RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
ATO INÚTIL
Sumário


I - O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra consagração a nível constitucional, tendo as leis processuais vindo a adaptar-se, com vista ao cumprimento integral desse dever de fundamentação, incluindo a matéria de facto.

II - Estruturalmente a decisão da matéria de facto é composta de duas partes, a primeira consiste na resposta aos factos controvertidos e uma segunda parte onde o tribunal explana a sua motivação, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

III - A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais.

IV - Se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1.ª instância, no plano dos factos.

Texto Integral


Processo nº 129/10.7TBVNC.G1.S2

Comarca de Viana do Castelo- Juízo Local de Vila Nova de Cerveira.

***

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1-Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira, intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra AA e BB, sendo que tendo ocorrido o falecimento do Réu AA, foram habilitados, para prosseguir a ação no seu lugar, a mulher – já inicialmente demandada – e os filhos CC, DD e EE.

A autora formulou os seguintes pedidos:

1. Que se declare que os réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.ºs …, … e …, no sítio de ..., localizado na encosta poente do ... da Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

2. Que se declare que tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

3. Que se condenem os réus a reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira sobre tal parcela de terreno baldio.

4. Que se condenem os réus no pagamento à autora da quantia de € 41.872,80 a título de indemnização pelo prejuízo resultante dos abates de árvores supra descritos, efetuados pelos réus e/ou a mando destes, nessa mesma parcela de terreno baldio.

5. Que se condenem os réus a entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.

6. Que se condenem os réus a pagar à autora a indemnização a liquidar ulteriormente quanto aos prejuízos e danos materiais sofridos com a sua descrita conduta e até efetiva desocupação e entrega, danos que, por se encontrarem em curso, são neste momento indetermináveis.

7. Que se condenem os réus a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia a fixar por este Tribunal por cada dia de atraso na entrega da referida parcela de terreno baldio, após o trânsito em julgado da decisão final.

- Alegam, em síntese, que o sítio denominado ..., localizado na encosta poente/sul do ..., integra baldio da Freguesia de Vila Nova de Cerveira e que a Assembleia de Compartes da Freguesia de Vila Nova de Cerveira delegou na Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira os poderes para administrar os baldios existentes na respetiva Freguesia, mais alegando que o Réu  procedeu, por duas vezes, ao abate de uma mata de eucaliptos naquele sítio de ..., em pleno baldio, para vender as árvores a um madeireiro.

2-Devidamente citados, vieram os Réus contestar, por exceção, invocando a ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da Autora para estar em juízo e falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária da mesma.

- Alegam ainda os Réus que o baldio referido na petição inicial não existe porque não foi objeto de inventário da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira ao abrigo dos artigos 391.º e 392.º do Código Administrativo de 1940, porque nenhum baldio da Freguesia de Vila Nova de Cerveira foi integrado no perímetro florestal parcial das Serras de Vieira e Monte Crasto, não obstante o Decreto do Governo n.º 12, de Maio de 1944 referir que foram submetidos a tal regime os terrenos baldios, porque não se procedeu à demarcação do alegado baldio, não obstante a base III da Lei n.º 1.971 de 15 de Junho de 1938 estabelecer que cabia aos corpos administrativos proceder a essa demarcação, porque o terreno em causa, desde o final do século XIX, nunca foi usado pela comunidade local para satisfação de necessidades coletivas, encontrando-se desde tempos imemoriais na propriedade privada, porque inexistiu expropriação da parte do alegado baldio utilizada pelo Município para construir uma estrada, tendo o Réu adquirido o direito de propriedade sobre o terreno por contrato de compra e venda, celebrado em 6.4.1987 por escritura pública, aquisição que inscreveu no registo predial, o que faz presumir a existência do direito, porque o vendedor, por seu turno havia comprado o mesmo terreno, tendo o prédio em causa sido dado de hipoteca à Junta de Colonização Interna na década de 50/60, em 1971 à Caixa de Credito Agrícola Mútuo de Vila Nova de Cerveira e em 2000 ao BPN, porque a Câmara de Vila Nova de Cerveira considerou viável a construção de moradias no terreno em causa, desconhecendo o Réu ao adquirir o prédio que lesava direitos alheios ou que a transmissão pudesse estar viciada, sendo-lhe inoponível quaisquer vícios que afetem as transmissões anteriores (artigo 291.º do Código Civil), tendo ainda o Réu adquirido o terreno por usucapião.

No que respeita à aquisição por usucapião, defende o Réu que, uma vez que a aquisição por usucapião ocorreu antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/76, é a mesma legalmente admissível. Quanto à indemnização, impugnam o alegado e afirmam que os ganhos obtidos não foram em proveito comum do casal, já que o falecido AA e a Ré BB estavam casados no regime da separação de bens, sendo que, efetivamente, não houve reversão em benefício do casal. Invocam ainda a prescrição do direito à indemnização, sendo que os atrasos verificados na citação dos Réus para a presente ação são imputáveis á Autora. Acrescentam que as árvores cortadas não foram identificadas.

3-Replicando, a Autora pugnou pelo indeferimento das exceções invocadas pelos Réus.

4-Foi proferido despacho saneador que julgou não verificadas as exceções de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade ativa e de falta de personalidade e capacidade judiciária, e, despacho de seleção da matéria de facto assente e Base Instrutória, ao abrigo dos artº 510º e 511º do CPC, na versão anterior á introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

5-Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a ação, nos seguintes termos: 

Em face do exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

A. Declarar que:

a. Os réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.ºs …, … e …, no sítio de ..., localizado na encosta poente do ... da Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

b. Tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

B. Condenar os réus:

c. A reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira sobre tal parcela de terreno baldio.

d. No pagamento à autora da quantia de € 13.572,30.

e. A entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.

C. Absolver os réus dos restantes pedidos formulados pela autora”.

6-Inconformados vieram os Réus recorrer, interpondo recurso de apelação que foi julgado e, persistindo inconformados os réus recorreram para este STJ sendo concedida a revista e anulado o acórdão da Relação determinando-se que o Tribunal da Relação de Guimarães apreciasse, ”nos moldes sobreditos, o recurso de apelação na parte referente à impugnação do despacho saneador”.

7- Repetindo o julgamento, o Tribunal da Relação produziu o acórdão ora recorrido, no qual decidiu: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto confirmando-se a sentença recorrida”. 

8-Inconformados, uma vez mais, com o decidido pela Relação, interpõem os réus recurso de Revista para este STJ, formulando as seguintes conclusões:

1º. Nas alegações de recurso submetidas à apreciação do Tribunal a quo no âmbito o recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, os Recorrentes suscitaram, entre o mais:

- Que a ação dos autos deveria ter sido, com todas as legais consequências, qualificada como ação de reivindicação – Conclusões 16ª a 25ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que os Recorrentes podem obstar à entrega do terreno dos autos demonstrada que está que têm sobre ele um título que justifica a sua posse – o que está assente através do reconhecimento da sua aquisição e registo (Cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados) e, consequentemente, a legitimidade de ter o prédio em seu poder e gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição – Conclusão 27ª das Alegações de recurso de fls. …;

- E que, como tal, a reivindicação da Recorrida, para ter êxito, carecia da alegação e demonstração da invalidade do título aquisitivo do terreno a favor do Sr. AA e dos seus anteriores possuidores e proprietários, pois apenas do confronto entre os dois direitos invocados em juízo o juiz pode determinar a sorte da ação de reivindicação, sendo que a Recorrida não pediu a declaração de nulidade da compra e venda efetuada a favor do SrAA, pelo que sem esta declaração judicial o ato aquisitivo continua a produzir os seus efeitos, nomeadamente a posse titulada exercida ao seu abrigo (cfr., Ac. Rel. Coimbra de 12.12.2006, CJ, ano 31, t.5, pg. 35) – Conclusão 28ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que, a Recorrida, apresentando-se nas vestes de (suposta) administradora do baldio com base numa delegação de poderes de administração, pratica atos de gestão de bens alheios (a propriedade do baldio é comunal, pertencendo aos compartes da freguesia de Vila Nova de Cerveira) e que, como tal, ao propor a presente ação na invocada qualidade de administradora do baldio, a Recorrida apenas poderia peticionar a entrega do prédio em discussão nos autos aos compartes da freguesia já que o património comunitário é distinto do património autárquico, pelo que a restituição do baldio teria que ser requerida “a favor da respetiva comunidade” (Art.º 4, n.º 3, da Lei n.º 68/93) – Conclusões 38ª e 39ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que ao peticionar expressis et apertis verbis que “se condenem os RR a entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos”, a Recorrida formulou um pedido manifestamente ilegal, por requerer a entrega para si de coisa que não lhe pertence – pelo que a ação, tal como foi articulada e tem de ser apreciada, não poderia proceder – Conclusão 40ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que é a própria Lei dos Baldios (art. 4º, nº 1, da Lei nº 68/93) ao cominar com a sanção de nulidade os atos de apossamento e apropriação de baldios ou parcelas de baldios, a estender-lhes o regime desse vício do negócio jurídico, nomeadamente o do art. 291.º do Cód. Civil que protege todo e qualquer terceiro que adquire de quem não tenha legitimidade para alienar, sendo claramente a tutela dos interesses do terceiro de boa-fé (em sentido ético) que está em causa – Conclusões 46ª e 47ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que o terreno a que corresponde o artigo matricial nº 392, inscrito em 1989 a favor da Recorrida, em propriedade plena, confronta a norte com Estrada Camarária, a Sul com FF, nascente a Estrada Camarária e a poente com Estrada Camarária; que daquelas confrontações do art. … resulta que o Sr. FF era, em 1989, proprietário de terrenos situados a sul do baldio pelo que (i) ou o terreno do Sr. FF que se situa a sul do art. 392 é o terreno imediatamente situado a norte do terreno dos autos e daí segue-se que o baldio se situa a norte do mesmo não compreendendo, assim, ao terreno dos autos (ii) ou o terreno do Sr. FF que se situa a sul do art. 392 está localizado numa outra zona qualquer e daí segue-se que aquele baldio também ele está localizado numa zona que não abarca o terreno dos autos; mais a mais quando está adquirido nos autos que o terreno em causa nos presentes autos confronta a Sul com terrenos do Eng. GG, a chamada ..., pelo que se o art. 392 integrasse o terreno dos autos, o mesmo teria forçosamente de confrontar a sul com aquela ...; e como o terreno adquirido pelo Sr. AA foi comprado precisamente ao Sr. FF (e este terreno é o terreno do Sr. FF situado mais a sul) o qual confronta a sul com terrenos da família …. é forçoso concluir que aquele artigo matricial nº 392 se situa a norte do terreno aqui em causa – Conclusões 50ª, 51ª, 52ª e 53ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto não foram produzidas quaisquer considerações sobre a prova por inspeção ao local requerida pelos Recorrentes e realizada em 17 de Junho de 2016, como não foi feita nenhuma apreciação crítica dos depoimentos prestados, designadamente, pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e LL, não tendo sido identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos foram considerados pelo Tribunal a quo para, por referência a cada facto, os dar como provados ou não provados, o que implicava a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação ou, pelo menos, por insuficiência ou obscuridade da mesma – cfr., arts. 607º, nº 4, e 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil – Conclusão 57ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que foram omitidas as razões de ciência no que diz respeito ao escrutínio e a valoração da prova por inspeção ao local, dos documentos juntos e a menção à credibilidade da maior parte das testemunhas, à consistência e coerência do seu depoimento (ou falta delas), bem como as razões justificativas da opção feita no conjunto da prova testemunhal em face dos demais elementos probatórios, mormente a prova por inspecção ao local e a documentação existente nos autos pelo que deveria, nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 662.º do Cód Proc. Civil, ordenar-se a baixa do processo para que o Tribunal a quo fundamentasse a decisão proferida, tendo em conta a prova produzida aqui se incluindo os depoimentos gravados, a prova documental e a prova por inspeção ao local – Conclusão 58ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que no momento em que as testemunhas MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, prestaram os respetivos depoimentos nos presentes autos, na qualidade de testemunhas, eram, na sua versão dos acontecimentos, atentas as causas de pedir invocados, os pedidos formulados e o local onde residiam (Vila Nova de Cerveira), compartes do baldio e, como tal, devem ser considerados como partes - art. 1º, nº 3, da Lei dos Baldios e art. 496º do Cód. Proc. Civil;

- Que a consideração dos depoimentos das testemunhas MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV para a prova os factos dados como provados, designadamente os que constam dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33, inquina a decisão proferida sobre a matéria de facto por utilização de uma prova indevida por violação do disposto no art. 496º do Cód. Proc. Civil (uma vez que na data em que prestaram os respetivos depoimentos eram, segundo eles próprios, compartes do terreno aqui em questão que se diz ser baldio e, como tal, devem ser considerados como partes) o que convoca a sua nulidade (cfr., art. 452º, nº 2 e nº 3, 453º, nº 3, 454º, nº 1 e 195º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) - Conclusões 60ª, 61ª e 62ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que, à luz do disposto no art. 417º, nº 1, nº 2 do Cód. Proc. Civil, e no art. 344º, nº 2 do Cód. Civil, deveria ser valorado contra as pretensões trazidas a juízo pela Recorrida, designadamente para afastar a tese da celebração de assembleias de compartes e a qualificação do terreno dos autos como baldio, a falta de junção aos autos, quer pela Recorrida, quer pelo Conselho diretivo do Baldio, do contrato de delegação de poderes dos compartes à Recorrida referente ao suposto baldio em causa nos presentes autos, da procuração emitida a favor da Recorrida pelo Conselho Diretivo do suposto baldio aqui em causa, das contas anuais, desde 1900, apresentadas aos compartes referentes ao suposto baldio em causa nos presentes autos, a identificação dos benefícios colhidos anualmente com a sua exploração e a sua distribuição pelos compartes e do caderno de recenseamento de compartes efetuado em 1999, ou anteriormente, com a identificação (nome e morada) discriminada de cada um dos compartes e bem assim as atualizações anuais ao mesmo, como tinha sido determinado pelo Tribunal – cfr., Conclusão 66ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que resultava da factualidade adquirida nos autos, da documentação junta, dos depoimentos prestados pelas diferentes testemunhas que o terreno dos autos tem vindo a ser, desde pelo menos finais de 1960 a ser utilizado e fruído por, designadamente o Sr. FF e pelo Sr AA, como se de coisa deles se tratasse, pelo que, sempre e em qualquer caso, não podia ser havido como baldio desde, pelo menos, essa altura: “a principal característica dos terrenos baldios é a insusceptibilidade de serem individualmente apropriados, pelo que não pode ser qualificado como baldio um terreno que, ao longo do tempo, tem sido individualmente apropriado, não sendo exclusiva a utilização que dele tem vindo a ser feita pela população da comunidade local” – Ac. STJ de 13.1.05, Proc. nº 04B3830 – cfr., Conclusão 82ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que em relação às testemunhas MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT e VV, havia que ter em consideração na ponderação e valoração dos respetivos depoimentos que, pelo menos no momento em que prestaram os respetivos depoimentos nos presentes autos, eram, putativamente, compartes do terreno que se pretende baldio – cfr., Conclusão 84ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que a Recorrida não alegou nem provou a factualidade que integra os pressupostos do enriquecimento sem causa previsto no art. 473º do Cód. Civil, máxime o enriquecimento do Sr. AA, estando o Tribunal impedido de suprir a alegação dos factos constitutivos do direito da Recorrida – cfr., Conclusões 90ª e 91ª das Alegações de recurso de fls. …;

2º. Sucede que, no douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões acima sumariadas, como lhe cumpria, o que configura nulidade por omissão de pronúncia e convoca a anulação do Acórdão recorrido – cfr., art. 608º, nº 2, e al. d), do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil;

3º. No âmbito do recurso de apelação interposto junto do Tribunal a quo, os recorrentes suscitaram a questão de dever ser alterada a seleção da matéria de facto submetida a julgamento tendo, para o efeito, identificado a factualidade que consideravam relevante por referência a 142 artigos da contestação onde a mesma se encontrava alegada, agrupando e identificando as diferentes questões fácticas que tinha por essenciais ser levadas a julgamento em 14 blocos ou núcleos fácticos com indicação expressa à materialidade em causa, e sustentando, a pari, as razões pelas quais, no seu entendimento, a factualidade em causa deveria ser quesitada;

4º. Em face do teor da decisão proferida sobre esta concreta questão, na qual o Tribunal a quo considerou que a matéria cuja quesitação era pretendida, correspondia a matéria de direito, conclusiva ou irrelevante à decisão, impõe-se concluir que a mesma é nula, seja por ser absolutamente conclusiva e genérica e padecer de falta de fundamentação pois nada é dito quanto às razões pelas quais o Tribunal a quo assim concluiu, impedindo os recorrentes de sindicar as razões fáctico-jurídicas subjacentes à decisão proferida, o que convoca a sua nulidade, impondo-se a anulação do Acórdão recorrido – cfr., art. 607º, nº 3, 615º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

5º. Falta de fundamentação que ainda se alcança pela utilização da conjunção ou como elemento de ligação entre matéria de direito, conclusiva ou irrelevante, pois não tendo sido identificado pelo Tribunal a quo por referência a cada artigo ou a cada bloco ou núcleo de factos, quais os que considerava corresponderem a matéria de direito, aqueles que tinha por conclusivos ou aqueloutros que classificou como irrelevantes para a decisão, os recorrentes ficaram objetivamente impedidos de saber:

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituíam matéria de direito (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu),

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituíam matéria conclusiva (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu) e, finalmente,

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituía matéria irrelevante para a sorte da ação (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu);

6º. Salientando-se que pelo facto de o Tribunal ter concluído que existia matéria irrelevante para a sorte da ação (ficando, no entanto, sem se saber porque é que era irrelevante), daí segue-se necessariamente que o Tribunal a quo considerou que, nalguma medida (que se desconhece), foi alegada factualidade suscetível de, em tese, ser quesitada e de sobre a mesma ser produzida prova;

7º. Por outro lado, quando entendida aquela “fundamentação”, de bloco e em conjunto, como referente à totalidade dos artigos da contestação (e da matéria deles constante) invocados pelos Recorrentes como devendo integrar a seleção da matéria de facto a submeter a julgamento, temos que a mesma é contraditória entre si, pois aquela matéria não pode ser ao mesmo tempo, matéria de direito, matéria conclusiva e matéria irrelevante;

8º. À luz do que antecede, a decisão proferida sobre a invocada insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa e a necessidade de aí ser incluída a matéria que identificou no corpo das alegações de recurso de apelação e na conclusão 54º das mesmas, padece de falta de fundamentação, ou, no limite, fundamentação contraditória, o que tudo convoca a nulidade do Acórdão recorrido – cfr., art. 154º, nº 1, 607º, nº 3, 615º, nº 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil, art. 20º, nº 4 e 205º da CRP, art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do art. 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem;

9º. Quando se entenda que a decisão acima referida não padece de falta de fundamentação nem de fundamentação contraditória, o que apenas se admite a benefício de raciocínio, há que ter presente a seleção da matéria de facto feita pelo Tribunal não tem valor de caso julgado formal, podendo a mesma ser sempre alterada até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio – cfr., Assento do STJ de 26.5.94 (BMJ, 437, 35)

10º. Em face do que o Tribunal da Relação, no julgamento de facto que lhe cumpre fazer e no uso dos poderes-deveres que, para tanto, lhe são conferidos, “não está confinado ao perímetro factual definido no questionário elaborado pela 1ª instância” e não tendo sido quesitados factos essenciais alegados pelas partes há que ordenar que os autos baixem às instâncias a fim de aí ser ordenada a inclusão no questionário dos factos pertinentes – cfr., Ac. STJ de 9.3.2004, Proc. nº 03B1764, Ac. STJ de 20.6.2000 (Sumários, 42º 15),

11º. Constituindo matéria de direito saber se a Relação, ao negar a alteração da matéria de facto, deixou indevidamente de considerar qualquer facto, o que constitui violação dos princípios que disciplinam a seleção da factualidade a submeter a julgamento e os poderes-deveres que lhe estão conferidos pela lei de processo – cfr., Ac. STJ de 30.3.2000, Sumários, 39º 39 Ac. STJ de 14.3.2000 (Sumários 39º 14);

