RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
DUPLA CONFORME
INADMISSIBILIDADE
Sumário


I - Apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme”.
II - A arguida foi condenada em diversos crimes com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão, pelo que, relativamente a estes, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não é admissível o recurso para este STJ; além disto, e dado que a decisão do Tribunal da Relação de Évora confirma integralmente a decisão de 1.ª instância, não é também admissível, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, o recurso da parte da decisão relativa aos crimes em particular que foram punidos com pena de prisão inferior a 8 anos de prisão.

Texto Integral



Processo n.º 588/15.1T9STR.E1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. Em primeira instância, a arguida AA, identificada nos autos, e julgada em tribunal coletivo, no Tribunal Judicial da Comarca …....... (Juízo Central Criminal …......., Juiz ....), no âmbito do processo n.º 588/15.1T9STR, foi condenada, entre outros, nos seguintes termos:

« a)Absolver AA da prática, em co-autoria, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.ºs 1 e 2, 23.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal; e de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.ºs 1 e 2, 23.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.ºs 1, al. a) e 5, todos do Código Penal; (...)

g) Condenar AA pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.ºs 1 e 2, 23.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; e, em, cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;(...)».

2. Inconformada com a decisão, a arguida, entre outros, interpôs recurso para o Tribunal da Relação …….. que, por acórdão de 20.10.2020, decidiu:

«Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC e, em consequência, manter o acórdão recorrido nos seus precisos termos;»

3. Ainda inconformada, a arguida interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos seguintes termos:

«I - A Recorrente foi condenada, em Primeira Instância (cfr. douto Acórdão, IV- DISPOSITIVO):

- “pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, 23º, nº 1, 175º, nºs 1 e 2, alíneas, d) e e), 177º, nº 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão” – Na pessoa de, DD;

- “pela prática, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 175º, nºs 1 e 2, alíneas, d) e e), 177º, nº 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão” – Na pessoa de, EE;

- “pela prática, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 175º, nºs 1 e 2, alíneas, d) e e), 177º, nº 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão” – Na pessoa de, FF.

- “E, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos prisão”.

E, por outro lado, foi ABSOLVIDA (cfr. douto Acórdão, IV-DISPOSITIVO):

- “da prática, em co-autoria, de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, 23º, nº 1, 175º, nºs 1 e 2, alíneas, d) e e), 177º, nº 5, todos do Código Penal – Na pessoa de, GG;

- “de um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, 23º, nº 1, 175º, nºs 1 e 2, alíneas, d) e e), 177º, nº 5, todos do Código Penal – Na pessoa de, HH;

II - Decisão esta que foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação, ora recorrido;

III - O Acórdão do Tribunal da Relação não conheceu, isto é, não (re)apreciou a matéria de facto, por entender que, dignadamente a ora recorrente não tinha dado cumprimento ao preceituado no art. 412, n°s 3 e 4 do CPP., conforme decorre da fundamentação do douto Acórdão, resumidamente transcrito, supra, na Motivação e aqui se dá por reproduzida;

IV - A arguida, ora recorrente, ao abrigo do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., alicerçou o seu recurso para o Tribunal da Relação, na circunstância de a prova produzida em audiência de julgamento, bem como nas declarações para memória futura, ter sido manifestamente insuficiente para que o Tribunal (de Primeira Instância) pudesse decidir pela sua condenação da aqui recorrente e, consequentemente, para fundamentar a solução de direito adoptada, porquanto, e desde logo, relativamente à matéria dada como provada fundamentou de uma forma geral e inespecifica, referindo alicerçar a sua decisão em toda a matéria carreada para os autos, mas merecendo manifesto lugar de destaque as declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas (menores à data), designadamente, relativamente às quais, a arguida, ora recorrente foi condenada.

V – Salvo o devido respeito, aquele Tribunal (de Primeira Instância), não fez um correcto exame crítico das provas, como estava obrigado ou, mais exactamente, da verificação da ausência das mesmas, deixando-se influenciar por suposições e convicções, que não têm qualquer suporte probatório sólido

VI – Ora, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o Tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, como entende a recorrente, ter sucedido, in casu. E, verifica-se também, in casu. insuficiência em termos quantitativos, porque o Tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.

VII – Assim, mal decidiu o Tribunal ora recorrido, contra lei expressa, pois que a recorrente indicou, isto é, concretizou de forma suficiente, os vicios apontados à decisão da primeira Instância, fornecendo todos os elementos necessários para que o Tribunal da Relação sindicasse aquela (primeira) decisão

VIII – O Tribunal da Relação (recorrido) não se podia eximir à apreciação, ou seja, ao exame da matéria de facto colocada em crise no recurso, designadamente, aproveitando uma questão meramente formal para, de forma contundente, violar os direitos de defesa da arguida. E não podia eximir-se porque a Lei o proíbe, de forma expressa, conforme decorre do disposto no artº 417°, n.° 3 do C.P.P. e, assim, ao “olvidar” tal comando legal, violou todas as garantias de defesa da arguida e, destarte, o n.° 1 do art.° 32° da CRP, na medida em que “evitou”, isto é, “escusou-se” de conhecer da “bondade”, ou melhor, da falta dela, da matéria de facto, cerne do recurso da arguida.

