SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
IMPRESCINDIBILIDADE DO DEPOIMENTO
Sumário


I- No âmbito do processo civil (em que estão em causa interesses privados), a quebra do sigilo profissional do advogado surge com características marcadamente excepcionais, em conjunturas muito particulares e deverá ser aferida com base na estrita necessidade (numa lógica de imprescindibilidade da informação pretendida); e limitar-se ao mínimo indispensável à concretização dos valores pretendidos alcançar.
II- A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.

Texto Integral


- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães-

I. RELATÓRIO

Pelo Juízo Local Cível de Braga - Juiz 4 correm termos uns autos de Acção de Processo comum com o nº 535/19.1T8VVD, em que é autor: L. F. e réu J. P..
O autor pede a nulidade do testamento de A. F., pai do Autor e Réu, nos termos e para os efeitos do artigo 2199.º, do Código Civil.

A fundamentar este pedido alega o seguinte:
1. Em 15 de Dezembro de 2015, A. G., pai do aqui Autor e também do aqui Réu, fez testamento a favor deste último,
2. No qual lhe legou, por conta da sua quota disponível, os seguintes imóveis:
a) Pavilhão de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no Lugar …, freguesia de …, Comarca de Vila Verde, inscrito na matriz sob o artigo …;
b) Prédio de quatro habitações, sito em …, na Alemanha – cfr. Documento n.º1 que ora se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
3. O supra mencionado, A. G., faleceu em .. de Setembro de 2018 – cfr. certidão de óbito que ora se junta sob a denominação de Documento n.º2 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Ora, sucede que, na data em que foi lavrado tal testamento, no Cartório Notarial nele referido, o Testador encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração nele constante, tal como não detinha o livre exercício da sua vontade,
5. Sendo, nessa conformidade, tal testamento nulo, nos termos do artigo 2199.º, do Código Civil,
6. O que, por isso, desde já, expressamente se invoca, pois tal preceito legal estabelece que é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória (incapacidade acidental).
7. Na verdade, à data da feitura do referido testamento, o Testador encontrava-se numa situação de incapacidade natural de entender e querer o sentido da declaração testamentária constante do mesmo.
8. Portanto, em tal momento, não possuía o Testador capacidade intelectiva e volitiva que lhe permitisse compreender e querer o verdadeiro sentido de tal declaração.
9. E diz-se que este se encontrava, assim, incapacitado, já que, de acordo com o relatório social do Centro Social da Paróquia de ..., datado de 15 de Março de 2016 e subscrito pela Dra. C. R. – que ora se junta sob a denominação de Documento n.º3 e se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais -
10. Expressamente, consta, além do mais, que: “o estado mental do Sr. A. G. tem vindo a agravar-se, havendo episódios de alteração do seu comportamento, demonstrando agressividade e ataques de fúria, fruto do quadro demencial.”
11. Resultando, também no mesmo sentido, que: “A. G., de 80 anos, apresenta um quadro demencial significativo, com muitos episódios de desorientação temporal e espacial, confusão mental e depressão, tendo havido, até, episódios em que se perdeu.” (sublinhado nosso).
12. Saliente-se, a este propósito, que esse relatório foi efetuado, precisamente, 3 meses após a data da feitura do testamento em causa, e que no mesmo se faz alusão, e se conclui, que o estado demencial do Testador já existia há muito e, portanto, muito antes da sua realização.
13. Tudo isto a significar que, à data de tal feitura, o Testador, A. F., já sofria de doença neurovegetativa (demência), em estado já avançado e que se foi agravando,
14. Ou seja, de um estado mental de comprovada degenerescência evolutiva e paulatina das condições de perceção, compreensão, raciocínio e volição,
15. Quadro patológico esse de que o mesmo já era padecente antes da feitura do testamento e que mantinha na data do mesmo, como é facto notório que não carece de alegação ou de prova
16. E que há luz da ciência e da experiência comum, não se compatibiliza com a lucidez ou compreensão e volição (normais) necessárias para uma válida declaração testamentária.
17. Assim e tomando em consideração, e interpretando, o preceituado no artigo 2199.º, do Código Civil, é notório que a anulabilidade do testamento com fundamento em incapacidade acidental se tem de aferir pela cadência mental-volitiva do testador no próprio ato da sua feitura, incapacidade que, manifestamente, existiu no caso sub judice,
18. Impondo-se, assim, concluir que o Testador, Sr. A. G., não teve a verdadeira consciência de efetuar a declaração negocial e, muito menos, das consequências de fazer um legado a um dos seus dois filhos, por conta da sua quota disponível, com um injustificado tratamento desigual em favor do aqui Réu e em desfavor do aqui Autor,
19. O que tudo fundamenta a causa de pedir e o pedido da presente ação.
20. Pois, como é bem sabido, a causa de pedir, nas ações de anulação é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido,
21. Como acentua o Professor Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil: “a causa de pedir nas ações anulatórias é a nulidade específica invocada pelo autor, um vicio aduzido como fundamento da nulidade (incapacidade…)”- cfr. Artigo 581.º, n.º4 do C.P.C.
22. E tanto é plenamente verdade o que assim supra se alega, em termos factuais e jurídicos.
23. E mais que prova disso é o facto de, face ao grave estado físico e psíquico do Testador, se tornou mais do que necessária a propositura de uma ação de interdição do mesmo, por parte do também aqui Autor, cuja petição inicial se junta sob a denominação de Documento n.º 4 e se dá como reproduzida para todos os efeitos legais -
24. Instauração essa que teve lugar somente em 16 de Maio de 2017 e isto porque o aqui Autor residia em Aveiro, pelo que não tinha pleno conhecimento da situação demencial do seu pai, A. F.,
25. Até porque o seu irmão, aqui Réu, lhe dava notícia que tudo se encontrava dentro da normalidade, o que não correspondia à realidade.