12º. Assim sendo, à luz dos princípios reitores da selecção dos factos levados à matéria assente e à base instrutória, o Tribunal a quo devia ter ordenado à 1ª. instância a inclusão na base instrutória da factualidade alegada pelas Recorrentes:

- Em 64, 65 e 66 da contestação, por constituir matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que não foi feita qualquer delegação de poderes a favor da Recorrida para administrar quaisquer baldios, nem lhe foram conferidos poderes representativos da comunidade local representada pelos compartes;

- Em 86, 87, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 100, 103, 104, 106, 110, 111, 140, 141, 143 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que o grupo de pessoas auto intitulado de compartes não pode ser tido como tal, nem as reuniões havidas podem ser tidas como assembleias de compartes;

- Em 163, 166, 167, 168, 170 e 172 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta a existência de vícios que inquinam as reuniões a que se reportam e retiram qualquer valor probatório aos documentos que, supostamente, as retratam;

- Em 220 e 221 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que nunca a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira ou qualquer outra entidade autárquica da zona (pelo menos até à voragem recente demonstrada pela Recorrida) realizou o inventário determinado no art. 391º do Cód. Administrativo de 1940 nem, como tal, o terreno em causa nos presentes autos foi incluído naquele inventário – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 229 a 233 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que nenhuma entidade administrativa procedeu ao inquérito previsto na Base IV da Lei nº 1.971, de 15.6.38 nem, nos termos da Base III da mesma Lei, procedeu à demarcação do terreno dos autos como baldio ou à instauração de uma acção judicial para esse efeito – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 234 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que o terreno em causa não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira a favor dos compartes, da Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira, da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, da Direção Geral dos Serviços Florestais ou de qualquer outra entidade pública – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 235 a 243 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta a demonstração de que não só o terreno aqui em causa não era baldio, como todos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira e das demais freguesias do concelho sempre o consideraram como propriedade privada – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 255, 256, 258, 259, 260 e 264 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que as partes, e nomeadamente as supostas entidades administradoras do baldio e bem assim os supostos compartes do mesmo, nunca se comportaram como tal – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 267, 269, 270, 271, 273, 275, 276 e 277 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que a própria Recorrida não considera o terreno em causa nos presentes autos como terreno baldio, demonstra a existência de terrenos de propriedade privada na área em questão para lá de deixar a nú a confusão em que a Recorrida milita e a sua falta de razão – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 278 a 282 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta à saciedade que nunca ninguém questionou a propriedade e a posse do terreno pelos Recorrentes e pelos seus anteriores proprietários, nem nunca ninguém o considerou como terreno baldio – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 285 a 288, 290 a 292 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta à saciedade que não só nunca ninguém questionou a propriedade e a posse do terreno pelos Recorrentes como também que os Recorrentes e os seus anteriores proprietários sempre se comportaram como legítimos proprietários e possuidores do terreno em causa – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 293, 294 (no caso de se entender que o atual quesito 15º não se reporta a este artigo), 295 a 351 e 353 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta a demonstração que o terreno dos autos, desde tempos imemoriais, sempre foi tido como propriedade privada e que, como tal, à vista de todos, foi utilizado. Entre o mais, daqueles factos resulta que sobre o terreno aqui em causa o foram sendo realizados sucessivos negócios de transmissão, o foram celebradas diferentes escrituras e registos que o tinham como objeto, o foi liquidada e paga sisa sobre as sucessivas transmissões do terreno ocorridas ao longo dos tempos, o foram promovidas anexações, divisões e desanexações de diferentes terrenos situados na área (que o incluía) do terreno dos autos, o foi o mesmo dado em hipoteca a diferentes entidades como garantia de empréstimos concedidos aos respetivos proprietários, hipotecas essas que foram levadas a registo na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira, o foi feita uma avaliação do terreno pela Repartição de Finanças de V.N. Cerveira, o foi admitida pela Câmara Municipal a possibilidade de se construir no terreno.

- Em 355 a 359 e 362 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que os Recorrentes e os anteriores proprietários do terreno sempre exerceram, à vista de todos e sem a oposição de quem quer que fosse, desde há mais de cem anos, a posse sobre o terreno – o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio;

- Em 372, 373, 374, 375, 376, 378, 384 e 388 da contestação, porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, mormente para a apreciação (e naufrágio) do pedido indemnizatório formulado, pois servem para, designadamente, afastar o benefício comum do casal, e assim da 2ª Ré, no corte das árvores como também a prescrição do pedido indemnizatório;

13º. Em consequência, tendo em conta que os factos acima invocados respeitam a questões fulcrais para a boa sorte da ação, constituem matéria de facto suscetível de sobre a mesma ser produzida prova, deverão os autos baixar à Relação para que esta, por sua vez, determine à 1ª instância a ampliação da matéria de facto nos termos acima identificados, submetendo-se a mesma a julgamento, mais se ordenando a anulação do julgamento de facto já realizado – cfr., art. 662º, nº 2, al. c) e 674º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil;

14º. No âmbito das alegações de recurso dirigidas ao Tribunal da Relação, os Recorrentes suscitaram a nulidade da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto por violação do disposto nos arts. 607º, nº 4 e 615º, nº 1 al. b) do Cód. Proc. Civil, porquanto aí não foi feita uma análise crítica de toda a prova nem foram especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, e por referência a cada um dos factos dados como provados e não provados não foram específica e concretamente identificados os meios de prova que foram tidos em consideração e que contribuíram para a decisão proferida (art. 607º, nº 4, do Cód. Proc. Civil) – cfr., Ac. Rel. Porto de 21.9.04, Proc. nº 0453624;

15º. E, designadamente, que na fundamentação da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto não foram produzidas quaisquer considerações sobre a prova por inspecção ao local requerida pelos Recorrentes e realizada em 17 de Junho de 2016, não foi feita nenhuma apreciação crítica dos depoimentos prestados, designadamente, pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e LL, não foram identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos que foram considerados pelo Tribunal a quo para, por referência a cada facto, os dar como provados ou não provados, o que implicava a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação ou, pelo menos, por insuficiência ou obscuridade da mesma – cfr., arts. 607º, nº 4, e 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil;

16º. A decisão proferida pela Relação sobre a imputada falta de fundamentação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto e da necessidade de ser dado cumprimento ao disposto na al. d), do nº 2 do art. 662º do Cód. Proc. Civil, é nula por falta de fundamentação, o que impõe a anulação do Acórdão recorrido – cfr., art. 154º, nº 1, 607º, nº 3, e 4 e 615º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

17º. A decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a questão aqui em equação é meramente conclusiva, limitando-se a Relação a proferir um juízo conclusivo quanto ao cumprimento do dever de apreciar criticamente todos os meios de prova, sem o concretizar minimamente, nada dizendo, sobre o modo como essa apreciação e análise crítica da prova foi feita de modo a rebater os vícios elencados pelos Recorrentes, limitando-se a concluir que foram apreciados todos os meios de prova produzidos (quando, entre o mais, é cristalino que a 1ª instância não se pronunciou sobre a prova pericial, inspeção ao local que é de suma importância na sorte da ação – vd., demonstração supra);

18º. A desconsideração da prova por inspeção realizada nos autos, sem que sobre ela tenha sido efetuada qualquer apreciação crítica – o que, de igual modo, sucedeu em relação aos depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL -, consubstancia, além do mais, uma violação do direito à prova dos Recorrentes e o direito a um processo equitativo consagrado no art. 20º, nº 4, da CRP – cfr., Ac. TC de 11.11.08;

19º. Sendo certo que se mostra existir omissão de pronúncia quanto à questão suscitada de estar a 1ª instância constituída no dever de especificar, por referência a cada facto dado como provado, os concretos meios probatórios que conduziram a essa prova, o que, de igual modo, convoca a nulidade da decisão proferida – cfr., art. 607º, nº 4 e 615º, nº 1, al. d), do Cód. Proc. Civil;

20º. No limite, o Acórdão recorrido viola a lei de processo e incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Tribunal de 1ª instância apreciou todos os meios de prova produzidos nos autos e que procedeu a uma análise crítica das provas realizadas, pois, como vimos e resulta plenamente evidenciado na sentença de 1ª instância, designadamente no que se refere à prova por inspeção ao local, tal não sucedeu;

21º. Sempre e em qualquer caso, podendo o STJ censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe estão carregados nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Civil, deverá a decisão em causa ser revogada, e verificada a falta de fundamentação da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto, ordenar-se a baixa do processo à Relação para que dê cumprimento ao disposto no art. 662º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 674º, nº 1, al, b) e c) do Cód. Proc. Civil;

22º. No momento em que as testemunhas MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, prestaram os respetivos depoimentos nos presentes autos, na qualidade de testemunhas, eram, na sua versão dos acontecimentos, atentas as causas de pedir invocados, os pedidos formulados e o local onde residiam (Vila Nova de Cerveira), compartes do baldio e, como tal, devem ser considerados como partes, sendo, por isso, inábeis para depor como testemunhas - art. 1º, nº 3, da Lei dos Baldios e art. 496º do Cód. Proc. Civil;

23º. No âmbito das alegações de recurso de apelação os Recorrentes suscitaram que tendo os respetivos depoimentos testemunhais sido considerados para a prova dos factos dados como provados, designadamente os que constam dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33, ficava inquinada a decisão proferida sobre a matéria de facto por utilização de uma prova indevida por violação do disposto no art. 496º do Cód. Proc. Civil, o que convocava a sua nulidade – cfr., art. 452º, nº 2 e nº 3, 453º, nº 3, 454º, nº 1 e 195º, nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil;

24º. O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento e violou a lei do processo ao considerar, por um lado, que a inquirição daquelas pessoas como testemunhas sem ter sido de imediato arguida a nulidade ocorrida se considera sanada e, por outro lado, que nenhum impedimento legal existia a proibir a valoração daqueles depoimentos como prova testemunhal para prova dos factos supra indicados, tratando-se, aliás, de questão nova que não tinha sido anteriormente suscitada nos autos e submetida à apreciação do Tribunal de 1ª instância;

25º. Devendo, ao invés, pelas razões expostas, e uma vez que a eventual sanação da nulidade decorrente da sua inquirição como partes não preclude o dever de o Tribunal não considerar os respetivos depoimentos testemunhais na decisão da matéria de facto (nova nulidade que não se confunde com aquela outra e com a qual os Recorrentes apenas foram confrontados com a notificação da sentença de fls. ...), ou de, pelo menos, o valorar de acordo com essa qualidade (são compartes do baldio e muito interessados na procedência da causa), o Acórdão ser revogado determinando-se a nulidade da decisão proferida sobre a matéria de facto (designadamente no que concerne aos factos constantes dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33 da factualidade dada como provada na sentença de 1ª instância) – cfr., art. 674º, nº 1, al. b) e nº 3, do Cód. Proc. Civil;

26º. Em sede de alegações do recurso de apelação os Recorrentes suscitaram a questão de que não tendo existido qualquer acordo das partes no sentido de se considerar as reuniões referidas nos pontos 1 e 2 dos factos provados como assembleias de compartes nem existindo qualquer documentação nos autos que o permitisse sustentar, deveriam aquelas expressões ser retiradas dos pontos 1. e 2. dos factos provados;

27º. Mais requereu que à luz das regras do ónus da prova previstas no art. 342º, nº 1 do Cód. Civil, e do disposto no art. 417º, nº 1, nº 2 do Cód. Proc. Civil, e no art. 344º, nº 2 do Cód. Civil, deveria ser dado como não provado que as reuniões a que se reportam os pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos dados como provados fossem assembleias ou reuniões de compartes e, como tal, retirado da matéria de facto dada como provado o ponto 37 – vd., art. 342º, nº 3, do Cód. Civil;

28º. O Tribunal a quo ao concluir, como concluiu, que as reuniões em causa eram  apenas nas respetivas atas denominadas de compartes e que nenhuma outra factualidade ou conclusão se poderia retirar dos factos em causa (os pontos de facto nº 1, 2 e 37 da sentença de 1ª instância), - ou seja, que não se poderia retirar daqueles concretos pontos de factos que as reuniões a que eles se referem eram reuniões ou assembleias de compartes - teria, forçosamente que ter retirado todas as consequências desse seu entendimento e, alterar, em conformidade aqueles concretos pontos da matéria de facto, expurgando-os das referências a que eram reuniões de compartes ou dando-lhes uma redação restritiva de modo a deles constar expressamente que aquelas reuniões apenas eram denominadas reuniões ou assembleias de compartes nas respetivas atas;

29º. A decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido de julgar improcedente a questão suscitada pelos Recorrentes e de manter aqueles artigos impugnados com a redação vinda da 1ª instância, é nula nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, pois os fundamentos explanados pela Tribunal a quo estão em oposição com a decisão proferida; no limite, é aquela decisão, face à argumentação avançada, ininteligível, o que, de igual, convoca a sua nulidade, o que, tudo, deverá conduzir à anulação do Acórdão recorrido – cfr., art. 674º, nº 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil;

30º. Por outro lado, é ainda manifestamente contraditório o Tribunal a quo ter concluído que não ficou demonstrado nos autos que as assembleias denominadas de compartes elencadas na factualidade dada como provada eram, de facto, assembleias de compartes – vd., o acima exposto – e, do mesmo passo, indeferir a exceção de ilegitimidade, falta de personalidade e capacidade judiciária da Recorrida suscitada pelos Recorrentes, considerando que a Recorrida intervém nos autos ao abrigo dos poderes delegados para o efeito pela Assembleia de Compartes do baldio para todos os atos administrativos e judiciais, o que, de igual modo, convoca a nulidade do Acórdão recorrido (vd., pg. 49 do Acórdão recorrido) - art. 615º, nº 1, al. c) e 674º, nº 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil;

31º. A alteração que o legislador promoveu na redação dos normativos atinentes à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação – vd., designadamente a redação do anterior art. 712º e do atual art. 662º do Cód. Proc. Civil - aponta, decisivamente, no sentido de dever existir, efetivamente, um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, devendo a Relação assumir-se como um verdadeiro tribunal de instância, podendo-devendo, mesmo oficiosamente, entre o mais, ordenar renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova e anular a decisão proferida na 1.ª instância – cfr., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., pg., 274, Ac. Rel. Porto de 29.09.03, Proc. nº 354108, Ac. STJ de 13.4.11, Proc. nº 1724/04.9TBBCL.G1.S1;

32º. O Tribunal da Relação é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação, desde logo com base numa valoração autónoma (e sem qualquer restrição) dos meios de prova constantes dos autos, os quais deve analisar e ponderar criticamente, ouvindo, designadamente, a prova gravada, e formando a sua própria convicção que deve ser devidamente fundamentada - Ac. STJ de 10.1.12, Proc. n.º 1452/04.5TVPRT.P1.S1; no mesmo sentido, vd., Ac. STJ de 3.11.09, Proc. 3931/03.2TVPRT.S1, Ac. STJ de 24.9.13, Proc. nº 1965/04, Ac. STJ de 7.6.05, Proc. n.º 3811/05, da 1ª Secção;

33º. A valoração crítica dos diferentes meios de prova produzidos no processo e uma apreciação autónoma e conjugada dos mesmos, de modo a estabelecer (e a justificar) a sua própria convicção sobre cada um deles e sobre cada um dos factos em equação nos autos, constituem tarefas imprescindíveis que a Relação está adstrita a realizar para, desse modo, levar a cabo o julgamento da matéria de facto que lhe está, por força da lei, confiado – cfr., Ac. STJ de 24.9.13, Proc. nº 1965/04;

34º. Sendo que o julgamento da matéria de facto a fazer pela Relação tem a mesma amplitude que o julgamento de 1ª instância, podendo o Supremo censurar o não uso pela Relação do poder de ordenar a renovação da prova - Ac. STJ de 5.1.16, Proc. nº 36/09.6TBLMG.C1.S1, Ac. STJ de 28.5.09, Proc. nº 4303/05.0TBTVD.S1, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pg. 228; Miguel Teixeira de Sousa, CDP 44, pg. 33, 34;

35º. No que respeita à prova testemunhal há que interpretar o depoimento das testemunhas fixando o que por elas foi dito, para, num segundo momento, proceder à sua valoração; no âmbito da valoração dos depoimentos prestados em julgamento é essencial circunstanciar devidamente quem são e que posição ocupavam relativamente aos interesses litigados cada uma das pessoas que prestaram depoimento, avaliando-se o seu interesse na sorte da ação, enquadrando-se o respetivo depoimento com o comportamento adotado por cada uma ao longo dos tempos, para, de seguida, avaliar, ponderadamente, o que disseram e o que não disseram - Ac. STJ de 15.6.89, BMJ 388, 422 e Ac. STJ de 13.10.89, Ac. Rel. Coimbra de 16.4.96, BMJ 456, 513, Luis Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, pg. 282, Helena Cabrita, A Sentença Cível, pg. 197, Perfecto Andrés Ibánez, Sobre a forma racional da convicção judicial, julgar, 13, 2001, pg., 169, Fernando Pereira Rodrigues, Os meios de prova em processo civil, pg. 177, Alberto dos Reis, CPC Anot., vol. IV, pg. 361;

36º. Sendo que neste processo de valoração do depoimento prestado e na livre apreciação da prova a efetuar pelo Julgador, há ainda que apreciar devidamente se os depoimentos prestados pelas diferentes testemunhas se mostram, de algum modo, coordenados e concertados entre si, ou se existem razões mais ou menos objetivas que possam contribuir para a sua uniformização, mormente o modo como foram inquiridas, devendo, finalmente os mesmos ser compaginados com a demais prova constante dos autos – cfr., Helena Cabrita, A Sentença Cível, pg. 199;

37º. Os Recorrentes identificaram nas alegações de recurso de apelação, os concretos pontos de facto que, no seu entender, mereceriam resposta distinta daquela dada pelo Tribunal de 1ª instância (os pontos 1, 2, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 34, 36, e 37 dos factos elencados como provados naquela sentença e a factualidade descrita em C. dos factos alegados como não provados e a factualidade constante de 220, 223 a 243, 255, 256, 258 a 260, 264, 278, 279, 280, 281, 285 a 288, 290 a 351, 353, 355 a 359 da contestação), bem como concretizaram os elementos de prova que consideravam conduzir àquela alteração (depoimentos das testemunhas e a demais prova documental e pericial (inspeção ao local));

38º. Tendo ainda indicado o sentido em que os factos em causa deveriam ser atendidos nos autos (provados e não provados) e reclamado a inclusão nos factos provados de outra factualidade que especificaram, aqui se incluindo os factos constantes dos inúmeros documentos juntos pelos Recorrentes aos autos, designadamente dos documentos juntos e protestados juntar com a contestação, bem como aqueles juntos por terceiros a requerimento dos mesmos Recorrentes, concretamente os conhecimentos de sisa, certidões da Conservatória do Registo Predial, documentos juntos pelos Serviços de Finanças, documentos emitidos pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, maxime o parecer favorável para a edificação de seis moradias no terreno sub judice;

39º. Devendo ainda ser, para o mesmo efeito, levado em devida conta que a falta de junção aos autos, quer pela Recorrida, quer pelo Conselho diretivo do Baldio, do contrato de delegação de poderes dos compartes à Recorrida referente ao suposto baldio em causa nos presentes autos, da procuração emitida a favor da Recorrida pelo Conselho Diretivo do suposto baldio aqui em causa, das contas anuais, desde 1900, apresentadas aos compartes referentes ao suposto baldio em causa nos presentes autos, a identificação dos benefícios colhidos anualmente com a sua exploração e a sua distribuição pelos compartes e do caderno de recenseamento de compartes efetuado em 1999, ou anteriormente, com a identificação (nome e morada) discriminada de cada um dos compartes e bem assim as atualizações anuais ao mesmo, como tinha sido determinado pelo Tribunal, deveria ser à luz do disposto no art. 417º, nº 1, nº 2 e 430º do Cód. Proc. Civil, e no art. 344º, nº 2 do Cód. Civil, valorado contra as pretensões trazidas a juízo pela Recorrida, designadamente para afastar a tese da celebração de assembleias de compartes e a qualificação do terreno dos autos como baldio;

