ilicitude e de culpa.

23. O arguido tem antecedentes por crimes de violência após subtracção e de condução sem habilitação legal.

27. Com cerca de 29 anos de idade, tem companheira e quatro filhos de menor idade, e dedicava-se à apanha de fruta e à compra e venda de cavalos, e, afiança, tem apoio familiar da companheira e progenitores.

28. A materialidade provada, encarada na sua globalidade, concede pois concluir (i) que a ilicitude dos factos é elevada, sendo-o também a culpa, lato sensu, (ii) que, prolongados e reiterados no tempo, os episódios denotam, por referência à personalidade unitária do arguido, um modo-de-ser e de vida refractário ao direito, (iii) que, face à sua gravidade e reiteração, os factos suscitam forte repulsa social, reclamando pena de significado que reafirme inequivocamente os valores penais violados, (iv) que a personalidade do arguido revela grave desajustamento aos valores do direito penal, exigindo pena que, com firmeza, o reaproxime do respeito deles.

29. Importa ademais sublinhar, como sublinha, com incontornável acuidade, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no parecer que antecede, que

«[…] as duas últimas condenações transitadas em julgado, englobadas no presente cúmulo jurídico- proc. 32/16......, decisão transitada em 26.04.2019, tendo então siso o recorrente condenado condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e proc. 35/15...... , decisão transitada em 22.05.2019, tendo sido então o recorrente condenado na pena única de 4 anos e 3 meses, foi efetuado juízo de prognose favorável de molde a suspenderem-se as respetivas penas de prisão, não averbando o recorrente “qualquer outra condenação por factos posteriores.»

30. Tudo ponderado e atendendo ainda ao lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos, figura-se que, na moldura de 4 anos a 24 anos e 4 meses de prisão, a pena conjunta deve situar-se em 11 anos de prisão, suficientemente distante do limite mínimo para ancorar as faladas necessidades punitivas e suficientemente distante do limite máximo para responder às exigências de ressocialização, a tanto devendo reduzir-se a pena de 14 anos de prisão concretizada na instância.

31. Termos em que o recurso merece provimento.

32. Não cabe tributação – artigo 513 n.º 1, do CPP, a contrario sensu.

33. Em conclusão e síntese:

(i) Os autos revelam que, entre Maio de 2015 e Setembro de 2017, por diversas vezes, algumas com exibição de faca e com empurrões e agressão, com uma ferramenta, sobre o ofendido, o arguido (e outros) se apoderou de bens e valores de montante pouco superior a 6.000 euros, que o arguido tem antecedentes por crimes de violência após subtracção e de condução sem habilitação legal,  que, com cerca de 29 anos de idade, tem companheira e quatro filhos de menor idade, e dedicava-se à apanha de fruta e à compra e venda de cavalos, e, afiança, tem apoio familiar da companheira e progenitores;

(ii) A materialidade provada, encarada na sua globalidade, concede concluir que a ilicitude dos factos é elevada, sendo-o também a culpa, lato sensu, que, prolongados e reiterados no tempo, os episódios denotam, por referência à personalidade unitária do arguido, um modo-de-ser e de vida refractário ao direito, que, face à sua gravidade e reiteração, os factos suscitam forte repulsa social, reclamando pena de significado que reafirme inequivocamente os valores penais violados, e que a personalidade do arguido revela grave desajustamento aos valores do direito penal, exigindo pena que, com firmeza, o reaproxime do respeito deles.

(iii) Tudo ponderado, na moldura abstracta de 4 anos a 24 anos e 4 meses de prisão, a pena de 11 anos de prisão (a tanto se reduzindo a pena de 14 anos de prisão concretizada na instância), situa-se em medida suficientemente distante do limite mínimo para ancorar as necessidades punitivas do caso e em medida suficientemente distante do limite máximo para responder às exigências de ressocialização.

III

34. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

a) julgar o recurso procedente reduzindo-se a 11 (onze) anos de prisão a pena de 14 (catorze) anos de prisão fixada na instância;

b) não caber tributação.

Lisboa, 6 de Maio de 2021

António Clemente Lima (Relator)

Margarida Blasco