26. E de tal modo que, nessa ação, o Ministério Público se pronunciou no sentido da nomeação do aqui Autor como Tutor Provisório do Requerido, seu Pai, por este não conseguir gerir a sua pensão de reforma e por ter efetuado negócios que beneficiam, exclusivamente, o filho, J. P., aqui Réu,
27. Tendo sido, por virtude disso, proferida decisão pelo Meritíssimo Juiz deferindo o assim requerido – cfr. Documento n.º5 que ora se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
28. Ação de interdição essa que foi correndo os seus termos e no decurso foi ordenada pelo Tribunal a realização do pertinente exame médico ao pai do Autor, na competente especialidade,
29. O qual não chegou a efetivar-se por vicissitudes várias, maxime, pela resistência oferecida pelo aqui Réu e porque, tendo sido, por último, indicada a data de 11 de Setembro de 2018, para a realização do mesmo,
30. O examinando acabou por falecer dois dias depois, ou seja, em 13 de Setembro de 2018.
31. A este propósito, deve salientar-se, também, que o comportamento do aqui Réu era, a todos os títulos, censurável, revelando o mesmo mau caráter, sendo bem revelador disso o facto de, para além de, aproveitando-se de estar encarregue da gestão do dinheiro e património dos seus pais,
32. Ter transferido avultadas quantias monetárias das contas bancárias do mesmo para a sua, como bem entende e para seu proveito próprio, em detrimento do pagamento das despesas básicas inerentes às necessidades dos seus pais, que possuem rendimentos mais do que suficientes para esse efeito,
33. Configurou como procurador dos mesmos na venda de um prédio em Lisboa, de que os seus pais eram comproprietários com outro familiar, e que lhes rendeu a quantia de €425.000,00 (quatrocentos e vinte cinco mil euros),
34. Tendo, fruto dessa venda, o Sr. J. P. adquirido um pavilhão (como procurador em nome dos seus pais), e sem o seu consentimento, onde, posteriormente, terá instalado a sua oficina de automóveis, utilizando esse local para fins e atividades ilícitas,
35. Atividades ilícitas essas que, por sua vez, se encontram em juízo no âmbito de um processo-crime a correr no Tribunal da Comarca de Lisboa e no âmbito do qual terá sido, até, detido pela polícia
36. E de ter sido apresentado ao Juiz para ser ouvido e para lhe ser imposta a competente medida de coação, de acordo com o constante no mencionado relatório social.
37. Para além do mais e perante a recusa reiterada e perentória de seu pai se dirigir ao médico, sentiu o aqui Autor a necessidade de dar conhecimento ao Ministério Público de tal situação, dando origem ao Processo n.º 642/16.2T9BRG para que este promovesse o internamento compulsivo desse,
38. Internamento esse motivado pelo facto de ter chegado ao seu conhecimento que o seu pai, para além de nunca mais ter ido às consultas de neurologia após ter sofrido de um AVC no ano de 2014, se encontrar a tomar a medicação que, ao invés, teria sido receitada à sua esposa e mãe do aqui Autor,
39. Tendo, só por grande insistência do Tribunal, o mesmo sido submetido a consulta por um médico da especialidade de Neurologia, em Braga.
40. Nessa conformidade e uma vez que a ação de interdição se prende com o estado de demência daquele, como Testador, junta-se, aqui e agora, os únicos relatórios médicos que o aqui Autor tem na sua posse – que ora se juntam sob a denominação de Documento n.º 6 e se dá como inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais –
41. Desde já, se requerendo, também, que o Tribunal solicite ao Hospital de Braga e ao Centro de Saúde de ... os registos clínicos respeitantes a tais consultas e o mais pertinente relativo a esse estado de doença do mesmo.
42. Tudo isto a revelar à saciedade o estado demencial e irreversível do pai do aqui Autor e do aqui Réu e a conduzir à procedência do pedido formulado pelo Autor de anulação do testamento, nos termos do artigo 2199.º, do Código Civil,
43. Sendo de salientar, a este propósito, que, como é bem sabido, o facto de constar de um testamento público em causa, as declarações atribuídas ao Testador, que nele se documentam,
44. Não impede a alegação e a prova, por qualquer interessado, de que ele não teve consciência de fazer declarações negociais, de que agiu em estado de inconsciência, sem saber o que declarava e assinava,
45. Ou seja, no caso sub judice, a alegação e a prova (que o Autor com toda a certeza fará) de um estado continuado, permanente e irreversível de incapacidade cognitiva e volitiva do pai do Autor e Testador, com relação ao conteúdo do testamento em causa.
46. Aliás, nem sequer necessitava o Autor de provar a assim existente notoriedade da demência, dado o preceituado no artigo 2199.º, do Código Civil.
47. Demência essa que ao tempo da feitura do testamento, e já muito antes, se revelava através de um discurso totalmente incoerente, esquecendo-se, até, das coisas mais elementares,
48. Deficiência mental, psíquica alicerçada, também, como é facto notório que não carece de alegação ou de prova, no seu depauperado estado de saúde físico.
49. E, nesse sentido, tal como também foi alegado pelo Autor, em sede de petição inicial no âmbito da ação de interdição, ele era encontrado muitas vezes urinado, até mesmo na via pública
50. Tendo o referido estado de demência se agravando a ponto de ter ataques de fúria e agressividade, ao ponto de colocar em risco o seu bem-estar e o de terceiros, particularmente o da sua esposa, M. G., também beneficiária no testamento,
51. A qual, como consta do relatório social da Paróquia de ..., também, padecia e ainda padece, de um quadro demencial acentuado,
52. Sendo, por isso, também carecido de validade factual e jurídica, o consentimento dada por esta ao marido, constante do testamento.
53. Tudo isto a impor que se traga à colação a consabida afirmação de que a anomalia psíquica, de que o Testador padece, abrange, não só as deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afetividade ou sensibilidade
54. E a levar à inelutável conclusão de que, por virtude disso, a presente ação deve ser julgada procedente, por provada,
55. Declarando-se a nulidade do testamento em apreço, nos termos e para os efeitos do artigo 2199.º, do Código Civil.