40º. À luz da decisão proferida sobre a impugnação da matéria de facto constante do douto Acórdão recorrido é manifesto que o Tribunal a quo não procedeu a qualquer apreciação crítica dos diferentes meios de prova existentes nos autos, mormente da prova por inspeção e daqueles indicados pelos Recorrentes como suporte da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, limitando-se a identificar, genericamente e de modo absolutamente conclusivo, as testemunhas que, na sua ótica, confirmaram os factos anteriormente dados como provados pela 1ª instância (“Dizer que a convicção do tribunal resultou da prova testemunhal, da prova documental, etc., ‘tout court’, afigura-se-nos que equivale a não dizer coisa alguma”, Gonçalves Salvador, Motivação, BMJ 121, pg. 87);

41º. Em relação à prova testemunhal, fica sem se perceber, porque nada é dito a propósito, qual a valoração efetuada pelo Tribunal a quo por referência aos depoimentos prestados por cada uma das pessoas inquiridas nos autos, ao modo como depuseram, a segurança com que o fizeram, o que disseram, as questões sobre as quais depuseram, o conhecimento que revelaram ter sobre cada uma das questões sobre as quais prestaram depoimento, o conhecimento que revelaram ter sobre os factos para cuja prova contribuíram e em que medida e porque é que o que disseram foi tido por relevante para a decisão proferida sobre cada um dos pontos da matéria de facto, as razões de ciência, a consistência e a coerência dos depoimentos prestados por cada uma das testemunhas e da sua confrontação com a demais prova documental e pericial produzida nos autos, a sua ligação à causa e aos interesses nela envolvidos, a respetiva credibilidade, a prévia preparação e concertação de depoimentos, os depoimentos por elas prestados no âmbito da ação que correu termos na Secção Única, do Tribunal de Vila Nova de Cerveira sob o nº 233/09.4TBVNC, o comportamento por elas adotado ao longo dos tempos e, em especial, o facto de nunca, mas nunca, (nem eles, nem ninguém) terem reagido ou atuado contra quem deles se apropriou à vista de todos;

42º. As questões acima enunciadas, essenciais numa análise e valoração crítica dos depoimentos prestados, não foram objeto de qualquer ponderação por parte do Tribunal da Relação – não obstante, inclusive, estar alertado para elas por força das alegações de recurso de apelação -, o que, mais uma vez, reforça a conclusão de que o Tribunal a quo não cumpriu os deveres de análise da prova produzida que sobre ele impendiam;

43º. Nenhuma referência, mínima que seja, é feita no Acórdão aos depoimentos das testemunhas XX, UU, ZZ KK AAA BBB CCC DDD EEE FFF GGG HHH RR, ficando os Recorrentes sem saber as razões pelas quais o Tribunal a quo não os considerou, não obstante terem sido por si indicados como relevantes para ser promovida a alteração à matéria de facto, o que, para lá de consubstanciar a violação do dever de apreciar criticamente os meios de prova invocados pelos Recorrentes, configura, além do mais, uma nulidade por omissão de pronúncia ou, no limite, por falta de fundamentação – cfr., art. 615º, nº 1, al. a) e d) do Cód. Proc. Civil;

44º. Do mesmo passo, o mero juízo conclusivo constante do douto Acórdão recorrido de que a prova documental e pericial constante dos autos, expressamente invocadas pelos Recorrentes, eram inconclusivas para a pretendia alteração da matéria de facto e que delas não resultava refutada ou duvidosa a prova da factualidade impugnada, a par da inexistência de qualquer outra referência ou alusão às mesmas, é a demonstração cabal de que o Tribunal a quo não cumpriu, como era mister, o dever que sobre ele impedia de levar a cabo a reapreciação da matéria de facto, sendo certo que aqueles meios de prova são em abstrato virtualmente relevantes para a fixação da matéria em discussão nos autos (desde logo, revelam atos de aquisição e utilização do terreno enquanto propriedade privada, mostram a sua localização, morfologia e aptidão);

45º. Não tendo o Tribunal a quo feito uma efetiva, aturada e completa reponderação da prova, não tendo expressado, como devia, a sua própria convicção, através da análise de todos os depoimentos e demais elementos de prova constantes dos autos, seguida da ponderação do valor probatório de cada um para concluir, fundadamente, pela existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto, não deu o adequado cumprimento ao disposto no art. 662º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 666º, nº 1, 615º, nº 1 al. b) e d), 608º, nº 2, 607º, 4 e 5, 195º, nº 1 do Cód. Proc. Civil; Ac. STJ de 28.5.09, Proc. nº 4303/05.0TBTVD.S1;

46º. Cabendo ao STJ apurar se a Relação usou os poderes-deveres que lhe estão carregados de modificação da matéria de facto de acordo com o que está prescrito na Lei, verificado esse incumprimento deve promover a anulação do Acórdão proferido e ordenar a sua baixa à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, o que se impõe nos presentes autos e, desde já, se requer – cfr., art. 674º, nº 1, al., b) e c) do Cód. Proc. Civil;

47º. A reforçar a violação daqueles poderes-deveres, refira-se que o Tribunal a quo não procedeu à audição dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, o que, por um lado, se alcança do facto de nada ser afirmado a esse propósito no douto Acórdão recorrido e, por outro lado, do facto de o Tribunal a quo, para confirmar a factualidade descrita nos factos provados 20 a 29, ter considerado o depoimento de uma testemunha (do Sr. TT) que está comprovadamente inaudível (vd., fls. …), o que, só por si evidencia que não foi levada a cabo a audição da prova gravada pois, se o Tribunal a quo o tivesse feito, ter-se-ia apercebido da inaudibilidade daquele depoimento pelo que, não só não o iria referir como um dos depoimentos de suporte à decisão que proferiu, como estaria constituído no dever de ordenar a sua repetição – cfr., art. 662º, nº 2, al. c), do Cód. Proc. Civil;

48º. Violando o direito dos Recorrentes ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o Tribunal a quo cometeu, assim, uma nulidade, com inegável relevância na sorte da causa, que impõe a anulação do Acórdão proferido – cfr., art. 195º, nº 1, 640º, nº 1 e 2, 662º, nº 1, 2 e 3, do Cód. Proc. Civil;

49º. O que, sempre e em qualquer caso, consubstancia uma omissão de pronúncia e convoca a nulidade do Acórdão recorrido (Ac. STJ de 8.6.11, Proc. nº. 350/98.4TAOLH.S1: “Sempre que o Tribunal da Relação não se pronuncia sobre a concreta impugnação de um facto suscitada pelo recorrente ocorre uma omissão de pronúncia quanto a este aspecto”) – cfr., arts. 608º, nº 2, e 615º, nº 1, al. d), do Cód. Proc. Civil;

50º. Não obstante os vícios acima assinalados, que convocam a conclusão segura de que a Relação não exerceu a tarefa e os poderes-deveres que lhe estavam confiados, há ainda que salientar que, conforme se alcança do douto Acórdão recorrido, a Relação para julgar improcedente a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes e para dar como provada a factualidade considerada adquirida pela 1ª instância (e elencada a fls. … nas pgs. 57 e 58 do Acórdão recorrido), serviu-se, como prova testemunhal, dos depoimentos de MM, NN, III, OO, JJJ, KKK, QQ, SS, PP, TT e VV, os quais, à luz da lei, eram, como acima se deixou exposto, compartes do baldio, e, como tal, devem ser considerados como partes e inábeis para depor como testemunhas;

51º. Circunstância que, além do mais, deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo, seja para não considerar os respetivos depoimentos no âmbito da apreciação dos meios de prova, por se tratar de depoimentos de pessoas inábeis para depor como testemunhas, seja para os valorar em consonância de acordo com o interesse próprio que tinham na sorte da acção na qualidade de compartes do baldio, o que se impunha que fosse levado em consideração, o que não tendo sucedido, revela mais uma vez que a Relação não procedeu, como lhe cumpria, a uma efetiva reponderação dos meios de prova e da matéria de facto;

52º. Em suma, ao julgar a impugnação da matéria de facto, o Tribunal recorrido não procedeu à análise crítica dos diversos meios de prova (testemunhal, documental e inspeção), de maneira a formar e formular a sua própria convicção, limitando-se a aderir, sem qualquer juízo autónomo valorativo, à convicção probatória da 1ª instância, violando, assim, as regras processuais sobre a matéria;

53º. Sem prejuízo do que antecede, acresce que, à luz do que se deixou exposto, a Relação socorreu-se de meios de prova ilícitos (os depoimentos testemunhais dos compartes) para considerar provados os factos constantes dos factos provados, designadamente os que constam dos pontos 20 a 29, sendo que a indevida utilização de um meio de prova, traduzida na prática de um ato não permitido por lei, com inequívoca relevância na sorte da ação – conduziu à prova de factos essenciais - consubstancia a prática de uma nulidade que convoca a nulidade da decisão proferida – cfr., art. 452º, nº 2 e nº 3, 453º, nº 3, 454º, nº 1, 496º, e 195º, nº 1, art. 674º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Proc. Civil.do Cód. Proc. Civil;

54º. Os Recorrentes requereram que fosse dado como provado que:

- O Sr. FF plantou eucaliptos no terreno dos autos;

- O Sr. FF desde 1970 e até vender o terreno ao Sr. AA procedeu a diversos cortes de eucaliptos no terreno;

- O Sr. FF procedeu à abertura de caminhos no terreno dos autos;

- O Sr. FF aceitou que a Câmara no início de 1980 abrisse a estrada que encima o terreno dos autos foi aberta;

- O Sr. FF colocou uma cancela no caminho sul do terreno dos autos;

- O Sr. II solicitou à Câmara de Vila Nova de Cerveira um pedido de viabilidade para a construção de uma moradia no terreno dos autos o que foi deferido;

- O Sr. FF colocou marcos e marcações no terreno dos autos;

- Em meados de 1970 um incêndio queimou os eucaliptos existentes no terreno dos autos os quais foram depois vendidos pelo Sr. FF;

- O Sr. AA solicitou à Câmara de Vila Nova de Cerveira um pedido de viabilidade para a construção de seis moradias no terreno dos autos e que o mesmo foi deferido;

- A D. LLL constituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor da Junta de Colonização;

- O Sr. FF constituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor Caixa Geral de Depósitos;

- O Sr. AA constituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor do BPN;

55º. A matéria em causa inscreve-se claramente no âmbito dos quesitos 4º, 7º, 8º, 9º, 13º, 13ºF e 14º da Base Instrutória e sempre e em qualquer caso pode ser havida como instrumental dos factos em discussão nos presentes autos e constantes daquela mesma base instrutória e, por isso, pode e deve ser atendida pelo Tribunal – cfr., art. 5º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, Ac. STJ de 10.9.15, Proc. nº 819/11.7TBPRD.P1.S1, Ac. Rel. Porto de 16.6.08, Proc. 2522/08-5;

56º. Factualidade que, sendo relevante para a sorte da ação, e para lá de decorrer da prova feita através dos depoimentos prestados em julgamento, está ainda plasmada em documentação junta aos autos que não foi impugnada pelas partes e da inspeção realizada ao local; como tal, deveria ter sido dada como provada;

57º. O mesmo se diga em relação à factualidade constante dos documentos juntos pelos Recorrentes aos autos, bem como aqueles juntos por terceiros a requerimento dos mesmos Recorrentes, concretamente os conhecimentos de sisa, certidões da Conservatória do Registo Predial, documentos juntos pelos Serviços de Finanças, documentos emitidos pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, maxime o parecer favorável para a edificação de seis moradias no terreno sub judice;

58º. Para lá de estarem devidamente especificados aqueles documentos, não menos certo é que os mesmos constam dos autos, não foram impugnados e têm força obrigatória plena quanto aos factos deles constantes – cfr., arts. 362º, 363º, 368º, 370º, nº 1, 371º, nº 1, 372º, nº 1, 383º, nº 1, 387º, do Cód. Civil e arts. 444º, 445º, 446º do Cód. Proc. Civil;

59º. Consequentemente, ao não dar como assentes factos que estão provados documentalmente, bem como ao recusar-se à apreciação da relevância de factos alegados com o fundamento de que não estão incluídos na base instrutória -, o Tribunal recorrido violou os poderes-deveres que lhe estão conferidos pela lei de processo relativamente à impugnação da matéria de facto – cfr., art. 662º, nºs 1 e 2, 666º, nº 1, 615º, nº 1 al. b) e d), 608º, nº 2, 607º, 4 e 5, 195º, nº 1 do Cód. Proc. Civil; vd., Ac. STJ de 9.3.2004, Proc. nº. 03B1764, Ac. STJ de 14.3.2000 (Sumários 39º 14);

60º. Nos presentes autos, do que se trata, em boa verdade, é de apurar da maior ou menor plausibilidade da hipótese trazida a juízo pelas partes: e analisando-a à luz de toda a materialidade constante dos autos e das ocorrências verificadas ao longo de dezenas de anos há que concluir que a tese do baldio não resiste a uma análise serena ponderada e equilibrada de tudo quanto consta dos autos, a par dos juízos de inferências que, in casu, se impõe fazer, à luz das máximas da experiência comum e de critérios lógicos e razoáveis do discernimento humano, a partir da factualidade constante dos autos;

61º. Cabendo ao STJ apurar se a Relação usou os poderes-deveres que lhe estãocarregados de modificação da matéria de facto de acordo com o que está prescrito na Lei, verificado esse incumprimento deve promover a anulação do Acórdão proferido e ordenar a sua baixa à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada - cfr., art. 674º, nº 1, al., b) e c) do Cód. Proc. Civil;

62º. A figura do abuso de direito constitui uma cláusula geral ou indeterminada, enfim, uma válvula de segurança, caldeada na ideia do “justo” como desígnio e ascese do Direito – que ilumina e percorre todo o sistema jurídico, está consagrada jure condito, no art. 334º do Cód. Civil – cfr., Ac. Rel. Porto de 19.12.96, CJ, ano 21, t.5-226, Manuel de Andrade, RLJ 87, 307, Vaz Serra, BMJ 85, 250;

63º. À luz deste normativo, existirá abuso de direito quando o mesmo é exercitado em termos clamorosamente ofensivos da matriz substancial do direito, ainda que ajustados ao seu conteúdo formal, tendo o legislador consagrado a conceção objetiva do abuso de direito, pelo que não se torna necessário que tenha havido a consciência de se excederem os limites impostos pela boa-fé, os bons costumes e o fim social e económico;

64º. À luz da factualidade constante dos autos e da inércia da Recorrida (e dos supostos compartes) ao longo de mais de mais (muito mais) de 40 anos é contrário à boa-fé a invocação de que o terreno é baldio e bem assim o pedido formulado para a sua restituição pelos Recorrentes;

65º. Durante mais de 40 anos, nada fizeram para identificar e publicitar o terreno dos autos como baldio, nunca o reclamaram como tal, nem nunca impediram os diferentes atos de apossamento do mesmo que ocorriam à vista de todos, nunca procederam ao registo em seu nome daquele terreno como baldio na competente Conservatória do Registo Predial, nunca o inscreveram na matriz como tal, nunca deram conhecimento da situação do terreno dos autos à Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira, à Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, ao Conservador do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira, nem ao Notário e demais funcionários do Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira (de modo a impedir ou, no mínimo, a dificultar transmissões do mesmo).

66º. Em face da conduta mantida até à interposição da presente ação pela Recorrida (e pelos supostos compartes), deve a Recorrida (e os supostos compartes) ver paralisado o seu (suposto) direito, penalizando-se a sua inércia;

67º. Abuso de direito tão mais flagrante quando é certo que o seu comportamento omissivo contribuiu para que o Sr. AA o tivesse adquirido pois, designadamente, confiou, como qualquer pessoa colocada na sua posição confiaria, que o terreno era propriedade da pessoa que lho vendeu e em nome de quem o mesmo estava registado na competente Conservatória do Registo Predial;

68º. O facto de a A. pretender prevalecer-se de uma situação a que aderiu sem reserva ou reparo e para a qual contribuiu, legitimando a convicção, face à boa-fé e aos bons costumes, de que tal direito não existia (nem, menos ainda, seria exercido), integra um verdadeiro abuso de direito, que o nosso ordenamento prevê e reprime no art. 334º do Cód. Civil;

69º. O que, tudo, deve conduzir à neutralização do seu direito (se direito houvera...que não há) e à improcedência da presente ação, o que se invoca, sem prescindir e apenas a benefício de raciocínio;

70º. Os Recorrentes suscitaram no âmbito das suas alegações de recurso de apelação a existência de um défice alegatório e probatório relacionado com o instituto do enriquecimento sem causa com base no qual tinham sido condenados a pagar à Recorrida a quantia de € 13.572,30 e de que estava o Tribunal impedido de suprir a alegação dos factos constitutivos desse enriquecimento sem causa – vd., conclusão 90ª e 91ª;

71º. Em face desse invocado vazio alegatório e probatório – questão nova colocada à Relação pela primeira vez, porquanto os Recorrentes apenas foram confrontados com a qualificação e a condenação dos Recorrentes com base no enriquecimento sem causa na sentença de 1ª instância - impõe-se concluir que a condenação dos Recorrentes no pagamento à Recorrida daquela quantia constitui um manifesto erro de julgamento;

72º. Não existindo nos autos um único facto provado (ou sequer qualquer meio de prova) do qual resulte que as árvores em causa foram plantadas pela Recorrida, que a mesma teve um prejuízo de € 13.572,30 e que os Recorrentes obtiveram um enriquecimento de igual montante, o que, aliás, nunca, sequer, foi alegado pela Recorrida;

73º. Sempre e em todo o caso, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, para que o Tribunal a quo pudesse concluir ter existido enriquecimento do Sr. AA com o abate daquelas árvores e qual a medida desse enriquecimento, cumpria-lhe considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, ordenando a anulação da decisão proferida e a baixa dos autos à 1ª instância para ser produzida prova sobre a matéria em causa;

74º. Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou aquele dispositivo legal, cabendo ao Tribunal ad quem sindicar a utilização pela Relação dos poderes-deveres que lhe estavam carregados por força daquela art. 662º, nº 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, podendo ainda dar cumprimento ao disposto no art. 682º, nº 3, do Cód. Proc. Civil – cfr., art. 195º, nº 1, 615º, nº 1, al., d), 674º, nº 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil;

75º. O valor das árvores abatidas foi determinado com base na Portaria nº 1136/08, de 9.10, Portaria essa que é inidónea para o efeito uma vez que a mesma não estava em vigor à data dos factos (entrou em vigor no dia 10.10.08 e o corte de árvores ocorreu no dia 4.6.08) e o seu âmbito de aplicação se circunscreve à comercialização de diversos produtos inseridos em regime florestal, o que não era o caso do terreno dos autos;

76º. A responsabilidade dos Recorrentes sempre está limitada às forças do bem imóvel em causa nos presentes autos, único bem que integra a herança aberta por morte do Sr. AA, herança essa que, para todos os efeitos, ainda não foi aceite pelos Recorrentes – cfr., art. 2071º do Cód. Civil;

77º. O pedido formulado em primeiro lugar pela Recorrida (pedido de declaração de que os Recorrentes não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno que qualificam de baldio) foi classificado como um pedido que “reclama apreciação negativa”, daí extraindo a 1ª instância a consequência de impender sobre os Recorrentes o ónus da prova do direito de propriedade do prédio em discussão, por considerar estar-se perante uma ação como de simples apreciação negativa, sendo certo que o Tribunal a quo considerou que este ónus da prova cabia à Recorrida;

78º. É, porém, sabido que o tipo de ação é exclusivamente determinado pelo fim que o

autor visa obter, o que depende da análise do concreto pedido - cfr., art. 10.º do CPC, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1986, 1.3.1, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, n.º 1, A. Varela, Manual de Processo Civil, pg. 17, nota 1;

79º. O concreto pedido em questão não se esgota na declaração jurisdicional de que os Recorrentes não são donos nem legítimos possuidores do prédio que diz integrar o baldio mas – e sobretudo – na condenação dos Recorrentes à entrega imediata do prédio (bem como a condenação no pagamento de indemnizações, uma líquida e outra ilíquida), o que nos relega para a classificação e presença de uma ação de condenação - e mais concretamente para a sua qualificação como ação de reivindicação;

80º. A ação de reivindicação, sendo uma ação de condenação, tem uma finalidade restitutória ou integrativa (devolução ou entrega da coisa) que pressupõe a constituição ou o reconhecimento da existência do respetivo direito real legitimador invocado pelo autor;

81º. A reivindicatio tem um pedido principal: a entrega da coisa. Todas as demais pretensões eventualmente deduzidas têm natureza acessória ou aparente, pois a finalidade da acção de reivindicação não se encontra na apreciação da existência do direito do reivindicante, mas na condenação do réu na entrega da coisa - cfr., J. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.ª ed., pg. 422;

82º. Ainda que (desnecessariamente) se formule o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, está-se sempre perante uma cumulação aparente de pretensões – já que o tribunal não pode condenar na entrega da coisa sem que antes se certifique da existência da violação do direito do demandante; simplesmente a primeira operação (apreciação da existência e violação do direito) não goza de autonomia relativamente à segunda (condenação na entrega da coisa) – vd., v.g., J. Alberto Vieira, Direitos Reais, 2016, pg. 426, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, 1981, I, pg. 102, Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, t., pgs. 207-208, J. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 1993, pgs. 428 e 429, e Propriedade e Posse – Reivindicação e Reintegração, Revista Luso-Africana de Direito, vol. I, 1997, pg. 14 e ss;

83º. Ao pedir a entrega do prédio em litígio, a Recorrida extravasou o âmbito  processual da ação de simples apreciação negativa para entrar no domínio da ação condenatória, devendo considerar-se a existência de apenas um pedido – a entrega da coisa, o que corresponde a uma ação de reivindicação - cfr., J. Oliveira Ascensão, ob. cit., pg. 434, Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. I, pg. 72, Manuel Salvador, Elementos da Reivindicação, pg. 26;

84º. De resto, numa ação, em tudo semelhante à dos presentes autos, intentada pela mesma Recorrida contra outros proprietários confinantes com o terreno dos autos, foi a mesma, de um cristalino, qualificada pelo Supremo como uma ação de reivindicação (Ac. STJ de 12.1.17, Proc. nº 233/09.4TBVNC.G1.S2) “Deve ser caracterizada como uma ação declarativa de condenação a causa em que a autora peticiona que se declare que a ré não é legítima possuidora dos terrenos que ocupa por estes fazerem parte dos baldios que a primeira administra e a condenação na sua devolução, na demolição de construções nela edificados e no pagamento de uma indemnização. Os bens integrantes dos baldios podem ser defendidos através de ações de reivindicação, cabendo ao autor, nesse caso, o ónus de alegação e prova dos factos que as sustentam (designadamente, a integração de uma determinada parcela em terrenos baldios e sua afetação ao uso comunitário) e ao réu que detenha ou possua esses bens, o ónus de alegação e prova de factos impeditivos e extintivos desse direito”.