IX – Ao violar o referido comando legal - artº 417°, n.° 3 do C.P.P. que impõe se formule convite para completar as hipotéticas deficiências da motivação, o Tribunal da Relação inviabilizou a pretensão da Recorrente no que ao recurso da matéria de facto diz respeito, designadamente insuficiencia de prova, para sem, quaiquer dúvida poder proferir decisão condenatória no que à arguida diz respeito e, por isso, violou as garantias constitucionais de defesa desta, sendo, ademais, inconstitucional aquela norma do art. 412°, nºs 3 e 4 do C.P.P., quando interpretada, como o foi no douto Acórdão recorrido, no sentido de que a Relação está impedida de reapreciar a matéria de facto colocada em crise no recurso, se o recorrente não cumpriu as especificações constantes daqueles preceitos legais.

X - Destrate, e com o devido respeito por opinião contrária, decidindo-se no douto Acórdão não reapreciar a matéria de facto colocada em crise pela arguida na sua motivação de recurso, por se haver entendido que este não deu cumprimento nas suas conclusões ao disposto no art. 412°, nºs 3 e 4 do C.P.P., sem que previamente se haja convidado a mesma a corrigi-las, encontra-se aquela douta decisão ferida de nulidade, nos termos do disposto no art. 379°, n° 1, al. c) do C.P.P.

XI - Acresce que, no recurso que oportunamente interpôs para o Tribunal da Relação …….., ora recorrida, a arguida sustenta que os factos (provados e não provados), na sua correlação lógica e a necessária intervenção do princípio in dúbio pro reo teriam que conduzir à respectiva absolvição. Sendo que, o direito processual Português è claro quando estatui como um dos seus princípios basilares o Principio do In Dunio Pro Reo e o Principio da Presunção de Inocência, princípios estes com consagração constitucional.

XII - A interpretação dos artigos 127°, 399°, 400° n° 1 e 410° n° 1, todos do C.P.P., no sentido da insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito, da aplicação deficiente ou da não aplicação do princípio do in dúbio pro reo, constitui uma restrição inadmissível das garantias de defesa e, designadamente, da garantia do recurso, motivo pelo qual é inconstitucional, por violar o artigo 32°, n°s 1 e 2 da C.R.P. a interpretação dos referidos artª.s 127°, 399°, 400° n° 1 e 410° n° 1 todos do C.P.P., no sentido de insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito, da aplicação deficiente ou da não aplicação do princípio in dúbio pro reo, sendo certo que o mesmo é igualmente várido para o poder de controlo das violações do grau de convicção necessário para a decisão, das proibições de prova e da presunção da inocência pelo Tribunal de recurso, enquanto matéria de direito.

XIII - Mais, o Tribubal recorrido, ao não reapreciar a matéria de facto colocada em crise pela arguida na sua motivação de recurso, por haver entendido que este não deu cumprimento nas suas conclusões ao disposto no art. 412°, nºs 3 e 4 do C.P.P., sem que previamente se haja convidado a mesma a corrigi-las, proferiu decisão ferida de nulidade, nos termos do disposto no art. 379°, n° 1, al. c) do C.P.P..

XIV - Foram assim violados os arts. 127º, 399°, 400° n° 1 e 410° n° 1; bem assim como os artºs 412°, nºs 3 e 4 e 417°, n.° 3, todos do Código de Processo Penal, e também o artº. 32º, nºs 1 e 2 da Lei Fundamental.»

4. Ao recurso interposto respondeu a Senhora Procuradora-geral Adjunta no Tribunal da Relação de Évora, tendo concluído nos seguintes termos:

«1º — No Tribunal Judicial da Comarca ........., Juízo Central Criminal –Juiz …., no dia 23 de Outubro de 2018, nos Autos de Processo Comum Colectivo foi exarado, publicitado e depositado Acórdão condenando, para além do mais, pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo AA de:

 - um crime de lenocínio de menores agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.ºs 1 e 2, 23.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

 - um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

 - um crime de lenocínio de menores agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 175.º, n.ºs 1 e 2, alíneas, d) e e) 177.º, n.º 5, todos do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

Foi condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

2º — Desta decisão interpõe recurso para este Tribunal da Relação ……..

3º — Douto Acórdão de 20 de Outubro de 2020, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

4º — Deste Acórdão interpôs Recurso, para esse Alto Supremo Tribunal de Justiça, sendo o mesmo admitido.