MEIOS DE PROVA

1. TESTEMUNHAL:
a) Dra. C. R., com domicílio profissional na Rua ..., Braga, a notificar;
b) Dra. M. C., com domicílio profissional no Centro Saúde de ..., sito na Rua …, Braga, a notificar;
c) Dra. J. D., com domicílio profissional no … – Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, sita na Rua …, a notificar;
d) A. F., residente em …, Alemanha, a notificar;
e) S. S., residente na Rua …, Montalegre, a notificar;
f)
Dr. R. J., com domicílio profissional na Clinica …, sita na Rua …, Braga, a notificar.

2. DECLARAÇÕES DE PARTE
- L. F., residente na Rua do …, Aveiro.

3. DOCUMENTAL:
a) Seis documentos juntos a final.
b) Requer-se que o Tribunal solicite ao Hospital de Braga e ao Centro de Saúde de ... os registos clínicos e o mais pertinente relativo a esse estado de doença do Pai do Autor e Testador.
Valor: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Junta: Seis documentos, procuração forense, DUC e respetivo comprovativo de pagamento.
Defende-se o réu
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
I.
Defesa por Exceção
1. Como bem refere o Autor em 1. da Petição Inicial, A. G. fez, em 15 de Dezembro de 2015, testamento a favor do aqui Réu.
2. E fê-lo, então, com o conhecimento de todos os herdeiros.
3. Incluindo do aqui Autor.
4. Autor que, porém, só deu entrada com a ação visando a anulação do referido testamento, que ora se contesta, em 04 de Junho de 2019.
5. Ou seja, sensivelmente três anos e seis meses após a aquisição de conhecimento sobre o testamento.
6. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2308.º do Código Civil, a ação de anulação do testamento caduca ao fim de dois anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa de anulabilidade.
7. Quanto à alegada causa de anulabilidade aventada pelo Autor faremos referência infra.
8. Já no que concerne à data do conhecimento do testamento, sendo esta, como já se referiu supra, 15 de Dezembro de 2015,
9. O direito de o Autor acionar a anulação daquele encontra-se caducado desde 15 de Dezembro de 2017.
10.
Em data bem anterior à da propositura da ação.
11.
Motivo pelo qual deverá, desde logo, absolver-se o Réu do pedido, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do Código do Processo Civil.
II.
Defesa por Impugnação
12.
Desde logo impugnam-se, por serem falsos, os factos vertidos nos artigos 4. a 55. da Petição Inicial.
13.
Impugnam-se igualmente os documentos juntos na Petição Inicial sob documentos n.ºs 3 e 6, não só por serem falsos, como inidóneos para a comprovação dos factos que o Autor invoca.
14.
Ao longo da referida peça processual o Autor refere, por diversas vezes, que, na data em que o testamento foi lavrado, o testador se encontrava incapacitado de entender o sentido da declaração naquele constante, não detendo o livre exercício da sua vontade.
15.
Não logra, no entanto, em momento algum, provar, com o recurso a exames ou diagnósticos médicos – que neste contexto se revestem de primordial importância -, tal incapacidade naquele preciso momento.
16.
Em 9. o Autor faz referência a Relatório Social do Centro Social da Paróquia de ..., datado de 15 de Março de 2016, e assinado pela Dr. C. R., juntando-o sob a denominação de documento n.º 3.
17.
Importa, assim, atentar nas diversas especificidades do mencionado relatório.
18.
Num primeiro momento, importa destacar que não se trat de um relatório médico, nem resulta de um qualquer diagnóstico médico.
19.
Mas sim de relatório elaborado pela “diretora técnica das respostas sociais de serviço de apoio domiciliário e centro de dia, do Centro Social da Paróquia de ...”.
20.
Diretora a quem se desconhecem as habilitações académicas, e consequente aptidão para a apreciação das patologias de determinado doente.
21.
De seguida, não se pode descurar o facto de tal relatório incidir sobre a situação da utente M. G., esposa do senhor A. F..
22.
Sendo que as referências que a este são feitas são-no pelo facto de fazer parte integrante do agregado familiar daquela.
23.
Tais referências não têm qualquer exatidão ou rigor científico, não passando de meros palpites lançados levianamente por quem nem tem habilitações para o efeito, não podendo, por isso, ser consideradas pelo Tribunal.
24.
Não obstante tais considerações, o certo é que da leitura do mencionado relatório, elaborado exatamente três meses após a feitura do testamento aqui em causa, como aliás
bem aduz o Autor em 12.,
25.
Não resulta qualquer referência a que os alegados problemas do foro psíquico ou comportamental se manifestassem já em 15 de Dezembro de 2015.
26.
E menos ainda, como refere o Autor em 13., que o testador sofria já de doença neurovegetativa em estado avançado.
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27.
A menção a que o “estado mental do senhor A. F. tem vindo a agravar-se” nada diz, em bom rigor, sobre o estado em que ele se encontrava na data de outorga do testamento.
28.
Tal agravamento a ter-se verificado, começou quando?
Antes de 15 de Dezembro de 2015? Em que termos se manifestou?
29.
Muitas perguntas, para um total vazio de respostas com rigor médico e científico.
30.
E inexistem tais evidências porque o testador, ao contrário daquilo que é dito pelo Autor, detinha o livre exercício da sua vontade, estava perfeitamente ciente da declaração negocial efetuada.
31.
Já havia inclusivamente manifestado anteriormente tal vontade de legar ao Réu os imóveis que constam do testamento, e que o Autor elenca na Petição Inicial.
32.
Quanto à referência a um tratamento desigual e injustificado em favor do Réu e em desfavor do Autor,
33.
Tal não merece qualquer tipo de consideração, uma vez que, como reconhece até aquele último, o testador fez um legado por conta da sua quota disponível,
34.
Ou seja, aquela de que podia livremente dispor.
35.
Motivo pelo qual, não oferece o conteúdo do testamento qualquer discussão.
36.
Refere ainda o Autor, nos artigos 23. e seguintes da Petição Inicial, uma ação de interdição que moveu contra o seu pai e testador, em 16 de Maio de 2017.
37.
Ou seja, sensivelmente um ano e cinco meses após a data da feitura do testamento.
38.
Fundamenta que a instauração da referida ação apenas teve lugar naquele momento, uma vez que residia em Aveiro, não tendo pleno conhecimento da situação demencial do seu pai.
39.
Recebendo ainda informações por parte do aqui Réu de que tudo se encontraria dentro da normalidade.
40.
Ora, é, no mínimo, de estranhar que segundo o Autor fosse já manifesta a demência do senhor A. F. em data anterior à de 15 de Janeiro de 2015,
41.
E ele apenas disso se tenha apercebido em meado de 2017.
42.
Isto apesar de ter oportunidade de com ele conviver esporadicamente, designadamente quando o visitava.
43.
Como não consegue obviar a este facto, imputa o Autor responsabilidades ao Réu por este não o informar do real estado em que se encontrava o pai de ambos.
44.
O que não corresponde, de todo, à verdade.
45.
Diz ainda o Autor, em 26., a propósito da ação de interdição, que o Ministério Público se pronunciou no sentido de o nomear como Tutor Provisório do seu pai, pelo facto de aquele não conseguir gerir a pensão de reforma e “por ter efetuado negócios que beneficiam, exclusivamente, o filho J. P., aqui Réu”.
46.
Visando fortalecer a sua posição, que ele sabe ser débil, faltou, uma vez mais, o Autor à verdade,
47.
Não constando da decisão do Tribunal, por aquele junta sob a denominação de doc. n.º 5, que o nomeia como Tutor Provisório, qualquer consideração quanto à realização de negócios com o Réu, ficando a nomeação a dever-se ao facto de tal ter sido por ele peticionado na ação.
48.
A ação de interdição acabou por não prosseguir, uma vez que o senhor A. G. faleceu antes da realização de exame médico.
49.
Quanto à menção feita à prática de atividades ilícitas levadas a cabo pelo Réu, à existência de processo-crime em curso ou detenção pela polícia, esta é altamente censurável, pois não reveste de qualquer relevância no âmbito da questão em discussão.
50.
Tendo como único desígnio denegrir a sua imagem.
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51.
Uma vez tudo isto referido, há que concluir que o senhor A. G. teve plena consciência da declaração negocial feita, sabendo perfeitamente aquilo que declarava e assinava.
52.
A sua vontade foi livremente exercida, não se encontrando afetada por qualquer doença do foro psíquico capaz de a beliscar, designadamente, demência.
53.
Vontade essa que foi, aliás, escrutinada pelo notário, bem como pelas testemunhas que acompanharam a feitura do referido testamento.
54.
Todos estes atestaram, desta forma, a vontade sã de A. G..
55.
Teve o senhor A. F., pois, com o testamento, a pretensão clara, amadurecida, e conhecida de toda a família, de beneficiar o seu filho J. P., por forma a compensá-lo pela dedicação demonstrada para com os pais ao longo de toda a sua vida.
56.
Veja-se que o Réu esteve sempre próximo dos pais, vivendo na casa destes, quer na Alemanha, quer em Portugal, auxiliando-os em todas as fases da vida, principalmente na velhice, quando a necessidade de apoio familiar se revela primordial.
57.
Ao contrário do Autor, que há vários anos abandonou a família, e nutria pelo pai sentimentos de hostilidade, com quem não mantinha contacto.
58.
A relação do Autor e do seu pai foi-se, aliás, agudizando, sobretudo, nos últimos dez anos, inflamando-se mais ainda com a propositura da ação que aquele moveu ao senhor A. F., causando-lhe grande agravo e desgosto.
59.
O sentimento de desprezo do Autor para com o pai era tal, que não esteve sequer presente nos últimos dias de vida daquele, bem como no momento do funeral.
60.
Durante as cerimónias fúnebres, o Autor preferiu invadir sorrateiramente a casa do seu pai e do Réu para fotografar e fazer o relatório dos bens existentes na habitação.
61.
Manifestando, ele sim, um quadro mental no mínimo duvidoso, e a má-fé que o anima nesta demanda.
62.
Nada há, assim, nade de irregular nesta vontade manifestada por A. G. de beneficiar o aqui Réu, já que o legado se fez por conta da quota disponível.
63.
É, aliás, habitual que os pais beneficiem os filhos com quem tem maior proximidade.
64.
Assim, uma vez não se encontrando o testador interdito, nos termos dos artigos 138.º e seguintes do Código Civil e 2189.º do Código Civil,
65.
Nem incapaz de, no momento da outorga do testamento, entender o sentido da sua declaração ou perante condição que limitasse o exercício da sua vontade, nos termos do artigo 2199.º do Código Civil,
66.
Jamais poderá ser anulável o testamento objeto da presente ação.
67.
Razão pela qual deverá a ação de que ora se deduz oposição improceder.
B. Dos atos, dos comportamentos e dos negócios realizados pelo senhor A. G., ora em data imediatamente anterior, ora no período em que foi feito o testamento, bem como até à sua morte, que manifestam a ausência de qualquer incapacidade permanente ou acidental suscetível de perturbar ou afetar a sua vontade
68.
O Autor, há muito tolhido pela cegueira da ganância, abandonou os caminhos da verdade, procurando com aleivosias e patranhas enganar os tribunais, com o objetivo único de cultivar o seu egoísmo e inveja.
69.
A má-fé do Autor torna-se evidente quando constatamos que este procura a anulabilidade do testamento com base na alegada incapacidade do seu pai, ignorando todos os comportamentos adotados e negócios celebrados quer antes da celebração do testamento, quer durante aquele período, bem como até ao momento da sua morte.