85º. Consequentemente incumbe à Recorrida o encargo de alegação e prova dos pressupostos exigidos por lei para a ação de reivindicação, concretamente dos factos constitutivos do direito real por si invocado, já que a prova de um facto em si incumbe à parte que dele pretende retirar efeitos no processo – cfr., art. 342º, nº 1, do Cód. Civil, Ac. Rel. Guimarães de 23.10.2012 (Proc. nº 77/02);

86º. Para obter a condenação na entrega da coisa, o reivindicante tem de demonstrar a titularidade do direito, o que, in casu, não corresponde à obrigação dos Recorrentes em demonstrar serem donos e legítimos possuidores do prédio em causa, mas sim à Recorrida que esse imóvel pertence ao baldio;

87º. Mas mesmo que assim sucedesse, nessa eventualidade os Recorrentes podem obstar à entrega da coisa desde que demonstrem que têm sobre ela um título que justifique a sua posse – o que está assente através do reconhecimento da sua aquisição e registo (Cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados) e, consequentemente, a legitimidade de ter o prédio em seu poder e gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição – cfr., art. 408º, nº 1, 874º, 879º, al. a) e 1305º do Cód. Civil;

88º. A reivindicação do Recorrida, para ter êxito, carecia da alegação e demonstração da invalidade do titulo aquisitivo, pois apenas do confronto entre os dois direitos invocados em juízo o juiz pode determinar a sorte da ação de reivindicação – e o Recorrida não pediu a declaração de nulidade da compra e venda, pelo que sem esta declaração judicial o ato aquisitivo continua a produzir os seus efeitos, nomeadamente a posse titulada exercida ao seu abrigo - cfr., Ac. Rel. Coimbra de 12.12.2006, CJ, ano 31, t.5, pg. 35, José Alberto González, Direitos reais, Revista Lusíada, 14, pg. 230;

89º. Só assim não seria se a Recorrida alegasse e fizesse prova (o que não sucedeu) de um facto aquisitivo registado a seu favor e, por sua vez, os Recorrentes não pudessem opor um título proveniente do anterior titular inscrito, o que não sucede in casu devendo, assim, a presente ação improceder;

90º. Acresce que, por força da inscrição registral a que se refere os factos provados n.os 17 e 18, os Recorrentes beneficiam da presunção da chamada Aquisição Tabular – não só o direito registado existe, como pertence à pessoa em cujo nome está inscrito, nos exatos termos que constam da descrição predial – cfr., art. 7.º do CRP, Ac. STJ de 13.4.94, CJ, STJ, ano 2, t.1, pg. 41;

91º. Não podendo o adquirente obter qualquer direito se nenhum direito pertencia ao transmitente, nem obter mais direitos do que os que aquele detinha, os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo (Art.º 8.º, n.º 1, do CRPredial) – o que constitui um pressuposto processual, cuja observância se torna indispensável para que o Tribunal conheça do mérito da causa: “A falta de pedido de cancelamento do registo (…) constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso do tribunal, que conduz à absolvição da instância por obstar à apreciação do mérito da causa” (Cfr., Ac. STJ de 23.5.99 (BMJ, 487.º - 308) – que corresponde à orientação dominante da jurisprudência);

92º. Sendo certo que a Recorrida não beneficia na espécie da presunção constante do nº 1 do art. 8º do CRP porquanto, em face dos pedidos que formulou na ação intentada, é manifesto que não impugnou nenhum facto constante do registo, mormente a aquisição do terreno em causa nos presentes autos a favor do Sr. AA, o que deve conduzir à absolvição da instância dos Recorrentes – cfr., Ac. STJ de 23.5.99, BMJ 487, 308, de 25.11.75, BMJ 251, 118 e o Ac. Rel. Lisboa de 11.12.72, BMJ 21, 467;

93º. Sendo que ao determinar o registo da acção, o Tribunal a quo exorbita o pedido e os poderes que lhe estão aformalados, do que se segue a nulidade da decisão proferida – cfr., art. 608º, nº 2, e 615º nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil

94º. Devendo, pois ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo a este propósito, quer aquela que julgou improcedente a questão subjuditio, quer aquele que determinou, oficiosamente, a promoção do registo da ação nos termos aí assinalados, por violação da lei do processo – cfr., art. 674º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil

95º. Nos termos do disposto no nº 1 do art. 672º do Cód. Proc. Civil, cabe, apesar da dupla conforme, recurso de revista do acórdão da Relação quando, esteja em causa      uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (al. a)) ou estejam em causa interesses de particular relevância social (al. b));

96º. A questão da ilegitimidade, falta de personalidade e capacidade judiciária da Recorrida suscitada nos presentes autos em face é matéria de manifesta relevância jurídica e social, cuja solução reclama a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal de Justiça nos termos e ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. a) e b), do Cód. Proc. Civil;

97º. Atendendo ao facto de, in casu, estar em causa um processo paradigmático de assalto a um bem particular (em violação da proteção constitucional ao direito de propriedade) através da invocação da existência de um baldio, da constituição à margem da lei de uma denominada assembleia de compartes e da atribuição, da mesma forma ilícita, de poderes de gestão do dito baldio à Recorrida, afigura-se ser de manifesta relevância jurídica e social a questão subjuditio que justifica, à luz do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1, do art. 672º do Cód. Proc. Civil, a admissibilidade do presente recurso de revista excecional;

98º. As questões relativas aos baldios prendem-se com relevantes valores económicos e socioculturais: estão em causa situações que, dizem respeito à propriedade fundiária, que se inscrevem no plano da vida comunidade e das relações de vizinhança, suscetíveis de interferir com a segurança, a tranquilidade ou a paz social, o que tudo é de manifesto interesse geral que extravasa os limites da causa – cfr., Ac. STJ de 24.2.2015;

99º. In casu, as instâncias decidiram não ser aplicável o regime do art. 291.º do CC (e o art. 17º, nº 2 do CRP) quando o prédio adquirido é inscrito em seu nome do terceiro adquirente de boa-fé esteja integrado num baldio, revestindo tal questão

- manifesta relevância jurídica, atento o elevado grau de complexidade do ponto de vista cientifico e dogmático em razão de a sua resolução invocar diferentes institutos jurídicos que, para além da sua intrínseca dificuldade exegética, têm de ser articulados e conjugados entre si,

- se reveste de novidade ou imediatismo, já que não se conhece nenhuma decisão que sobre a mesma tenha recaído ex professo;

- atentas as dificuldades suscitadas pela sua resolução são suscetíveis de causar, em geral, fortes dúvidas e elevada probabilidade de decisões jurisprudenciais divergentes, justificando-se, por isso, a intervenção do STJ que possa evitar interpretações distintas sobre a mesma e que possa funcionar como critério orientador para outras situações, com relevância autónoma e independente em relação as partes envolvidas;

- relevância social atento o que se deixa dita na conclusão anterior;

100º. Estão assim preenchidos os pressupostos de admissão da revista excecional:

a. Está-se perante situações de dupla conforme;

b. Estão verificados os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição (valor da causa, sucumbência);

c. Estão em causa questões jurídicas que, tendo sido suscitada nas instâncias, assumem manifesta relevância para uma melhor aplicação do direito, assim como estão implicados interesses de particular relevância social;

101º. Em face do que antecede, requer-se a V. Exa. que, feita a apreciação preliminar sumária a que se refere o nº 3 do art. 672º do CPC, seja admitida a revista excecional;

102º. Na sequência do que os Recorrentes alegaram em sede de recurso de apelação (de que deveriam ser retirados dos pontos 1. e 2. dos factos provados que as assembleias aí referidas eram assembleias de compartes e que deveria ser dado como não provado que as reuniões a que se reportam os pontos 1., 2., 3 e 4 dos factos dados como provados fossem assembleias ou reuniões de compartes e, como tal, retirado da matéria de facto dada como provado o ponto 37), o Tribunal a quo, no Acórdão recorrido proferiu a seguinte decisão:

“Nestes termos, e, considerando pontos da matéria de facto especificamente impugnados e os fundamentos de impugnação deduzidos pelos recorrentes, salienta-se, relativamente aos pontos de facto n° 1 e 2 e facto provado n° 37 que as reuniões em causa eram nas respetivas Atas “denominadas” como Assembleias de Compartes, nenhuma outra factualidade ou conclusão se retirando dos factos em referência, mantendo-se os artigos impugnados”;

103º. Ora, o Tribunal a quo, ao concluir, como concluiu, que as reuniões em causa eram apenas nas respetivas atas denominadas de compartes e que nenhuma outra factualidade ou conclusão se poderia retirar dos factos em causa (os pontos de facto nº 1, 2 e 37 da sentença de 1ª instância), - ou seja que não se poderia retirar daqueles concretos pontos de factos que as reuniões a que eles se referem eram reuniões ou assembleias de compartes – daí segue-se, necessariamente, que não está provado nos autos que aquelas reuniões eram assembleias de compartes;

104º. Daí resultando a falta de legitimidade, personalidade e capacidade judiciária da Recorrida para estar em juízo;

105º. A presente ação é intentada pela Recorrida, em nome próprio, contra o Sr. AA (já falecido à data da interposição da ação) e sua mulher a Sra. D. BB e não em nome da comunidade local (personificada na assembleia de compartes) constituída pelos supostos compartes do terreno, como era mister, à luz dos próprios factos trazidos a juízo pela Recorrida, designadamente o facto de pretender defender um direito que diz ser dos compartes;

106º. Em face do que antecede, tendo em conta a própria relação material controvertida trazida aos autos pela Recorrida, é manifesto que a Recorrida não tem interesse direto em demandar, não podendo decorrer da presente ação qualquer utilidade para si, sendo patente a falta de legitimidade da Recorrida para estar em juízo e para intentar a presente ação, devendo os Recorrentes ser absolvidos da instância – cfr., art. 26º, nº 1, nº 2, do Cód. Proc. Civil na redação em vigor à data da interposição da ação (atual art. 30º, nº 1 e nº 2);

107º. A assembleia de compartes não pode delegar num terceiro os poderes de representação (judiciais ou outros) da sociedade, porque tal constitui uma competência de um outro órgão, não podendo, sequer, deliberar recorrer a juízo e constituir mandatário para os fins prescritos na al. h) do art. 21º da Lei dos Baldios, estando-lhe apenas confiada a competência para ratificar as decisões que, a esse propósito, tenham sido tomadas pelo Conselho Diretivo – cfr., art. 11, nº 1, 15º, nº 1, al. l), o), art. 21º, al. j), g), h), i), 22º, nº 1); cfr., Eduardo de Melo Lucas Coelho, A formação das deliberações sociais, pg. 94;

108º. Do que se segue, mais uma vez, a falta de legitimidade da Recorrida e sempre e em qualquer de falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária para intentar a presente acção, o que deverá conduzir à absolvição da instância dos Recorrentes – cfr., arts. 5º, nº 1, 6º, 9º, nº 1, 22º, 26º, nº 1 e nº 2, do Cód. Proc. Civil na redação em vigor à data dos factos (atuais arts. 11º, nº 1, 12º, 15º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e nº 2); arts. 288º, nº 1, al. c) e d) do Cód. Proc. Civil na redação em vigor à data dos factos (atual art. 278º, nº 1, al. c) e d));

109º. Por outro lado, a declaração de vontade do coletivo, para ser validamente expressa, tem que ser manifestada pelo respetivo órgão executivo (o conselho diretivo), a quem cabe dar execução às deliberações do órgão deliberativo (a assembleia de compartes) e a quem cabe a representação do universo dos compartes perante terceiros, públicos e privados, devendo no ato de delegação ser “formalizados os respetivos termos e condições, nomeadamente os direitos e os deveres inerentes ao exercício dos poderes delegados” – - cfr., art. 21º, al. a), al. i), art. 22º, nº 4. da Lei dos Baldios;

110º. Não foi celebrado nenhum contrato escrito de delegação de poderes entre o Conselho Diretivo do Baldio e a Recorrida nos termos do qual lhe fossem delegados os poderes de administração do baldio como não lhe foi emitida nenhuma procuração para lhe outorgar poderes representativos;

111º. Como tal a Recorrida não está mandatada para administrar os baldios e representar em juízo a comunidade de compartes daí se seguindo, mais uma vez, a falta de legitimidade da Recorrida para os presentes autos;

112º. A assembleia de compartes é constituída por todos os compartes, universo que corresponde aos moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio – cfr., arts. 1º, nº 3 e 14º da Lei dos Baldios;

113º. À luz das regras imperantes sobre a matéria há que concluir que não foi feito o recenseamento dos compartes do baldio de Vila Nova de Cerveira, nem o universo dos compartes pode corresponder aos eleitores de V. N.de Cerveira, nem as reuniões a que se reportam as atas juntas com a petição inicial podem ser havidas como reuniões de compartes, nem tendo sequer havido na reunião constitutiva, que foi convocada por quem não tinha competência para o efeito, uma deliberação sobre quem eram os compartes - art. 33º, nº 4, 6, da Lei nº 68/93, de 4.9 – cfr., art. 33º, nº 1, 4;

114º. As atas das supostas assembleias de compartes invocadas em sede de petição inicial não respeitam o formalismo legal nem delas se consegue retirar que as pessoas que nelas participaram eram compartes, nem sequer foram as mesmas aprovadas, pelo que são ineficazes – art. 12º, nº 1, 19º, nºs 1, 2 e 3, 13, nº 1, nº 3, da Lei dos Baldios;

115º. Conforme decorre do art. 4º, nº 1, da Lei dos Baldios, a sanção aplicável a todos e quaisquer atos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento de terrenos baldios, seja qual for a concreta configuração jurídica em que os mesmos se traduzam, é a nulidade nos termos gerais de direito ou seja a nulidade prevista no art. 289.º do Cód. Civil – vd., tb. art. 1º do DL nº 40/76; cfr., Ac. STJ de 3.4.01, Proc. nº 01A541, Ac. STJ de 20.6.00, Proc. nº 00A342;

116º. Tratando-se, como se trata, de um caso de nulidade previsto no art. 289.º e ss, é aplicável à situação vertente o regime do art. 291.º, ambos do Cód. Civil, do qual decorre que os requisitos de inoponibilidade da nulidade implicam que seja protegido o adquirente de boa-fé (em sentido ético), a titulo oneroso, de imóveis ou móveis sujeitos a registo, que haja registado a aquisição e desde que estejam passados três anos sobre a data do primeiro negócio inválido sem que tenha sido instaurada a competente ação de invalidade, protegendo-se assim os terceiros que adquirem de quem não tinha legitimidade para alienar, por vício substantivo do seu direito – cfr., Maria Clara Sotto Mayor, Invalidade e Registo – A Proteção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, pg. 622, Mónica Jardim, Efeitos Substantivos do Registo Predial, Terceiros para efeitos de Registo, Teses, Almedina, 2013, pgs. 708 e ss, J. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais (reimpressão), 2000, pgs. 376-377, Luís M. Couto Gonçalves, CDP, n.º 9, pg. 31;

117º. Com segurança se pode concluir que os referidos requisitos se encontram preenchidos ou verificados, neles se enquadrando os Recorrentes, que beneficiam das consequências dos mesmos decorrentes, prevalecendo a compra efetuada pelo Sr. AA do terreno aqui em causa mesmo quando o mesmo seja havido por baldio: O Sr. AA(e, assim os Recorrentes) é terceiro e não participou num negócio inválido; o negócio celebrado entre o primeiro Réu AA, como comprador, e o FF, como vendedor, foi, et pour cause, oneroso (cfr., n.º 17 dos factos provados); essa aquisição foi inscrita no registo, assim como também foi registada a compra efetuada pelo FF(cfr., n.º 18 dos factos provados); O AA(e, consequentemente, os ora Recorrentes, habilitados como seus sucessores) tem de ser considerado como terceiro de boa-fé; a presente a ção não foi instaurada dentro do prazo de três anos contados da data do primeiro negócio de que deriva a aquisição do Sr. FF nem sequer no triénio seguinte à compra efetuada pelo Sr. AA;

118º. Sendo que o conceito de terceiro a ter em consideração para efeitos da aplicação do art. 291º do Cód. Civil é distinto daquele outro que vigora em termos registrais previsto no art. 5º do CRP (Ac. STJ de 11.5.06, Proc. nº 06B1501, Ac. STJ de 21.6.07, Proc. nº 07B1847, Ac. STJ de 21.04.09, Proc. n.º 5/09.6YFLSB): Terceiros para efeitos de registo são apenas os adquirentes de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa de um mesmo transmitente comum;

119º. Sendo que a argumentação aduzida no Acórdão recorrido para afastar a qualidade de terceiros dos Recorrentes, com base na circunstância de não ter sido pedida na ação a declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que, na cadeia de  transmissões, antecedeu a compra feita pelo AA– o que não só dá força à improcedência que deve ser declarada do pedido (por permanecer intocada na ordem jurídica a aquisição feita pelos Recorrentes), como não lhes retira a qualidade de terceiros;

120º. À luz da função declarativa e da finalidade de fé pública e de segurança do comércio jurídico que, entre nós, são reconhecidas ao registo predial, quem adquire do titular registado, deve ser necessariamente considerado como adquirente de boa-fé, mais a mais porque beneficia da presunção de que o direito existe tal como o registo o revela e que pertence a quem estiver inscrito como seu titular (art. 350.º do CC) - José Alberto Vieira, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 285 e ss, Parecer da PGR de 30.01.2001, publicado no DR, II série, de 30.3.2001, Orlando de Carvalho, “Terceiros para efeitos de registo”, in BFDC , LXX, 1994, pgs. 98-99; António Quirino Duarte Soares, O conceito de terceiros para efeitos de registo predial, CDP, n.º 9, pg. 4; Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ 127º, p.26; Ac. Rel. Coimbra de 14.7.2010 (CJ ano 35, t.3, pg. 210), Ac. STJ de 21.6.07, Proc. nº 07B1847 Ac. STJ de 21.04.09, Proc. n.º 5/09.6YFLSB, José Alberto González, Código Civil Anotado, vol I, pg. 387, em anotação ao art. 291º do Cód. Civil; José Alberto González, Direitos Reais, Revista Lusíada, 14, pg. 306;

121º. In casu, ao tempo da venda do terreno aqui em causa ao Sr. AA, a propriedade do mesmo estava inscrita em nome do Sr. FF; o Sr AA determinou a sua conduta com base nessa inscrição registral, agindo no convencimento de aquele terreno podia ser-lhe, livre e legitimamente, transmitido pelo Sr. FF, isto é adquiriu com base no registo e porque nele fundadamente confiou, sendo que tal convicção era legítima, dada a fé pública e segurança jurídica que estão associadas ao registo predial; o Sr. AA, antes ou depois da sua aquisição, desconhecia que o terreno em causa era baldio como desconhecia que alguém assim o reclamava; após a sua aquisição, o Sr. AA inscreveu a (sua) aquisição no registo antes da instauração da presente ação e de qualquer outra em que se discutisse a validade daquele negócio;

122º. A presente ação não foi instaurada dentro do prazo de três anos contados da data do primeiro negócio de que deriva a aquisição do Sr. FF nem sequer no triénio seguinte à compra efetuada pelo Sr. AA, beneficiando, assim, da tutela do art. 291º do Cód. Civil;

123º. Ainda em derradeira alternativa, os Recorrentes gozam sempre da tutela do art. 17.º, n.º 2, do CRPredial, porquanto o mesmo é aplicável não só aos casos de nulidade registral, mas também às hipóteses de nulidade substantiva e porque se mostram verificados todos e cada um dos requisitos aí plasmados, estando, assim, verificado o efeito aquisitivo (eficácia constitutiva ou atributiva) do registo feito pelo Réu AA, enquanto sub-adquirente de boa-fé:

i) Pré-existência de um registo nulo;

ii) O titular inscrito (FF) dispõe do seu direito a favor de terceiro (AA) com base no registo nulo;

iii) Boa-fé do terceiro;

iv) Carácter oneroso da aquisição pelo terceiro;

v) Precedência do registo de aquisição pelo terceiro relativamente à ação de nulidade;

124º. Quando se entenda que os autos não contêm toda a materialidade que permita ao Tribunal ad quem apreciar devidamente a questão de direito, mormente, a verificação da boa-fé, impõe-se que, nos termos do disposto no art. 682º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, sejam remetidos os autos ao Tribunal a quo para ser ampliada a matéria de facto a submeter a julgamento, designadamente a materialidade constante dos artigos da contestação que consubstanciaram a reclamação da seleção da matéria de facto referida nos pontos 4 a 16 das alegações de revista ordinária e na conclusão 12ª;

125º. No douto Acórdão recorrido violaram-se as disposições legais supra enunciadas.