5º — Analisado o texto da Motivação do Recorrente e respectivas Conclusões, resulta que estas são uma cópia quase perfeita daquele

6º — Entendemos que existe falta de Conclusões, que reclamaria convite a aperfeiçoamento, de acordo com o disposto no artigo 417º nº 4 do Código de Processo Penal.

7º — CONTUDO, uma vez que se mostra entendível de modo claro, quais as questões suscitadas no presente Recurso, afigura-se-nos que não é de convidar o Recorrente a aperfeiçoar as suas Conclusões.

8º — Pretende a Recorrente que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artº. 379° n° 1, al. c) do Código de Processo Penal, ao não determinar o cumprimento do artº 417° n° 3 do mesmo Código, pois «não (re)apreciou a matéria de facto, por entender que, designadamente a ora recorrente não tinha dado cumprimento ao preceituado no art. 412, n°s 3 e 4 do CPP … não fez um correcto exame crítico das provas»

9º — Tem entendido esse Supremo Tribunal, que «a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença; a pronúncia cuja omissão conduz a nulidade é referida ao concreto objecto submetido à cognição do Tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas … » Ac do S. T. J. de 14-05-2009, Proc 09P0096

10º — PORÉM, a douta decisão recorrida, contrariamente ao alegado, e concorde-se ou não com o decidido no acórdão cuja nulidade vem arguida, em termos expressos e bem claros, depois de fundamentar e suportar jurisprudencialmente a posição que veio a ser assumida nesse acórdão,  apreciou a questão da impugnação da matéria de facto, concluindo pelo incumprimento, pela Recorrente, dos ónus do artº 412 n°s 3 e 4 do Código de Processo Penal e as razões porque não determinou o cumprimento do artº 417° n° 3 do mesmo Código.

11º — A Recorrente pediu a alteração da matéria de facto pelo confronto entre a prova que, na sua óptica, se fez e o que se considerou provado, face à insuficiência da prova produzida na primeira instância e o princípio in dubio pro reo, lançando mão da “impugnação ampla da matéria de facto”, a que se refere o artº 412º nº 2 a), b) e c), todos do mesmo Código.

12º — PORÉM, quer na Motivação, quer nas Conclusões de Recurso, não dá cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal

13º — VEM a jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem como a desse Mais Alto Tribunal entendendo que, mesmo em processo penal, não existe nenhum direito geral ao «convite» à correcção de peças processuais substancialmente defeituosas, ainda que se trate de recurso do arguido.

14º — Em recurso de Arguida entendeu-se:

«Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências» Ac TC 14/2004, de 10 de Março de 2004

15º — Na esteira desta jurisprudência, vem esse Supremo Tribunal de Justiça entendendo que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido, designadamente, e a título meramente exemplificativo, nos Acórdãos de:

08-03-2006, Proc. 06P185

04-10-2006, Proc. 812/06-3

04-10-2006, Proc 06P2678

08-03-2007, Proc. 07P325

31-10-2007, Proc 07P3218

23-01-2008, Proc 07P1135

23-01-2008, Proc 07P4570

05-06-2008, Proc 08P1884

03-12-2009, Proc 760/04.OTAEVR.E1.S1, 5ª Secção

19-05-2010, Proc 696/05.7TAVCD.S1

16º — Assim, carece de fundamento a invocada nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artºs 379º nº 1 al.ª c) do CPP, pois que o Tribunal recorrido não omitiu o dever de pronúncia sobre qualquer questão que devesse apreciar.

17º — Pretende a Recorrente que a interpretação dos artºs 127°, 399°, 400° n° 1 e 410° n° 1 todos do mesmo Código, feita pelo Tribunal recorrido é inconstitucional, por violar o artigo 32° n°s 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, «no sentido da insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito»

18º — Ora, o referido artº 127° refere-se a matéria de facto.

19º — Assim, salvo o devido respeito, carece de fundamento, por isso, a invocada inconstitucionalidade, sendo igualmente de improceder a pretensão neste ponto.

20º — Entende a Recorrente que «Foram assim violados os artºs. 127°, 399°, 400° n° 1 e 410° n° 1; bem assim como os artºs 412°, n°s 3 e 4 e 417° nº 3, todos do Código de Processo Penal, e também o art° 32° n°s 1 e 2 da Lei Fundamental».

21º — PORÉM, quer na Motivação, quer nas Conclusões de recurso, não dá cumprimento ao artº 412º nº 2 do Código de Processo Penal

22º — Como decorre da jurisprudência supra indicada, designadamente o Ac. TC 14/2004, de 10 de Março de 2004, não existe, mesmo em processo penal, nenhum direito geral ao «convite» à correcção de peças processuais substancialmente defeituosas, ainda que se trate de recurso do arguido.

23º — Assim, improcede, igualmente neste ponto, a pretensão da Recorrente.

24º — Julgando improcedente o Recurso»

5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta apresentou o seguinte Parecer:

«(...) O acórdão do Tribunal da Relação …….., ora impugnado pela recorrente, confirmou integralmente a decisão condenatória da 1ª instância, quer no que respeita à matéria de facto quer à matéria de direito, nomeadamente quanto à medida das penas parcelares e única.

As penas parcelares são todas elas inferiores a 8 anos de prisão, apenas a pena única é superior – 9 anos de prisão.

Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) e as penas parcelares aí aplicadas, uma vez que não são superiores a 8 anos de prisão.

Em conformidade, as questões suscitadas pela recorrente relativas à apreciação da matéria de facto e a arguição de nulidade estão subtraídas ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça. (...)

Desta forma, no caso dos autos, a decisão do Tribunal da Relação ………, é, apenas, recorrível no que concerne ao segmento relativo à determinação da pena única aplicada, uma vez que é superior a 8 anos de prisão. Quanto às demais questões suscitadas deve o recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos do que dispõem os arts 400, nº 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 414, nºs 2 e 3 e 432, nº 1, al. b), todos do CPP.

6- Como se referiu, a decisão do Tribunal da Relação apenas seria passível de recurso para este Supremo Tribunal no que concerne à determinação da pena única, porque superior a 8 anos de prisão.

No entanto, o recorrente não impugnou essa parte da decisão. (...)

Na motivação do recurso a recorrente não questiona a decisão relativa à determinação da pena única, nem formula qualquer discordância quanto à mesma e as conclusões também não têm qualquer referência a essa temática, pelo que a mesma não integra o objecto do recurso.

Em conformidade com o exposto, emite-se parecer no sentido da rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos do que dispõem os arts 400, nº 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 414, nºs 2 e 3 e 432, nº 1, al. b), todos do CPP.»

6. Notificada a arguida nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não respondeu.

7. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

1. A arguida interpôs o recurso alegando ser nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), porquanto não foi apreciada a matéria de facto que tinha impugnado no recurso interposto para o Tribunal da Relação …….; além disso, também não teria sido sindicado o acórdão recorrido (da 1.ª instância) no que respeita à alegada violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência. Trata-se, pois, de questões apenas relativas aos crimes em particular, mormente, à matéria de facto que foi subsumida aos crimes de lenocínio de menores agravado (sendo um na forma tentada e os restantes na forma consumada). Em parte alguma do recurso se questiona a medida da pena única de 9 anos de prisão.

2. Comecemos por analisar em que medida pode haver recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que condenou a arguida por diversos crimes em penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos de prisão, sem modificação da matéria de facto, e sem alteração da qualificação jurídica, e mantendo a pena única aplicada; ou seja, uma decisão do Tribunal da Relação que manteve inalterada a decisão de 1.ª instância.

Ora, tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão, e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.

Dito de outro modo: apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme”.

Ora, a arguida foi condenada em diversos crimes com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão, pelo que, relativamente a estes, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não é admissível o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Além disto, e dado que a decisão do Tribunal da Relação de Évora confirma integralmente a decisão de 1.ª instância, não é também admissível, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, o recurso da parte da decisão relativa aos crimes em particular que foram punidos com pena de prisão inferior a 8 anos de prisão.

Assim, todas as alegações relativas aos crimes em particular, nomeadamente a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, ou a omissão de pronúncia quanto à alegada violação do princípio do in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência, não podem ser conhecidas por este Supremo Tribunal de Justiça.  E quaisquer nulidades arguidas não poderão também ser conhecidas, pois, não sendo admissível o recurso, as nulidades deveriam ter sido invocadas perante o Tribunal que proferiu a decisão (o Tribunal da Relação) nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP, e no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP [note-se que o recurso foi interposto a 26.11.2020 (tendo procedido o pagamento da multa nos termos do art. 107.º-A, do CPP ex vi art. 139.º, do CPC) tendo o acórdão sido prolatado a 20.10.2020 e notificado ao mandatário da arguida a 21.10.2020].

Nestes termos, fica prejudicada qualquer questão apresentada.

Seria admissível o recurso de tudo o respeitante à pena única. Porém, os poderes de cognição deste Tribunal estão restritos ao pedido formulado aquando da interposição de recurso. Não tendo a arguida formulado qualquer pedido no que diz respeito à pena única aplicada, e porque não se verifica qualquer insuportável inadequação (que imporia uma intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça) da pena aplicada, nada mais há a conhecer.

III

Conclusão

Termos em que acordam, em conferência, as Juízas Conselheiras na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pela arguida AA, por inadmissibilidade legal.

Custas em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de maio de 2021

As Juízas Conselheiras,

Helena Moniz (Relatora)

Margarida Blasco