Senão vejamos,
70.
Em momento anterior à data da feitura do testamento, bem como em momento posterior, era A. G. quem cuidava de todos os atos de conservação do seu património, designadamente dos imóveis de que era proprietário, realizando benfeitorias e procurando rentabilizá-los pela via do arrendamento.
71.
Para o efeito, era ele quem procurava celebrar os contratos de arrendamento, verificar o seu bom cumprimento, bem como cumprir com as obrigações fiscais que daí advinham.
72.
Numa demonstração inequívoca da sua sanidade mental e da cognoscibilidade dos atos praticados.
73.
De igual modo, nestes mesmos períodos temporais, era A. G. quem cuidava da sua própria saúde, bem como da saúde da sua esposa, designadamente contratando serviços de assistência médica e social junto da “Associação …”, mantendo com os responsáveis desta contactos regulares, tendo em vista o bom cumprimento do contrato, bem como a alteração dos serviços que se afiguravam necessários.
74.
Em nova manifestação inequívoca, não só da sua sanidade mental, como da predisposição e capacidade de prover ao bem-estar pessoal e dos seus.
75.
Importa referir ainda que, em momento anterior ao da celebração do testamento, A. G. adquiriu e alienou diversos veículos automóveis, que importava da Alemanha, e que lhe permitiram retirar benefícios económicos.
76.
Não se pode deixar de referir que era ele quem cuidava dos veículos e publicitava a sua venda, contratando, para efeitos de comercialização, serviços de legalização e de mecânica.
77.
Tendo inclusivamente, no âmbito desses negócios, adquirido um veículo de marca Mercedes, modelo Classe C, que doou, sem mais, ao Autor, - cfr. Certificado de Matrícula que se protesta juntar.
78.
Ele que curiosamente não encontrou neste negócio qualquer suspeita da existência de um quadro demencial por parte do seu pai.
79.
Também em fase imediatamente anterior à da outorga do testamento, mais concretamente em 29 de Maio de 2015, A. G., juntamente com a esposa, a sua irmã e o seu cunhado, alienaram um prédio em Lisboa, tendo, para o efeito, participando ativamente com os restantes nas negociações, outorgado escrituras, pago os impostos daí resultantes, entre outras coisas.
80.
Prédio esse que apresentava um valor patrimonial tributário de 247.896,37 € (Duzentos e quarenta e sete mil oitocentos e noventa e seis Euros e trinta e sete Euros), e foi vendido pelo valor de 850.000,00 € (Oitocentos e cinquenta mil Euros). – cfr. doc. n.º 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
81.
Pouco mais de um mês após, em 2 de Julho de 2015, A. G. adquiriu um prédio urbano, composto por um pavilhão, destinado a armazém e comércio de cave, rés-do- chão e andar, com logradouro, cujo valor patrimonial tributário era de 417.747,40 € (Quatrocentos e dezassete mil setecentos e quarenta e sete Euros e quarenta cêntimos, pelo valor de 141.000,00 € (Cento e quarenta e um mil Euros). - cfr. doc. n.º 2, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
82.
Dois negócios que se mostraram altamente proveitosos, demonstrativos de grande astúcia e sagacidade, apenas ao alcance de uma mente sã, lúcida, esclarecida e consciente.
83.
Gera mais espanto, e não menos indignação, a atitude do Autor, quando constatamos que, por via dos proventos obtidos com estes negócios, foi agraciado com a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil Euros), que o pai lhe doou.
84.
Doação de que se terá olvidado, não tendo, por isso, sindicado a mesma.
85.
Acresce a isto, que era A. G. quem geria, até ao momento próximo da sua morte, as contas bancárias de que era titular, bem como os seus rendimentos, deslocando-se
regularmente ao balcão do banco …, sito em …, lá dando as mais diversas ordens de movimentação – cfr. documentos que se protestam juntar.
86.
O facto de o Autor não relevar tão claras demonstrações de perfeita saúde mental e capacidade para gerir a sua vida e património, não sindicando, porém, as doações que lhe foram feitas, demonstra claramente a incoerência que só a má fé pode permitir.
87.
Por fim, mas não menos importante, não podemos deixar de referir que A. G., após ter sido pessoalmente citado da ação de interdição que lhe moveu o Autor, cujo
mérito não foi, em nenhum momento, objeto de apreciação, encetou todas as diligências necessárias para a defesa dos seus direitos e do seu bom nome, que era objeto de ataque naquela ação
88.
Para efeito, procurou advogado, outorgando-lhe procurações, auxiliando-o na instrução da defesa, acompanhando todos os atos processuais.
89.
Tudo isto numa manifestação clara de que se encontrava ciente daquilo que estava em causa e da privação a que o seu filho L. F., aqui Autor, o queria votar.
90.
Em suma, a vontade manifestada no testamento ora em crise não padecia de quaisquer vícios, representando sim a vontade sã e inequívoca de A. G.,
91.
Não podendo, por isso, ser afetada a validade daquele documento, devendo, em consequência ser indeferida a pretensão do Autor.
C. Da Litigância de Má-Fé
92.
O Autor sabia perfeitamente ser esta a vontade do se pai A. G., assim como conhecia dos negócios por ele celebrados nos últimos anos de vida,
93.
Foi inclusivamente neste período, como supra se demonstrou, beneficiado com doações.
94.
Sabia igualmente que essa vontade era livre e esclarecida, livre de qualquer vício.
95.
Negligencia, porém, tudo isso, animado por um ódio pessoal que nutria em relação à pessoa do pai e um outro que vai alimentando em relação à pessoa do irmão, e aqui Réu.
96.
Atua, assim, com dolo, bem sabendo da falta de fundamento da sua pretensão.
97.
Motivo pelo qual, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do Código do Processo Civil, deverá o autor ser condenado em litigância de má-fé.