Termos em que, na procedência dos fundamentos da alegação, deverá o recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido com todas as legais consequências.

9-A autora apresentou contra-alegações, nas quais conclui:

1. Os Recorrentes interpuseram recurso de revista normal, invocando a nulidade do douto Acórdão recorrido, por alegada omissão de pronúncia sobre questões que devia conhecer, insurgem-se contra o douto Acórdão por entenderem que o Tribunal da Relação não usou corretamente os seus poderes/deveres na apreciação de questões suscitadas pelos Recorrentes no recurso de apelação que interpuseram, sustentando ainda que a pretensão da Autora constitui Abuso de Direito, bem como revista excecional, pretendendo ver apreciadas as seguintes questões, cuja relevância jurídica, no entendimento dos Recorrentes, impõe a sua apreciação por este Supremo Tribunal, para uma melhor aplicação do Direito, estando em causa interesses de particular relevância social: a) a ilegitimidade, bem como a falta de personalidade e de capacidade judiciária da Autora; b) a proteção decorrente do artigo 291º do Código Civil e a presunção, a seu favor, do direito de propriedade decorrente do registo predial.

2. O douto Acórdão recorrido apreciou e decidiu todas as questões de que devia conhecer, suscitadas pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso.

3. O douto Acórdão recorrido é perfeitamente inteligível e de fácil compreensão, permite compreender o seu alcance e a fundamentação fáctico-jurídica que o suporta, não estando, por isso, ferido dos vícios apontado pelos Recorrentes.

4. A questão principal em causa nos presentes autos consiste em saber se a parcela de terreno que os Réus ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como doc.s nºs …, … e …, no sítio de ..., localizada na encosta poente do … da Freguesia de Vila Nova de Cerveira, constitui terreno baldio ou se, ao invés, constitui terreno privado e, in casu, propriedade dos Réus.

5. Ao fixar a base instrutória, o Tribunal deve selecionar a matéria de facto que considera relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

6. Atenta a questão a decidir nos presentes autos e a matéria de facto alegada pelas partes, entende modestamente a Recorrida que a douta base instrutória de fls… contém a matéria de facto relevante e necessária para a decisão da causa, atentas as soluções possíveis da questão de direito.

7. Os factos que os Recorrentes pretendem levar à base instrutória de fls… são, no modesto entendimento da Recorrida, absolutamente irrelevantes e sem qualquer interesse para a decisão de direito a proferir/proferida.

8. Não há razão ou fundamento para se proceder à ampliação da matéria de facto constante do douto despacho saneador de fls…

9. Conforme consta e resulta da douta sentença proferida em 1ª instância, a decisão sobre a matéria de facto encontra-se correta e doutamente fundamentada, nela se fazendo referência aos meios de prova, nomeadamente documental e testemunhal, que o Tribunal considerou relevantes para a decisão proferida, analisando criticamente a prova produzida, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência.

10. Entende, assim, modestamente a Recorrida que, na fundamentação da matéria de facto constante da douta decisão, o Tribunal cumpriu o estipulado no citado artigo 607º do Código de Processo Civil, não se verificando, por isso, a nulidade apontada pelos Recorrentes.

11. A Recorrida entende que a inquirição, como testemunhas, de alguns dos Compartes do baldio em causa não constitui um meio de prova ilegal, como sustentam os Recorrentes.

12. Do disposto no artigo 496º do Código de Processo Civil resulta que só estão impedidos de depor como testemunhas as pessoas que sejam parte no processo ou, no caso da parte ser uma pessoa coletiva, o(s) seu(s) representante(s).

13. Sendo a Junta de freguesia de Vila Nova de Cerveira a parte (Autora), só estavam impedidos de depor como testemunhas os representantes da Autora Junta da Freguesia de Vila Nova de Cerveira, pois só estes é que podiam depor na causa como parte (artigo 496º do Código de Processo Civil).

14. Os Compartes ouvidos como testemunhas não são, nem foi alegado que sejam, membros ou representantes da Junta da Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

15. No modesto entendimento da Recorrida, não havia, como não há, qualquer impedimento ou obstáculo à audição dos Compartes como testemunhas.

16. Ainda que se entendesse que os Compartes estavam impedidos de depor como testemunhas no processo, sempre a sua admissão como testemunhas pelo Mmo Juiz a quo consubstanciaria uma mera irregularidade, que já se encontra sanada.

17. Com efeito, do disposto nos artigos 195º, à contrário, 196º, 199º, nº 1 e 2, 513º, 514º e 515º do Código de Processo Civil resulta que os Réus/Recorrentes tinham de impugnar a admissão dos compartes a depor como testemunhas logo após o interrogatório preliminar efetuado pelo Mmo Juiz, o que os Réus não fizeram.

18. Das atas de julgamento de fls… não consta que os Réus tenham impugnado, como não impugnaram, a admissão de qualquer das pessoas indicadas pela Autora/Recorrida a depor como testemunhas, só o tendo feito agora em sede de alegações de recurso.

19. Ao terem suscitado esta questão – não admissibilidade das testemunhas apresentadas pela Autora – apenas em sede de alegações de recurso, os Réus fizeram-no extemporaneamente, pelo que, deve tal questão ou incidente considerar-se sanado.

20. Pelo que, salvo melhor opinião, não se verifica a nulidade da douta decisão recorrida invocada pelos Recorrentes.

21. Os Recorrentes insurgem-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, por entenderem que a mesma foi incorretamente julgada, sustentando que a matéria de facto a considerar pelo Tribunal “a quo” deveria ter sido no sentido de dar como provado que a parcela de terreno em causa nos autos é propriedade privada dos Réus.

22. No modesto entendimento da Recorrida, da prova testemunhal produzida em sede de julgamento e da demais prova produzida e existentes nos autos, concretamente da prova documental e da deslocação do Tribunal ao local aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, resulta à saciedade que os Réus, ora Recorrentes, não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno que ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, parcela de terreno que é, desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição, constituindo, por isso, terreno baldio.

23. As respostas dadas pelo Tribunal de 1ª Instância à matéria de facto traduzem a realidade dos factos e resultam quer dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, quer da prova documental existentes nos autos, quer da perceção do Mmo Juiz de 1ª Instância aquando da deslocação do Tribunal ao local aquando da realização da audiência de discussão e julgamento.

24. Conforme consta da douta sentença proferida em 1ª instância, o Tribunal julgou a matéria de facto, concretamente a matéria de facto constante dos pontos 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 34º, 36º e 37º dos factos provados, posta em causa pelos Recorrentes, com base nos depoimentos das testemunhas MM, NN, III, OO, JJJ, KKK, QQ, SS, FFF, PP, TT, VV e MMM, testemunhas nas quais o Mmo Juiz a quo acreditou e deu total credibilidade - cfr. motivação dos factos provados constante da douta sentença proferida em 1º Instância.

25. Consta ainda da douta sentença proferida em 1ª Instância que o Mmo Juiz não acreditou e não deu qualquer credibilidade, pelos motivos aí expostos, aos depoimentos das testemunhas em cujos depoimentos os Recorrentes se baseiam para sustentar a alteração da decisão sobre a matéria de facto - cfr. motivação dos factos provados constante da douta sentença recorrida.

26. Do depoimento das testemunhas nas quais o Mmo Juiz de 1º Instância acreditou e deu total credibilidade, MM, NN, III, OO, JJJ, KKK, QQ, SS, FFF, PP, TT e VV, resulta, de forma clara e inequívoca, que a parcela de terreno a parcela de terreno que os Réus ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, constitui terreno baldio que é, desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

27. Do depoimento da testemunha MMM, engenheiro que, no âmbito das suas funções no Instituto de Conservação da Floresta, deslocou-se ao local quando do abate das árvores efetuado em Junho de 2008 e fez um levantamento das árvores abatidas pelos Réus bem como efetuou o cálculo do valor dessas árvores, constante de fls. 974, resulta o prejuízo que o baldio em causa sofreu com a atuação dos Réus e em proveito, injustificado, destes, no valor de 13.752,30 €.

28. Dos depoimentos destas testemunhas resulta à evidência que:

 Na freguesia de Vila Nova de Cerveira existem os montes conhecidos por ..., … e … ou … – cfr. ponto 20º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 O ... confronta a nascente com a quinta das … e ..., a sul com a ... e caminho público, a poente com o Hospital e o ...da … e caminho público que vai da rua do … à …, e a norte com um muro de pedra que confina com a denominada mata do … e com a estrada da Srª da …. – cfr. ponto 21º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Na encosta poente/sul do ... existe um lugar denominado ... – cfr. ponto 22º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira vêm utilizando coletivamente os terrenos que constituem o ..., onde se inclui o lugar de ..., para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas e corte e extração de pedra e o exercício da caça, neles fazendo, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira – cfr. ponto 24º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Por ali transitando carros de bois e, posteriormente, tratores e outros veículos motorizados para acederem aos mais diversos lugares da freguesia, inclusive com animais – cfr. ponto 25º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 À vista de toda a gente – cfr. ponto 26º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Sem oposição de quem quer que seja – cfr. ponto 27º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 De forma ininterrupta e pacífica – cfr. ponto 28º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Na convicção de que esse monte estava, como está, afeto a logradouro comum dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira – cfr. ponto 29º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 A porção de terreno ocupada pelos Réus, a que respeita a escritura referida em 17 dos factos provados, insere-se no ... – cfr. ponto 23º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Em virtude do abate de uma mata de eucaliptos mandada efetuar pelos Réus em 04/06/2008 no sítio de ... (ponto 33º dos factos provados), a Autora sofreu um prejuízo de 13.572,30 € - cfr. ponto 34º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

29. Os depoimentos das testemunhas MM, NN, III, OO, JJJ, QQ, SS, PP, TT, VV e MMM são merecedores de total credibilidade por se tratar, as primeiras 10, de pessoas naturais e residentes em Vila Nova de Cerveira, que conhecem perfeitamente os montes baldios existentes em Vila Nova de Cerveira, em concreto o sítio ou lugar conhecido como ... e a parcela de terreno em causa nestes autos, há mais de 10, 20, 30, 40, 50, 60 e mais anos, sabendo os limites dos referidos montes e o uso que lhes era dado pela população de Vila Nova de Cerveira, e a última (MMM), por ser engenheiro florestal que lidou com o baldio de Vila Nova de Cerveira, no qual se inclui a parcela de terreno em causa autos e deslocou-se ao local aquando do abate das árvores efetuado, não sendo tais depoimentos minimamente abalados ou contrariados pelas demais testemunhas indicados pelos Réus.

30. O depoimento destas testemunhas não foi por qualquer forma abalado ou posto em causa.

31. Não há quaisquer motivos para desacreditar ou descredibilizar o depoimento destas testemunhas que conhecem bem o local e têm conhecimento direto dos factos em causa nestes autos.

32. Conforme refere o Mmo Juiz de 1ª Instância na douta sentença recorrida “(…) a prova testemunhal produzida não deixou ao Tribunal dúvidas sobre as confrontações do … no sentido que consta do elenco dos factos provados nem sobre a inclusão em tal monte do lugar de ... e do local onde foi construída a estrada e colocada a iluminação pela Câmara. As testemunhas a que nos referiremos assimilaram a área do ... ao que estão convencidas tratar-se do Monte baldio do …, tendo confirmado as confrontações descritas no facto 20 e a inclusão no monte da zona de .... (…) A prova testemunhal produzida mostrou-se igualmente crucial para a consideração como provada da utilização que ao longo de muitos anos tem sido feita dos terrenos integrados no ...

Santo e das características de tal utilização, uma vez que várias testemunhas corroboraram em julgamento os factos correspondentes, acima elencados.”, destacando-se o depoimento das testemunhas MM, NN, III, OO, JJJ, KKK, QQ, SS, FFF, PP, TT, UU, VV e MMM.

33. A convicção do Tribunal para julgar a matéria de facto baseou-se ainda na prova documental junta aos autos, nomeadamente de fls. 974, e na deslocação do tribunal ao local aquando da realização da audiência de discussão e julgamento.

34. O Tribunal recorrido apreciou devidamente toda a prova produzida nos presentes autos e julgou a matéria de facto de acordo com a sua convicção relativamente a cada um dos factos.

35. Da prova produzida nos autos, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas ouvidas sede de audiência de julgamento, da prova documental junta aos autos e da deslocação do Tribunal ao local aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, resulta que os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, …. e …, constituindo tal parcela terreno baldio que é, desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

36. As respostas dadas à matéria de facto constante da base instrutória devem manter-se inalteradas.

37. A Autora, enquanto instituição com poderes para administrar os baldios existentes na Freguesia de Vila Nova de Cerveira, instaurou contra os Réus a presente ação no sentido de ver declarado que estes (Réus) não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno que ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, constituindo a mesma terreno baldio, que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição e, em consequência, condenar-se os Réus a restituírem a referida parcela de terreno, completamente livre e devoluta.

38. Conforme consta da petição inicial, o pedido principal formulado na ação consiste em ver declarado que os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como doc.s nºs …, … e …, no sítio de ..., localizada na encosta poente do ... da Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

39. Na contestação que apresentaram, os Réus/Recorrentes sustentam que compraram a parcela de terreno em causa, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, a FF, através da escritura celebrada em 06/04/1987, junta com a contestação como doc. nº 1, que registaram a seu favor no registo predial, alegando que tal parcela de terreno sempre foi, como é, propriedade privada, e negando, por isso, que a referida parcela de terreno seja terreno baldio.

40. Tratando-se, como se trata, no presente caso, de uma ação declarativa de apreciação negativa, para obstar a procedência dos pedidos formulados pela Autora na ação, competia aos Réus provar que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …., … e …., que se encontram a ocupar, constituía/constitui terreno privado e pertence aos Réus, por a terem adquirido de harmonia com o ordenamento jurídico, prova que os Réus não lograram fazer.

41. Pelo contrário! Provou-se que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …., … e …., sempre foi, como ainda é, terreno baldio.

42. Na verdade, provou-se que:

 Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira vêm utilizando coletivamente os terrenos que constituem o ..., onde se inclui a parcela de terreno em causa nestes autos, para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas e corte e extração de pedra e o exercício da caça, neles fazendo, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira – cfr. Ponto 24º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Por ali transitando carros de bois e, posteriormente, tratores e outros veículos motorizados para acederem aos mais diversos lugares da freguesia, inclusive com animais – cfr. ponto 25º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 À vista de toda a gente – cfr. ponto 26º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

Sem oposição de quem quer que seja – cfr. ponto 27º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 De forma ininterrupta e pacífica – cfr. ponto 28º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

 Na convicção de que esse monte estava, como está, afeto a logradouro comum dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira

– cfr. ponto 29º dos factos provados constantes da douta sentença recorrida.

43. Assim, aquando da celebração da escritura junta com a contestação como doc. nº 1, realizada em 06/04/1987, o FF não podia ter vendido, como não vendeu, aos Réus e estes não lhe podiam ter comprado, como não compraram, o prédio rústico aí identificado, por o mesmo, sendo, como se provou nos presentes autos que é, terreno baldio, não poder ser objeto de negócio ou contrato de compra e venda, por se encontrar, como encontra, fora do comércio jurídico.

44. Pelo que, a ação instaurada pela Autora tinha de ser, como foi, julgada parcialmente provada e procedente, declarando-se que:

a) os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como doc.s nºs …, … e …, no sítio de ..., localizada na encosta poente do ... da Freguesia de Vila Nova de Cerveira; e que

b) tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

45. Como se refere, e muito bem, no douto Acórdão recorrido, ainda que a Autora não tenha pedido a nulidade da escritura de compra e venda através da qual os Réus alegam ter adquirido o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em questão e o cancelamento do respetivo registo, a impugnação judicial do facto registado faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo, nos termos do disposto no artigo 8º do Código de Registo Predial e no seguimento do decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/1998, processo nº 832/97.

46. É entendimento unânime na jurisprudência que o Tribunal não está vinculado ao enquadramento ou qualificação jurídica dada pelas partes aos factos.

47. A Autora pediu a condenação dos Réus no pagamento do valor das árvores que existiam na parcela de terreno em causa nestes autos, mandadas abater pelos Réus.

48. Da matéria de facto dada como provada sob os pontos 33 e 34º da douta sentença proferida em 1ª Instância consta e resulta que, em 04/06/2008, os Réus deram ordens para proceder ao abate de uma mata de eucaliptos situada na parcela de terreno em causa nestes autos, sito em ..., no valor de 13.572,30 €.

49. Tendo-se provado, como se provou, que as árvores abatidas situavam-se no terreno baldio, competia aos Réus alegar e provar que as referidas árvores lhe pertenciam ou que, apesar de não lhe pertencerem, estavam autorizados pela entidade que administrava o baldio em causa para proceder, como procederam, ao seu abate, prova que os Réus não fizeram.

50. Resulta, assim, dos autos que os Réus procederam ao abate de árvores que não lhes pertenciam, sem estarem legitimados para o efeito, locupletando-se, assim, do valor das árvores abatidas sem causa justificativa e à custa ou em prejuízo do baldio de Vila Nova de Cerveira e dos seus compartes.

51. Assistia, como assiste, à Autora, enquanto entidade ou instituição com poderes delegados para administrar o baldio onde se encontravam as árvores mandadas abater, o direito de ser ressarcida do prejuízo sofrido pelo baldio em causa com a atuação dos Réus, no valor de 13.752,30 €, com base no instituto jurídico do enriquecimento sem causa, estabelecido no nº 1 do citado artigo 473º do Código Civil.

52. Da matéria de facto dada como provada resulta claramente que a parcela de terreno que os Réus se encontram a ocupar constitui, como sempre constituiu, terreno baldio.

