RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
CONDIÇÕES DA AUDIÇÃO
RESIDÊNCIA HABITUAL
PREFERÊNCIA MANIFESTADA PELA CRIANÇA
Sumário


I- A avaliação das condições em que se processa a audição da criança em processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser sempre feita casuisticamente, em função da idade e maturidade da criança, bem como do seu estado psicológico e da situação concreta vivenciada pela criança e pelos progenitores, no âmbito das competências que a lei atribui ao juiz e dentro dos parâmetros previstos no artigo 5.º, n.ºs 3, 4, 5 e 7, do RGPTC.
II- Não podem ser definidos critérios rígidos para definir com quem a criança deverá residir habitualmente, antes se decidindo em cada caso, conforme for adequado, correto e melhor corresponder às suas necessidades, sempre de harmonia com o seu superior interesse, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro.
III- Na generalidade das situações a prossecução do interesse da criança passa necessariamente por considerar a opinião da criança ou do jovem de acordo com a maturidade que evidencia, o que no caso em apreciação resulta indiscutível visto tratar-se de uma criança de 10 anos, com maturidade e capacidade de discernimento, a quem assiste o direito de ser ouvido sobre as questões que lhe assistem, à luz dos princípios da audição e participação, revelando-se a preferência manifestada pela criança motivada, consciente e espontânea.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Por apenso ao processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, n.º 784/18.0T8FAF do Juízo de Família e Menores de Fafe, veio o Ministério Público, em representação da criança G. R., nascido a ..-12-2009 instaurar ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra N. R., residente em Fafe, e M. M., residente na Suíça, pais da referida criança.
Foi designada data para a conferência de pais a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro (RGPTC), não tendo sido possível obter o acordo dos progenitores sobre o local da residência da criança (em Portugal ou na Suíça), tendo sido determinada a audição da criança pelo Tribunal, o que veio a ocorrer em diligência realizada em 16-10-2018, com registo gravado das mesmas, no sistema de gravação habilus media studio, conforme consta da respetiva ata; foi fixado, na mesma data, um regime provisório atinente à regulação das responsabilidades parentais, nos termos do qual a criança ficava a residir habitualmente com o pai, em Portugal, a quem foram atribuídas as responsabilidades parentais da vida corrente da criança, exercendo ambos os progenitores as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância. Dessa decisão provisória recorreu a progenitora, acompanhada pelo Ministério Público, na sequência do que foi proferido o acórdão deste Tribunal da Relação, de 7-02-2019, devidamente transitado em julgado, no qual se decidiu revogar a decisão proferida, regulando, a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais da criança, tendo estabelecido a residência habitual da criança com a mãe, na Suíça, a quem incumbem as responsabilidades quotiD. C.s da vida do G. R., sendo as responsabilidades parentais, respeitantes às questões de particular importância para a vida da criança decididas por ambos os progenitores, em conjunto, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
Os autos seguiram os seus ulteriores termos com a intervenção da Audição Técnica Especializada, na qual os requeridos/progenitores chegaram a consenso parcial sobre as matérias dos convívios e da prestação de alimentos, permanecendo sem acordo relativamente à questão da residência habitual da criança pois ambos mantêm a pretensão de fixar a residência da criança junto de cada um deles, sendo que vivem em países distintos (o pai em Portugal e a mãe na Suíça).
Ambos os requeridos foram notificados para apresentarem alegações, nos termos do artigo 39.º, n.º 4, do RGPTC, o que vieram a fazer nos termos dos requerimentos de 20-11-2019 e de 26-11-2019.
Foram solicitados relatórios/informações sociais no sentido de determinar as condições de cada um dos progenitores para acolher a criança, os quais foram juntos aos autos, em 12-03-2020 - relatório social elaborado pela competente equipa da Segurança Social (Assessoria Técnica Tribunais - Serviço local de Fafe -UDSP-NIS/Núcleo de infância e juventude, CDSS Braga, do Instituto da Segurança Social, I.P.) - e 19-05-2020 - Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital Tribunal distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança, reportada a diligência judicial efetuada a 24 de fevereiro de 2020 - ambos oportunamente notificados aos requeridos, sem impugnação.
Na sequência de requerimento apresentado pelo requerido/pai, no sentido da audição do filho G. R. em sede de audiência de julgamento, e após contraditório aos requeridos e ao Ministério Público, veio a ser proferido despacho, em 24-06-2020, com o seguinte teor:
«Audição do menor G. R.:
Considerando que o progenitor pretende a audição do menor, com 10 anos de idade, e não há oposição a isso, decido proceder à sua audição, mas a mesma terá lugar em diligência especialmente agendada para o efeito (artigo 5º, nº2, do RGPTC)
Designo para acompanhar o menor, na tomada das suas declarações, a técnica da EMAT de Fafe, Drª N. C., a qual deve ser notificada no sentido de, previamente à audição, contactar com o menor por forma a interagir com o mesmo e a esclarecê-lo sobre a decisão em causa [artigo 5º, nº7, al.a), do RGPTC
Assim, proceda-se aos contactos prévios necessários a prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências com os ilustres mandatários, nos termos do disposto no artigo 151º, nº1, do Código de Processo Civil, designando-se, desde já, para audição do menor, a data de 14 de julho de 2020, pelas 10,30 horas.
Notifique».
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, a qual se realizou nos dias 13-07-2020 (às 11:00 h e às 14:00 h) e 14-07-2020 (às 10:00 h e 14h30) na qual ambos os requeridos compareceram, tendo ainda sido inquiridas testemunhas arroladas pelos requeridos. Na sessão de 14-07-2020, pelas 11h51m, foi ouvido em declarações o menor G. R., o qual se encontrava acompanhado pela Ex.ª Sr.ª Técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª S. A., em substituição da Dr.ª N. C., conforme consta da respetiva ata, nos seguintes termos:
«(…) Seguidamente, passou-se à tomada de declarações do menor, o qual se encontrava acompanhado pela Sr.ª Técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª S. A..
Assim:
- G. R. (menor):
Tem 10 (dez) anos de idade, faz 11 (onze) anos de idade em 31 de dezembro de 2020.
Foi-lhe explicado o motivo da sua audição.
Respondeu a toda a matéria.
Gravação do seu depoimento no sistema habilus média studio, com início às 11:51h e
duração de 00:00:01 a 00:25:49».
Retomada a audiência de julgamento, pelas 14h30 do dia 14-07-2020, foram ouvidos os requeridos/progenitores. Seguidamente, o Ilustre mandatário do Requerido pediu a palavra e, sendo-lhe concedida, efetuou o requerimento que foi gravado no sistema habilus media studio, com início às 15h21 e duração de 00:00:01 a 00:10:08, conforme consta da respetiva ata, o qual se transcreve, na sua parte petitória, a partir do registo da gravação efetuada:
«(…).
E, por isso, entendemos que esta audição deve, portanto, não ser considerada e deve ser marcada nova audição ao menor depois de reunidas as condições para que de facto ele consiga vir à presença de Vossa Excelência prestar umas declarações verdadeiras e Vossa excelência possa servir dela para fazer, como sempre costuma fazer, a melhor Justiça».
A Ilustre mandatária da requerida pronunciou-se sobre o requerido, o que foi gravado no sistema habilus media studio, com início às 15h29 e duração de 00:00:01 a 00:04:46, concluindo nos seguintes termos:
«(…) todas as diligências que cabia já foram tomadas, sem impor ao menor qualquer sofrimento adicional.
Espero que seja indeferido o requerido».
Também a Exma. Magistrada do Ministério Público tomou posição, o que foi gravado no sistema habilus media studio, com início às 15h34 e duração de 00:00:01 a 00:03:23, conforme consta da respetiva ata, concluindo nos termos que se transcrevem seguidamente, a partir do registo da gravação efetuada:
«(…).
Assim, e como o princípio ordenador destes processos tutelares cíveis é o Superior Interesse da Criança nunca se poderia sujeitar a criança a uma terceira audição, porque isso só lhe iria fazer mal e não está no interesse da criança. Está no interesse de um dos progenitores e de quem requer esse constante massacre do seu filho, indiferente ao bem-estar do filho e apenas se interessa pelo seu interesse. Face ao exposto, deve ser indeferido o requerido».
De imediato pelo Mm.º Juiz foi proferido despacho, conforme consta da respetiva ata, ficando o mesmo gravado no sistema habilus media studio, com início às 15h37 e duração de 00:00:01 a 00:00:22, o qual se transcreve integralmente:
«Não se questiona que o menor está a sofrer com esta situação de litígio entre os pais.
No entanto, a audição do menor foi efetuada com respeito pela lei.
Assim, indefere-se o requerido».
Encerrada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Face ao exposto, decido:
1. O menor, G. R., nascido em ..-12-2009, filho de M. M. e de N. R., fica entregue aos cuidados da mãe e a residir com esta, na Suíça, a quem incumbe o exercício das responsabilidades parentais relativas a atos da vida corrente, sendo que as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores;
2. Fixar o regime de visitas do progenitor ao menor nos seguintes termos:
2.1. O pai estará com o menor todos os dias através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa);
2.2. O pai estará com o menor metade do período das férias escolares de Natal, incumbindo-lhe a si o pagamento das despesas de transporte do menor (da Suíça para Portugal e de Portugal para a Suíça), cabendo ao pai escolher, este ano de 2020, a metade desse período. Em 2021, escolhe a mãe;
2.3. O pai poderá estará com o menor metade do período das férias escolares que for próxima da Páscoa, incumbindo-lhe a si o pagamento das despesas de transporte do menor (da Suíça para Portugal e de Portugal para a Suíça), cabendo ao pai escolher, no ano de 2021, a metade desse período. Em 2022, escolhe a mãe;
2.4. O pai poderá estará com o menor metade do período das férias escolares de Verão, em Portugal, incumbindo à mãe o pagamento das despesas de transporte do menor (da Suíça para Portugal e de Portugal para a Suíça), cabendo ao pai escolher, no ano de 2021, a metade desse período. Em 2022, escolhe a mãe;
2.5. O pai poderá estará com o menor, além dessas férias escolares, sempre que o desejar, podendo visitar o menor na Suíça, sem prejuízo das horas de descanso e das atividades escolares do menor, mediante aviso prévio à progenitora com 48 horas de antecedência.
3. O progenitor pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia de € 125,00 (cento e cinquenta euros) mensais, valor a ser pago à progenitora até ao dia 8 (oito) de cada mês, por transferência bancária para o IBAN constante dos autos (IBAN ……….), e sendo devida tal prestação de alimentos desde novembro de 2019 (mês a partir do qual o menor ficou aos cuidados da mãe).
Custas pelos Requeridos/progenitores em partes iguais [artigo 527º do CPC].
Comunique à respetiva Conservatória do Registo Civil, nos termos dos artigos 69º, al. e) e 78º do C.R. Civil e 1920º-B, al. a), do Código Civil.
Valor da ação: € 30.000,01 (artigos 303º e 306º, ambos do CPC).
Registe e notifique».

O requerido/pai veio, então, interpor recurso da sentença proferida, pugnando no sentido de ser anulada a sentença proferida pela 1.ª Instância e substituída por outra, que entregue o filho menor, G. R., à guarda e cuidados do pai, com quem deve viver e a quem deve ser conferido o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1 - O presente recurso é do segmento da decisão final que, para além do mais, entrega aos cuidados da mãe e a residir com esta, na Suíça, o filho menor, G. R., a quem incumbiu o exercício das responsabilidades parentais relativos aos actos de vida corrente;
2 – É recurso de matéria de facto e de direito, por se considerar haver erro de julgamento quanto a ambas as decisões;
3 – Também se recorre do despacho que indeferiu o incidente de alienação parental, tanto na parte factual, como na jurídica;
4 – No referente à matéria de facto, o recorrente/pai considera incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto da douta sentença numerados sob os nºs 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 53, 56 e 57;
5 - Não aceita o recorrente/pai como fundamento válido para julgar provados aqueles pontos da matéria de facto dos números 44 a 48, 50, 51, 53 e 56 os depoimentos das testemunhas D. C., tia/madrinha do menor; M. C., avó materna do menor e do teor da carta rogatória, cuja tradução foi junta aos Autos em 19-05-2020 e com o depoimento do menor G. R.;
6 – E o recorrente explana a sua discordância no ponto 3, da alínea A-), do ordenador II-), que aqui por brevidade dá como reproduzido;
7 – Sendo certo que, como consta daquele número, alíneas a-) e b), e respectivas transcrições que se fazem dos depoimentos daquelas testemunhas, e das testemunhas arroladas pelo recorrente, resulta expressamente o contrário, ou seja, com fundamento nas suas declarações, nunca aqueles pontos da matéria de facto podem ser dados como provados;
8 – E, por isso, para não se repetir, o recorrente remete para aquele ponto 3, alíneas a-), b-), e-), f-) g-), h-) e i-) a sua discordância;
9 – Quanto ao conteúdo da carta rogatória, das declarações da requerida/mãe, resulta que o que tem valor probatório é no sentido de não poder considerar-se provados aqueles pontos da matéria de facto;
10 – O recorrente explanou a sua visão crítica fundamentada na alínea c-), daquele ponto 3, que por brevidade aqui dá como reproduzido para todo os efeitos legais, como sustenta nas transcrições que efectuou;
11 – Em relação ao depoimento do G. R., de que o recorrente transcreve os trechos mais significantes em termos de prova, é claro que não se prova através dele os aludidos pontos da matéria de facto;
12 – Pelo contrário, não se prova, aliás, como resulta do explanado naquela alínea d-), do ponto 3, que por brevidade o recorrente aqui dá como reproduzido para todos os efeitos legais;
13 - Nestes termos, quanto à matéria de facto dos pontos 44 a 48, 50, 51, 53, 56 e 57, deve ser proferida decisão de “não provados”.

QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:

14 – Em discussão entre os progenitores está o local onde deve ser fixada a residência do menor:
Se com o pai/recorrente, em Portugal;
Ou
Se com a mãe/requerida, na Suíça.
15 – Comparando o períodos em que o menor, após o casamento, viveu com o pai e de seguida com a mãe, não resta dúvida que dos Autos há prova irrefutável em que aquele teve excelente vivência com o pai, que tem condições para garantir os superiores interesses da criança quanto ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, nas condições de liberdade e dignidade;
16 – E comparando a conduta e o status do recorrente/pai com a conduta e o status da requerida/mãe, é aquele que dá mais garantias de valorizar o desenvolvimento da personalidade do menor e de lhe prestar mais e melhor assistência e carinho;
17 – Também comparando o comportamento do pai/recorrente e da requerida/mãe no perídio em que conviveram, pós divórcio, com o filho, esta, como se alega no ponto 2, da alínea B-), portou-se pior e revelou menos condições para cuidar e educar o G. R.;
18 - Por isso, como se explana no ponto 3, daquela alínea B-), que aqui por brevidade se dá como reproduzido, é o recorrente/pai que tem melhor condições pessoais, familiares, sociais, de alojamento, de acompanhamento e de país (Portugal), para cuidar, educar e proporcionar o melhor futuro para o filho G. R.;
19 – Daí, dá-se aqui por reproduzido, para os devidos efeitos e por brevidade, o referido no ponto 4, da alínea B-).
(…)».
Também relativamente ao despacho antes transcrito, proferido na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 14-07-2020 - despacho que está gravado no sistema com início às 15h37 e duração de 00:00:01 a 00:00:22 -, na sequência de incidente deduzido pelo requerido naquela sessão e pelo mesmo apelidado de «incidente de alienação parental», veio o requerido interpor recurso, requerendo, em sede de apelação o seguinte: «[t]ambém, para o caso de se entender necessário para a anulação da sentença recorrida, dever ser declarado procedente o incidente de alienação parental e o processo baixar à 1ª Instância, para se repetir a audição do menor, seguindo-se os demais trâmites legais».