NESTES TERMOS, não só pelo alegado, mas também, e certamente, pelo Alto

Critério de V.ª Ex.ª, ora se requer
seja:
- a presente exceção de caducidade julgada procedente, por provada;
- a ação de que ora se deduz oposição julgada improcedente, por não provada, e, em consequência,
ser o Réu absolvido do pedido.
- o Autor condenado em litigância de má-fé.
Junta :
Dois documentos, Procuração Forense, Comprovativo do
pagamento do primeiro dia de multa, Comprovativo do pedido de
apoio judiciário.
Protesta igualmente juntar 100 documentos.
PROVA

1. POR CONFISSÃO:
1. POR DEPOIMENTO DE PARTE
Requer-se o depoimento de parte do Autor em relação aos factos alegados nos artigos 1 a 5, 12 a 63 e 68 a 96.

2. TESTEMUNHAL:
1. B. S., residente na Avenida …, Braga;
2. J. R., residente na Rua …, Porto;
3. G. R., residente na Rua …, Porto;
4. M. P., residente na Praceta …, Braga,
5. R. P., com domicílio profissional no Largo …, Braga;
6. A. J., residente na Reta …, Braga;
7. D. A., residente na Rua …, União das Freguesias de …, Braga.
8. P. V., residente na Rua …, ..., Braga.
9. M. F., residente na Avenida …, ..., Braga.
Todos a notificar pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 507.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O Advogado,
(S. E.)

Foi proferido o seguinte despacho:
Fls. 50 e ss.:
Pontos 1 a 11 – Nada há de irregular na apresentação da contestação uma vez que, como resulta do art. 570.º, n.º 1, do CPC, o réu pode apresentar tal articulado com a simples comprovação da apresentação de pedido de apoio judiciário, o que o mesmo fez a fls. 39 verso e ss..
Pontos 12 a 20: Como o autor bem alega, a contestação foi apresentada no primeiro dia útil após o termo do prazo regulamentar, sendo que o réu, ao contrário do que alega o autor, comprovou o pagamento da multa devida aquando da prática do ato, fazendo-o exatamente como devia, ou seja, com a indicação da respetiva referência no formulário Citius
(vide fls. 26) – cfr. art. 9.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26/8.

*
Nos termos do art.º 593.º, n.º 1, do CPC, dispenso a realização da audiência prévia.
*
Valor da Causa
Ao abrigo do disposto nos art.º 303.º, n.º 1, e 306.º, n.º 2, do CPC, fixo à causa o valor de €30.000,01.
*
Despacho Saneador
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras exceções dilatórias ou nulidades processuais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
***
Da caducidade

Os autos não habilitam ao imediato conhecimento da exceção de caducidade invocada pelo réu, pelo que se relega o seu conhecimento para final.
*
Nos termos do art.º 596, n.º 1 do Cód. de Processo Civil, identifico o objeto do litígio/temas de prova, nos seguintes termos:
Objeto do Litígio
Discute-se na ação:
.- a (in)validade do testamento outorgado em 15/12/2015 pelo falecido A. G. em atenção à (in)capacidade de entendimento do testador;
.- a eventual caducidade do direito do autor;
.- a litigância de má fé das partes.
*
Temas de Prova
A)
Estado de saúde mental do testador à data da celebração do testamento.
B)
Factos que denunciam a capacidade/incapacidade do testador para entender e querer o declarado no testamento:
.- determinação da repercussão da eventual doença de que padecia na sua capacidade de entendimento à data da outorga do testamento;
.- negócios/atos jurídicos praticados pelo testador antes da outorga do testamento, com a fixação da sua data.
C)
Data em que o autor teve conhecimento do teor do testamento.
*
Requerimentos Probatórios
Admito a junção aos autos de todos os documentos apresentados até à data pelas partes.
Determino que se solicite ao Hospital de Braga e ao Centro de Saúde de ... o
envio do histórico dos cuidados de saúde/consultas prestados ao falecido A. G. desde 1/1/2015 e até 13/8/2018.
Admito a tomada de depoimento/declarações de parte ao autor, que incidirão exclusivamente sobre a matéria que constitui temas de prova.
Admito o rol de testemunhas indicado pelo autor a fls. 5 verso e pelo réu a fls. 33 e 33 verso.
*
Audiência de julgamento
Para a realização da audiência de julgamento, designo o dia 24 de Março de 2020, com início pelas 9.00horas e continuação pelas 14.00horas, programando os atos a levar a cabo na audiência de julgamento da seguinte forma:
.- pelas 9.00horas será tomado depoimento/declarações de parte ao autor;
.- pelas 9.30horas serão inquiridas as testemunhas do autor;
.- pelas 14.00horas serão inquiridas as testemunhas do réu.
Notifique e convoque, dando prévio cumprimento ao disposto no art. 151.º, n.º 2, do CPC.