53. Assistia, como assiste, à Autora o direito de pedir a nulidade do negócio jurídico celebrado entre privados e que teve como objeto tal parcela de terreno, não configurando a atuação por parte da Autora qualquer Abuso de Direito.

54. Conforme consta dos autos, as questões/exceções da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária da Autora para instaurar a ação foram decididas no douto despacho saneador proferido pelo Tribunal de 1ª instância, tendo sido julgadas improcedentes;

55. Não se conformando com tal decisão, no recurso de apelação que interpuseram da decisão final proferida, os Recorrentes suscitaram de novo as exceções da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária da Autora, tendo tais questões sido apreciadas e decididas no douto Acórdão recorrido, tendo as mesmas sido julgadas novamente improcedentes, confirmando-se, assim, o já decidido sobre estas questões no douto despacho saneador de fls…

56. Assim, salvo melhor opinião, as questões da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária da Autora para instaurar a presente ação já não devem ser apreciadas nem decididas por este Supremo Tribunal, por sobre as mesmas já se verificar dupla conforme.

57. Acresce que, no modesto entendimento da Recorrida, as questões da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária de uma Junta de Freguesia para instaurar uma ação a pedir a nulidade de um contrato de compra e venda, celebrado entre privados, que tem como objeto uma parcela de terreno que constitui terreno baldio não assumem, com o devido e devido respeito, relevância jurídica, nem assumem manifesta relevância para uma melhor aplicação do Direito, assim como não têm implicados interesses de particular relevância social, não se justificando, por isso, a intervenção deste Supremo Tribunal.

58. Entende, assim, modestamente a Recorrente que, relativamente às questões da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária da Autora para instaurar a ação, questões que os Recorrentes pretendem ver apreciadas por este Supremo Tribunal, não se verificam os requisitos necessários e exigidos no artigo 672º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, devendo, por isso, a apreciação dessas questões por este Supremo Tribunal ser indeferida, o que se requer.

59. Em todo o caso e por mera cautela sempre se dirá que, conforme resulta dos autos, a Autora instaurou a ação no sentido de ver declarada a nulidade do ato ou negócio jurídico com base no qual os Réus se encontravam a ocupar e se pretendiam apropriar da parcela de terreno que constitui terreno baldio, na qualidade de administradora do baldio em causa e com poderes delegados para o efeito pela Assembleia de Compartes, concretamente com os poderes para todos os atos administrativos e judiciais, conforme consta e resulta da ata de 19/03/2008, de fls. 37 dos autos, ata relativa à reunião da Assembleia de Compartes, realizada em 19/03/2018, de onde consta, para além do mais, a deliberação sobre a renovação da delegação de poderes de administração dos compartes na Junta da Freguesia de Vila Nova de Cerveira, em relação à totalidade da área do baldio, para representar a Assembleia de Compartes em todos os atos administrativos e judiciais (cfr. ata junta com a petição inicial como doc. nº 3 e ata de reunião da Assembleia de Compartes de 24/04/2010, a fls. 268), tendo ainda sido renovada e ratificada a deliberação de ratificação do recurso a juízo pela Junta de Freguesia Autora e a constituição de mandatário com expressa referência à ação em curso com o nº 129/10.7TBVNC (cfr. ata da reunião da Assembleia de Compartes de 16/06/2012, a fls. 278) e ainda ratificada a ata nº 1/2012 do Conselho Diretivo que deliberou ratificar a instauração pela Junta de Freguesia, bem como de todo o processado, da presente ação nº 129/10.7TBVNC (doc de fls 267).

60. As eventuais irregularidades suscitadas pelos Recorrentes quanto à falta de recenseamento dos compartes e às formalidades das convocatórias quer para a reunião com vista à constituição da Assembleia de Comparte quer para as demais reuniões e quanto às deliberações tomadas nas referidas reuniões, para além de não existirem, são questões totalmente irrelevantes para a questão dos autos, porquanto as deliberações nelas tomadas não foram impugnadas e, ainda que o fossem, tal acarretaria apenas a sua anulabilidade, encontrando-se, por isso, em vigor, valendo como expressão dos compartes dos baldios existentes na Freguesia de Vila Nova de Cerveira enquanto não forem judicialmente declaradas nulas ou anuladas.

61. Atentos os factos articulados na petição inicial e os pedidos formulados na ação, é manifesto que a Autora é parte legítima para instaurar a ação, pois é titular de interesse na demanda em defesa dos direitos dos Compartes constituídos em Assembleia, agindo na qualidade de sua administradora e com poderes delegados.

62. Pelo que, sempre as questões da ilegitimidade, da falta de personalidade e da falta de capacidade judiciária da Autora devem ser julgadas improcedentes.

63. A Autora, enquanto instituição com poderes para administrar os baldios existentes na Freguesia de Vila Nova de Cerveira, instaurou contra os Réus a presente ação no sentido de ver declarado que estes (Réus) não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno que ocupam, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, constituindo a mesma terreno baldio, que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição e, em consequência, condenar-se os Réus a restituírem a referida parcela de terreno, completamente livre e devoluta.

64. Assim, conforme consta da petição inicial, o pedido principal formulado na ação consiste em ver declarado que os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como doc.s nºs …, … e …, no sítio de ..., localizada na encosta poente do ... da Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

65. Tratando-se, como se trata, no presente caso, de uma ação declarativa de apreciação negativa, em que está em causa a ocupação por privados (Réus) de terrenos baldios, os terceiros que ocupem os terrenos em questão não devem beneficiar que qualquer proteção, concretamente da proteção prevista no artigo 291º do Código Civil.

66. Com efeito, a proteção estabelecida no artigo 291º do Código Civil pressupõe uma cadeia ou sucessão de negócios jurídicos realizados conforme o ordenamento jurídico, em que o negócio jurídico que se protege, celebrado pelo terceiro, é válido.

67. Ora, os baldios eram considerados prescritíveis desde o Código Civil de Seabra até ao início da vigência do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01 (Lei dos Baldios) e são imprescritíveis a partir da entrada em vigor deste decreto-lei.

68. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01, os baldios deixaram de poder ser objeto de apropriação privada, por qualquer título, incluindo por usucapião.

69. Para poder beneficiar da proteção prevista no artigo 291º do Código Civil e obstar a procedência dos pedidos formulados pela Autora na ação, competia aos Réus provar que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs ..., ...e ..., que se encontram a ocupar, sempre constituiu propriedade privada e quando a compraram ao FF através da escritura celebrada em 06/04/1987, junta com a contestação coo doc. nº 1, mantinha esta característica (privada), ou que, apesar de, em tempos, tal parcela de terreno ter sido terreno baldio, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01 (Lei dos Baldios), já tinha sido apropriada e adquirida (usucapião) por privados, mantendo tal característica (terreno privado) após a entrada em vigor desta lei (Lei dos Baldios).

70. Prova que os Réus não lograram fazer.

71. Pelo contrário! Provou-se que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, sempre foi, como ainda é, terreno baldio.

72. Assim, aquando da celebração da escritura junta com a contestação como doc. nº 1, realizada em 06/04/1987, o FF não podia ter vendido, como não vendeu, aos Réus e estes não lhe podiam ter comprado, como não compraram, o prédio rústico aí identificado, por o mesmo, sendo, como se provou nos presentes autos que é, terreno baldio, não poder ser objeto de negócio ou contrato de compra e venda, por se encontrar, como encontra, fora do comércio jurídico.

73. Deste modo, o “negócio” celebrado entre o FF e os Réus através da citada escritura, intitulada de compra e venda, foi realizado à revelia do ordenamento jurídico, já que teve por objeto um bem que estava fora do comércio jurídico, devendo, por isso, considerar-se inexistente.

74. E, nessa medida, o “negócio” em que os Réus se apoiam não podia nem pode ter, como não tem, qualquer proteção legal, nomeadamente a proteção prevista no artigo 291º do Código Civil, uma vez que sendo o negócio em causa considerado juridicamente inexistente, nunca produziu quaisquer efeitos jurídicos.

75. Pelo que, o artigo 291º do Código Civil nunca podia, como não pode, proteger direitos que nunca existiram na esfera jurídica dos Réus.

76. Deste modo, in casu, não há lugar à aplicação da proteção de terceiros, prevista no artigo 291º do Código Civil, como pretendem os Recorrentes.

77. Tratando-se, como se trata, no presente caso de uma ação declarativa de apreciação negativa, em que está em causa a ocupação por privados (Réus) de terrenos baldios, os quais não são suscetíveis de apropriação privada, por estarem fora do comércio jurídico, não deve haver lugar à presunção do direito de propriedade do terreno em causa a favor de privados, in casu, dos Réus, pelo simples facto destes terem comprado e registado um prédio que alegam abranger ou incluir a área da parcela de terreno em discussão.

78. De facto, entendemos que estando em discussão saber se houve, ou não, ocupação de terrenos baldios por parte de privados, impõe-se que se faça a prova efetiva do direito de propriedade sobre o terreno ocupado que está em discussão, não resultando tal direito de propriedade da simples presunção derivada do registo de prédio confinante com o baldio.

79. A presunção derivada do registo refere-se apenas ao direito de propriedade, mas não abrange os limites, as áreas, as configurações e as confrontações dos prédios.

80. Pelo que, estando em discussão a natureza comunitária (baldio) de terrenos ocupados por privados, sobre estes (privados), ainda que gozem da presunção derivada do registo sobre determinado prédio, deve recair o ónus da prova do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.

81. Sendo que, devem ser os privados a provar que a parcela de terreno que ocupam não integra o baldio ou que, tendo-o integrado, ocupam os terrenos desde data anterior à entrada em vigor da lei dos Baldios, praticando atos de posse conducentes à usucapião.

82. Estando em causa a natureza comunitária (baldio) dos terrenos ocupados, deve recair sobre os respetivos ocupantes o ónus da prova, quer da natureza privada dos terrenos aquando da entrada em vigor da Lei dos Baldios (Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01), quer da prática de atos de posse conducentes à usucapião, com referência a esta mesma data.

83. Com efeito, os baldios eram considerados prescritíveis desde o Código Civil de Seabra até ao início da vigência do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01 (Lei dos Baldios) e são imprescritíveis a partir da entrada em vigor deste decreto-lei.

84. Assim, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01, os baldios deixaram de poder ser objeto de apropriação privada, por qualquer título, incluindo por usucapião.

85. Deste modo, para obstar a procedência dos pedidos formulados pela Autora na ação, competia aos Réus provar que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, que se encontram a ocupar, sempre constituiu propriedade privada e quando a compraram ao FF através da escritura celebrada em 06/04/1987, junta com a contestação como doc. nº 1, mantinha esta característica (privada), ou que, apesar de, em tempos, tal parcela de terreno ter sido terreno baldio, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19/01 (Lei dos Baldios), já tinha sido apropriada e adquirida (usucapião) por privados, mantendo tal característica (terreno privado) após a entrada em vigor desta lei (Lei dos Baldios).

86. Prova que os Réus não lograram fazer.

87. Pelo contrário. Apesar de entender que não lhe competia fazer tal prova, a Autora/Recorrida alegou e logrou provar que a parcela de terreno em causa nestes autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e …, sempre foi, como ainda é, terreno baldio.

88. Pelo que, ainda que se entenda que a presunção derivada do registo se aplica aos casos em que esteja em causa a ocupação de terrenos baldios, por parte de privados, como é o caso, sempre tal presunção tem de ceder perante a prova efetiva do direito ao uso e fruição dos Compartes do Baldio situado na Freguesia de Vila Nova de Cerveira sobre a parcela de terreno em causa.

89. Deste modo, não podia, como não pode, ser reconhecido aos Réus o direito de propriedade sobre a parcela de terreno que se encontram a ocupar, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs …, … e ….

90. Entende, assim, a Recorrida que nos casos de ocupação de terrenos baldios, por parte de privados, os terceiros que ocupem os terrenos em questão não devem beneficiar que qualquer presunção e/ou proteção, concretamente da presunção derivada do registo, estabelecida no artigo 7º do Código do Registo Predial, e ainda da proteção prevista no artigo 291º do Código Civil.

91. Assim, no modesto entendimento da Recorrida, não assiste razão aos Recorrentes nas questões suscitadas.

92. Ao ocuparem, como ocupam, a parcela de terreno com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs ..., ...e ..., que constitui terreno baldio que é, desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição, e ao ter mandado, como mandou, efetuar um abate de árvores existentes em tal parcela de terreno, que não lhe pertenciam e sem autorização legítima para o efeito, os Réus estão a violar e violaram os direitos de uso e fruição dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira sobre os terrenos que constituem o monte baldio conhecido por “...”, que integra a referida parcela de terreno.

93. De facto, ao atuarem de tal forma, os Réus impedem os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira de utilizarem os montes baldios, nomeadamente o baldio denominado como “...” e de praticarem neste monte baldio, e mais concretamente na parcela de terreno com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs ..., ...e ..., os mais variados atos de uso e fruição, como apascentação de gados, corte de matos, apanha de lenhas e corte e extração de pedra.

94. Pelo que, assistia, como assiste, à Autora, enquanto instituição com poderes delegados pela Assembleia de Compartes da Freguesia de Vila Nova de Cerveira para administrador os baldios situados na referida freguesia de Vila Nova de Cerveira, o direito de pedir que os Réus lhe restituam a parcela de terreno baldio, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como doc.s nºs ..., ...e ..., completamente livre e devoluta, e lhe paguem o valor do prejuízo causado ao baldio e aos compartes com o abate dos eucaliptos que levou a cabo naquela parcela de terreno, de forma ilegal e ilegítima.

95. Daí a ação instaurada pela Autora, ora Recorrida, ter sido, e muito bem, julgada parcialmente procedente, por provada.

96. A douta decisão recorrida encontra-se correta e doutamente fundamentada e não é passível de qualquer reparo ou censura, devendo, por isso, manter-se inalterada, com as legais consequências.

97. Pelo que, o recurso de revista – normal e excecional – interposto pelos Recorrentes deve ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se o douto Acórdão recorrido

Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Réus/Recorrentes, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

*

O recurso foi admitido como de revista em termos gerais no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto e arguição de nulidades relacionadas com essa impugnação.

Os recorrentes também recorrem de revista excecional, “Nos segmentos decisórios em que o Acórdão recorrido (i) julgou improcedente a arguição de ilegitimidade, falta de personalidade e capacidade judiciária da Recorrida (ii) recusou a aplicação, à hipótese dos autos, do nº 1 do art. 291º do CC (e do art. 17º, nº 2 do CRP), a impugnação do Acórdão recorrido é feita ao abrigo do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 672º do CPC”, por entenderem verificar-se, nesse segmento, dupla conforme. Para haver conhecimento destas questões terá de primeiramente a Formação prevista no art. 672 nº 3 do CPC fazer a sua apreciação preliminar sumária e decidir pela admissão da revista excecional.

*

Os recorrentes recorrem de revista nos termos gerais, arguindo nulidades do acórdão e, impugnando a matéria de facto, questionando os poderes-deveres do Tribunal da Relação, relativos à reapreciação da matéria de facto.

Como referido no anterior acórdão deste STJ constante de fls. 2728 a 2760 dos autos, “- as nulidades do acórdão são vícios intrínsecos do mesmo e não também da sentença de 1.ª instância, e, a admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais quanto a outra ou outras questões, sempre implica o conhecimento, por arrastamento, das mesmas – art. 615.º, n.º 4, do CPC”. E acrescenta, “- os poderes-deveres da Relação na apreciação da matéria de facto, previstos no artigo 662.º do CPC, são exclusivos deste tribunal de recurso, pelo que a sua violação só pode ser imputada ao mesmo e não também ao tribunal de 1.ª instância”. E, “Do exposto decorre, atenta também a inexistência de qualquer outro obstáculo processual, que todas as referidas questões devem ser conhecidas neste recurso de revista nos termos gerais”.

É entendimento do STJ que nos casos em que foi violada a lei processual que disciplina os pressupostos e os fundamentos da reponderação pelo Tribunal da Relação, da decisão sobre a matéria de facto no sentido de garantir um duplo grau de jurisdição em tal matéria, é admissível o recurso de revista - Revista n.º 232/13.1TBLMG.C1.S1 - 1.ª Secção.

“Não existe dupla conforme entre a decisão da 1.ª instância e o acórdão da Relação que, por via da impugnação da decisão da matéria de facto em apelação, dela conhece e não a altera, confirmando o decidido, se a questão colocada no recurso de revista radica no uso pela 2.ª instância dos poderes conferidos no art. 662.º, n.º 2, do CPC, próprios e privativos do tribunal da Relação, sem correspondência na decisão da 1.ª instância” – Ac. do STJ de 03-11-2016, in Revista excecional n.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1.

Assim como não há dupla conforme relativamente às eventuais nulidades arguidas, já que as mesmas são intrínsecas ao acórdão recorrido.

E no âmbito do recurso, que os recorrentes denominam de revista em termos gerais, alegam as seguintes questões:

1-A nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronuncia:

a)- A ação deveria ter sido qualificada como ação de reivindicação;

b)- Os réus podem obstar à entrega do terrenos em análise porque têm um título justificativo da posse (registo predial);

c)- A reivindicação do terreno pela recorrida (autora) carecia da alegação e demonstração da invalidade desse titulo aquisitivo (registo predial a favor dos réus);

d)- A autora Junta de freguesia como administradora do Baldio só podia pedir a entrega do terreno aos compartes (comunidade);

e)- Ao pedir que se condenem os réus  a entregar à autora o terreno formula um pedido ilegal, pois pedia que lhe fosse entregue coisa que não lhe pertence;

f)- A Junta de Freguesia quer apossar-se do terreno, cominando a lei com a nulidade tais atos de apossamento;

g)- O artigo matricial nº … inscrito a favor da recorrida em 1989 não compreende este prédio;

h)- Na fundamentação da matéria de facto não se atendeu a toda a prova produzida, nomeadamente a prova por inspeção ao local e depoimento das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL. Não se indicaram os meios de prova relativos a cada facto;

i)- Foi omitida a razão de ciência nas provas;

j)- Os compartes no Baldio não podiam depor como testemunhas;

k)- O que inquina  a decisão sobre a matéria de facto, por se traduzir em utilização de prova indevida;

l)- A Junta de Freguesia não tinha poderes de representação dos compartes;

m)- O terreno em causa, desde 1960 tem vindo a ser utilizado por particulares;

n)- A Junta de Freguesia não alegou e provou factos demonstrativos do enriquecimento sem causa.

Sendo admissível recurso de revista em termos gerais no âmbito da impugnação da matéria de facto, temos como passíveis de conhecimento em termos de revista normal, das nulidades invocadas, apenas, as relacionadas com matéria atinente a esta impugnação. Assim o determinam os arts. 615 nº 4, art. 666 nº 1 e art. 679, todos do CPC.

Nestes termos, temos que não se enquadram na matéria da revista em termos gerais as questões suscitadas e acima enumeradas em 1-a) a 1-g) e 1-l) a 1-n), já que respeitarão a matéria da revista excecional (relacionadas com a i/legitimidade da autora Junta de Freguesia e, inscrição no registo predial, em nome dos réus.

Relativamente à revista normal, e relacionadas com a matéria de facto os recorrentes questionam os itens indicados sob as alíneas 1-h) a 1-k) e que delas, desde já, se toma conhecimento e são:

1-A nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronuncia:

h)- Na fundamentação da matéria de facto não se atendeu a toda a prova produzida, nomeadamente a prova por inspeção ao local e depoimento das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL. Não se indicaram os meios de prova relativos a cada facto;

i)- Foi omitida a razão de ciência nas provas;

j)- Os compartes no Baldio não podiam depor como testemunhas;

k)- O que inquina  a decisão sobre a matéria de facto, por se traduzir em utilização de prova indevida;

E ainda e relativa à eventual reapreciação da matéria de facto:

2-a) - Falta de fundamentação da decisão proferida sobre a reclamação da seleção da matéria de facto.

2-b) - A fundamentação está em oposição com a decisão proferida.

2-c) - Indevido uso pela Relação dos poderes que lhe estão confiados para reapreciação da matéria de facto.