Relativamente a este recurso, terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«(…)
CONCLUSÕES DO RECURSO DO INCIDENTE DE ALIENAÇÃO PARENTAL:
20 –O recorrente/pai, logo após a audição do filho na audiência de julgamento de 14/07/2020, suscitou o incidente da alienação parental, através do respectivo requerimento gravado no sistema, como supra explanado no nº 1, do ponto III
21 – Foi proferido o douto despacho aqui recorrido, que indeferiu o dito incidente;
22 – Entretanto, resulta claramente dos Autos que a Técnica do EMAT de Fafe, Dr.ª C. C., não acatou o douto despacho proferido em 24/06/2020, cfr. nº 4, do ponto III-);
23 - E a sua substituta não fez o trabalho que se impunha para preparar convenientemente o menor para a audição, pelo que esta foi uma fraude;
24 – O pai esteve afastado presencialmente do filho, por impedimento da mãe, desde 18/11/2019 a 14/07/2020;
25 – Do depoimento do menor, mormente dos enxertos transcritos supra, resulta claramente a sua alienação parental na sua expressão mais grave!..
26 – O seu afastamento físico, por culpa da mãe/requerida, do pai durante cerca de sete meses, que consubstancia um comportamento objectivo da mãe de isolar o filho do pai, mesmo no decurso da audiência de julgamento;
27 – O processo destrutivo da imagem do pai junto do filho operado pela mãe/requerida e família, pai “drogado”, o que magoa e é ultrajante;
28 – A indiferença do filho em relação ao pai, que transpira das suas declarações na audiência de julgamento e que se podem constatar dos enxertos supra, quando aquele adora este.
Quão longe foi a alienação parental!..
29 - A diferença de método utilizado nas duas diligências da audição do menor de 16/10/2018 e 14/07/2020, conforme supra se alega no nº 2, do ponto III-) e que por brevidade se dá como reproduzido;
30 – Pelo que não há dúvida que ocorre alienação parental;»

Termina as conclusões apresentadas, nos seguintes termos:
(…)
31 – Assim, a douta sentença recorrida viola substancialmente o disposto no artigo 1906º, nº 7, do Código Civil e artigos 37º, nº 1, 40º, nº 1, do RGPTC, entre outros;
32 – Fundamenta-se em termos processuais o presente recurso no disposto no artigo 32º do RGPT C e artigos 627º, 629º, nº 1, 631º, nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, 640º, 644º, nº 3, 645º, nº 1, alínea b-) e 647º, nº 1, todos do Código Processo Civil».
O Ministério Público e a requerida apresentaram contra-alegações, pronunciando-se ambos no sentido da manutenção do decidido.
O recurso interposto a 20-08-2020 foi então admitido relativamente à decisão de 14-07-2020 (audição do menor) bem como à sentença de 7-08-2020, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) Recurso do despacho proferido na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 14-07-2020, na sequência de incidente deduzido pelo requerido/pai naquela sessão, após audição da criança efetuada pelo Tribunal a quo: saber se existe fundamento para determinar a repetição da audição da criança em sede de audiência de julgamento.

B) Recurso da sentença final, de 7-08-2020:
i) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii) Se a decisão que fixou o regime atinente à regulação das responsabilidades parentais, na parte atinente à residência habitual da criança e ao exercício das responsabilidades parentais relativas a atos da vida corrente da criança defende adequadamente o interesse da criança ou se existem razões para alterar o regime decidido pelo Tribunal a quo relativamente a tais aspetos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados na decisão recorrida:
1.1. 1. No dia 31-12-2009, nasceu G. R., estando a sua filiação registada em nome da Requerida mãe, M. M., e do Requerido pai, N. R., casados entre si e ambos residentes na rua da …, freguesia …, concelho de Fafe, freguesia esta que consta da naturalidade do registando.
1.1.2. Os progenitores do menor casaram em Fafe em ..-08-2007 e divorciaram-se em ..-10-2018.
1.1.3. O casal progenitor viveu com o menor em Portugal até finais de dezembro de 2013, altura em que decidiram emigrar para a Suíça e aí fixar residência.
1.1.4. O menor, nos seus primeiros 4 (quatro) anos de vida, ficava grande parte do dia aos cuidados dos avós e da tia paterna (A. R.), com quem criou fortes laços afetivos.
1.1.5. O menor viveu com os pais na Suíça desde finais de dezembro de 2013 até 22 de julho de 2018.
1.1.6. No primeiro ano de residência do menor na Suíça, em 2014, os avós visitaram-no ali duas vezes, por períodos de 3 ou 4 dias, e a tia paterna (A. R.) uma vez, visitas efetuadas para atenuar as saudades recíprocas e ajudar o menor na sua adaptação.
1.1.7. O menor veio sempre passar as férias de verão a Portugal, convivendo com os avós paternos e tia paterna (A. R.) nesse período.
1.1.8. No segundo ano de residência do menor na Suíça, em 2015, os avós visitaram-no ali uma vez, sendo que a tia paterna (A. R.) também o visitou uma vez, visitas efetuadas para atenuar as saudades recíprocas e ajudar o menor na sua adaptação.
1.1.9. Nos anos de 2016, 2017 e 2018, a tia paterna (A. R.) visitou o menor na Suíça uma vez por ano, em períodos de uma semana a 10 (dez) dias, para atenuar as saudades recíprocas.
1.1.10. O menor, na Suíça, frequentou em 2015 e 2016 a pré-escola, iniciou o 1º ano do primeiro ciclo em agosto de 2016 (ano letivo 2016/2017) e o 2º ano do primeiro ciclo em agosto de 2017 (ano letivo 2017/2018).
1.1.11. Em 22-07-2018 o menor veio da Suíça para Portugal de férias, tendo bilhete de regresso para 19 de agosto de 2018, pois ia ali continuar a estudar, iniciando em 20 de agosto de 2018 o 3º ano do primeiro ciclo (ano letivo 2018/2019).
1.1.12. Em agosto de 2018, estando ambos os progenitores com o menor em Portugal, no final da primeira semana desse mês, os progenitores decidiram separar-se com vista ao respetivo divórcio, passando o menor a residir alternadamente com cada um dos progenitores entre dois a três dias.
1.1.13. No dia 19-08-2018, data agendada para o regresso do menor à Suíça, o progenitor perguntou ao menor se queria ficar em Portugal e mediante a resposta positiva do mesmo, decidiu, contra a vontade da progenitora, que o mesmo ficaria consigo em Portugal.
1.1.14. A progenitora, no dia 19-08-2018, encontrando-se no aeroporto à espera do menor para viajar para a Suíça e aproximando-se o término da hora de embarque, decidiu telefonar ao progenitor para saber onde estavam, ao que o progenitor a informou da sua decisão de o menor ficar consigo em Portugal, tendo a progenitora protestado contra o mesmo e referindo que ia fazer queixa na polícia.
1.1.15. A progenitora viajou no voo previsto, apresentou queixa nas autoridades policiais da Suíça e regressou a Portugal no dia 20-08-2018.
1.1.16. Já em Portugal e a partir dessa data (20-08-2018), a progenitora só convivia com o menor na presença do pai, porquanto este recusava-se a que a mesma estivesse a sós com o menor, receando que esta o levasse para a Suíça.
1.1.17. Em 23-08-2018, em período de férias judiciais, o progenitor intentou ação de divórcio contra progenitora, requerendo, além do mais, que provisoriamente se fixasse que o menor ficava à guarda e cuidados do pai, com quem se encontrava a residir.
1.1.18. O progenitor fez a inscrição do menor na Escola ..., em ..., do Agrupamento de Escolas de ..., Fafe, tendo o mesmo ali iniciado o ano letivo 2018/2019, no 3º ano do primeiro ciclo.
1.1.19. Em 17-09-2018, o Ministério Público, em representação do menor, intentou ação para a respetiva regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra os seus progenitores, alegando que os progenitores residem separadamente e que o menor reside com a progenitora na Suíça.
1.1.20. Em 8-10-2018 foi realizada conferência de pais e não sendo possível alcançar acordo, reiterando o progenitor que a vontade do menor era viver em Portugal, foi decidido ouvir o menor 8 dias depois daquela conferência (16-10-2018 – fls. 13 e ss) determinando-se que até essa data o menor ficasse a viver com a mãe, com vista, além do mais, a que o menor não fosse influenciado pelo pai e avós paternos com quem residia até então.
1.1.21. Em 16-10-2018, o menor foi ouvido e referiu, além do mais, que «no mês de agosto de 2018, veio a Portugal de férias com o pai, porque a mãe ficou a trabalhar mais 2 (duas) semanas. Depois a sua mãe também veio para Portugal, de férias, e estiveram todos juntos a viver na casa que têm em Portugal, a qual fica junto da casa dos avós paternos. Já nessas férias, a sua mãe e o pai zangaram-se e a sua mãe saiu de casa e foi viver para a casa de uns primos.
No final das férias, acabaram por não regressar à Suíça, embora não saiba o porquê disso.
Que o seu pai o matriculou na escola, aqui, e que gosta de frequentar esta escola.
Que gosta mais de estar aqui nesta escola do que na Suíça.
A pergunta feita, disse que prefere ficar em Portugal do que regressar à Suíça.
A nova pergunta, disse que gosta mais de Portugal, porque encontra-se junto dos avós paternos, de quem tinha saudades, e que gosta de jogar futebol, num campo que tem ao lado de casa.»
1.1.22. Na sequência dessa audição do menor foi proferida a decisão provisória datada de 16-10-2018, onde se determinou o seguinte:
«(…)
Residência e exercício das responsabilidades parentais
1 - O menor fica a residir com o pai, a quem ficam atribuídas as responsabilidades parentais da vida corrente do menor.
2 – As responsabilidades parentais de particular importância serão exercidas pelos dois progenitores.
Regime de visitas
3 – A progenitora, estará com o menor, todos os dias através de videochamada a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
4 – Estará ainda com o menor em dezembro e ainda em agosto, quando se deslocar a Portugal.
Pensão de alimentos
5 – A mãe, pagará ao pai, a título de pensão de alimentos, 125,00€ (cento e vinte e cinco euros).»
1.1.23. Nesse momento e em face dessa decisão, a progenitora referiu que ficaria a residir em Portugal, requerendo um regime de visitas para esse efeito, tendo-se determinado, em consequência disso, o seguinte:
«(…)
1 – A progenitora, todas as quartas-feiras, vai buscar o menor à escola e pernoita com a mãe que o entrega na escola no dia seguinte.
2 – A progenitora estará com o menor em fins-de-semana alternados (quinzenalmente), desde sexta-feira, no fim das aulas, até domingo às 20.30h, janta com a mãe que o leva a casa do pai.
3 – Os fins-de-semana com a mãe começam já no próximo fim-de-semana. (19-10-2018)»
1.1.24. Ainda no mês de outubro de 2018, uns dias depois da progenitora referir em tribunal que ficaria a residir em Portugal por causa do filho, a mesma voltou para a Suíça.
1.1.25. Por requerimento de 29-10-2018, a progenitora veio solicitar a deslocação do menor para a Suíça, no período de férias de Natal, sendo que a mesma suportaria as respetivas despesas e o menor seria acompanhado por comissário de bordo (com o serviço de acompanhante para crianças que viajam sozinhas), ao que o progenitor veio opor-se, alegando que o menor tem receio de viajar sozinho, tendo o tribunal, por decisão de 20-12-2018, deferido a pretensão progenitora e determinado, além do mais, que «1. No período de 21-12-2018 a 2-01-2019, a progenitora poderá estar com o menor na Suíça durante 7 (sete) dias;
2. A progenitora informará o progenitor de qual será esse período, remetendo igual informação ao processo. (…) »
1.1.26. A progenitora não remeteu qualquer informação ao processo e em 18-03-2019 veio informar que o menor não foi para a Suíça nesse período de férias de Natal, porquanto entendeu ser isso o melhor para o menor.
1.1.27. Nesse requerimento de 18-03-2019, no qual dá conta de que o menor não foi à Suíça no Natal, veio de novo a progenitora solicitar a deslocação do menor para a Suíça, no período de férias da Páscoa de 2019, sendo que a mesma suportaria as respetivas despesas e o menor seria acompanhado por comissário de bordo (com o serviço de acompanhante para crianças que viajam sozinhas), ao que o progenitor veio opor-se, alegando, além do mais, que não se sabe as condições da Requerente na Suíça para acolher o menor nesse período e sugerindo a sua audição, tendo o tribunal, por decisão de 3-04-2019, deferido a pretensão progenitora e determinado, além do mais, que «1. No período de 6-04-2019 a 22-04-2019, a progenitora poderá estar com o menor na Suíça durante 9 (nove) dias, suportando todas as despesas com a deslocação do menor, incluindo o serviço de acompanhante para crianças que viajam sozinhas.
2. A progenitora informará o progenitor de qual será esse período, remetendo igual informação ao processo (…)»
1.1.28. A progenitora veio informar que o menor estaria consigo na Suíça entre os dias 13 e 21 de abril de 2019, o que efetivamente sucedeu.
1.1.29. Em conferência de pais realizada em 26-03-2019, pela progenitora foi dito ter conhecimento da decisão do Tribunal da Relação a fixar provisoriamente a residência do menor na Suíça, decisão essa em recurso, e esclarecendo que logo que transite em julgado tal decisão pretende levar o menor para a Suíça, independentemente de acabar ou não o ano letivo.
1.1.30. Por requerimento de 29-05-2019, a progenitora veio solicitar a deslocação do menor para a Suíça, no período de férias de verão, a que o progenitor não se opôs, pelo que, por decisão de 25-06-2019 foi determinado que no período de 1-07-2019 a 3-08-2019, a progenitora poderia estar com o menor na Suíça durante 33 dias.
1.1.31. Por requerimento de 28-06-2019, o progenitor veio informar que estava combinado que o menor iria participar, no dia 2-08-2019, pelas 14,00 h, no casamento da sua tia (A. R.), levando as alianças, pedindo a antecipação do regresso do menor da Suíça para esse efeito, o que mereceu oposição da progenitora, pelo que, por decisão de 3-07-2019, foi reduzido de 33 para 32 dias o período em que a progenitora estaria com o menor na Suíça.
1.1.32. No dia 3-10-2019 os progenitores foram notificados do acórdão do STJ proferido em conferência e onde se determinou não ser de conhecer o objeto do recurso interposto do acórdão da Relação de Guimarães, proferido em 7-02-2019, o qual revogou a decisão provisória fixada nos autos e referida em 22, determinando-se provisoriamente o seguinte:
«A. Residência e exercício das responsabilidades parentais:
1. A criança fica a residir com a mãe, na Suíça, a quem incumbem as responsabilidades quotiD. C.s da vida do G. R.;
2. As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do G. R. devem ser decididas por ambos os progenitores, em conjunto, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
B. Regime de visitas:
1. O progenitor estará com o menor todos os dias através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
2. Está ainda com o menor nas férias escolares deste em Dezembro e em Agosto, deslocando-se, para o efeito, o menor a Portugal, o que a progenitora providenciará.
Estando o pai e a mãe no mesmo país:
3. O progenitor, todas as quartas-feiras, vai buscar o menor à escola e pernoita com ele, entregando-o na escola (ou em casa da mãe) no dia seguinte.
4. O progenitor está com o menor em fins-de-semana alternados (quinzenalmente), desde sexta-feira, no fim das aulas, até domingo às 20.30h.
C. Alimentos:
O pai paga à mãe, no primeiro dia útil de cada mês, por transferência bancária para o IBAN a indicar por ela, no prazo de 10 dias, a título de pensão de alimentos para o filho, 125,00 €(cento e vinte e cinco euros).»
1.1.33. Em 17-10-2019, após o trânsito em julgado o acórdão da Relação de Guimarães que fixou provisoriamente a residência do menor na Suíça, veio o progenitor requerer a alteração dessa decisão provisória, por alteração das circunstâncias, requerendo-se nova decisão provisória que fixe a residência do menor em Portugal, o que veio a ser indeferido por decisão de 5-11-2019.
1.1.34. No dia 8-11-2019, a progenitora fez várias tentativas para que o progenitor lhe entregasse o menor para poder seguir com ele para a Suíça, o que o progenitor sempre se recusou, mesmo com a intervenção da GNR.
1.1.35. No dia 18-11-2019, por volta das 13,00 horas, a progenitora, acompanhada de advogada, dirigiu-se à Escola ..., em ..., do Agrupamento de Escolas de ..., Fafe, onde o menor se encontrava, e após falar com os responsáveis da Escola e com o menor, levou-o consigo para a Suíça, sendo o progenitor disso informado pela Escola por volta das 15,20 horas.
1.1.36. Imediatamente após obter essa informação, o progenitor deslocou-se para a Escola e seguidamente para a GNR, onde apresentou queixa pelo crime de subtração de menor, nos termos da certidão junta aos autos em 2-12-2019.
1.1.37. No dia 19-11-2019, pelas 18,00 hora, a progenitora contactou telefonicamente o progenitor e deixou que o mesmo falasse com o filho, pelo menos, durante dois minutos.
1.1.38. O progenitor publicou na rede social «facebook» a fotografia do filho, referindo «O meu filho está desaparecido em …! Por favor ajudem e partilhem !!!!!!», o que levou a 177 comentários e a 12 mil partilhas, conforme documento junto em 2-01-2020.
1.1.39. Em 20-12-2019, o progenitor veio requerer que a progenitora providenciasse pela deslocação do menor a Portugal, para passar as férias de Natal, de acordo com a decisão provisória proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
1.1.40. O menor não veio passar as férias de Natal de 2019 a Portugal com o progenitor e o mesmo deduziu o respetivo incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, nos termos do apenso “C”.
1.1.41. A progenitora referiu que o menor não veio a Portugal nessas férias de Natal por não ter sido contactada para o efeito pelo progenitor, mas também nunca o teria deixado vir, porquanto tinha receio de o mesmo não o deixar regressar à Suíça.
1.1.42. O menor no ano letivo 2018/2019, aos cuidados do progenitor, frequentou com aproveitamento o 3º ano do primeiro ciclo na Escola ..., em ..., Fafe, tendo-se revelado um aluno atento, participativo e bastante empenhado, tendo atingido a nota de Muito Bom a todas as disciplinas, conforme ficha informativa de fls. 135 (junta aos autos em 17-10-2019).
1.1.43. O menor, quando regressou à Suíça, em 19-11-2019, frequentava o 4º ano do primeiro ciclo na Escola ..., mas na Suíça voltou para o 3º ano, mudando de escola e de turma, passando a frequentar a escola de ..., em ..., Suíça.
1.1.44. O menor no ano letivo 2019/2020, aos cuidados da progenitora, frequentou com aproveitamento esse 3º ano na escola de ..., em ..., Suíça.
1.1.45. A progenitora, até março de 2020, trabalhou em limpezas de casas particulares, numa empresa (X) e numa escola, o que lhe permitia obter um rendimento médio mensal superior a CHF 3.000,00 (€ 2.789,00).
1.1.46. Até março de 2020, a progenitora trabalhava de Segunda a Sexta-feira, no seguinte horário.
- das 4,30h às 6,00h em limpezas numa escola em ... (todos os dias);
- das 8,00h às 17,00h em limpezas para a empresa X (de 2ª a 5ª feira) e das 9,00 às 17,00 em limpezas de casas particulares (só à sexta-feira).
1.1.47. Até março de 2020, de Segunda a Sexta-feira, o menor dormia na casa dos avós maternos.
1.1.48. A partir de março de 2020, a progenitora começou a trabalhar num lar em ..., ..., auferindo um rendimento médico mensal de cerca de CHF 3.800,00 (€ 3.532,50), sendo que o seu horário de trabalho passou a ser rotativo, por vezes das 8,00h até ás 17,00h ou das 8,00h às 14,30h e 17,00 às 19,30h.
1.1.49. O menor tinha o seguinte horário escolar:
- de manhã: das 7,55h às 11,50 horas (todos os dias, de segunda a sexta-feira);
- de tarde: das 13,50 às 15,10 (só terças, quintas e sextas-feiras).
(às segunda e quartas feiras não tinha aulas de tarde)
1.1.50. Em ..., na Suíça, onde reside a progenitora, a mesma conta com o apoio dos seus pais e da sua irmã J., solteira, esta ali residente com os pais, e ainda com o apoio das suas irmãs casadas, D. C. e JC., também ali residentes.
1.1.51. As rotinas diárias do menor, a partir de março de 2020 e durante os dias úteis, passaram a ser as seguintes:
- todos os dias é a mãe que leva o menor à escola;
- à segunda-feira, o menor sai da escola sozinho e vai a pé até à casa da tia JC. e aí almoça e fica, porque não tem aulas de tarde, até ser recolhido pela mãe (por vezes também fica na avó materna até ser recolhido pela mãe);
- à terça-feira o menor vai almoçar à casa da tia JC., regressa à escola e volta para a casa da tia JC. até ser recolhido pela mãe;
- à quarta-feira o menor vai almoçar à casa da tia D. C. e ali fica, porque não tem aulas de tarde, até ser recolhido pela mãe;
- à quinta-feira o menor vai almoçar à casa da tia D. C., regressa à escola e volta para a casa da tia D. C. até ser recolhido pela mãe;
-à sexta-feira o menor vai almoçar à casa da avó materna, regressa à escola e volta para a casa da avó materna até ser recolhido pela mãe;
- Aos sábados e domingos, se a mãe trabalhar, o menor fica aos cuidados da avó materna ou das indicadas tias.
1.1.52. O progenitor tem 36 anos (nasceu em 12-06-1984), trabalha como comercial na Sapataria …, Lda, em Fafe, aufere o salário mínimo nacional (€ 635,00), sabe falar e escrever alemão, antes do seu divórcio era o encarregado de educação do menor na Suíça e, após o divórcio, enquanto o menor esteve a estudar em Portugal, era o seu encarregado de edução, conta com o apoio dos seus pais (ex-emigrantes, sendo o pai reformado com pensão superior a € 2.200,00), com quem vive em moradia tipo T3+1, em excelente estado de conservação, devidamente mobilada e equipada para acolher o menor, provida de aquecimento central, com muito boa higienização e organização dos espaços e dotada de área exterior com espaço de jardim e quintal.
1.1.53. A progenitora tem 34 anos (nasceu em ..-10-1985), trabalha desde março de 2020 na cozinha de um lar em ..., ..., auferindo um rendimento médico mensal de cerca de CHF 3.800,00 (€ 3.532,50), reside em ..., não sabe falar nem escrever alemão, língua oficial do seu local de residência e de trabalho, motivo porque não consegue ajudar o menor nos seus trabalhos de casa, vive com o menor em apartamento do tipo T3 e com quarto equipado para o menor, dispõe de garagem, suporta uma renda de CHF 1.109,00 (€ 1.030,93), suporta um seguro de saúde para si e para o menor no montante de CHF 560,00 (€520,58), suporta um seguro de vida de CHF 30,00 (€ 27,89), tem despesas mensais com telemóvel e televisão no montante de CHF 100,00 (€ 92,96) e despesas de deslocações no montante de CHF 140,00 (€ 130,14), além de despesas com aquecimento que não foi possível quantificar.
1.1.54. Ambos os progenitores referem que a única divergência entre eles quanto à regulação das responsabilidades parentais do menor é sobre o local onde deve ser fixada a sua residência (com o pai em Portugal ou com a mãe na Suíça), estando ambos de acordo no seguinte:
1 - Se ao menor vier a ser fixada residência na Suíça, é a mãe que suportará as despesas de deslocação do menor para as férias de verão a Portugal.
2 – Independentemente da decisão que vier a ser tomada sobre o local da residência do menor, nas férias de Natal incumbirá ao progenitor não guardião o pagamento das despesas de transporte do menor para convívio consigo.
3 – No período de férias escolares da Páscoa (em Portugal) ou próximo da Páscoa (na Suíça), o progenitor não guardião poderá estar metade desse período de férias com o menor e suportará as despesas dessa deslocação.
4 – A título de alimentos, independentemente da decisão que vier a ser tomada sobre o local da residência do menor, o progenitor não guardião suportará a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).
1.1.55. O menor no período em que esteve em Portugal, desde 22-07-2018 até 18-11-2019, integrou-se bem na escola e nas atividades comunitárias, tais como no futsal, rancho e catequese, aparentando viver feliz em Portugal.
1.1.56. O menor, desde que se encontra na Suíça a residir só com a mãe, a partir de 19-11-2019, integrou-se bem na atual escola de ..., em ..., onde teve boas notas, aparentando estar bem-adaptado à Suíça.
1.1.57. O menor G. R., tem 10 anos de idade, tem fortes laços afetivos aos seus progenitores, o que é recíproco, adora jogar futebol, sendo que o mesmo referiu em diligência efetuada para o efeito, que pretende que a sua situação se mantenha como está, isto é, pretende continuar a viver na Suíça com a mãe e a passar as férias com o pai e os avós paternos em Portugal.
1.2. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre os factos não provados, nos seguintes termos: «Não se provaram, com relevância para a decisão, outros factos».