Iniciou-se a audiência de julgamento em 30.10.2020 tendo sido elaborada acta com o seguinte teor:
Em: 30 de outubro de 2020, pelas 09:15 horas
MAGISTRADA JUDICIAL: Dr.ª G. L.
ESCRIVÃ AUXILIAR: M. D.
MANDATÁRIOS – Dr.ª M. A. e Dr.ª A. F., advogada estagiária – CP … (que apresentou o substabelecimento que antecede cuja junção aos autos a Mm.ª Juiz ordenou depois de examinar e rubricar), acompanhada pelo Dr. S. E..
---X---
PRESENTES: Os I. Mandatários das partes, o autor e a testemunha A. J.. Pela I.
Mandatária do autor foi dito prescindir da testemunha M. P.. A testemunha R. J. informou previamente a sua impossibilidade de estar presente e o pai da testemunha D. A., via telemóvel (cerca das 11:00horas), informou este Tribunal que o filho se encontra em isolamento e que irá hoje realizar teste à Covid.
****
Consigna-se que, no cumprimento do disposto no artigo 155º, nº 1, do CPC, a presente diligência irá ser gravada digitalmente, de forma contínua, através da aplicação informática Habilus
Media Studio.
Os atos que ocorram no decurso da presente audiência serão assinalados temporalmente, nomeadamente o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimentos e respetivas respostas, despachos, decisões e alegações orais.
* * *
Declarada aberta a audiência, pelas 09:20 horas, e efetuada a chamada, a Mmª Juiz tentou conciliar as partes, não o tendo conseguido.
* * *
De seguida, pelas 10:05 horas (em virtude de problemas nas notificações e mudança de sala de audiência por razão atinente à avaria no sistema de videoconferência), não se encontrando ainda presente a testemunha B. S. (a apresentar), a Mm.ª Juiz proferiu um despacho a considerar como não faltosa tal testemunha uma vez que, tendo vindo devolvida a carta da sua notificação, e tendo de tal sido dado conhecimento à parte que a arrolou, a mesma nada disse, em tempo, pelo que a referida testemunha passou a ser uma testemunha a apresentar.
*
Após a notificação do despacho que antecede aos presentes, a Mm.ª Juiz concedeu a palavra ao I. Mandatário do réu que, uma vez no uso da mesma, requereu a inquirição ainda hoje da parte da manhã da testemunha B. S., caso esta compareça neste Tribunal.
*
Seguidamente, a Mm.ª Juiz proferiu despacho a deferir o requerido se restar tempo no período da manhã.
*
Do despacho que antecede foram de imediato notificados os presentes, tendo de seguida a Mmª Juiz a dado início à produção da prova, que se processou pela forma seguinte, atenta a hora de chegada das testemunhas ao Tribunal e a não oposição dos I. Mandatários das partes:
*
TESTEMUNHAS DO RÉU
*
J. M. – foi inquirido por videoconferência no Tribunal
Judicial da Comarca do Porto - Registado de 00:00:01 a 00:30:55 horas da gravação.
*
R. P. – Registado de 00:00:01 a
00:1:44 horas da gravação.
*
TESTEMUNHAS DO RÉU
*
J. B. – Registado de 00:00:01 a 00:03:12 horas da gravação.
Prestou juramento legal e aos costumes disse ser advogado e ter tomado conhecimento dos factos em apreço nos autos no exercício de tais funções, exercidas por conta do pai das partes (A. G.), pelo que invoca o sigilo profissional para se escusar a depor.
*
Ato imediato, a Mmª Juiz proferiu despacho a considerar legítima a escusa deduzida pela testemunha J. B., nos termos do art. 497.º, n.º 3, do CPC, atento o segredo profissional a que tal testemunha está adstrita (cfr. art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados), tendo convidado o réu a suscitar o necessário incidente de quebra de sigilo, nos termos do art. 135.º do CPP, ex vi do art. 417.º, n.º 4, do CPC, aplicável por força do art. 497.º, n.º 3, tendo o I. mandatário do réu requerido a concessão do prazo de 10 dias para o efeito.
*
Após a notificação do despacho que antecede a todos os presentes, o Tribunal passou a inquirir:
*
A. J. – Registado de 00:00:01 a 00:21:36 horas da gravação.
*
B. S. – Registado de 00:00:01 a 00:28:36 horas da gravação.
*
Neste momento, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte despacho:
Com cópia fls. 91, oficie à Delegação do Ministério Publico para que informe se ali correu termos algum PA com vista a internamento compulsivo de Sr. A. G. e, na afirmativa, solicite o envio de cópias de todos os elementos clínicos ou informações, com indicação que se destina a apurar da capacidade do Sr. A. G. de elaborar um testamento.
Notifique.
*
Após a notificação do despacho que antecede a todos os presentes, o Tribunal passou a inquirir:
*
DECLARAÇÕES DE PARTE – do autor
*
L. F. – Registado de 00:00:01 a 00:14:39 horas da gravação.
L. F.
*
Durante as declarações de parte, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte despacho a ordenar oficiosamente que o autor faça chegar aos autos os E-mails que referiu nas suas declarações e que diz ter na sua posse, no telemóvel.
*
Do despacho que antecede foram de imediato notificados os presentes.
*
Findas as declarações de parte do autor, pelo I. Mandatário do réu foi dito que as testemunhas J. P. e S. M. (a inquirir na tarde de hoje pelas 14:35 horas) são ambas camionistas e se encontram fora do País.
*
Após, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Julgo justificada falta da testemunha R. J., atentos os fundamentos invocados nos emails que endereçou aos autos.
Aguardem os autos cinco dias a justificação da falta das testemunhas D. A., J. P. e S. M..
Declaro interrompida a presente audiência e designo para a sua continuação a data anteriormente designada, o dia 27 de novembro de 2020, pelas 09:15 horas, ficando sem efeito a sessão designada para o período da tarde, atenta a anunciada falta das testemunhas J. P. e S. M., únicas que restariam para inquirir em tal período.
Notifique e convoque as testemunhas em falta, sendo as testemunhas R. J. (para as 09:15 horas), D. A. (para as 11:40 horas) e J. P. e S. M. (para as 12.00 horas).
*
Seguidamente, cumpri, notificando os presentes do douto despacho, tendo os mesmos dito ficarem cientes do seu conteúdo.
*
Terminada a diligência, procedi ao encerramento da sessão de gravação na aplicação informática Habilus Media Studio.
*
Logo, foi declarada encerrada quando eram 12 horas e 30 minutos.
Pelo réu foi junto requerimento com o seguinte teor:
(…) Meritíssima Juiz de Direito,
J. P., Réu nos autos do processo referenciado em epígrafe e neles melhor identificado, perante a escusa, considerada legítima, a depor deduzida pela testemunha J. B., advogado, vem, nos termos do artigo 135.º do Código do Processo Penal ex vi. 417.º, n.º 4 por força do 497.º, n.º 3, estes últimos do Código do Processo Civil, suscitar o incidente de quebra do sigilo, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. A referida testemunha, no exercício da sua atividade profissional, representou e acompanhou o testador, senhor A. G., no decurso da ação de interdição que lhe foi movida pelo aqui Autor em 16 de Maio de 2017, com o n.º de processo 2506/17.3T8BRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga – J1.
2. No âmbito desse processo, J. B. preparou a defesa daquele, com ele reunindo por diversas vezes, analisando informação clínica que aquele lhe fez chegar, bem como outros elementos que atestavam a sua lucidez.
3. Nesse processo, A. G. e J. B. elaboraram a estratégia para a sua defesa, tendo aquela testemunha, na qualidade de mandatário, acompanhado A. G. em algumas consultas médicas que serviriam de prova no processo.
4. Por este motivo, mantiveram durante meses um contacto próximo.
Tendo, não raras vezes, o senhor A. G. dado conta ao seu mandatário da relação que mantinha com os seus dois filhos - Autor e Réu na presente ação -, narrando-lhe diversos episódios, dando-lhe conta, ademais, daquela que seria a sua
última vontade no que respeita à disposição dos seus bens.
5. Posto isto, teve a testemunha conhecimento direto do estado de saúde em que se encontrava o senhor A. G., bem como daquela que era a sua vontade, vertida no testamento ora em crise.
6. Ademais, a relação entre a testemunha e o falecido A. G. decorreu durante os anos de 2017 e 2018, isto é, mais de dois anos depois da data da outorga do testamento objeto dos presentes autos. Assim, os elementos que atestam a lucidez do Sr. A. G. em 2017 serão, portanto, fundamentais para demonstrar a sua capacidade no momento da outorga do testamento, em 2015.
7. Assim, revela-se o testemunho de J. B. exclusivo, dado inexistiram outros meios de prova capazes de demonstrar o que pretende a parte com aquele; absolutamente imprescindível e essencial, por isso, para a descoberta da verdade material e, consequentemente, para a boa decisão da causa.
8. Já quanto à obrigação, que emana do Estatuto da Ordem dos Advogados – artigo 92.º -, de guardar segredo profissional, crê-se que assume neste contexto particular uma menor preponderância, até porque o senhor A. G., inventariado e antigo cliente da testemunha, já faleceu.
9. Mais, debruçando-se o testemunho de J. B. sobre tais factos, tal assume mesmo uma enorme relevância na defesa da dignidade e interesses legítimos do seu falecido cliente. Circunstância excecional perante a qual pode o advogado, ao abrigo do n.º 4 do artigo 92.º do referido Estatuto, ser autorizado a revelar os factos sujeitos a sigilo profissional.
10.
Desta forma, obedecendo ao princípio da prevalência do interesse preponderante, crendo-se que o interesse público de salvaguardar o sigilo profissional deverá juridicamente ceder perante os interesses da realização da justiça e superior interesse público da procura da verdade para uma decisão adequada e justa, valores e interesses que, a nosso ver, são preponderantes em confronto com os interesses que subjazem à reserva profissional, se requer seja admitido o testemunho com quebra do sigilo profissional por parte de J. B., mostrando-se esta amplamente justificada.
O Advogado,
(S. E.)

Não houve resposta ao incidente.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a decidir é a de saber se no caso presente deverá ser autorizada a dispensa do sigilo profissional.
**
II. FUNDAMENTAÇÃO.

De Facto:

Tendo em conta as peças processuais juntas aos autos, e com relevância para a decisão, damos como assente a matéria fáctica relatada supra.

De Direito:

Estão reunidos os pressupostos desencadeadores da intervenção deste Tribunal, enquanto autoridade judiciária competente para o efeito de quebra do sigilo profissional em causa, nos termos do artigo 135°, n° 3, do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi do artigo 417°, n° 4, do Código de Processo Civil (CPC).
De efeito, deduzida a escusa pela testemunha, numa primeira fase, compete ao tribunal de primeira instância apreciar a questão da legitimidade dessa escusa, precedida da realização das averiguações necessárias (art.º 135º, nº 3, do CPP), entre as quais se conta a audição do organismo representativo da profissão, se o houver (art.º 135º, nº 4, do CPP).
Concluindo o tribunal de primeira instância pela legitimidade da escusa, abre-se então uma segunda fase, da competência do tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, por regra o tribunal da Relação, em que se aprecia, a título principal, a eventual quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a protecção de bens jurídicos. A intervenção do tribunal superior é suscitada pelo juiz da primeira instância, oficiosamente ou a requerimento (art.º 135º, nº 3, do CPP).

Subindo o incidente ao tribunal superior, este profere uma de duas decisões:

- Julga justificada a quebra do segredo profissional e, em consequência, ordena a prestação do depoimento sobre os factos sujeitos a sigilo;
- Julga injustificada a quebra do segredo profissional, caso em que a testemunha se pode recusar a depor sobre os factos submetidos a sigilo.
É comum na jurisprudência e na doutrina a afirmação de que o tribunal superior aprecia a justificação da escusa e que, em consequência de tal apreciação, a sua decisão limita-se a julgar justificada ou injustificada a escusa. Tal entendimento e respectiva terminologia não têm inteira correspondência no disposto no artigo 135º, nºs 2 e 3, do CPP.
Estando os factos submetidos a sigilo, o que a Relação julga não é a justificação da escusa, mas sim se a quebra do sigilo profissional se justifica, após ponderação dos interesses em conflito, ajuizando qual deles deverá, in casu, prevalecer. O nº 3 do artigo 135º do CPP é claro ao dispor que o tribunal superior «pode decidir a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada».
Portanto, justificada será a quebra do sigilo e não a escusa.
Aliás, tal entendimento assenta numa petição de princípio: se os factos estão sujeitos a sigilo, a escusa constitui uma obrigação da testemunha, pelo que não se aprecia se o cumprimento do dever é ou não justificado. O dever cumpre-se e, se recaía sobre a pessoa que o exerceu, não pode ser considerado injustificado. Por isso, ou existe o dever de guardar sigilo ou não; se existe não faz qualquer sentido considerar injustificado o exercício de tal dever, pois o problema que é colocado ao tribunal superior é de outra ordem. Não é uma questão de justificação do dever mas de quebra do sigilo que é objecto do apontado dever.

Caso Concreto:

Segundo o artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro, o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, «designadamente: (…) a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; (…) c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração». Compreende-se que tudo aquilo de que se veio a tomar conhecimento por se ser advogado esteja sujeito a sigilo, uma vez que o respectivo segredo profissional é estabelecido no interesse dos profissionais que recebem as confidências, daqueles que as fazem e bem assim da sociedade em geral, que valoriza o princípio da confiança no advogado.
A dimensão qualitativa do referido segredo profissional mostra-se estabelecida no nº 4 deste preceito, onde se dispõe que «o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento».
Da conjugação do artigo 135º, nº 3, do CPP com o artigo 92º, nº 4, do EOA resultam suficientemente delimitados os pressupostos necessários para ser ordenada a quebra do sigilo profissional de advogado que foi indicado como testemunha num processo de natureza cível. No âmbito do segundo preceito, exige-se que a prestação do depoimento seja «absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes».
Já na perspectiva do primeiro preceito mencionado, a quebra do segredo profissional tem de se mostrar justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a protecção de bens jurídicos.
Por outras palavras, o tribunal superior, ao realizar esse juízo, deverá «actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, maxime o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, págs. 457-458).
Contudo, para o efeito não bastam afirmações apriorísticas de que o interesse na realização e na boa administração da justiça, atenta a sua dimensão social, deverá prevalecer sobre o interesse particular do cliente/consulente do advogado em não ver divulgada informação que confiou a este; ou que, estando em causa um direito de personalidade (à reserva da vida privada), o mesmo deverá prevalecer sobre o reconhecimento de um direito patrimonial (objecto da acção judicial onde se pretende obter o depoimento sujeito a sigilo profissional de advogado).
Impõe-se, pelo contrário (e, por isso, se reafirma) que esse juízo de ponderação tenha que «ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial – e, neste último caso, de valores muito variáveis. (…)
Daqui decorre que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa» - Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, ibidem).
Pronunciando-se igualmente sobre a aplicação do princípio da prevalência do interesse preponderante (como critério de decisão de quebra de sigilo profissional), em termos idênticos aos aqui expostos, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires e Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 492.
Vem-se, assim, defendendo que, no âmbito do processo civil (em que estão em causa interesses privados), a quebra do sigilo profissional do advogado surge com características marcadamente excepcionais, em conjunturas muito particulares (1) deverá ser aferida com base na estrita necessidade (numa lógica de imprescindibilidade da informação pretendida); e limitar-se ao mínimo indispensável à concretização dos valores pretendidos alcançar.
Precisa-se ainda que «a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 379).
Ora tudo isto é claramente reafirmado pelo art.º 4.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, quando impõe que na decisão de dispensa do segredo profissional se afira da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo. Compreende-se, por isso, que se decida que: o segredo profissional deve ceder, «excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação e direito ou interesses jurídicos mais relevantes» (Ac. do STJ, de 15.02.2018, Henrique Araújo, Processo n.º 1130/14.7TVLSB.L1.S1); o «critério legal a utilizar vinculado à lei processual (…), para decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, é que esta se mostre justificada, sendo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, (…) e a necessidade de protecção e bens jurídicos» (Ac. do STJ, de 05.04.2018, Pires da Graça, Processo n.º 2/16.5TRPRT-A.S1); a «quebra do segredo profissional só deve ser autorizada ou imposta quando estejam em causa interesses excepcionalmente relevantes e quando a sua revelação surja como última ratio, Isto é, o não depoimento vale como regra geral e a obrigação de depor como a excepção» (Ac. da RG, de 17.12.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 74/18.8T8GMR.G1).

No caso concreto, verifica-se que, na acção declarativa que constitui os autos principais, o Autor pede a nulidade do testamento de A. F., pai do Autor e Réu no qual terá beneficiado o réu.
Logo, e indiscutivelmente, estamos perante um conflito de interesses privados, e a indesmentível natureza pública do interesse subjacente ao sigilo de advogado que se traduz no interesse público da boa administração da justiça assente no respeito do sigilo profissional e advogado. Cujas derrogações terão necessariamente de revestir carácter excepcional nos termos supra apontados.
Alega o réu que a testemunha/advogado teve conhecimento direto do estado de saúde em que se encontrava o senhor A. G., bem como daquela que era a sua vontade, vertida no testamento ora em crise.
A ser assim não se vê que o seu depoimento se mostre sequer necessário, quanto mais imprescindível, para o juiz da causa «apurar a verdade e proceder à justa composição do litígio» (art. 411.º do CPC).
Com efeito, o que a testemunha / advogado possa vir a referir em juízo resultará necessariamente do que o pai do autor e réu lhe dissera quando o consultou para se defender na acção de interdição intentada ou o que ouviu do médico/a que consultou o testador.
Logo, a testemunha em causa apenas poderá referir no seu testemunho o que ouviu da boca do seu cliente ou do profissional de saúde, ou seja, poderá, quando muito, prestar o que usualmente se denomina um testemunho indirecto - Sobre a discussão gerada em torno da (in)admissibilidade do depoimento indirecto, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 177-198).
No que se reporta à percepção que a testemunha teve acerca do estado de saúde do pai do autor e réu no tempo em que duraram os contactos analisados os autos verifica-se que foram apresentados outros meios de prova, designadamente testemunhal e documental os quais poderão esclarecer qual a vontade do testador e o seu estado de saúde, pelo que se não descortina a imprescindibilidade do depoimento desta testemunha.
Portanto, tal como o caso nos é apresentado, temos sérias dúvidas sobre se é indispensável ou essencial, no sentido de absolutamente determinante para o apuramento da verdade, a audição do Sr. Advogado sobre os factos de que tomou conhecimento no exercício da profissão, pois que não basta o seu depoimento ser útil para esse efeito- no sentido que seguimos ver acórdãos desta Relação proferidos nos processos nº 2084/17.3T8VRL-A.G1 e 4297/18.1T8GMR-A.G1 nas datas de 10.07.2019 e 18.06.2020 respectivamente (relatores Dra. Maria João Marques Pinto e Joaquim Boavida).
Concluindo, tendo presente os contornos do caso concreto, e ponderados os interesses e direitos em presença (nomeadamente, o interesse do réu à produção de prova sobre direito privado seu, de natureza preponderantemente patrimonial, e o interesse público na boa administração da justiça, que exige uma advocacia independente e a natureza excepcional das eventuais derrogações do sigilo profissional a que está sujeita), não se justifica o levantamento do dever de sigilo profissional de advogado, invocado pela testemunha.

Concluindo:

●. No âmbito do processo civil (em que estão em causa interesses privados), a quebra do sigilo profissional do advogado surge com características marcadamente excepcionais, em conjunturas muito particulares e deverá ser aferida com base na estrita necessidade (numa lógica de imprescindibilidade da informação pretendida); e limitar-se ao mínimo indispensável à concretização dos valores pretendidos alcançar.
●. A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente incidente de levantamento de sigilo profissional e, em consequência, em:
· Não dispensar a testemunha J. B. advogado, do cumprimento do dever de sigilo profissional que invocou para não depor em sede de audiência de julgamento que se realiza perante o Tribunal de 1.ª Instância,
Custas nos termos que venham a ser determinados na decisão de mérito a proferir nos autos principais (art.º 527.º, n.º 1 do CPC).
Notifique
Guimarães, 17 de Dezembro de 2020.
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira(adjunta)
José Cravo (adjunto)


1 - Neste sentido, do carácter excepcional de qualquer derrogação, Ac. do STJ, de 15.02.2000, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-91, onde nomeadamente se lê «que nesta matéria vigora um princípio de subsidiariedade, porque, sendo o segredo profissional “timbre da advocacia e condição sine qua non da sua própria dignidade”, a sua revelação só será possível como última ratio».