*

Nas Instâncias foram julgados como provados os seguintes factos:

Factos declarados provados na sentença recorrida:

1. Consta da “Ata n.º 1” de reunião de Compartes da Freguesia de Vila Nova de Cerveira o seguinte: “Nos catorze dias do mês de Julho do ano de mil novecentos e noventa e nove, reuniram na Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira os compartes desta freguesia, para se proceder à eleição dos seguintes órgãos. 1.º Assembleia de compartes (…)”

2. Consta da “Ata n.º 4” ata de reunião da assembleia dos Compartes a Freguesia de Vila Nova de Cerveira o seguinte: “Aos cinte dias do mês de Julho de 2007 (…) reuniu pela segunda vez a assembleia dos compartes da freguesia de Vila Nova de Cerveira (…). Ponto Dois: Delegar na Junta de Freguesia poderes para administrar os baldios (…), proposta esta que posta à votação foi aprovada por unanimidade.”

3. Consta da “Minuta da ata da reunião realizada no dia 19 de Março de 2008”: “Aos dezanove dias do mês de Março de dois mil e oito (…), reuniu (…) a assembleia de compartes dos baldios da freguesia de Vila Nova de Cerveira, com os seguintes pontos na ordem de trabalhos (…). Ponto três: Deliberar sobre a renovação da delegação dos poderes de administração dos compartes na Junta de Freguesia, em relação à totalidade da área do baldio, para representar a Assembleia de Compartes em todos os atos administrativos e judiciais (…). Relativamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos a assembleia deliberou (por unanimidade) renovar a delegação dos poderes de administração dos compartes na Junta de Freguesia, em relação à totalidade da área do baldio, para representar a Assembleia de Compartes em todos os atos administrativos e judiciais.”

4. Consta da “Minuta da ata da reunião realizada no dia 24 de Abril de 2010” o seguinte: “Aos vinte e quatro dias do mês de Abril do ano de dois mil e dez (…) reuniu (…) a assembleia de compartes dos baldios da freguesia de Vila Nova de Cerveira, com os seguintes pontos na ordem de trabalhos(…). Ponto cinco: Aprovação da delegação dos poderes de administração da totalidade dos baldios no órgão executivo da Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira (…). No tocante ao quinto ponto da ordem de trabalhos, posto à votação, a assembleia deliberou por unanimidade renovar a delegação dos poderes de administração da totalidade dos baldios comunitários da freguesia no órgão executivo da Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira (…)”.

5. Encontra-se inscrito na matriz a favor da Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira, sob o artigo … e tendo uma área de 13,550 hectares um monte designado por ... ….

6. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 21.4.1892, o requerimento de um morador de Vila Nova de Cerveira, de nome NNN, ..., a solicitar o aforamento de uma porção de terreno baldio, sito no Lugar …, onde já tinha edificado duas barracas, uma para manipulação e outra para depósito de fogo e pólvora, edificadas em virtude do alvará de licença daquela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira com data de 15 de Setembro de 1884.

7. Foi à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 22.10.1949, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome OOO, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para cortar vinte metros cúbicos de cantaria no ... em Vila Nova de Cerveira, requerimento que foi deferido.

8. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 4.10.1950, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome PPP, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para poder cortar e retirar do ..., em Vila Nova de Cerveira, dez metros cúbicos de alvenaria, durante o prazo de quatro meses, que foi deferido, fixando-se um mês de prazo para retirar a pedra.

9. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira em reunião havida em 4.3.1953, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome QQQ, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para retirar do monte denominado …, em Vi-la Nova de Cerveira, quinze metros cúbicos de cantaria, pelo prazo de sessenta dias, que foi deferido, fixando-se o prazo de quarenta dias.

10. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 30.9.1953, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome RRR, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para retirar oito metros cúbicos de cantaria do ..., em Vila Nova de Cerveira, durante o prazo de sessenta dias, que foi deferido, fixando-se o prazo em quarenta dias.

11. Em 21 de Julho de 1956, SSS, industrial, morador na Rua …, na cidade …, apresentou um manifesto na Secretaria da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira dando conta de que tinha descoberto por simples inspeção da superfície minério de cassitérité no sítio denominado ..., freguesia e concelho de Vila Nova de Cerveira, sendo a propriedade em que se efetuou a descoberta terreno baldio, no ponto de partida da antiga capela em ruínas, denominada ..., e confronta do Nordeste com a …, ao Sudoeste com o Lugar … e do Poente com o concelho de Vila Nova de Cerveira. O ponto de partida determina-se pelas coordenadas planas ortogonais referidas à meridiana e sua perpendicular com origem no … em Lisboa e são à, à meridiana sinal menos trinta e três mil e cem metros e à perpendicular sinal menos trezentos e cinquenta e oito mil e quatrocentos metros.

12. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 5.12.1956, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome TTT, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para retirar seis metros cúbicos de cantaria e dez metros cúbicos de alvenaria no monte denominado ..., em Vila Nova de Cerveira, que foi deferido, fixando-se o prazo de quarenta dias.

13. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 5.11.1958, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome UUU, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para retirar vinte e cinco metros cúbicos de alvenaria do ..., em Vila Nova de Cerveira, necessitando de vinte dias de prazo, que lhe foi deferido.

14. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 2.11.1960, o requerimento de um morador da freguesia de Vila Nova de Cerveira, de nome VVV, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para cortar e retirar do monte denominado ..., em Vila Nova de Cerveira, cinco metros cúbicos de cantaria, necessitando de trinta dias de prazo, que lhe foi deferido.

15. Foi posto à deliberação da Câmara de Vila Nova de Cerveira, em reunião havida em 30.6.1965, o requerimento de XXX, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para cortar pedra no monte denominado ..., em Vila Nova de Cerveira, requerendo o corte de 200 metros de cantaria e de 300 metros cúbicos de alvenaria, que lhe foi deferida mas apenas na superfície compreendida na largura de 1000 metros, medindo 500 metros para cada lado do meio da …, determinado por uma linha no sentido Sul-Norte, e no comprimento de 150 metros a partir do limite da mesma quinta e no mesmo sentido.

16. Em Março de 1981, a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira construiu uma estrada pública nova no monte conhecido como ..., desde a via de acesso à …, sita na freguesia de …, deste concelho e comarca de Vila Nova de Cerveira, ao lugar …, em Vila Nova de Cerveira, numa extensão de mais de 500 metros.

17. Por escritura pública celebrada em 6.4.1987, no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira, AA declarou comprar a FF e à mulher, XX, e estes declararam vender, pelo preço de 5.000.000$00, o prédio rústico, com uma área de 23.500 m2, situado no lugar …, correspondente a um terreno de matos e pinheiros com eucaliptos, confrontando a norte com terrenos de ZZZ, a ligar à estrada que liga o lugar … com a estrada da ..., a sul com terre-nos do Eng. GG, a nascente com estrada do lugar … à estrada da ... e a poente com terrenos de ZZZ.

18. Tal aquisição foi inscrita no registo predial com data de 21.7.1987.

19. Consta da ata da reunião do Conselho Diretivo dos baldios de Vila Nova de Cerveira do dia 10.5.2012 a deliberação de ratificação do recurso a juízo pela Junta de Freguesia de Vila Nova de Cerveira.

20. Na freguesia de Vila Nova de Cerveira existem os montes conhecidos por ..., … e … ou ….

21. O ... confronta a nascente com a quinta das … e ..., a sul com a ... e caminho público, a poente com o … e o ...… e caminho público que vai da rua do … à …, e a norte com um muro de pedra que confina com a denominada mata ... e com a estrada da Srª ....

22. Na encosta poente/sul do ... existe um lugar denominado ....

23. A porção de terreno a que respeita a escritura referida em 17 insere-se no ....

24. Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira vêm utilizando coletivamente os terrenos que constituem o ..., onde se inclui o lugar de ..., para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas e corte e extração de pedra e o exercício da caça, neles fazendo, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira.

25. Por ali transitando carros de bois e, posteriormente, tratores e outros veículos motorizados para acederem aos mais diversos lugares da freguesia, inclusive com animais.

26. À vista de toda a gente.

27. Sem oposição de quem quer que seja.

28. De forma ininterrupta e pacífica.

29. Na convicção de que esse monte estava, como está, afeto a logradouro comum dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira.

30. As porções de terreno para as quais os moradores acima referidos pretendiam autorização para cortar cantaria e alvenaria e onde SSS descobriu minério integravam o monte conhecido por ....

31. No ano de 1980, no intuito de criar polos de atração turística na região, a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira procedeu à iluminação do monte conhecido como ..., situado a nascente de Vila Nova de Cerveira, com 227 de altura máxima, encimado por um pórtico, ruína da antiga capela, servido pela estrada municipal que dá acesso à ... e à Serra da …, ali tendo colocado vários focos.

32. O terreno onde a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira colocou os focos e onde procedeu ao corte e terraplanagem do monte e, posteriormente, à construção da estrada pública acima referida integrava, como integra, o monte conhecido por ....

33. Em 4 de Junho de 2008, AA deu ordens para proceder ao abate de uma mata de eucaliptos na encosta sul/poente do ..., no sítio de ....

34. Em virtude do referido abate, ocorrido em 4 de Junho de 2008, a autora sofreu um prejuízo de € 13.572,30.

35. Cerca de dez anos antes, AA dera ordens para se efetuar um corte de eucaliptos.

36. Os réus não foram autorizados a ocupar nem a proceder ao abate de árvores na parcela identificada em 32.

37. As reuniões acima identificadas eram Assembleias de Compartes.

Factos não provados

A. A porção de terreno para a qual o ... NNN pretendia o aforamento integrava o monte conhecido por ...

B. Os montes do ..., das … e … ou … inserem-se no perímetro florestal das … e ….

C. O terreno acima identificado, objeto da escritura pública de 6.4.1987, foi utilizado e fruído pelos antecessores de AAAA, há mais de 100 anos, à vista de todos e com o reconhecimento de todos.

D. Em virtude do corte de eucaliptos acima descrito, ocorrido cerca de dez anos antes, a autora sofreu um prejuízo de € 20.936,40.

E. As quantias acima referidas, obtidas com os abates de eucaliptos, foram utilizadas também por BB.

*

Conhecendo:

Tendo em conta que a matéria a conhecer, no recurso de revista em termos gerais, se encontra interligada, conhece-se em conjunto das várias questões suscitadas.

Sobre a questão das nulidades arguidas pronunciou-se o Tribunal recorrido (em acórdão elaborado nos termos do art. 617 nº 1 do CPC), nos seguintes termos:

Compulsado o texto do acórdão que antecede, entende este Tribunal que não se mostra ocorrer, face aos termos do mesmo, qualquer causa de nulidade de Acórdão prevista no art.º 615 do Código de Processo Civil, nem as invocadas, nem qualquer outra.

Com efeito, sendo o objeto de conhecimento do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como determina o art.º 635, nº 4 do Código de Processo Civil, verifica-se que sendo as conclusões das alegações as transcritas a fls. 2771/2798 do Acórdão recorrido, e as questões a decidir, face às mesmas, as indicadas a fls. 2798/2799 do Acórdão, relativamente ao recurso de apelação dos Réus/apelantes, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões invocadas e a apreciar, não omitindo o conhecimento de quaisquer das questões objeto do recurso de apelação, nem a respetiva fundamentação que se encontra exposta, como resulta do teor de fls. 2800 e sgs, impondo-se aos Tribunais, nos termos da lei, o conhecimento das “Questões” objeto de litigio/recurso, distinguindo-se estas dos meros “argumentos” ou “doutrinas expendidas pelas partes”- cfr. Ac. STJ, de 13/5/2004, P. 04B839, in www.dgsi.pt., ainda não resultando do texto do Acórdão proferido a sua ininteligibilidade ou contradição ou insuficiência de exposição e fundamentação, e, ainda, não se demonstra invalidade de decisão ou de qualquer ato processual decorrente de vício de gravação da prova, sendo que os depoimentos testemunhais em referência são de teor expresso na sentença recorrida e não impugnado,  e, sendo, ainda, que no mais argumentado se reportam já os reclamantes a matéria da causa, e, alegado erro de julgamento, valendo nessa parte a disposição legal do nº 1 do artº 613 do CPC, tendo ficado esgotado o poder jurisdicional com a prolação da decisão, estando este Tribunal legalmente impedido de proceder a nova apreciação da matéria em litígio”. 

Vejamos:

1-A nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronuncia (falta de fundamentação):

Alegam os recorrentes que:

- Na fundamentação da matéria de facto não se atendeu a toda a prova produzida, nomeadamente a prova por inspeção ao local e depoimento das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL. Não se indicaram os meios de prova relativos a cada facto; - Foi omitida a razão de ciência nas provas; - As testemunhas eram compartes no Baldio;

- O que inquina a decisão sobre a matéria de facto, por se traduzir em utilização de prova indevida.

No recurso de apelação alegavam os réus/recorrentes, além do mais:

- Conclusão 57: “Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto não são produzidas quaisquer considerações sobre a prova por inspeção ao local requerida pelos RR e realizada em 17 de Junho de 2016, não é feita nenhuma apreciação crítica dos depoimentos prestados, designadamente, pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e LL, não são identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos que foram considerados pelo Tribunal a quo para, por referência a cada facto, os dar como provados ou não provados…”.

-Conclusão 58: “De igual modo, foram omitidas as razões de ciência no que diz respeito ao escrutínio e a valoração da prova por inspeção ao local, dos documentos juntos e a menção à credibilidade da maior parte das testemunhas, à consistência e coerência do seu depoimento (ou falta delas), bem como as razões justificativas da opção feita no conjunto da prova testemunhal em face dos demais elementos probatórios, mormente a prova por inspeção ao local e a documentação existente nos autos.. “.

 -Conclusão 60: “No momento em que as testemunhas MM, NN, OO, PP,  QQ, RR, SS, TT, UU, VV, prestaram os respetivos depoimentos nos presentes autos, na qualidade de testemunhas, eram, na sua versão dos acontecimentos, atentas as causas de pedir invocados, os pedidos formulados e o local onde residiam (Vila Nova de Cerveira), compartes do baldio e, como tal, devem ser considerados como partes”.

-Conclusão 61: “Tendo os respetivos depoimentos testemunhais sido considerados para a prova os factos dados como provados, designadamente os que constam dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33, fica inquinada a decisão proferida sobre a matéria de facto por utilização de uma prova indevida”.

E sobre estas questões, pronunciou-se o tribunal recorrido a fls. 56 a 58 do acórdão, nos seguintes termos:

2. Invocam os Réus a verificação de nulidades previstas nos arts. 607 nº 4 e 615, nº 1, al. b), alegando ocorrer falta de fundamentação do julgamento da matéria de facto, ou, pelo menos, por insuficiência ou obscuridade da mesma, igualmente, sem razão, porém.

Nos termos dos n.º 4 e 5 do art.º 607 do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença deverá o Juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, apreciando o juiz livremente as provas segundo a sua prudente e livre convicção.

Como se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2/10/2008, P.07B1829, “Nos termos do artº 653 nº 2 do C. P. Civil“... “O que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objetivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto; é a descrição do raciocínio lógico seu condutor, o qual tem a ver, na sua base, com os elementos probatórios produzidos.

 Esta norma não obriga o tribunal a descrever “de modo minucioso”, de uma forma exaustiva, perfeita, o processo de raciocínio ou o “iter” lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respetivo raciocínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para, através da sua análise crítica, fixar os factos.

Compulsados os autos verifica-se que, no caso sub judice, o Tribunal “a quo“ procedeu ao julgamento da matéria de facto nos termos do art. 607 do Código de Processo Civil, tendo em sede de tal julgamento apreciado todos os meios de prova produzidos, fazendo-o de acordo com uma análise critica das provas, que devidamente especificou, e de forma exaustiva, e, na fundamentação da sentença nos termos do disposto no art.º 607,  nº 4 e 5 do Código de Processo Civil, a Mº Juiz “a quo“ especificou os factos provados e aplicou o direito aos mesmos correspondente (v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 8/6/2004, P.05A963, in www.dgsi.pt.).

A apreciação sobre a correção da valoração dos meios de prova produzidos respeita já à impugnação da matéria de facto nos termos do art. 662 do Código de Processo Civil.

Conclui-se, nos termos expostos, pela não verificação da invocada violação dos n.º 4 e 5 do art.º 607 do Código de Processo Civil, improcedendo, também nesta parte, os fundamentos da apelação,

Já relativamente aos vícios previstos no citado art. 615 do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjetivo ou processual e que afetam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados.

Assim, e quer relativamente à falta de fundamentação, quer no que à omissão de pronúncia se refere, reporta-se a lei a total ausência de fundamentação, e não a fundamentação insuficiente ou, eventualmente, errada, e, a um desconhecimento absoluto da questão objeto da decisão (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2004, p.04B1409, in www.dgsi.pt), sendo, ainda, que “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in  www.dgsi.pt.., improcedendo a apelação”.

O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra consagração a nível constitucional, tendo as leis processuais vindo a adaptar-se, com vista ao cumprimento integral desse dever de fundamentação, incluindo a matéria de facto.

Refere o art. 205, n.º 1, da CRP que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

E o art. 607 do CPC estipula que, “4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Estruturalmente a decisão da matéria de facto é composta de duas partes. A primeira parte consiste na resposta aos factos controvertidos e uma segunda parte onde o tribunal explana a sua motivação, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador –cfr. TIAGO CAIADO MILHEIRO in  “NULIDADES DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO”, JULGAR on line – 2013.

“Não é necessária, nem aconselhável que essa motivação se traduza na reprodução ou no resumo dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A apreciação crítica destes ou de quaisquer outros meios de prova basta-se com a exposição dos aspetos que para o juiz se revelaram decisivos para a enunciação dos factos que considerou provados e não provados, devendo reforçar a motivação quando tenha sido confrontado com meios de prova não coincidentes.

Esse dever não se basta obviamente com a alusão genérica e indiscriminada a determinados meios de prova (v.g. “a prova testemunhal” ou “a prova pericial”). Correspetivamente, é curial que a motivação seja individualizada relativamente a cada facto ou factos que entre si formem um bloco.

Importa que também a motivação seja transparente, por forma a habilitar as partes a compreender as razões essenciais em que o juiz sustentou a sua decisão e, em casos de discordância, a proceder à sua impugnação.

A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais, com indicação, por exemplo, das razões de ciência que relevou, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua reapreciação pela Relação” –Abrantes Geraldes in “Sentença Cível”, pág. 23 https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf; e também in “Recursos no Novo CPC”, 2013, págs. 242 a 244.

E refere Jorge Bispo in “A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO”, http://repositorio.uportu.pt/bitstream/11328/865/1/TMD%2027.pdf, a  fls. 29 “A essa fase de recolha da informação, segue-se a análise crítica da mesma, com base na qual se emitirão os juízos de inferência que, em termos lógicos e racionais, permitam concluir sobre se os factos relevantes para a decisão da causa se consideram provados ou não provados. A decisão de facto assenta, pois, nesse conjunto de juízos, feitos pelo juiz sobre toda a atividade probatória produzida e carreada para o processo”, acrescentando a fls. 49, “É, pois, necessário que a motivação se apresente como suficiente, isto é, que contenha a justificação de todas as questões que na decisão de facto foram objeto de apreciação, sem referir nem mais nem menos do que aquilo que tem de abordar, de modo a que as opções efetuadas sejam compreendidas pelos destinatários da decisão”.

Assim e concordando com este entendimento temos que, sendo os recursos um “remédio” para ultrapassar patentes erros de julgamento e não um novo julgamento, a real fundamentação (quer da matéria de facto quer do direito) deve constar da sentença e, no caso de concordância com essa fundamentação o tribunal superior pode ponderar os termos do recurso de forma mais sintética e remetendo de forma, mais ou menos expressa, para os fundamentos na sentença explanados.

O acórdão recorrido não constitui um exemplo de como deve ser fundamentada uma decisão sobre a matéria de facto, no entanto temos que a motivação explanada permite que as partes compreendam as razões essenciais em que o tribunal sustentou a sua decisão, tendo como complemento a fundamentação da sentença.

Na fundamentação da sentença o juiz pronunciou-se sobre os factos essenciais, indicando as razões da seleção da matéria de facto, o que permitiu, de forma clara a compreensão da decisão pelas partes, garantindo a impugnação da decisão pela via do recurso, assim como a reapreciação pela Relação.

Desta reapreciação pode resultar a revogação ou, a confirmação, sendo que no caso confirmativo, a fundamentação da Relação apenas irá acrescer à fundamentação da 1ª instância.