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Recurso do despacho de 14-07-2020.

Como se viu, o recorrente discorda da decisão final da presente ação de regulação das responsabilidades parentais e também do despacho proferido em audiência de julgamento, na sequência de incidente que ali deduziu.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Não se questiona que o menor está a sofrer com esta situação de litígio entre os pais.
No entanto, a audição do menor foi efetuada com respeito pela lei.
Assim, indefere-se o requerido».
Trata-se de despacho que indeferiu requerimento apresentado na sessão de julgamento realizada no dia 14-07-2020, após audição da criança pelo Tribunal a quo, pretendendo o requerido que as declarações ali prestadas pelo seu filho não sejam consideradas enquanto meio probatório, mais requerendo seja determinada nova diligência para audição da criança.
O despacho agora em análise configura uma decisão intercalar que, por não se integrar em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 644.º, n.º 2, do CPC, pode ser impugnada com o recurso que eventualmente venha a ser interposto das decisões previstas no n.º1 do referido preceito, entre as quais se encontra, a decisão final do processo - artigo 644.º, n.º 1, al. a), e 3, do CPC.
Decorre do exposto que a impugnação de tal despacho pode concretizar-se no recurso da decisão final, ainda que sujeita inevitavelmente às conclusões das alegações do recorrente, as quais delimitam o âmbito das impugnações que são deduzidas relativamente a cada uma das concretas decisões que foram impugnadas, o que se justifica à luz do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC e porque estamos perante decisões proferidas em momentos e âmbitos processuais distintos.
Daí que no âmbito do recurso interposto, o recorrente tenha procurado autonomizar - e bem - as conclusões relativas a cada uma das impugnações deduzidas no presente recurso.
Porém, analisadas as alegações de recurso apresentadas pelo apelante, concretamente, as conclusões correspondentes ao recurso do despacho que apreciou o incidente deduzido no dia 14-07-2020, após audição da criança pelo Tribunal a quo, facilmente se observa que o recorrente não indica, nas conclusões das alegações ou no corpo das mesmas, eventuais pontos concretos da matéria de facto que pretenda aditar e/ou impugnar a propósito do incidente em apreciação.
Efetivamente, ainda que o apelante faça referência, na conclusão 3.ª das correspondentes alegações, que «recorre do despacho que indeferiu o incidente de alienação parental, tanto na parte factual, como na jurídica», não explicita quais os resultados específicos que pretenda ver reconhecidos em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto a tal incidente, assim não indicando os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados nem a concreta decisão que devia ser proferida sobre tal matéria.
De resto, e considerando o momento processual em que foi deduzido o incidente suscitado em 14-07-2020 bem como o respetivo objeto, resulta manifesto que a sua apreciação está necessariamente circunscrita à análise das concretas incidências processuais relacionadas com a audição da criança e do contexto em que a mesma ocorreu, conjugada com a necessária ponderação crítica das declarações prestadas e da vontade ali manifestada pela criança.
Em consequência, também o âmbito probatório de uma eventual impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto, no que toca ao despacho de 14-07-2020, mostra-se indeterminado, porquanto a indicação dos concretos meio probatórios que estão na base da discordância que pode fundamentar o recurso sobre a decisão de facto, bem como as concretas razões da mesma deve ser sempre efetuada relativamente a cada concreto facto impugnado.
Com efeito, tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes (1), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

Assim, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (2).

Deste modo, em relação à impugnação deduzida contra a decisão intercalar proferida a 14-07-2020, resta concluir que o apelante não observou os ónus previstos nos artigos 639.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC, o que configura fundamento de rejeição do recurso relativo à matéria de facto.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte em que faz referência à impugnação da matéria de facto no âmbito do recurso do despacho que apreciou o incidente deduzido no dia 14-07-2020, após audição da criança pelo Tribunal a quo.
As razões invocadas pelo recorrente e que, no seu entender, induzem à pretendida desconsideração do resultado da audição/tomada de declarações à criança, levada a cabo pelo Tribunal a quo em sede de audiência de julgamento, assentam nas seguintes circunstâncias:
i) a técnica do EMAT de Fafe, Dr.ª N. C., não acatou o despacho proferido em 24-06-2020, porquanto, segundo alega o recorrente, só no dia da inquirição do menor, e quando já passava das 10:00 horas, compareceu nas instalações onde funcionou o Tribunal, a técnica, Dr.ª S. A., a qual foi ter com o menor que estava recolhido no gabinete do Ministério Público e depois esteve presente na audição, sustentando que a referida técnica não teve tempo, nem condições, para interagir com o menor e para o esclarecer da decisão em causa, afirmando ainda que a referida audição «foi uma fraude» - conclusões 22 e 23 com remissão para o ponto III - n.ºs 4 e 5 6 do corpo das alegações.
ii) «O pai esteve afastado presencialmente do filho, por impedimento da mãe, desde 18-11-2019 a 14-07-2020, o que consubstancia um comportamento objetivo da mãe de isolar o filho do pai, mesmo no decurso da audiência de julgamento»; o menor só compareceu nas instalações onde funcionou o Tribunal, na data da audição, e nenhum contacto teve com o recorrente/pai, pois foi recolhido ao gabinete do Ministério Público, não permitindo que o pai tivesse contacto com o filho antes da audiência deste - conclusões 24 e 26 com remissão para o ponto III - n.º 6 do corpo das alegações.
iii) a diferença de «método utilizado nas duas diligências da audição do menor, de 16-10-2018 e 14-07-2020»: «antes da primeira audição, de 16-10-2018, o menor foi retirado da companhia do pai e entregue oito dias antes à companhia da mãe», medida que o recorrente reputa acertada, enquanto «na audiência do menor, de 14-07-2020, este não foi retirado da companhia da mãe e só teve contacto com o pai depois de ter prestado declarações»; conclui, a propósito, que se trata de «jogo viciado» - conclusão 29 com remissão para o ponto III - n.º 9 do corpo das alegações.
iv) do depoimento do menor, mormente dos excertos das declarações que transcreve no corpo das alegações, «resulta evidenciado o processo destrutivo da imagem do pai junto do filho operado pela mãe/requerida e família, ao pretender fazer crer ao filho que o pai fumava “outra coisa”, que não tabaco, bem como a «indiferença do filho em relação ao pai, designadamente a conviver com este, quando confrontado com a possibilidade de estar de imediato com o pai» - conclusões 25 a 28 com remissão para os excertos das declarações da criança.
Relativamente às divergências enunciadas em i) supra, invoca o recorrente que não foi respeitada a determinação contida no despacho (3) que designou data para tomada de declarações à criança.
A discordância manifestada pelo recorrente parece reportar-se à circunstância de no referido despacho ter sido designada, para acompanhar o menor na tomada das suas declarações, a técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª N. C., com menção expressa no sentido de previamente à audição contactar com o menor por forma a interagir com o mesmo e a esclarecê-lo sobre a decisão em causa, quando, segundo alega, só no dia da inquirição do menor, e quando já passava das 10:00 horas, compareceu nas instalações onde funcionou o Tribunal, a técnica, Dr.ª S. A., a qual foi ter com o menor que estava recolhido no gabinete do Ministério Público e depois esteve presente na audição. Sustenta que a referida técnica não teve tempo, nem condições, para interagir com o menor e para o esclarecer da decisão em causa.
De acordo com o teor do despacho que determinou a audição do G. R., a designação do técnico nele concretizada teve por base a disposição legal contida no artigo 5.º, n.º 7, al. a), do RGPTC, segundo o qual, e no que aqui releva, a tomada de declarações à criança «é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito».
Ora, tal exigência legal reporta-se, expressamente, ao dever de a criança ser assistida, por um técnico especialmente habilitado para o efeito, no decurso do ato processual.
Sucede que da ata da audiência de julgamento referente à sessão de 14-07-2020 (10:00 h e 10h30 - diligência contínua) consta que pelas 11h51m foi ouvido em declarações o menor G. R., então com 10 anos de idade, o qual se encontrava acompanhado pela Ex.ª Sr.ª Técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª S. A., em substituição da Dr.ª N. C., conforme consta da respetiva ata, nos seguintes termos:
« (…) Seguidamente, passou-se à tomada de declarações do menor, o qual se encontrava acompanhado pela Sr.ª Técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª S. A..(…)».
Resulta, assim, manifesto que a criança foi efetivamente assistida por técnico especialmente habilitado para o efeito, no caso uma técnica da EMAT de Fafe, decorrendo ainda da referida ata que a técnica inicialmente designada foi substituída por técnica da mesma EMAT, a Dr.ª S. A., e que tal substituição foi atendida e implicitamente autorizada pelo Tribunal a quo pois admitiu a sua intervenção na diligência em causa.
Como tal, nesta parte, temos por não verificada qualquer irregularidade ou a omissão de formalidade que a lei prescreva no âmbito das regras a observar na audição da criança.
Por outro lado, não resulta dos autos qualquer elemento ou circunstância processual que leve a concluir que ocorreu qualquer derrogação ao segmento do despacho que consignou a determinação no sentido do prévio contacto do técnico com a criança.
De resto, ainda que tal não decorra das incidências processuais evidenciadas no processo, é o próprio recorrente quem admite que no dia da inquirição, e quando já passava das 10:00 horas, compareceu nas instalações onde funcionou o Tribunal a técnica Dr.ª S. A., a qual foi ter com o menor que estava recolhido no gabinete do Ministério Público e depois esteve presente na audição.
Assim sendo, e tomando como certo o teor da ata da audiência de julgamento referente à sessão de 14-07-2020 (10:00 h e 10h30 - diligência contínua - do qual consta que o menor G. R. foi ouvido em declarações pelas 11h51m, não se revela possível concluir ter ocorrido qualquer derrogação ao segmento do despacho que consignou a determinação no sentido do prévio contacto do técnico com a criança.
Note-se que o próprio despacho esclarece o sentido e alcance de tal determinação, destinada «a interagir com o mesmo e a esclarecê-lo sobre a decisão em causa».
Como tal, também aqui não se evidencia qualquer irregularidade ou omissão de formalidade que o Tribunal a quo tenha imposto no âmbito das regras a observar na audição da criança.
De resto, era ao Tribunal a quo que cabia, em exclusivo, aferir se estavam reunidas as regras que o mesmo estabeleceu para garantir as condições adequadas à audição da criança, tanto mais que é ao juiz que a lei atribui a competência para realizar a inquirição - artigo 5.º, n.º 7, al. b), do RGPTC.
Tal como entendeu o Ac. TRP de 26-10-2017 (4): «É ao juiz que cabe, em cada situação, decidir a forma que considera adequada para realização da audição do menor em processo tutelar cível, considerando sobre o mais que, no âmbito da jurisdição voluntária, predominam os princípios do inquisitório, da equidade, da conveniência e da oportunidade, podendo o tribunal a quo ordenar as diligências que, no seu critério e tendo por subjacente as finalidades do processo, se mostrem convenientes».
Retomando ao caso em apreciação verifica-se que o próprio Tribunal a quo explicou à criança o motivo da sua audição, conforme consta da respetiva ata, o que constatámos através da sua audição integral do registo da gravação que reproduz a diligência em causa. Neste domínio, a própria criança, G. R., demonstrou saber o motivo da sua audição, ao responder ao Mm.º Juiz a quo, de forma clara e sem quaisquer reservas, que estava ali «porque os meus pais separaram-se» e «agora vão decidir se eu fico com a minha mãe se com o meu pai» (00:10:01 do registo da gravação).
Deste modo, o Tribunal a quo, ao ouvir a criança na presença da referida técnica especializada e nas circunstâncias enunciadas entendeu que estavam reunidas as condições necessárias para a concretização do direito da criança a exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, nos termos e com as condições previstas no artigo 5.º da RGPTC.
Mostram-se, assim, manifestamente infundados e inconcludentes os juízos valorativos empreendidos pelo recorrente a propósito da invocada falta de tempo, espaço e condições para a técnica interagir como menor e o esclarecer da decisão em causa.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões apresentadas pelo apelante.
Pretende ainda o recorrente que seja desconsiderado o resultado da audição/tomada de declarações à criança, tendo por base a alegação de que o pai esteve afastado presencialmente do filho, por impedimento da mãe, desde 18-11-2019 a 14-07-2020, só tendo comparecido nas instalações onde funcionou o Tribunal na data da audição e sem qualquer contacto com o recorrente/pai antes da referida audição, pois foi recolhido ao gabinete do Ministério Público. Imputa tais ocorrências ao comportamento objetivo da mãe de isolar o filho do pai, mesmo no decurso da audiência de julgamento.
Em termos gerais, o artigo 4.º, n.º1, al. c) do RGPTC consagra expressamente o princípio da audição e participação da criança como um dos princípios que deverá ser observado em qualquer providência tutelar cível, aí se prevendo que a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. Para o efeito, estabelece ainda o n.º 2 do citado preceito, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.
Concretizando o princípio antes enunciado, o artigo 5.º do RGPTC, com a epígrafe «Audição da criança», estabelece as regras e os termos em que tal audição e participação devem ser concretizadas, reafirmando, no seu n.º1, o direito da criança a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
Estamos perante o reconhecimento de um direito da criança, e não de um dever, em consonância com as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa da Europa em 17 de novembro de 2010, não se exigindo que a decisão a tomar respeite integralmente essa opinião, mas que seja considerada na ponderação dos interesses em causa e que respeite o seu superior interesse (5).
Tal como salienta o Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º 29/PP/2018-G, de 11-10-2018 (6): «Trata-se de um direito autónomo com valor em si mesmo e, simultaneamente, instrumental à efetivação de outros direitos ou princípios, entre os quais o do superior interesse da criança, traduzindo-se o princípio da audição da mesma (i) na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade, (ii) no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração, e (iii) numa verdadeira e desejada cultura da criança enquanto sujeito de direitos».
Neste quadro, resulta manifesto que o exercício do direito da criança a ser ouvida não está dependente do maior ou menor distanciamento geográfico existente entre as residências habituais dos progenitores, o qual implica, em grande parte dos casos, um maior afastamento físico da criança relativamente ao progenitor com quem não vive habitualmente, tal como sucede na situação em apreciação.
Efetivamente, na data em que foi realizada a audição da criança em audiência de julgamento - 14-07-2020 - estava em vigor o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais estabelecido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7-02-2019, nos termos do qual a criança ficou a residir habitualmente com a mãe, na Suíça.

Uma vez que o pai da criança reside atualmente em Portugal, o aludido regime procurou acautelar tal distanciamento geográfico, fixando o seguinte regime de visitas:

«1. O progenitor estará com o menor todos os dias através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
2. Está ainda com o menor nas férias escolares deste em Dezembro e em Agosto, deslocando-se, para o efeito, o menor a Portugal, o que a progenitora providenciará.

Estando o pai e a mãe no mesmo país:
3. O progenitor, todas as quartas-feiras, vai buscar o menor à escola e pernoita com ele, entregando-o na escola (ou em casa da mãe) no dia seguinte.
4. O progenitor está com o menor em fins-de-semana alternados (quinzenalmente), desde sexta-feira, no fim das aulas, até domingo às 20.30h».

Ponderando então o regime provisório fixado, bem como a factualidade já devidamente assente no processo e que não mereceu qualquer impugnação, resulta manifesto que a conduta que o recorrente/pai imputa à recorrida/mãe, no sentido de impedir o filho de ter contactos presenciais ou físicos com o pai, apenas poderia incidir sobre o período correspondente às férias escolares de dezembro de 2019, porquanto, tal como decorre dos autos, a criança regressou à Suíça com a progenitora em 18-11-2019 (1.1.35), sendo que a audição da criança em sede de audiência de julgamento foi concretizada em 14-07-2020.
Em primeiro lugar, cumpre constatar que tais circunstâncias de facto já eram, necessariamente, do conhecimento do recorrente/pai na data em que veio requerer a audição do filho G. R. em sede de audiência de julgamento, o que foi deferido pelo Tribunal a quo.
Por outro lado, e ainda que resulte dos autos que efetivamente a criança não veio passar as férias de natal de 2019 a Portugal com o progenitor (1.1.40.), verifica-se que a matéria de facto apurada no âmbito da presente ação é manifestamente insuficiente para a conformação dos pressupostos de facto, por natureza complexos, inerentes à formulação do necessário juízo de censura que está subjacente às imputações formuladas a tal propósito pelo recorrente/pai relativamente à recorrida/mãe, circunstâncias que estão a ser apreciadas autonomamente no âmbito do respetivo incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais que está pendente no apenso “C” (1.1.40).
Acresce que o recorrente nada alega que permita sequer indiciar uma eventual ausência ou impedimento de contactos diários com o filho através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa), tal como previstos no ponto 1 do aludido regime provisório. Ora, em casos como o presente, em que se verifica grande distanciamento geográfico entre as residências habituais dos progenitores, o recurso aos atuais meios de comunicação à distância (telemóvel e internet) deve constituir um dos meios efetivos para minorar os efeitos do afastamento geográfico do menor relativamente ao pai, através de contactos frequentes e amplos entre ambos.
Neste domínio, a própria criança, G. R., na audição de 14-07-2020, revelou ao Mmo. Juiz a quo que ligava sempre todos os dias ao pai e que aos domingos e quando estava em casa falava com os avós e também com os tios (00:09:30 do registo da gravação).
Por último, no que concerne à alegada ausência de contacto do menor com o pai no dia da audição e em momento prévio a esta, resulta manifesto que a posição defendida pelo recorrente assenta na apreciação de circunstâncias de facto que não constam da decisão recorrida nem decorrem das incidências processuais relatadas no processo.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da apelação.
Reporta-se, ainda, o recorrente à alegada diferença de método utilizado nas duas diligências da audição do menor, de 16-10-2018 e 14-07-2020.
Tal como resulta da ata de conferência de pais datada de 16-10-2018 (11h30), naquela data foi ouvido em declarações o menor G. R., apenas com a presença do Mmo. Juiz a quo e da Exma. Magistrada do Ministério Público, o que também se confirma mediante audição integral que efetuámos do registo da gravação que reproduz a diligência em causa.
Assim, verifica-se que na audição anteriormente ocorrida, de 16-10-2018, a criança não foi assistida por técnico especialmente habilitado para o efeito, tal como determina o citado artigo 5.º, n.º 7, al. a), do RGPTC, diferentemente do que sucedeu na diligência de tomada de declarações à criança que teve lugar a 14-07-2020.
Deste modo, cumpre concluir que na audição da criança realizada a 16-10-2018 o Tribunal a quo omitiu a formalidade prescrita pela lei no n.º 7, al. a), do artigo 5.º do RGPTC sem que tenha sido indicada qualquer razão para o efeito.
Porém, nas circunstâncias em análise, julgamos que se justificava o cumprimento de tal formalidade legal pois a criança aquando de tal audição tinha apenas 8 anos de idade, sendo manifesto que tal idade não permitia ainda garantir que dispunha de maturidade suficiente para exprimir a sua opinião de forma esclarecida e consciente, sobretudo tendo presente o contexto de especial vulnerabilidade em que se encontrava então, decorrente não só à sua tenra idade como também da forma tão repentina, inesperada e substancial com que viu quebrado e alterado o seu contexto de vida normal e a continuidade do projeto educativo então em curso. Efetivamente, tal como revelam os autos - pontos 1.1.5. a 1.1.11 - a criança tinha então a sua residência habitual, bem como a sua vida familiar, escolar e social organizada na Suíça, há cerca de 5 anos (dos 8 que na altura tinha), portanto, e presumidamente, por decisão conjunta dos seus progenitores. Note-se que, em 22-07-2018 o menor veio da Suíça para Portugal de férias, tendo bilhete de regresso para 19 de agosto de 2018, pois ia ali continuar a estudar, iniciando em 20 de agosto de 2018 o 3.º ano do primeiro ciclo (ano letivo 2018/2019) - ponto 1.1.11. Contudo, o que se verifica é que a criança acabou por ficar em Portugal com o pai, por opção unilateral deste e contra a vontade da progenitora, após os progenitores terem decidido, no final da primeira semana do mês de agosto de 2018, que se separavam com vista ao respetivo divórcio - pontos 1.1.12. a 1.1.15.
Acresce que sobre o resultado da audição da criança que teve lugar a 16-10-2018 incidiu já a oportuna e adequada ponderação deste Tribunal da Relação, no âmbito do Acórdão de 7-02-2019 (7), devidamente transitado em julgado e do qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
Porém, a opinião do menor, que deve, pois, ser ouvido, deve ser ponderada de acordo com a maturidade que evidencia.
Ora, in casu, a alegada preferência do menor (à data de 8 anos de idade) em residir em Portugal não se afigura motivada nem se revela consciente, uma vez que não resultam fundamentos válidos e atendíveis para tal preferência, pronuncia, essa, antes a revelar imaturidade, até própria daquela idade, e vontade influenciada.
E não pode a aventada preferência ser o critério decisivo para estabelecer a futura residência da criança, porquanto se trata de um menor de oito anos de idade e as reações das pessoas à sua volta (pai/avós paternos) são suscetíveis de modificar a sua disponibilidade em falar e de dizer aquilo que efetivamente sente. Acresce que a concreta criança, de 8 anos de idade, não possui maturidade suficiente para saber o que é melhor para si, se morar em Portugal ou na Suíça, se morar com o Pai ou com a Mãe, pois que tendo, no momento em que foi ouvido, oito anos e tendo ido viver para a Suíça quando tinha apenas quatro, associando Portugal a períodos de férias (diga-se com os progenitores) e a Suíça a aulas, responsabilidades escolares e rotinas (também com ambos os progenitores), não dispõe de discernimento e de verdadeira perceção e termos de comparação que o habilitem a decidir. Não é de levar em consideração a opinião do menor, pois que a preferência de ficar a residir em Portugal, é motivada nos avós paternos (saudades tidas destes) e na brincadeira (campo de futebol), opinião de uma criança de 8 anos, sem verdadeira maturidade que se mostre suficiente para exprimir uma opinião consistente e esclarecida. (…)».
A este propósito, vem agora o recorrente sustentar que «antes da primeira audição, de 16-10-2018, o menor foi retirado da companhia do pai e entregue oito dias antes à companhia da mãe», medida que o recorrente reputa acertada, enquanto «na audiência do menor, de 14-07-2020, este não foi retirado da companhia da mãe e só teve contacto com o pai depois de ter prestado declarações».
Analisando o teor do despacho proferido na conferência de pais que teve lugar a 8-10-2018 - que designou data para audição da criança no dia 16-10-2018 -, verifica-se que do mesmo não consta expressamente o motivo pelo qual o Tribunal a quo determinou que a criança ficasse desde o dia 8 até ao dia 13 com a progenitora, sendo que no domingo dia 14 passaria com o pai desde as 09h30 até às 20h30 horas, altura em que o progenitor entregará o menor à mãe. Ainda assim, veio o Mmo. Juiz a quo, no relatório da sentença recorrida, esclarecer que tal decisão teve em vista que «o menor não fosse influenciado pelo pai e avós paternos com quem residia até então».
Porém, quanto a este ponto, não podemos concordar com o método defendido pelo recorrente, o qual entendemos não ter qualquer sustentação legal nem poder corresponder ao superior interesse da criança.
Em primeiro lugar cumpre constatar que as circunstâncias verificadas em 2018 eram substancialmente distintas das existentes aquando da mais recente audição da criança, em 14-07-2020. Nesta última data será certamente diferente o grau de maturidade da criança, agora já com 10 anos de idade, a que acresce que os autos não revelam já a situação de especial vulnerabilidade da criança, necessariamente associada à substancial e repentina rutura e alteração daquele que foi o seu contexto de vida habitual durante cerca de 5 anos. Aliás, esta vulnerabilidade era necessariamente potenciada pela ausência de contactos a sós com a sua mãe já que os autos também revelam, de modo que não vem impugnado, que, já em Portugal e a partir de 20-08-2018, a progenitora só convivia com o menor na presença do pai, porquanto este recusava-se a que a mesma estivesse a sós com o menor, receando que esta o levasse para a Suíça (1.1.16.).
Daí que as circunstâncias antes enunciadas impusessem diferentes abordagens por parte do Tribunal a quo quando decidiu proceder à audição da criança em cada um dos contextos temporais, pessoais e familiares indicados.
Aliás, não podemos deixar de salientar que a avaliação ou verificação das condições ou pressupostos de tais atos deve ser sempre feita casuisticamente, em função da idade e maturidade da criança, bem como do seu estado psicológico e da situação concreta vivenciada pela criança e pelos progenitores.
O G. R. é hoje uma criança com 10 anos de idade. Além disso, revela elevada capacidade para o desempenho das suas atividades diárias bem como uma inquestionável compreensão ou perceção das respetivas circunstâncias pessoais e da sua situação familiar atual.
Como se viu, uma das vertentes do princípio do reconhecimento do superior interesse da criança é o seu direito a ser ouvida e a ser tida em consideração a sua opinião, conferindo-lhe a possibilidade de participar nas decisões que lhe dizem respeito, com a sua autonomia e identidade próprias (8).
Ora, a implementação ou concretização de um regime de visitas ou convívios de uma criança com o progenitor com quem o menor não resida habitualmente destina-se essencialmente a permitir que tal progenitor mantenha com o filho uma relação saudável e duradoura, implementando e consolidando laços afetivos e relacionais que são importantes para o desenvolvimento integral de qualquer criança. Importa efetivamente assegurar um relacionamento estreito da criança com ambos os progenitores, atendendo à ligação afetiva existente entre estes e o filho.
Visa-se, assim, possibilitar a consolidação de um quadro de referências de vinculação efetiva da criança com ambos os progenitores, para que estes, como devem, participem no seu desenvolvimento e acompanhem o seu crescimento de uma forma espontânea e responsável, não se compreendendo que no contexto atual de vida desta criança, e considerando a sua idade, seja necessário impor ou “retirar” a criança à mãe (como parece pretender o recorrente), muito menos com a preocupação específica de assim acautelar ou preparar a tomada de declarações à criança em contexto processual.
Efetivamente é ao julgador que cabe refletir e valorar a vontade expressamente transmitida pela criança, com liberdade para exprimir a sua opinião sem pressões, cabendo ao Tribunal criar as condições adequadas a que se sinta segura e respeitada (9).
Como bem refere Alcina Costa Ribeiro (10), « [o] direito de participação não se esgota no momento em que a criança exprime livremente a sua opinião. É, ainda necessário que aquela seja valorada pelo adulto, em função da sua idade e maturidade.
A consideração pela opinião da criança significa, antes de mais, que não basta permitir-lhe que exprima a sua opinião mas, mais do que isso, é necessário levá-la a sério.
(…)
Considerar a opinião da criança não significa fazer-lhe a vontade ou transferir para si a responsabilidade da decisão. Esta responsabilidade é do adulto, que, antes de a tomar, considera, valora, tem em conta, a opinião da própria criança de acordo com a sua idade e maturidade.
A decisão que afecte a criança deixa de se basear num só critério, o do adulto, para considerar, também, a perspectiva da criança, que, aliás, fornece uma informação única e privilegiada, porque vivida e experienciada pela própria.
Uma vez exprimida livremente a opinião da criança sobre determinado assunto, o peso que lhe é dado varia de acordo com vários factores, dos quais se destacam, o desenvolvimento das capacidades naturais da criança, manifestado na idade e na maturidade e grau de compreensão da criança».
Por conseguinte, entendemos que as razões invocadas pelo recorrente a propósito da alegada diferença de método utilizado nas duas diligências da audição do menor, de 16-10-2018 e 14-07-2020, não obstam a que se atenda à audição da criança que teve lugar a 14-07-2020, assim improcedendo, também neste ponto, as conclusões do apelante.
Por último, alega o recorrente que do depoimento do menor, mormente dos excertos das declarações que transcreve no corpo das alegações, «resulta evidenciado o processo destrutivo da imagem do pai junto do filho operado pela mãe/requerida e família, ao pretender fazer crer ao filho que o pai fumava “outra coisa”, que não tabaco, bem como a «indiferença do filho em relação ao pai, designadamente a conviver com este, quando confrontado com a possibilidade de estar de imediato com o pai» - conclusões 25 a 28 com remissão para os referidos excertos das declarações da criança.
Neste domínio, é um facto incontornável que a criança G. R. nasceu a ..-12-2009 pelo que, à data em que foi ouvido mais recentemente nos autos, em 14-07-2020, tinha 10 anos de idade, tendo frequentado nesse ano letivo, o 3.º ano, na Suíça, e transitado para o 4.º ano, decorrendo do respetivo depoimento que quando regressou à Suíça teve de retomar o 3.º ano devido ao tempo em que permaneceu em Portugal e à altura do ano em que tal se verificou (“tarde”, “a meio do ano”, como o próprio referiu).
Trata-se de uma criança com notória maturidade e capacidade de discernimento a quem assiste o direito de ser ouvido sobre as questões que lhe assistem, à luz dos aludidos princípios da audição e participação.
E, tal como resulta dos autos, a audição da criança decorreu sempre em ambiente informal e reservado, apenas na presença do Mmo. Juiz a quo, da Exma. Magistrada do Ministério Público, com a assistência da Técnica da EMAT de Fafe, Dr.ª S. A., tal como determina o citado artigo 5.º, n.º 7, al. a), do RGPTC.
Mais se constata através da audição a que procedemos do registo integral da gravação que reproduz a diligência em causa que a referida diligência foi precedida de prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma. Neste domínio, a própria criança, G. R., demonstrou saber o motivo da sua audição, ao responder ao Mm.º Juiz, de forma clara e sem qualquer reserva, que estava ali «porque os meus pais separaram-se» e «agora vão decidir se eu fico com a minha mãe se com o meu pai» (00:10:01 do registo da gravação).
Por outro lado, entendemos que a referida diligência respeitou a específica condição da criança e garantiu a não sujeição do G. R. a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais.
Acresce salientar que a audição da criança foi conduzida pelo Mmo. Juiz a quo com serenidade e interesse no apuramento da verdade, sendo evidente a preocupação do Tribunal a quo com a preservação da tranquilidade e do bem-estar da criança ainda que procurando sempre garantir a sinceridade das respostas, se necessário mediante a formulação de questões adicionais ou pedidos de esclarecimento.
Mais se verifica que a criança respondeu sempre de forma espontânea e consentânea com a sua idade às questões que lhe foram colocadas, revelando sempre maturidade compatível com a idade e plena compreensão sobre os assuntos em referência, o que é revelador de uma vontade séria, livre e consciente.
Manifestou sempre total e sincera disponibilidade para esclarecer todos os aspetos relacionados com as questões que lhe eram colocadas pelo Mmo. Juiz a quo, ainda que não negando o seu nervosismo por estar em Tribunal, como aliás realçou por diversas vezes o Mmo. Juiz que realizou a inquirição: “Já me disseram que estavas assim um bocado mal disposto. Porque não é agradável estar aqui, não é”. Efetivamente, é preciso não esquecer que a própria criança deixou transparecer a gravidade da situação, ao referir que estava ali porque os pais se separaram e agora vão decidir se ficava com a mãe ou com o pai.
Tal como se salienta no já citado Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º 29/PP/2018-G, de 11-10-2018, «os processos respeitantes às crianças têm apenas uma parte (a criança), não e tratando verdadeiramente de um processo de partes (progenitores)».
Apesar disso, «[não podemos olvidar que as crianças envolvidas em processos de responsabilidades parentais ou outros, estão, na maioria das vezes, a sofrer dolorosos conflitos psicológicos e de lealdade, com danos “invisíveis”» (11).
Lamentavelmente, os autos revelam que os progenitores do G. R. mantêm atualmente entre si um litígio acentuado, situação que não lhes tem permitido cooperar mais estreitamente, como deviam, na prossecução das necessidades do filho nem acordar sobre aspetos de particular importância para a vida da criança.
E, tal como consignou - e bem - o Mmo. Juiz a quo no despacho agora sob censura, «[n]ão se questiona que o menor está a sofrer com esta situação de litígio entre os pais (…)».
No contexto antes enunciado, não podemos interpretar como «indiferença» da criança em relação ao pai a resposta do G. R. quando confrontado pelo Juiz, na referida diligência, com a possibilidade de estar de imediato com o pai, o que apenas permite espelhar a grande pressão a que estava sujeita a criança, sobretudo quando abordada numa diligência em que sabia estar a exprimir também a sua opinião com relevo para a decisão a tomar sobre a definição de uma questão de particular importância para a sua vida, no caso, a fixação da sua residência habitual junto de apenas um dos progenitores atento o grande afastamento geográfico existente entre as residências habituais destes, tanto mais conhecendo a criança o litígio que envolve os seus progenitores. Ainda assim, o G. R. expressou de forma clara, espontânea e reiterada a sua vontade de continuar a viver na Suíça com a mãe e vir a Portugal nas férias, pois aqui as férias são melhores.
Efetivamente, julgamos que a análise da totalidade das declarações prestadas pela criança, nas quais se incluem os excertos que o recorrente transcreve no corpo das alegações não determinam as conclusões que a recorrente pretende extrair a propósito dos mesmos, quanto a uma alegada alienação parental efetuada pela requerida/mãe junto do filho quanto à figura do requerido/pai, antes denotando uma abordagem descontextualizada e muito redutora, tanto mais que as referências sublinhadas pelo recorrente tiveram na sua base concretas abordagens e questões específicas suscitadas pelo Tribunal sobre tais aspetos, aos quais a criança respondeu.
Como tal, atendendo à globalidade das declarações prestadas pela criança, consideramos que os relatos efetuados pela criança foram bem mais abrangentes e esclarecedores, denotando sempre plena consciência dos problemas decorrentes da separação dos pais e da permanência de cada um deles em países diferentes um do outro e explicando detalhadamente, com credibilidade e de forma adequada à sua idade e nível de desenvolvimento, diversas circunstâncias que lhe foram sendo apresentadas, designadamente sobre o momento em que voltou com a mãe para a Suíça, os contactos então mantidos com o pai, e os subsequentes, bem como todas as suas rotinas diárias na Suíça, em contexto familiar e escolar, a forma como se sente naquele país e na escola que frequenta atualmente, o acompanhamento familiar de que dispõe na Suíça, as suas classificações escolares no ano letivo que concluiu e demais atividades por si desenvolvidas.
Rejeita-se, deste modo, que das declarações da criança G. R. - designadamente de determinadas expressões isoladas da criança, tal como autonomizadas e interpretadas pelo recorrente em sede de alegações de recurso -, possa extrair-se, por si só, as conclusões vertidas nas alegações de recurso para desconsiderar as declarações prestadas pela criança, designadamente quanto à alegada alienação parental efetuada pela requerida/mãe junto do filho.
Deste modo, não merece o despacho recorrido qualquer censura, não havendo razões que levem a desatender à audição da criança que teve lugar a 14-07-2020 ou que determinem a realização de nova audição da criança.
Como tal, improcedem as conclusões da apelante quanto ao recurso do despacho de 14-07-2020, o qual se confirma.

2.2. Recurso da sentença final, de 7-08-2020.

2.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

O apelante manifesta a sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, entendendo incorretamente julgados os pontos da matéria de facto da douta sentença numerados sob os nºs 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 53, 56 e 57, os quais pretende sejam considerados como «não provados».
Para fundamentar a sua discordância quanto à matéria de facto impugnada alega o apelante, em suma, não aceitar como fundamento válido para julgar provados aqueles pontos da matéria de facto os depoimentos das testemunhas D. C., tia/madrinha do menor; M. F., avó materna do menor, e do teor da carta rogatória, cuja tradução foi junta aos autos em 19-05-2020, bem como o depoimento do menor G. R.. Sustenta, no essencial, que das transcrições referentes a tais depoimentos, que enuncia no corpo das alegações, vistos em conjunto com o conteúdo da carta rogatória que consubstancia as declarações da requerida/mãe, não podem considerar-se provados aqueles pontos da matéria de facto.
Enuncia, ainda, aquilo que apelida de breve síntese dos depoimentos gravados das testemunhas arroladas pelo recorrente/pai, no caso, a testemunha A. S., avô paterno do menor, J. C., vizinho e amigo dos avós paternos e do pai do G. R., A. F., que foi professora de Inglês da criança, no período em que o G. R. esteve em Portugal, até à sua ida para a Suíça, em 18-11-2019, P. L., mãe de uma ex-colega de escola do G. R., e A. R., tia paterna da criança, bem como o teor dos documentos que juntou aos autos, os quais, segundo alega, ajudam a compreender toda a factualidade em discussão e até fazer o termo da comparação das situações do menor a viver na companhia do pai, em Portugal, ou na companhia da mãe, na Suíça, e qual das situações mais favorece os superiores interesses do menor e cuida do seu futuro.
Observa-se que o apelante indica expressamente, nas conclusões das respetivas alegações, quais os factos que considera incorretamente julgados.
Mais se verifica que o apelante especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
Debruçando-se sobre os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que cumpra o ónus previsto no artigo 640.º do CPC, na linha do entendimento constante da jurisprudência do STJ, refere-se no Ac. STJ de 3-12-2015 (12): «Uma correta impugnação, que cumpra o ónus previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica do/s elemento/s de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado». Assim, e conforme se esclarece ainda no citado aresto, «a recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental, fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise crítica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o Tribunal a faça, deixando nas mãos do Tribunal uma atividade “recoletora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao Tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu».
No caso, o recorrente especifica os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando as concretas passagens da gravação em que baseia a discordância no que concerne aos meios de prova gravados, acompanhadas de transcrições de diversos excertos dos depoimentos referenciados.
Porém, e com exceção da apreciação concreta de diversos aspetos atinentes ao teor das declarações/respostas da requerida/mãe - enunciadas na carta rogatória cuja tradução foi junta aos autos em 19-05-2020 -, e das considerações já apreciadas a propósito das declarações prestadas pela criança (estas no âmbito do incidente deduzido em audiência de julgamento), verifica-se que as demais transcrições são enunciadas de forma genérica, dispersa e reportada à globalidade da matéria de facto impugnada, não procedendo o apelante à delimitação do âmbito probatório do recurso de forma rigorosa e compreensível, o qual exige, como se viu, a indicação das concretas razões da impugnação, reportadas a determinadas circunstâncias específicas da extensa matéria de facto impugnada ou a cada concreto facto impugnado, para além da indicação dos concretos meio probatórios em que o recorrente fundamenta a sua discordância.
Esta constatação não leva, no caso vertente, à rejeição liminar da impugnação da matéria de facto quanto aos referidos meios de prova mas dificulta de forma relevante a possibilidade de o Tribunal de recurso refazer o percurso ou raciocínio lógico-jurídico que era exigível ao próprio recorrente empreender para concluir de forma diferente daquilo que a 1.ª instância decidiu, sobretudo tendo em conta a exaustiva fundamentação já exarada na decisão recorrida.
Relembremos que o Tribunal a quo, para julgar provada a matéria de facto concretamente impugnada pelo ora recorrente sob os pontos 44 a 51, 53 e 56 da sentença recorrida, considerou «a correlação dos depoimentos, nesse sentido, de D. C., tia materna e madrinha do menor, residente na Suíça e no mesmo prédio da residência da mãe do menor, de M. F., avó materna do menor, residente na Suíça em ..., em local próximo (5 minutos a pé) do local de residência da mãe do menor, com o conteúdo da carta rogatória cuja tradução foi junta aos autos em 19-05-2020 e com o próprio depoimento do menor G. R., nesse sentido».
Já no que concerne à factualidade supra descrita em 1.1.57., atendeu o Tribunal a quo à factualidade dada por provada, em conjugação com o depoimento do menor nesse sentido.
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados de forma atenta todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais os documentos juntos ao processo e todos os depoimentos indicados pelo recorrente em sede de alegações do presente recurso.
Neste domínio, e pelas razões já enunciadas a propósito da apreciação do recurso interposto do despacho proferido a 14-07-2020, atendemos ainda ao teor das declarações prestadas pela criança G. R., na data mais recente, ou seja, em 14-07-2020, como aliás fez o Tribunal a quo, por entendermos que a criança respondeu sempre de forma espontânea e consentânea com a sua idade às questões que lhe foram colocadas, revelando maturidade e capacidade compatível com a idade e plena compreensão sobre os assuntos em referência, o que é revelador de uma vontade séria, livre e consciente. Ora, contrariamente ao que parece pretender fazer crer o recorrente, resulta inquestionável que a criança, atualmente com 10 anos de idade, denota compreensão e perceção das respetivas circunstâncias pessoais e da situação familiar atual, tendo trazido aos autos diversas informações recentes e atualizadas sobre todas as suas rotinas diárias na Suíça, em contexto familiar e escolar, a forma como se sente naquele país e na escola que frequenta atualmente, o acompanhamento familiar de que dispõe na Suíça, as suas classificações escolares no ano letivo que concluiu e demais atividades por si desenvolvidas, sendo tais informações fidedignas porque resultantes das vivências e das circunstâncias experienciadas pelo próprio. E, mais importante, expressou de forma clara, espontânea e reiterada a sua vontade de continuar a viver na Suíça com a mãe e vir a Portugal nas férias, pois aqui as férias são melhores.
Foram ainda considerados todos os restantes factos dados como provados na decisão recorrida e que não vêm concretamente impugnados pelo apelante, sendo que a falta de impugnação da matéria de facto quanto a tais aspetos delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, conforme decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Feita a reapreciação crítica de todos os elementos de prova produzidos e juntos aos autos julgamos que os mesmos permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto concretamente impugnada pelo apelante.
Neste quadro, mostra-se surpreendente a impugnação deduzida pelo recorrente relativamente ao ponto 44 da matéria de facto provada, com o seguinte teor: «O menor no ano letivo 2019/2020, aos cuidados da progenitora, frequentou com aproveitamento esse 3º ano na escola de ..., em ..., Suíça».
Assim, não se alcança com nitidez qual o concreto segmento da factualidade vertida neste concreto ponto da matéria de facto que o recorrente não aceita, posto que o apelante também não o concretiza. Que a criança, quando regressou à Suíça, em 19-11-2019, frequentava o 4.º ano do primeiro ciclo na Escola ..., mas na Suíça voltou para o 3.º ano, mudando de escola e de turma, passando a frequentar a escola de ..., em ..., parece não existir qualquer dúvida, porquanto tal matéria consta do ponto 1.1.43 da matéria de facto provada, a qual não mereceu qualquer impugnação.
Presume-se, assim, que o recorrente/pai apenas discorda do referido ponto da matéria de facto na parte em que considerou assente que a criança, no ano letivo 2019/2020, frequentou com aproveitamento esse 3.º ano.
Porém, tal circunstância resulta para nós credivelmente consubstanciada nas declarações que a própria criança G. R. prestou perante o Mmo. Juiz a quo, em 14-07-2020 (portanto, após a frequência do ano letivo em referência), das quais resulta por várias vezes referido pelo G. R., de forma eloquente e explicativa, que passou do 3.º ano para o 4.º ano, esclarecendo ainda mais adiante das suas declarações que teve nota quatro (na escala de 1 a 5), à disciplina de Alemão e cinco a Matemática (na escala de 1 a 5), e esclarecendo que só não teve avaliação às disciplinas de Educação Física (Desporto) e de Inglês, devido à altura do ano em regressou à Suíça, vindo de Portugal, em novembro de 2019, referindo que já chegou a “meio” do ano letivo, pelo que só deram classificação às disciplinas consideradas mais importantes, mas tal não impediu que passasse para o 4.º ano.
Confirma-se ainda que tal matéria resulta suficientemente corroborada nos depoimentos prestados pelas testemunhas, M. F. - avó materna do menor, com 58 anos de idade, referiu que vive na Suíça há 16 anos e trabalha na limpeza do Lar onde atualmente trabalha a mãe do G. R. -, e D. C. - tia materna e madrinha do menor, residente na Suíça e no mesmo prédio da residência da mãe do menor, referiu que está com o menor todos os dias, esclarecendo qual o seu horário escolar e respetivas rotinas, bem como o horário de trabalho da mãe do menor. Explicou igualmente como a sua família se organiza na entreajuda aos filhos menores, concretamente ao G. R..

Sobre esta matéria reporta-se o recorrente ao teor das declarações/respostas da mãe do G. R., sobre a situação do filho na escola na Suíça, das quais transcreve, no corpo das alegações de recurso, o seguinte segmento:

«Está um pouco triste com o 3 que teve a alemão, sendo certo que após a pandemia do Covid 19 o menino não foi mais avaliado».
Ora, em primeiro lugar, importa esclarecer que o âmbito da resposta dada pela requerida/mãe à pergunta formulada pelo Juiz do Tribunal Distrital ..., sobre se o G. R. está bem integrado na escola, é bem mais ampla e abrangente do que o segmento que foi transcrito pelo recorrente nas alegações de recurso, sendo a resposta a tal questão, a seguinte:
«Sim, mas ele está um pouco triste com a nota de Alemão pois teve um 3, e um 5 a Matemática e nas restantes disciplinas não lhe foi dada avaliação».
Por outro lado, cumpre constatar que as declarações da requerida/mãe, agora em análise, foram prestadas no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital Tribunal distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança, reportando-se a diligência judicial efetuada a 24 de fevereiro de 2020, portanto, cerca de três meses após ter regressado à Suíça com o filho e certamente antes do final do ano letivo então em curso, pelo que entendemos que o concreto excerto das declarações da requerida que vem referenciado não permite infirmar as conclusões antes evidenciadas a propósito desta matéria.
Acresce que da reapreciação que fizemos dos depoimentos das restantes testemunhas indicadas pelo recorrente, designadamente dos depoimentos gravados das testemunhas arroladas pelo recorrente/pai, no caso, A. S., J. C., A. F., P. L., A. R., bem como o teor dos documentos que juntou aos autos, deles não se extrai qualquer razão objetiva ou circunstância decisiva que se reporte ao concreto período em referência e ao específico contexto pessoal e sociofamiliar em análise no facto impugnado. Assim, entendemos que as circunstâncias que resultam dos referidos meios probatórios não retiram sustentação às referências probatórias antes enunciadas a propósito do facto em análise.
Tal constatação impõe que se mantenha a decisão recorrida quanto ao concreto ponto 44 dos “Factos provados”, aqui impugnado pelo recorrente.
Pretende ainda o apelante que se considerem como não provados os factos supra enunciados sob os pontos 1.1.45., 1.1.46., e 1.1.47.
Trata-se de circunstâncias de facto que se reportam ao contexto socioprofissional de vida da progenitora do G. R. até março de 2020, na Suíça, ou seja, até ter começado a trabalhar num lar em ..., … (tal como depois resulta da matéria vertida no ponto 1.1.48), reportando-se ainda, o ponto 1.1.47 às rotinas diárias do G. R. durante esse período, designadamente quanto ao local de permanência da criança durante os dias úteis.
Ora, analisadas as declarações prestadas pela requerida/mãe no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança, reportando-se a diligência judicial efetuada a 24 de fevereiro de 2020, confirma-se que do teor das mesmas decorrem todas as referências que foram enunciadas pelo Tribunal a quo no âmbito da matéria de facto em apreciação. Assim, a requerida esclareceu devidamente que então trabalhava numa empresa de limpeza localizada em …, a X, há mais de um ano (desde novembro passado fez um ano), e fazia também trabalhos extra de limpeza numa escola em ... e em casas particulares (em … e em …). Indicou o seu horário de trabalho habitual na X e nas casas particulares (em que apenas trabalhava às sextas-feiras), bem como que na limpeza da escola começava às 4h30 de manhã e trabalhava por uma hora e meia (como tal, até às 6:00 horas). Explicou ainda que nos dias em que fazia limpeza na escola, de segunda a sexta, o filho dormia em casa dos seus pais (avós maternos da criança). Esclareceu ainda que na X lhe pagavam à hora pelo que o seu ordenado médio naquela empresa seria por volta de CHF 2.000, auferindo ainda, à data, um valor líquido de CHF 500 na limpeza da escola, CHF 400 numa das casas e nas outras casas algo acima de CHF 200 por mês.
Mostra-se ainda relevante constatar que o teor das declarações prestadas pela requerida no âmbito da carta rogatória em referência foi oportunamente objeto de contraditório junto dos requeridos nada tendo, então, sido suscitado ou impugnado, designadamente pelo requerido, ora recorrente, relativamente ao âmbito e conteúdo das declarações então exaradas.
No âmbito probatório em apreciação estamos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal, tratando-se de matéria para cuja prova a lei não exige determinado meio de prova (prova vinculada) tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º a 396.º do CC, e 466.º, n.º 3, do CPC. Neste contexto, quer as declarações prestadas pela requerida quer os depoimentos das testemunhas M. F. e D. C. valem como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (ainda que, no que respeita à carta rogatória junta aos autos, a mesma faça prova plena dos factos que nele são referidos como praticados perante a autoridade judicial).
Ora, a versão dos factos apresentada pela requerida foi narrada de forma uniforme e coerente, não se eximindo a responder às questões formuladas de uma forma que nos pareceu espontânea e convincente, nem sendo detetadas quaisquer circunstâncias que permitam infirmar as afirmações que produziu perante o Tribunal Distrital ..., Suíça, tanto mais que tal matéria resultou suficientemente corroborada nos depoimentos prestados pelas testemunhas, M. F. e D. C., ambas denotando conhecimento direto e relevante da matéria em apreciação.
Por último, da análise dos restantes meios probatórios indicados pelo apelante também nada resulta que permita comprometer a credibilidade e o conteúdo material do depoimento prestado pela requerida, o qual surge em consonância com os depoimentos prestados a tal propósito pelas testemunhas, M. F. e D. C..
Pelo exposto, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita aos factos enunciados nos pontos 45, 46 e 47 da matéria de facto provada.
Reapreciando agora a matéria constante dos pontos 1.1.48., 1.1.50., 1.1.51., 1.1.53., e 1.1.56., dos factos provados, procedemos à análise de todos os meios de prova que relevam diretamente para o efeito, concretamente, à reapreciação das declarações prestadas pela requerida/mãe no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança, reportando-se a diligência judicial efetuada a 24 de fevereiro de 2020 e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, M. F. e D. C., ambas denotando conhecimento direto e relevante da matéria em apreciação. Ponderámos, ainda, as declarações que a própria criança G. R. prestou perante o Mmo. Juiz a quo, em 14-07-2020 (portanto, após a frequência do ano letivo 2019/2020, na Suíça). Atendemos, por fim, aos restantes meios de prova genericamente invocados pelo recorrente em sede de impugnação sobre a matéria de facto.
Ora, da análise dos referidos meios de prova não resulta qualquer constatação relevante que nos leve a divergir da apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito do conteúdo material dos pontos agora em apreciação.
Assim, e tal como enunciou o Tribunal a quo no âmbito da motivação da decisão recorrida, a testemunha D. C., tia materna e madrinha do menor, residente na Suíça e no mesmo prédio da residência da mãe do menor, referiu que está com o menor todos os dias, esclarecendo qual o seu horário escolar e respetivas rotinas, bem como o horário de trabalho da mãe do menor. Explicou igualmente como a sua família se organiza na entreajuda aos filhos menores, concretamente ao G. R.. Confirmou que a irmã, ora requerida, a partir do final do mês de março de 2020 trabalha no Lar onde a testemunha também trabalha, só que na parte da cozinha, sendo o salário de cerca de CHF 3.800,00. Também a testemunha M. F., avó materna do menor, que vive na Suíça há 16 anos e trabalha na limpeza do lar onde agora trabalha a mãe do menor, esclareceu qual o horário escolar do G. R. e respetivas rotinas, bem como o horário de trabalho da sua mãe. Explicou igualmente como a sua família se organiza na entreajuda aos filhos e netos, concretamente ao G. R.. Sobre a sua filha, mãe do G. R., disse que ela vive com o filho e que depois de março de 2020 trabalha no lar, tendo já trabalho com contrato definitivo, sendo o salário de cerca de CHF 3.800,00, esclarecendo que antes disso, quando a mesma iniciava o trabalho às 4h30m, era a depoente que lhe dava apoio sendo que ficava com as tias quando a depoente ia trabalhar, durante o dia, de acordo com a rotina que também explicou.
Também aqui se verifica que as circunstâncias de facto que foram enunciadas pelo Tribunal a quo no âmbito da matéria de facto enunciada em 1.1.48., 1.1.50., 1.1.51., 1.1.53., e 1.1.56., decorrem efetivamente do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas, M. F. e D. C., mostrando-se credivelmente consubstanciadas à luz da razão de ciência invocada e dos concretos depoimentos prestados.
A este propósito, cumpre ressalvar as circunstâncias ali enunciadas a propósito das condições/tipologia da habitação onde a requerida/mãe reside com a criança e às despesas e/ou encargos do agregado familiar da requerida, que foram enunciados no segundo segmento do ponto 1.1.53., relativamente aos quais se atendeu essencialmente ao teor das declarações prestadas pela requerida/mãe no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital ..., Suíça, ainda que a testemunha D. C. tenha concretizado que a irmã continua a viver com o G. R. na mesma casa onde viviam antes da separação do casal, tendo a criança mantido o mesmo quarto. Trata-se do mesmo apartamento, com dois quartos, sala, cozinha e casa de banho, apartamento que se situa no 1.º piso do prédio onde também vive a testemunha D. C., irmã da requerida (esta no 3.º piso).
Ponderou-se, ainda, o contexto temporal em que foram tomadas as declarações à requerida no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança. Efetivamente, tais declarações foram prestadas em 24 de fevereiro de 2020, altura em que, conforme decorre das mesmas, a requerida ainda não exercia funções no seu emprego atual, referindo então que tencionava demitir-se do trabalho que desempenhava na X, no qual lhe pagavam à hora, e revelando ter entretanto encontrado um emprego melhor num Lar de Idosos em ...e em ..., no qual previa vir a auferir um ordenado mensal algo acima de CHF 3.500,00.
Por outro lado, entendemos que das declarações prestadas pela requerida/mãe no âmbito da Carta Rogatória enviada ao Tribunal Distrital ..., Suíça, para averiguação das condições socioeconómicas da progenitora e da criança - reportando-se a diligência judicial efetuada a 24 de fevereiro de 2020 - e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, M. F. e D. C. - todas denotando conhecimento direto e relevante sobre a matéria em apreciação -, resulta devidamente consubstanciada a matéria vertida no ponto 1.1.56. dos factos provados: «o menor, desde que se encontra na Suíça a residir só com a mãe, a partir de 19-11-2019, integrou-se bem na atual escola de ..., em ..., onde teve boas notas, aparentando estar bem-adaptado à Suíça».
Aliás, todos estes depoimentos são consentâneos com o relato consistente e espontâneo que a criança efetuou perante o Mmo. Juiz a quo no âmbito da audição efetuada em 14-07-2020 (após frequência do ano letivo 2019/2020), tendo trazido aos autos diversas informações recentes e atualizadas sobre todas as suas rotinas diárias na Suíça, em contexto familiar e escolar, a forma como se sente naquele país e na escola que frequenta atualmente, o acompanhamento familiar de que dispõe na Suíça, as suas classificações escolares no ano letivo que concluiu e atividades por si desenvolvidas, sendo tais informações fidedignas porque resultantes das vivências e das circunstâncias experienciadas pelo próprio. Referiu, por várias vezes que passou do 3.º ano para o 4.º ano, esclarecendo ainda mais adiante das suas declarações que teve nota quatro (na escala de 1 a 5), à disciplina de Alemão e cinco a Matemática (na escala de 1 a 5), e esclarecendo que só não teve avaliação às disciplinas de Educação Física (Desporto) e de Inglês, devido à altura do ano em regressou à Suíça, vindo de Portugal, em novembro de 2019, referindo que já chegou a “meio” do ano letivo, pelo que só deram classificação às disciplinas consideradas mais importantes, mas tal não impediu que passasse para o 4.º ano. Foi para outra escola, perto da sua antiga escola, mas sente-se bem lá, não tendo muitas dificuldades com o Alemão, e que já antes conseguia escrever em Alemão. Esclareceu que a sua escola é “pertinho” de casa, que tinha boas notas na escola em Portugal, mas que na Suíça também tem boas notas e que joga Futsal. Afirmou gostar de estar na Suíça.
Por último, da reapreciação que fizemos dos depoimentos das restantes testemunhas indicadas pelo recorrente, designadamente dos depoimentos gravados das testemunhas arroladas pelo recorrente/pai, no caso, A. S., J. C., A. F., P. L., A. R., bem como o teor dos documentos que o requerido juntou aos autos, deles não se extrai qualquer razão objetiva ou circunstância decisiva que se reporte ao concreto período e ao contexto pessoal e sociofamiliar da criança que está em causa nos factos em análise, assim se mantendo a decisão recorrida quanto aos concretos pontos 48., 50., 51., 53., e 56., da matéria de facto provada, aqui impugnados pelo recorrente.
Também relativamente à discordância manifestada relativamente à matéria que consta do ponto 1.1.57 supra, não se alcança com clareza qual o concreto segmento da factualidade vertida neste concreto ponto da matéria de facto que o recorrente não aceita, posto que também não o concretiza.
Que a criança tem 10 anos de idade, tem fortes laços afetivos aos seus progenitores, o que é recíproco, e que adora futebol, parece não existir qualquer dúvida à luz das circunstâncias de facto já pacificamente admitidas no processo.
Presume-se, assim, que o recorrente/pai discorda apenas do referido ponto da matéria de facto na parte em que considerou assente que «o mesmo» (o menor G. R.) «referiu em diligência efetuada para o efeito, que pretende que a sua situação se mantenha como está, isto é, pretende continuar a viver na Suíça com a mãe e a passar as férias com o pai e os avós paternos em Portugal».
Ora, tal como resulta da ata de 14-07-2020 (10:00 h e 10h30 - diligência contínua) a criança G. R., então com 10 anos de idade, foi efetivamente ouvido pelo Mmo. Juiz a quo em diligência especificamente designada para o efeito.
Por outro lado, é um facto incontornável que a criança, na referida diligência, expressou de forma clara, espontânea, esclarecida e reiterada a sua vontade de continuar a viver na Suíça com a mãe e vir a Portugal nas férias.
Por conseguinte, não existem razões para censurar a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.
Em consequência, improcede integralmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo apelante, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. supra.

2.2.2. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Está em causa, na presente apelação, a sentença proferida em 7-08-2020 na providência tutelar cível intentada pelo Ministério Público, em representação da criança G. R., nascido a ..-12-2009, filho de N. R., residente atualmente em Fafe, e M. M., residente na Suíça, visando a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à referida criança uma vez que os progenitores se separaram.
No processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, enquanto processo de jurisdição voluntária, deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança.
O poder paternal, atualmente “responsabilidades parentais”, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 61/2008, de 31-10, é preenchido por um conjunto de poderes-deveres, poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores, no interesse dos filhos, em ordem a assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, educação, a representação da sua pessoa e a administração dos seus bens - cf. artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil (CC).
A referenciada Lei n.º 61/2008, de 31.10, com a redação dada aos artigos 1905.º, e 1906.º, do CC, afastou do regime das responsabilidades parentais o conceito de «guarda», autonomizando a determinação da residência do filho relativamente ao exercício das responsabilidades parentais.
Deste modo, atenta a natureza dos autos em que foi proferida sentença recorrida, importa decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, nas suas vertentes essenciais: determinação da residência da criança, exercício das responsabilidades parentais, regime de convívios da criança com o progenitor com quem não reside habitualmente e prestação de alimentos.
O regime legal vigente prevê, enquanto regime regra, o exercício em comum, por ambos os progenitores, das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho - cf. artigo 1906.º, nºs 1 e 2 do CC - podendo o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores, desde que sustentada em circunstâncias das quais se extraia a conclusão de que tal regime é contrário ao interesse da criança ou do jovem.
A ausência de um dos progenitores em parte incerta ou o grande afastamento geográfico do progenitor com quem a criança ou o jovem não reside - designadamente porque um dos progenitores vive habitualmente no estrangeiro ou em localidade muito distante -, ou mesmo a total ausência ou desvinculação afetiva, emocional ou de proteção e acompanhamento da criança ou jovem constituem, sem dúvida, fatores decisivos para que o Tribunal deva afastar o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da criança ou jovem, sob pena de o progenitor com quem aquela reside habitualmente ver inviabilizada a possibilidade de exercer os poderes/deveres inerentes a tais responsabilidades.
No caso em apreciação, atendendo aos alicerces afetivos e à segurança que ambos os progenitores representam para a criança G. R. resulta manifesto que o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança deve ser atribuído a ambos os progenitores, em conjunto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1906.º, nºs 1 e 2 do CC, como, aliás, foi decidido na sentença recorrida e não está em causa na presente apelação, isto apesar do grande distanciamento geográfico existente entre as residências habituais dos progenitores, considerando que o pai reside atualmente em Fafe e a mãe em ..., na Suíça.
Lamentavelmente, os autos revelam que os progenitores do G. R. divergem quanto ao local onde deve ser fixada a residência habitual da criança, entendendo a progenitora que a criança deve continuar a residir consigo, na Suíça, onde a criança está bem integrada, entendendo o progenitor que a criança deve voltar a viver consigo, por considerar que é o pai, em Portugal, que melhores condições e garantias oferece ao G. R. para se desenvolver em todas as vertentes.
Ainda que o legislador dê prevalência à solução consensual para todas as questões relativas às responsabilidades parentais, incluindo no que respeita à determinação da residência habitual do filho (artigo 1906.º, n.º 5, do CC), no caso vertente não existe o acordo dos pais quanto à determinação como residência da criança a do pai, em Portugal, ou a da mãe, em ..., na Suíça, sendo certo que perante as circunstâncias de facto que importa atender não se revela exequível fixar a residência habitual da criança junto de cada um dos progentores, alternadamente, por determinado período.
Resta então apreciar se a sentença recorrida, que fixou o regime relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais atinente à criança G. R., nascido a ..-12-2009, fixando a residência habitual da criança junto da mãe, na Suíça, defende adequadamente o interesse da criança ou se existem razões para alterar o regime decidido pelo Tribunal a quo relativamente à residência habitual da criança e ao exercício das responsabilidades parentais, relativas a atos da vida corrente da criança.
Tal como decorre do disposto no artigo 1906.º, n.º 7, do CC, o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Neste contexto, resulta indiscutível a referência ao superior interesse da criança enquanto critério fundamental que deve presidir às decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal como também prevê o artigo 40.º, n.º1, do RGPTC.
Trata-se do verdadeiro princípio orientador e instrumento fundamental para uma adequada proteção dos direitos da criança.
A propósito do critério fundamental do interesse da criança importa sublinhar que “o legislador não terá definido este conceito (que é, por isso indeterminado) precisamente para permitir que a norma se pudesse adaptar à variabilidade e imprevisibilidade das situações da vida, máxime da situação de cada família ou mais exactamente de cada criança”, ainda que se possa adiantar que tal interesse não andará longe do “estabelecimento das ideais ou das possíveis condições sociais, materiais e psicológicas da vida de um filho, geradas pela participação responsável, motivada e coordenada de ambos os progenitores, acção essa que garanta a inserção daquele num optimizante e gratificante núcleo de vida, claramente propiciador do seu desenvolvimento emocional, físico e cívico e da obtenção da sua «cidadania social»” (13).
Atenta a improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na reapreciação do mérito da causa são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1. supra, os quais serviram de base à decisão recorrida.
Considerando os factos definitivamente dados como provados, a 1.ª instância concluiu, no essencial, que se demonstrou que a criança, no período que esteve em Portugal, desde 22-07-2018 até 18-11-2019, integrou-se bem na escola e nas atividades comunitárias, tais como no futsal, rancho e catequese, aparentando viver feliz em Portugal (factos 42 e 55), também se demonstrando que a criança, desde que se encontra a residir só com a mãe na Suíça, desde 19-11-2019, integrou-se bem na atual escola de ..., onde teve boas notas, aparentando estar bem-adaptado à Suíça (factos 44 e 56).
Mais enunciou a sentença recorrida, relativamente à progenitora, que a mesma não domina o alemão, língua oficial do local da escola do menor e do local de residência e de trabalho da mãe, na Suíça, motivo porque não consegue ajudar o menor nos seus trabalhos de casa, nem atribui grande valorização à escolaridade, porquanto na diligência realizada em 26-03-2019, a mesma referiu que independente do menor acabar ou não esse ano letivo, logo que lhe fosse possível ia levar o menor para a Suíça (factos 29 e 53), verificando também que a progenitora, uns dias depois de referir em tribunal que ficaria em Portugal por causa do filho (fazendo crer que abdicava da sua vida profissional na Suíça por causa do filho), regressou à Suíça, além de que se opôs a que o seu período de férias com o menor fosse reduzido de 33 para 32 dias, pretendendo impedir, desse modo, a participação do menor no casamento da tia paterna (factos 24, 30 e 31).
Relativamente ao progenitor, e tal como salientou a decisão recorrida, verifica-se que o mesmo decidiu, contra a vontade da progenitora e sem sequer a avisar, que o menor não regressava à Suíça, como estava previsto, além de que se opôs a que o menor fosse visitar a progenitora no Natal de 2018 e na Páscoa de 2019 (factos 13 e 14). Também se verificou que apesar de várias tentativas da progenitora para que o menor lhe fosse entregue, na sequência da decisão judicial nesse sentido (acórdão da Relação de Guimarães), o certo é que o progenitor sempre se recusou, mesmo com a intervenção da GNR, além de que quando a progenitora recolheu o menor na escola e o levou para a Suíça, o mesmo apresentou queixa criminal na GNR e difundiu no «facebook» a fotografia do filho referindo que «O meu filho está desaparecido em Fafe! Por favor ajudem e partilhem!!!!!», o que levou a 12 mil partilhas nessa rede social, manifestando com tal comportamento uma desconsideração pelo filho e pela sua progenitora (factos 34 a 38).
Por outro lado, conforme especificou - e bem - a sentença recorrida, demonstrou-se que o menor tem fortes laços afetivos aos seus progenitores, o que é recíproco, sendo que o menor referiu em diligência efetuada para o efeito, que pretende continuar a viver na Suíça com a mãe e a passar as férias com o pai e os avós paternos em Portugal (facto 57). Igualmente se apurou que quer a progenitora (na Suíça) quer o progenitor (em Portugal) contam com o apoio efetivo de familiares próximos, o que facilitou a integração do menor, quer no período em que o mesmo viveu com o pai em Portugal, quer no período em que viveu com a mãe na Suíça (factos 45 a 53).
Em face dos fundamentos assim enunciados, concluiu a decisão recorrida ser do interesse da criança continuar a residir com a mãe na Suíça, devendo as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente serem exercidas por esta.
Para o efeito ponderou que, apesar de a situação da mãe e do seu comportamento quanto ao filho não ser o ideal, parece ser ainda assim, de ambos os progenitores, aquele que mais garantias dá de valorizar o desenvolvimento da personalidade da criança e de lhe prestar maior assistência e carinho.
Em face do quadro fáctico apurado nos autos não se revela possível a este Tribunal extrair diferente conclusão no que respeita ao enquadramento efetuado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, o qual sufragamos, verificando-se que efetivamente aquele Tribunal ponderou todas as circunstâncias relevantes, procurando uma solução equilibrada, prudente e razoável à luz de todos os elementos disponíveis, sendo esta a decisão que se revela capaz de assegurar da melhor forma o superior interesse da criança.
Neste domínio, não podemos esquecer que é a própria lei a estabelecer que cabe ao Tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro - cf. artigo 1906.º, n.º 5 do CC.
Neste domínio, os autos revelam que efetivamente é o requerido/pai o progenitor que menor disponibilidade tem manifestado para promover relações habituais da criança com o outro progenitor.
Assim, para além de ter decidido, contra a vontade da progenitora e sem sequer a avisar, que a criança não regressava à Suíça, como estava previsto - naquela que é manifestamente uma questão de particular importância para a vida da criança e que, como tal, deveria ter sido decidida de comum acordo (14) ou decidida previamente para tribunal em caso de desacordo, nos termos previstos no artigo 1901.º, n.º 2, do CC - opôs-se a que a criança fosse visitar a progenitora no natal de 2018 e na páscoa de 2019 (1.1.25. e 1.1.27.). Mais se constata que a referida decisão unilateral do progenitor, de determinar a permanência do filho em Portugal contra a vontade da progenitora da criança, para além de ilegal, determinou necessariamente uma rutura substancial do contexto de vida da criança, incluindo o seu processo educativo então em curso, o que não pode deixar de se revelar prejudicial à estabilidade emocional e psicológica de uma criança então com apenas 8 anos de idade. Acresce o grande afastamento geográfico que tal mudança previsivelmente implicava para a criança relativamente a um dos progenitores. Com efeito, tal como resulta dos autos - pontos 1.1.5., 1.1.10., 1.1.11., - a criança já então mantinha a sua residência habitual na Suíça há cerca de 5 anos (dos 8 que na altura tinha), ali se situando, portanto, o centro da sua vida familiar, escolar e social, com exceção dos períodos das férias escolares de verão que vinha sempre passar a Portugal, convivendo em tais períodos com os avós paternos e tia paterna. Apesar disso, o que se verifica é que o requerido/pai passou a dificultar os convívios da criança com a mãe, não permitindo que a criança mantivesse contactos a sós com a requerida/mãe, pois, tal como os autos revelam, já em Portugal e a partir de 20-08-2018, a progenitora só convivia com o menor na presença do pai, porquanto este recusava-se a que a mesma estivesse a sós com o menor, receando que esta o levasse para a Suíça (1.1.16.).
Para além de todos os fundamentos antes enunciados, consideramos ainda que deve ser valorada a preferência manifestada pela criança e que foi respeitada no regime fixado, atendendo à sua idade e ao discernimento revelado pelo G. R..
Como se viu, importa não esquecer que uma das vertentes do princípio do reconhecimento do superior interesse da criança é o seu direito a ser ouvida e a ser tida em consideração a sua opinião, conferindo-lhe a possibilidade de participar nas decisões que lhe dizem respeito, com a sua autonomia e identidade próprias.
Tal como anteriormente referimos, o G. R. é uma criança de 10 anos, com maturidade e capacidade de discernimento, a quem assiste o direito de ser ouvido sobre as questões que lhe assistem, à luz dos princípios da audição e participação, e tal como decorre, designadamente, do disposto no artigo 4.º, n.º1, al. c), do RGPTC.
E tal direito não se esgota no aludido direito de audição, traduzindo-se em concreto no direito a que a sua opinião seja considerada na ponderação das circunstâncias em apreciação e que respeitem ao seu superior interesse.
É o que resulta expressamente do preceituado no artigo 5.º, n.º1, do RGPTC quando dispõe que «a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse».
No que concerne especificamente à regulação do exercício das responsabilidades parentais prevê o artigo 35.º, n.º 3, do RGPTC a obrigatoriedade da audição da criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.
Neste enquadramento, resulta manifesto que na generalidade das situações a prossecução do interesse da criança passa necessariamente por considerar a opinião da criança ou do jovem de acordo com a maturidade que evidencia (15), o que no caso em apreciação resulta indiscutível.
Acresce que a preferência manifestada pela criança, para além de motivada, revela-se consciente e espontânea pelo que consideramos que o regime fixado na decisão recorrida permite garantir a estabilidade da criança, assegurando o seu equilíbrio e bem-estar.
Entendemos, por outro lado, que a circunstância de a mãe do G. R. não saber falar nem escrever alemão, língua oficial do seu local de residência e de trabalho, motivo porque não consegue ajudar o menor nos seus trabalhos de casa, não é impeditiva da concretização da vontade da criança, porquanto se demonstrou que o menor, desde que se encontra na Suíça a residir só com a mãe, a partir de 19-11-2019, integrou-se bem na atual escola de ..., em ..., onde teve boas notas, aparentando estar bem-adaptado à Suíça. De resto, tal como os autos também revelam, a criança manteve a sua residência habitual na Suíça durante a maior parte da sua vida, ali estando situado o centro da sua vida familiar, escolar e social, sendo certo que em ..., na Suíça, onde reside a progenitora, a mesma conta com o apoio dos seus pais e da sua irmã J., solteira, esta ali residente com os pais, e ainda com o apoio das suas irmãs casadas, D. C. e JC., também ali residentes. A progenitora vive com o menor em apartamento do tipo T3 e com quarto equipado para o menor, dispondo de garagem. Atualmente, e desde março de 2020, é a mãe que leva o menor à escola todos os dias, estando as rotinas diárias da criança devidamente asseguradas pela mãe, com o apoio da avó materna da criança e das tias, tal como resulta do enunciado em 1.1.51.
Improcedem, assim, as conclusões do apelante, devendo manter-se o regime fixado pelo Tribunal a quo no que concerne à residência habitual da criança com a mãe, na Suíça, a quem incumbirá exercer as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1906.º, n.º 3, do CC, cabendo a ambos os progenitores, em conjunto ou em comum, o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança.
Verifica-se que a decisão recorrida contemplou ainda um regime de visitas, destinado a regular a partilha de tempo com a criança, nos termos previstos no artigo 40.º, n.º 2, do RGPTC, estipulando um regime aberto, nos termos do qual o pai poderá estará com a criança, além do previsto para as férias escolares, sempre que o desejar, podendo visitar o menor na Suíça, sem prejuízo das horas de descanso e das atividades escolares do menor, mediante aviso prévio à progenitora com 48 horas de antecedência. Mais estipulou um regime que contempla a repartição dos períodos das férias escolares da criança (do Natal, Páscoa e férias de Verão), no qual se prevê, ainda, a regulação da repartição dos encargos com as despesas de transporte da criança (da Suíça para Portugal e de Portugal para a Suíça), bem como a possibilidade, já contemplada no regime provisório oportunamente fixado, de o pai estar com a criança todos os dias através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
Revertendo novamente para o conceito indeterminado do interesse da criança ou do jovem, enquanto critério fundamental a utilizar na determinação da residência habitual e dos convívios com o progenitor com quem a criança não reside habitualmente, não podemos deixar de destacar que a lei pretendeu efetivamente garantir a manutenção de relações pessoas de grande proximidade e contactos diretos da criança com ambos os progenitores - cf. artigo 1906.º, n.ºs 5 e 7, do CC.
Assim, «nunca será de mais sublinhar que a criança necessita igualmente do pai e da mãe e que, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência desse facto, por ambos os pais, é essencial para que o relacionamento do filho com o progenitor que não detém a guarda física se processe naturalmente, sem conflitos ou tensões». E, «manter uma relação de grande proximidade, impõe contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, de poder partilhar consigo o seu espaço, passar com ele fins de semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias, podendo ainda conviver com o filho durante alguns dias úteis da semana, tudo dependendo das circunstâncias, nomeadamente do relacionamento dos pais, idade da criança, a localização da sua residência e a disponibilidade do progenitor» (16).
Neste quadro, consideramos que o regime de visitas ou de convívios fixado revela-se capaz de assegurar o interesse da criança em manter e reforçar os laços afetivos e de vinculação segura com o pai, num momento em que a necessidade de preservar a presença de ambos os progenitores na vida da criança se revela indiscutível atento o contexto de separação dos progenitores.
Por conseguinte, cumpre confirmar, também neste aspeto, a decisão recorrida, o qual, de resto, não vinha concretamente impugnado pelo recorrente.
Por último, o recorrente também não vem impugnar o valor fixado pelo Tribunal a quo a título prestação de alimentos no valor mensal de €125,00 a suportar pelo pai em benefício da criança, o qual corresponde ao que foi acordado pelos progenitores, tal como decorre de 1.1.54 supra.
Por outro lado, o Tribunal a quo atendeu a todas as variáveis relevantes para a fixação do valor da prestação de alimentos, tendo em conta a factualidade apurada nos autos.
Tudo ponderado, resta concluir que o regime relativo à regulação das responsabilidades parentais da criança G. R., nascido a ..-12-2009, fixado na sentença recorrida, mostra-se de harmonia com o superior interesse da criança e ponderou de forma adequada todos os elementos disponíveis no processo, não merecendo censura tal decisão.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação apresentada pelo requerido e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - A avaliação das condições em que se processa a audição da criança em processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser sempre feita casuisticamente, em função da idade e maturidade da criança, bem como do seu estado psicológico e da situação concreta vivenciada pela criança e pelos progenitores, no âmbito das competências que a lei atribui ao juiz e dentro dos parâmetros previstos no artigo 5.º, n.ºs 3, 4, 5 e 7, do RGPTC.
II - Não podem ser definidos critérios rígidos para definir com quem a criança deverá residir habitualmente, antes se decidindo em cada caso, conforme for adequado, correto e melhor corresponder às suas necessidades, sempre de harmonia com o seu superior interesse, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro.
III - Na generalidade das situações a prossecução do interesse da criança passa necessariamente por considerar a opinião da criança ou do jovem de acordo com a maturidade que evidencia, o que no caso em apreciação resulta indiscutível visto tratar-se de uma criança de 10 anos, com maturidade e capacidade de discernimento, a quem assiste o direito de ser ouvido sobre as questões que lhe assistem, à luz dos princípios da audição e participação, revelando-se a preferência manifestada pela criança motivada, consciente e espontânea.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmam as decisões recorridas.
Custas pelo recorrente.

Guimarães, 17 de dezembro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)


1. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
2. Cf. Abrantes Geraldes, Ob. cit. p. 128 - nota 5.
3. Despacho proferido em 24-06-2020.
4. Relator: Vieira e Cunha, p. 572/16.8T8ETR-E.P1, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Lisboa, QUID JURIS? – Sociedade editora Ld.ª, 3.ª edição, 2018, pg. 30.
6. Subscrito por Rui Alves Pereira, disponível em https://portal.oa.pt/media/128231/29-pp-2018-g-versao-final.pdf.
7. Relatora: Eugénia Cunha; acórdão que revogou a decisão provisória então proferida, regulando, a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais da criança nos termos antes enunciados em 1.1.32.
8. Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Ob. cit., pgs. 25 e 26.
9. Cf., a propósito, o já citado Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º 29/PP/2018-G, de 11-10-2018.
10. Cf. Alcina Costa Ribeiro, O Direito de participação e audição da Criança no Ordenamento Jurídico Português, DataVenia, ano 3, n.º 4, pg. 112, disponível em https://www. https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao04/datavenia04_099-144.pdf.
11. Cf., o já citado Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º 29/PP/2018-G, de 11-10-2018.
12. Relator: Melo Lima, proferido na revista n.º 1348/12.7TTBRG.G1.S1- 4.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
13. Cf. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma Questão de Direito (s) – Coimbra Editora – 2009, pgs. 156 e 157.
14. No sentido de que a mudança de residência habitual da criança para outra região do país ou para o estrangeiro configura uma questão de particular importância, a ser decidida por ambos os titulares das responsabilidades parentais, cf., entre muitos outros, o Ac. TRL de 12-11-2018 (Relator: Rijo Ferreira), p. 1393/08.7TCLRS-D.L1-1 disponível em www.dgsi.pt.
15. Cf., por todos, o Ac. TRP de 24-01-2018 (relatora: Fátima Andrade), p. 67/13.1TMPRT-F.P1, disponível em www.dgsi.pt.
16. Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Ob. cit. p. 137-138.