E neste segmento referente à ampliação da matéria de facto, já constante de reclamação nos termos do art. 511 do anterior CPC, em despacho proferido se disse que “Quanto à restante matéria alegada na contestação e objeto de reclamação, importa, desde logo, ter presente que, tendo em conta que em sede de contestação os Réus pugnam, tão só, pela improcedência da presente ação, por via disso, o ónus da prova impende apenas sobre a Autora”. Não tem relevância o levar à base instrutória factos contrários aos alegados pela A., pois os RR. podiam fazer a contraprova e provocar a não prova dos factos alegados pela A. na petição.

Conforme jurisprudência deste STJ, “De harmonia com o princípio da limitação a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com indiscutível relevância para a decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cfr. artigo 130 do CPC). Por conseguinte, se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos” (Ac. STJ de 14.3.2019, Proc. nº 8765/16.16.1T8LSB.L1.S2, em www.dgsi.pt; cfr., ainda, o Ac. STJ de 17.5.2017, proc. nº 4111/13.4TBBRG.S1 (O direito à impugnação da decisão de facto previsto no art. 640.º do CPC assume um caráter instrumental face à decisão sobre o fundo da causa), e o Ac. STJ de 11.2.2015, proc. nº 422/2001.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

“O tribunal da Relação só ordena a ampliação da matéria de facto quando a considere, pois, indispensável. E ela é indispensável quando se revele necessária/imprescindível à decisão de direito que se vai tomar na Relação e àquele que pode vir a ser tomada, eventualmente, pelo Supremo” – Ac. do STJ de 19-05-2020, no proc. nº 22172/17.5T8PRT.L1.S1.

E como refere o Ac. deste STJ de 03-10-2017, no proc. nº 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615 do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.

II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608 e 609 do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

IV - É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante”.

No mesmo sentido o Prof. Paulo Pimenta (membro da Comissão da Reforma do Processo Civil) em texto publicado, salienta a fls. 26 que “agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizado somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas. Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exatos termos da lide justifiquem” e a fls. 28, “deve notar-se que a flexibilidade ínsita no conceito de temas da prova garante, só por si, que respetiva enunciação seja ora vaga ou difusa, ora mais concreta ou precisa, tudo dependendo daquilo que seja, realmente, adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litigio”, e a fls. 29, “importa referir que a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto –o que ocorrerá na sentença-, indicar com precisão os factos provados (e os factos não provados)”.

Importante é que a decisão de direito a proferir tenha por base a realidade tal como se revelou nos autos por via da instrução. O Novo Código de Processo Civil pretende, e para isso criou condições, que a decisão em matéria civil se adeque à realidade extra processual e, por essa forma realize a justa composição do litígio. Pretende-se a realização da justiça material.

Assim que a matéria de facto relevante face ao pedido e à causa de pedir nos autos, se encontra enunciada de forma suficiente e, por isso, o Tribunal recorrido sintetizou que “Compulsados os autos verifica-se que, no caso sub judice, o Tribunal “a quo“ procedeu ao julgamento da matéria de facto nos termos do art. 607 do Código de Processo Civil, tendo em sede de tal julgamento apreciado todos os meios de prova produzidos, fazendo-o de acordo com uma análise critica das provas, que devidamente especificou, e de forma exaustiva, e, na fundamentação da sentença nos termos do disposto no art.º 607,  nº 4 e 5 do Código de Processo Civil, a Mº Juiz “a quo“ especificou os factos provados e aplicou o direito aos mesmos correspondente (v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 8/6/2004, P.05A963, in www.dgsi.pt.)”.

Assim que não se verifica nulidade por omissão de pronúncia.

Se o Tribunal não atendeu a toda a prova produzida, e ignorou a razão de ciência das testemunhas, são questões que respeitam a eventual erro de julgamento, e nesses termos deveriam ser objeto da impugnação, não constituindo qualquer nulidade.

A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 608, n.º 2, do CPC e essas, como referido, respeitam à causa de pedir e ao pedido, sendo que as exceções invocadas para conhecimento nesta Instância, ficam dependentes da apreciação pela Formação prevista no art. 672 nº 3 do CPC.

A «pronúncia» cuja «omissão» determina a consequência prevista no art. 615, n.º 1, al. d), do CPC – nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas.

E sobre a questão de as testemunhas serem compartes no Baldio (o que não deixa de ser contraditória esta alegação dos recorrentes com aquela outra de que inexistia assembleia de compartes legalmente constituída), temos que tal não as impede de prestarem depoimento e, na qualidade de testemunhas. Por isso temos como correta a apreciação feita pelo tribunal que refere, no Ac. recorrido, a págs. 57 e 58, “Relativamente á alegada violação do disposto no art. 496 do Código de Processo Civil e impugnação dos factos provados nº 1, 2, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 34, 36, e 37, igualmente, improcedem os fundamentos da apelação, desde logo, não tendo os Réus em momento próprio suscitado de forma fundamentada a verificação do ora alegado impedimento de depoimento testemunhal  (cfr. Atas de Julgamento de fls.), sendo, ainda, que a ter-se verificado qualquer irregularidade a mesma encontrar-se-ia sanada nos termos gerais do art. 199 do CPC, tratando-se já ora de “questão nova” não suscitada nos autos e não submetida à apreciação do Tribunal de 1ª instância, nenhum impeditivo legal se demonstrando proibir a valoração pelo Tribunal da indicada prova testemunhal relativamente aos indicados pontos de facto, improcedendo os fundamentos de impugnação assim deduzidos”.

Acrescentamos que, nos termos da lei art. 494 do CPC, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes e que são, os litigantes no processo. Partes em processo civil são, por um lado, o autor e, por outro, o réu, que no processo têm um estatuto de igualdade- art. 4 do CPC e a que se reportam os arts. 11 e seguintes do mesmo diploma, referentes à personalidade e capacidade judiciária das partes. Chiovenda, citado pelo Prof. Castro Mendes in Direito Processual Civil, vol. II, edição policopiada da AAFDL, 1978/79 define “parte é aquele que pede em seu próprio nome (ou em cujo nome se pede) a atuação de uma vontade da lei, e aquele frente à qual ela é pedida”, ou em termos mais simples, “parte é aquele ou cada um daqueles que pedem a composição de um litígio e aquele ou cada um daqueles frente aos quais tal composição é pedida”. Partes são e consoante o tipo de processo, os requerentes, demandantes, autores, exequentes, por um lado e, requeridos, demandados, réus, executados, por outro.

Assim, o depoimento daquelas pessoas deve ser prestado na qualidade de testemunhas, pois que não são partes e têm capacidade para depor sobre os factos que constituem o objeto da prova – art. 495 do CPC.

Conforme determina o art. 413, do CPC, com a epigrafe “provas atendíveis” toda a prova deve ser aproveitada para a decisão do caso independentemente de quem deva ou não produzi-la.

Por isso, e no caso de serem partes, nos termos do artigo 466 nº 3, do CPC, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão, assim como apreciará o depoimento das partes, prestado nos termos do art. 459, do CPC.

A prova por declarações de parte – art. 466, nº 3 do CPC, bem como o depoimento de parte deve ser valorada livremente pelo juiz, como qualquer outro meio de prova que não seja vinculativo, é o que resulta do art. 607 nº 5 do CPC., tese que vem sendo seguida pela jurisprudência.

Ainda que vingasse a interpretação dos recorrentes, essas pessoas poderiam prestar depoimento e “ajudar” a formar o prudente juízo conviccional, face à livre apreciação feita pelo julgador.

-Entendem os recorrentes que os autos não contêm toda a matéria de facto necessária à boa decisão da causa e que deve ser apurado todo o circunstancialismo factual que se considere juridicamente relevante (entende que identificou 142 artigos da contestação que contêm matéria de facto relevante).

Neste segmento, a alegação de nulidade, por omissão de pronúncia, respeita à alegação de matéria alegada pelos réus e, pelos mesmos, considerada matéria de facto e sobre a qual o tribunal recorrido, bem como a 1ª Instância se limitaram a dizer que se trata de matéria de direito, conclusiva ou irrelevante à decisão e por isso insuscetíveis de incluir no objeto factual de julgamento.

E, como supra se disse, as Instâncias têm razão pois que os temas da prova enunciados devem ser balizados pelos limites que decorrem da causa de pedir.

- Alegando os réus que não foi feita qualquer delegação de poderes a favor da A. (Junta de Freguesia) para administrar quaisquer baldios, nem lhe foram conferidos poderes representativos da comunidade local representada pelos compartes, tal matéria pode ter relevância, nomeadamente para apurar da legitimidade da representação da autora e dos poderes de administração delegados – art. 22 da L. dos Baldios (em vigor à data da propositura da ação), mas é questão dependente da apreciação da Formação prevista no nº 3 do art. 672 do CPC.

Assim, que improcede o recurso neste segmento

2- Matéria de facto:

- Da alegação do indevido uso pela Relação dos poderes que lhe estão confiados para reapreciação da matéria de facto.

-Alegam os recorrentes erro de julgamento da matéria de facto relativamente aos pontos 1, 2, 20 a 29, 34, 36 e 37 dos provados e al. c) dos não provados.

A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres, exames, documentos) conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento. As conclusões do recurso delimitam o objeto deste.

O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso. Os recorrentes é que definem a amplitude do recurso.

A Relação, e face ao objeto do recurso que lhe é apresentado, “deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, tal como preceitua o art. 662 nº 1 do CPC.

Mas, deve a Relação no acórdão, assim como qualquer tribunal nas sentenças ou despachos que não sejam de mero expediente especificar os fundamentos de facto decisivos para a sua convicção e que justificam a decisão da matéria de facto, como impõe o art. 607 nº 4 e art. 615 nº 1 al. b), do CPC, fulminando este com a nulidade a sentença não motivada. E essa fundamentação consta do acórdão, fls 58 a 69 do mesmo.

Os recorrentes indicam os pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, “(os pontos 1, 2, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 34, 36, e 37 dos factos elencados como provados naquela sentença e a factualidade descrita em C. dos factos alegados como não provados)”. 

Refere o Ac. deste STJ de 30-05-2019, no proc. nº 156/16.0T8BCL.G1.S1que: “Não obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662 do CPC ser perentório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674, n.º 1, al. b), do CPC”.

E como afirma Abrantes Geraldes, o atual artigo 662 do CPC representa uma viragem em matéria de poderes do Tribunal da Relação no âmbito da decisão da matéria de facto, “fica[ndo] claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág.. 287 e seg..

Interposto recurso de apelação não se pode esperar que o Tribunal da Relação realize um novo julgamento. O recurso de apelação em matéria de facto é um “remédio para curar” erros patentes, é um meio de reponderação, ou um reexame do julgamento realizado na 1ª instância.

E, no caso concreto verifica-se essa reponderação face ao teor da fundamentação do acórdão recorrido tendo a Relação exercido os poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662 do CPC.

Consta dessa fundamentação: “Nestes termos, e, considerando os pontos da matéria de facto especificamente impugnados e os fundamentos de impugnação deduzidos pelos recorrentes, salienta-se, relativamente aos pontos de facto nº 1 e 2 e facto provado nº 37 que as reuniões em causa eram nas respetivas Atas “denominadas” como Assembleias de Compartes, nenhuma outra factualidade ou conclusão se retirando dos factos em referência, mantendo-se os artigos impugnados; e, assim, também relativamente ao ponto de facto nº 34 é a noção prejuízo aí contida expressa em sentido corrente e comum, mantendo-se.

Relativamente ao valor indicado no facto provado nº 34 resulta o mesmo do doc. fls.974, não demonstrando os Réus documento comprovativo de autorização do abate a que se alude em 36, mantendo-se a resposta dada.

Já relativamente aos depoimentos testemunhais produzidos, confirmaram a descrição e as confrontações do ... cfr. se descreve nos factos provados nº 20 e 21, e, que na encosta poente/sul do ... existe um lugar denominado ..., as testemunhas MM, NN, III, OO, JJJ, KKK, QQ, SS, e, ainda, confirmando que os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira vêm utilizando coletivamente os terrenos que constituem o ..., onde se inclui o lugar de ..., nos termos descritos, as testemunhas MM, NN, III, OO, PP, JJJ, KKK, TT, VV, na matéria indicada prevalecendo estes testemunhos relativamente aos de BB e CCCC, filhos de FF e DDDD, filho de antigo funcionário de FF atenta a ligação destes aos interesses em discussão, de todos estes depoimentos, ainda, se demonstrando a inclusão do terreno em litigio no lugar de ..., e, assim, inserido no ..., assim confirmando a factualidade descrita nos factos provados nº 20 a 29, e, a factualidade não provada constante da al. C) do respetivo elenco, falecendo as conclusões aduzidas pelos Réus relativamente á natureza privada do terreno, sendo certo, ainda, que, como é jurisprudência uniforme, no que toca às confrontações, áreas e limites dos prédios existentes, as escrituras públicas não fazem prova plena. - “O disposto no artº 371º nº1 do C.Civil, não impede o recurso à prova testemunhal para demonstrar o conteúdo dos documentos autênticos, nomeadamente no que respeita à sua conformidade com a realidade. A finalidade do registo predial não é garantir os elementos de identificação - confrontações, limites, área - constantes da descrição do prédio, mas apenas a de assegurar que, relativamente a esse prédio, se verificam certos factos jurídicos.” (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 20/2/2001, in www.dgsi.pt ).

É, assim, legalmente admissível que no julgamento da matéria de facto o tribunal conclua no tocante às áreas, confrontações e demais elementos de descrição dos imóveis constantes do registo por forma distinta à descrição dos mesmos constante do registo, sendo, em tal avaliação, essencial, a ponderação global e relacionada de todos os meios de prova produzidos.

E, assim, da prova testemunhal produzida, e depoimentos acima concretamente especificados, resulta a prova de que:  - Na freguesia de Vila Nova de Cerveira existem os montes conhecidos por ..., …e … ou …; O ... confronta a nascente com a quinta … e ..., a sul com a ... e caminho público, a poente com o … e o ...da … e caminho público que vai da rua … à …, e a norte com um muro de pedra que confina com a denominada mata ...e com a estrada da Srª ...; Na encosta poente/sul do ... existe um lugar denominado ...; A porção de terreno a que respeita a escritura referida em 17 insere-se no ...; Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, os moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira vêm utilizando coletivamente os terrenos que constituem o ..., onde se inclui o lugar de ..., para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas e corte e extração de pedra e o exercício da caça, neles fazendo, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira; Por ali transitando carros de bois e, posteriormente, tratores e outros veículos motorizados para acederem aos mais diversos lugares da freguesia, inclusive com animais; À vista de toda a gente; Sem oposição de quem quer que seja; De forma ininterrupta e pacífica; Na convicção de que esse monte estava, como está, afeto a logradouro comum dos moradores da freguesia de Vila Nova de Cerveira” ( cfr. factos provados nº 20 a 29), revelando-se inconclusivos para a alteração à matéria de facto pretendida os extratos de gravação indicados pelos apelantes e bem como os meios de prova documental e de inspeção ao local, não resultando dos indicados meios de prova concretamente assinalados refutada ou duvidosa a prova da factualidade impugnada e acima indicada, e, ainda, estatuindo o Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro (Lei dos Baldios), no seu artº 2º, que  “Os terrenos baldios, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objeto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião”,  não lograram os Réus provar que a parcela de terreno em causa nos autos, com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta com a petição inicial como documentos nºs ..., ...e ..., constituía propriedade privada quando a compraram ao FF através da escritura celebrada em 06/04/1987, ou, que, tendo sido terreno baldio, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76 já tinha sido apropriada e adquirida usucapião por privados, nomeadamente os possuidores antecessores do imóvel, não tendo os Réus na Acão apresentado meios de prova, nem os especificando em sede de alegações de recurso, de que resulte e se demonstre que “O terreno acima identificado, objeto da escritura pública de 6.4.1987, foi utilizado e fruído pelos antecessores de AAAA, há mais de 100 anos, à vista de todos e com o reconhecimento de todos”, cfr. facto provado al.C), no caso concreto mostrando-se ilidida a presunção de titularidade do imóvel pelos Réus decorrente do artº 7º do Código de Registo Predial, provando a Autora os factos integrativos do direito de que se arroga. (…)

Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência da impugnação da matéria de facto”.

Assim, o que se verifica é, não a falta de fundamentação do acórdão, mas, a divergência dos recorrentes que não se conformam com essa fundamentação.

Da apreciação livre das provas produzidas pode resultar, ou não, a fundamentação da matéria de facto em análise, tudo dependendo da convicção que tais provas mereçam por parte do julgador.

Conforme determina o art. 413, do CPC, com a epigrafe “provas atendíveis” toda a prova deve ser aproveitada para a decisão do caso independentemente de quem deva ou não produzi-la.

Assim, entendemos inexistir falta ou insuficiência da fundamentação da matéria de facto, resultando do acórdão recorrido os motivos que levaram à convicção do tribunal.

Conforme art. 674 nº 3 do CPC, porque não se verifica no acórdão impugnado ofensa de uma certa disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, eventual erro na apreciação das provas não pode ser objeto de  recurso de revista.

“Não ocorreu, neste domínio, erro suscetível de sindicância deste Tribunal Supremo e também não se descortina qualquer violação das regras de direito probatório, soçobrando tudo o que os recorrentes alegaram e concluíram a tal propósito. Há que manter intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação” – ac. do STJ de 19-01-2017, proferido no proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S1.

Não se verificando qualquer das exceções previstas na parte final desta norma - nº 3 do art. 674 do CPC –, a fundamentação alegada pelo recorrente não pode ser objeto do recurso de revista.

“Nada havendo a censurar à legalidade da decisão recorrida, não pode o STJ apreciar o seu acerto ou o erro de julgamento que lhe é imputado” - Revista n.º 232/13.1TBLMG.C1.S1 - 1.ª Secção, de 04-07-2017.

“II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista salvo havendo "ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova" (artigo 674.º/3 do CPC)

III - Não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 662.º do CPC que, com base numa indispensável análise da prova produzida, registada ou gravada, considerem que se impõe ou que não se impõe a alteração da matéria de facto, a produção de novos meios de prova, a anulação da decisão de 1ª instância ou a fundamentação de algum facto essencial (artigo 662.º/4 do CPC)”. – Revista nº1345/13.5TVLSB.L1.S1, de 03-05-2018.

“I - Tendo a Relação considerado que a recorrente, ao interpor recurso de apelação, observou os requisitos do art. 640.º do CPC, reapreciando a matéria de facto, não compete ao STJ, em sede de revista, colocar em causa essa reapreciação em virtude de não ter havido rejeição do recurso e de também não se verificar a previsão do art. 674.º, n.º 3, do citado Código”. -  Revista n.º 248/12.5TBCMN.G1.S1, de 30-03-2017.

Não se verificam fundamentos para o recurso de revista, neste segmento da impugnação da matéria de facto.

*

Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I-O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra consagração a nível constitucional, tendo as leis processuais vindo a adaptar-se, com vista ao cumprimento integral desse dever de fundamentação, incluindo a matéria de facto.

II- Estruturalmente a decisão da matéria de facto é composta de duas partes, a primeira consiste na resposta aos factos controvertidos e uma segunda parte onde o tribunal explana a sua motivação, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

III-A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais.

IV-Se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos.

V-“O tribunal da Relação só ordena a ampliação da matéria de facto quando a considere, pois, indispensável. E ela é indispensável quando se revele necessária/imprescindível à decisão de direito que se vai tomar na Relação e àquele que pode vir a ser tomada, eventualmente, pelo Supremo” – Ac. do STJ de 19-05-2020, no proc. nº 22172/17.5T8PRT.L1.S1.

VI-A enunciação dos temas da prova deverá ser balizado somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas.

Decisão:

Tendo em conta o exposto:

-Julga-se improcedente o recurso e nega-se a revista (em termos gerais) - parte em que se tomou conhecimento e respeitante à matéria de facto.

 -Determina-se a remessa dos autos, oportunamente, à Formação referida no nº 3 do art. 672 do CPC, com vista a verificar os requisitos específicos da admissibilidade da revista excecional.

-As custas do recurso ficarão a cargo dos recorrentes, se a revista excecional não for admitida, caso contrário serão fixadas a final.

Lisboa, 29-09-2020

Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto