CRIME DE ROUBO
ELEMENTOS DO TIPO
Sumário

I - O crime de roubo encontra-se previsto no art. 210º, 1, do Código Penal, que estatui: "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física (...)".
II - Conforme refere Maia Gonçalves [1] Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª edição, Coimbra, a págs. 641., "O crime de roubo distingue-se do de furto porque no primeiro há violência (...) ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir, o que não acontece no furto."
III - Segundo Conceição Ferreira da Cunha [2] Conceição Ferreira da Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, tomo II, a págs. 160., "O roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e a detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e acção (...) e a integridade física”.
IV - Trata-se de uma infração que é de execução vinculada: quer a subtração, quer o constrangimento devem ser executados por meio de violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir, o que também caracteriza o tipo objetivo.
V - O crime de roubo é essencialmente doloso.
VI - Ao arrancar as notas bancárias da mão do motorista de táxi, apropriando-se das mesmas contra a vontade do ofendido e agindo de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, o arguido exerceu a violência estritamente necessária para se apoderar do objeto, cometendo um crime de roubo e não apenas de furto.
_________________________
[1] Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª edição, Coimbra, a págs. 641.
[2] Conceição Ferreira da Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, tomo II, a págs. 160.

Texto Integral

Processo nº 523/18.5PRPRT.P1

Data do acórdão: 16 de Dezembro de 2020

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;

I - RELATÓRIO
1. Em 11 de Maio de 2020 foi proferido nos presentes autos o acórdão condenatório que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"Em face de tudo o exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo em julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, p.p. pelo art. 210º, n.º1, do C.P. na pena de 2 anos de prisão.
Custas a cargo do arguido, nos termos do art.º 513º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e suportando ainda os encargos devidos."

2. Inconformado com a factualidade provada e a qualificação jurídica dos factos apurados, o arguido interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões[1] seguidamente reproduzidas:
"Vem o recurso interposto da sentença que condenou o arguido B…, pela prática em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º1, do C.P. na pena de 2 anos de prisão.
Pretende o recorrente, por esta via, a impugnação ampla da matéria de facto que o Tribunal a quo definiu como matéria provada e não provada, de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3.
Impugna ainda o Recorrente a qualificação jurídica dos factos (defendendo o recorrente que não se mostra preenchido o crime de roubo por que foi condenado, mas apenas o crime de furto).
O Ministério Público deduziu acusação, acolhida na íntegra pelo Tribunal a quo, contra o aqui Recorrente imputando-lhe a prática de um crime de roubo, sustentado em pretensos “atentados à integridade física do ofendido”, à sua “liberdade pessoal”, recurso à “força física”, consciência na subtração e posterior fuga em “passo de corrida”, conforme se retira da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Sucede que tais “factos” não têm qualquer sustentabilidade na prova produzida, o que conduziu a um erro no julgamento.
Salvo o devido respeito pelo coletivo do Tribunal “a quo”, que é verdadeiro e é muito, constitui um equívoco manifesto da mesma ter dado como provado o ponto 4, onde se refere “O arguido exibiu então a C… uma nota com o valor facial de €100,00 (cem euros) evidenciando assim a aparente intenção de proceder ao pagamento do serviço.” pois está em flagrante oposição com a demais prova produzida em audiência, devendo ficar apenas provado: “4.º O arguido exibiu então a C… uma nota com o valor facial de €100,00 (cem euros) evidenciando assim a intenção de proceder ao pagamento do serviço.“
Isto porque a testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos), referiu expressamente, tal facto, ou seja, que o Recorrente lhe havia mostrado a nota de €100,00 e que aquele não aceitou o pagamento alegadamente por não ter troco. Mais referiu expressamente que o Recorrente tentou arranjar trocos nas redondezas, mais especificamente numa roulotte próxima.
Ora por razão lógica, se o arguido procurou trocar a nota de €100,00 é porque pretendia/tinha a intenção de pagar a corrida. Caso contrário não faz sentido que o fizesse.
Acresce que o próprio Recorrente confirmou a intenção no pagamento, conforme declarações reproduzidas em sede de julgamento, recolhidas em sede de inquérito, na data de 08.03.2019, gravação sistema habilus de 06.05.2020 com início em 10:06:27 e término em 10:15:11, consignando-se em Ata de Julgamento no dia 06.05.2020).
Considera ainda o Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o ponto “6.º
No momento em que C… segurava as referidas notas no valor global de noventa euros, o arguido B…, de forma enérgica e repentina agarrou com uma das suas mãos as notas do ofendido e, puxando-as para si, arrancou-as das mãos do ofendido” devendo ao invés ter sido dado apenas como provado “6.º No momento em que C… segurava as referidas notas no valor global de noventa euros, o arguido B…, agarrou as notas do ofendido.”.Pretende pois o Recorrente que sejam expurgadas as expressões “de forma enérgica e repentina” e “puxando-as para si” porquanto nenhuma prova foi produzida nesse sentido, nomeadamente a única testemunha ouvida, o próprio lesado (testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
De facto, o lesado, C…, testemunha inquirida no dia 29.04.2020, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos– em momento algum fez uso destes vocábulos ou e outros com a mesma significância, razão pela qual o Tribunal a quo, sempre com a máxima deferência, não podia tê-los referido na matéria dada como provada.
Note-se que das declarações de C… apenas refere repetidamente que o arguido “sacou-lhe” as notas da mão, sem mais. (identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
Considera ainda o Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o ponto “7.º Uma vez na posse das notas de C…, bem como da nota de cem euros que não chegou a entregar, o arguido ausentando-se do local em passo de corrida, fazendo sua a referida quantia monetária.” Pelo que deveria apenas ter sido dado como provado “7.º Uma vez na posse das notas de C…, bem como da nota de cem euros que não chegou a entregar, o arguido ausentou-se do local, fazendo sua a referida quantia monetária.”
Uma vez mais, a testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos) nunca referiu que o Recorrente havia se ausentando em passo de corrida ou fugido, pelo contrário, pela testemunha apenas foi referido que o Recorrente abandonou o local “subindo a rua de mão dada” com a outra passageira do táxi.
Tal “expurgação” é relevante porque faz notar que o Recorrente não estava consciente do ilícito, nem pretendia praticá-lo, caso estivesse, a evasão e fuga rápida seria o comportamento mais conforme à realidade.
Em consequência do que vem dito, isto é, se o Recorrente não se ausentou, afinal, em passo de corrida, também não existe sustentação para se dar como provado que o mesmo se colocou em fuga. Deste modo, considera ainda o Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o ponto da matéria de facto número 13.
Também em momento posterior ao da fuga do arguido, o ofendido C… viu ser-lhe entregue a quantia de€90,00 (noventa euros) por terceira pessoa.”, devendo alterar-se este ponto no sentido de “Também em momento posterior, o ofendido C… viu ser-lhe entregue a quantia de €90,00 (noventa euros) por terceira pessoa.”
Esta alteração impõe-se pela ausência total da referência à fuga por banda do lesado pela testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
Em consequência das alterações à matéria de facto acima requeridas considera ainda o Recorrente que o Tribunal deverá eliminar da matéria dada como provada os números ”9.º Sabia o arguido B… que ao actuar da forma descrita, atentava contra a integridade física e contra a liberdade pessoal do ofendido, condicionando-lhe a motivação para se opor e resistir à subtracção do seu dinheiro. “ e “11. Ao actuar da forma descrita, o arguido B… agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de, recorrendo à força física, fazer sua quantia monetária que sabia não lhe pertencer, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.”. Com efeito, não tendo ficado provado que o Recorrente não pretendia pagar a corrida, que empregou força de forma “enérgica e repentina” e que o mesmo, afinal de contas, não se evadiu não resta senão admitir-se que o Recorrente não atentou contra a integridade física do Recorrente.
Aliás, a instâncias da tomada de declarações do lesado, questionado sobre o emprego de violência sobre ele pelo Recorrente o mesmo nega, sem rodeios, ter existido qualquer confronto ou ameaça física. Testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
Analisando os factos supra indicados é verdadeiramente obrigação deste Venerando Tribunal alterar a matéria de facto quando a prova produzida o justifica, pelo que se impõe alterar os pontos 4, 6, 7 e 13 da matéria de facto para a versão sugerida pelo recorrente, bem como, e em consequência eliminar da matéria de facto dada como provada os pontos 9 e 11, sugeridos pelo recorrente, nos termos indicados, pois são factos que não resultaram demonstrados em audiência de julgamento, nomeadamente pela única prova testemunhal recolhida testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
Em suma, resulta, isso sim, daquele depoimento que o Recorrente tentou pagar ao lesado os €100,00, que este se recusou primeiramente recebê-los porque alegou não ter troco, que o recorrente havia tentado trocar o dinheiro em roulotte próxima e finalmente que o recorrente simplesmente “seguiu” pela rua após o incidente.
Atente-se que não pretende aqui o Recorrente fazer valer a sua versão dos factos em detrimento da Acusação mas antes denunciar a insuficiência de prova produzida que sustenta a condenação do arguido, o patente erro na sua apreciação que leva a dar como facto provado a parte em que o arguido pratica um roubo “recorrendo à força física” ou a qualquer constrangimento que tolhesse a testemunha.
As únicas certezas que existem nos autos é que o arguido não agrediu, não ameaçou, nem subtraiu por esticão um valor monetário ao ofendido, conforme resulta da única prova testemunhal recolhida testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos).
Com efeito, não existem provas documentais ou testemunhais que relatem uma situação de violência, ameaça para a vida ou pessoa física (ou qualquer outro constrangimento do ofendido), o qual, tendo hipótese, em variadíssima vezes, de abandonar o local, ali permaneceu (facto assumido por si).
Esvazia-se assim a verificação dos elementos objetivos do tipo de ilícito.
É esta a parca prova carreada para os autos e não vislumbramos como fez “encaixar” aqui o Tribunal a quo o critério das “regras da experiência comum” do homem médio para optar pela versão claramente exagerada (porventura estigmatizada pelo cadastro do arguido…).
Lembremo-nos na alusão na fundamentação do “meio de violência” (não existiu qualquer prova de violência), “afetação da liberdade do ofendido” (a testemunha andou e fez o que bem lhe apeteceu) e muito menos violência “psíquica” (apesar de ser de noite e tratar-se do afamado Bairro …, onde o ofendido se introduziu sem receio como assume, estavam terceiros na referida “roulotte de cachorros”).
Lamentável é, porém, nada constar nos autos (leia-se de juridicamente valorável) que consinta nesta apreciação extrapolada.
Entende o recorrente que dos factos dados como provados e a fundamentação jurídica aduzida pelo Tribunal a quo, as conclusões que extraiu dos factos e as normas em que se fundou, não se mostram corretas, e outrossim que o desfecho da causa deveria ser distinto.
Acresce que, o Tribunal " a quo" condenou o arguido em autoria material e na forma consumada do crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210° n.º 1 do Código penal, na pena de 2 anos de prisão. (!)
O objeto do crime de roubo é a "coisa móvel alheia ".
Por sua vez, a conduta típica consiste no "subtrair " ou no "constranger " o proprietário ou o detentor a que entregue a coisa.
No presente caso, o Tribunal " a quo" fundamentou a sua decisão com base no que o arguido havia dito (completamente ébrio) ao ofendido “cota cala-te que é para não ter problemas” – confirmar fundamentação e declarações da testemunha inquirida no dia 29.04.2020, C…, identificação, juramento e depoimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio (consignando-se em Ata de Julgamento no dia 29.04.2020 o seu início o como ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos)
Ora, será que o facto do arguido ter feito tal declaração sem mais (sem armas, sem violência, sem injúrias…) é suficiente para provocar medo, inquietação e temor pela integridade física ao ofendido?
Somos da opinião que não, pois, por um lado o arguido não estava na sua plena força física em virtude da intoxicação e por outro lado o ofendido manteve-se sempre junto a este, não tendo procurado por qualquer meio ausentar-se, mesmo estando com o táxi disponível e as autoridades a caminho.
O arguido mesmo na posse de uma garrafa e podendo, não procurou sequer instrumentalizá-la em desígnios ilícitos.
Aliás não consta nos factos provados que possuía arma.
O arguido não empregou qualquer violência para que o ofendido lhe entregasse os €90,00 e tal euros.
Pelo que, o arguido, no limite, cometeu um crime de furto e não de roubo assim como se tem de convolar a acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, já que, tratando-se, embora, de dois crimes contra o património, são bastante diferentes na respetiva configuração típica, objetiva e subjetiva, deste modo deverá ser dado cumprimento do estatuído no artigo 359° do Código de Processo Penal.
Verifica-se in casu erro de julgamento, pois que apreciada convenientemente a prova, conjugada com as regras da experiência comum, deveria o Mmº. Julgador, senão optar pela absolvição do arguido, por falta de prova, pelo menos convolar a acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código.
Com base nos factos dados como provados entende o Recorrente, com o devido respeito, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi submetida a uma análise crítica como impõe as regras de experiencia, tendo ocorrido erro notório na interpretação da prova/erro de julgamento e ocorreu omissão das menções referidas no artigo 374º nº 2 do C. processo Penal e violação do princípio da investigação da verdade material – artigo 379º nº 1 alíneas a) e C) do mesmo diploma.
Pelo que se impõe tal alteração, por insuficiência de prova.
Nestes termos, resulta que a Sentença ora recorrida violou, entre outros, o artigos 32º nº 2, 202 º nº 2, 205 nº 1, 215 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 410º nº 2, alínea a) e c), 127º do C. Processo Penal.
A sentença é, outrossim, nula por violação do disposto nos artigos 374.º nº 2 e 379 nº 1 alínea a) e c) do C. Processo Penal.

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo, imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, baseando-se, essencialmente, na fundamentação do próprio acórdão.

5. Nesta instância, o Ministério Público[2] emitiu parecer extensamente fundamentado, explicitando:
a) o âmbito e os limites dos recursos em matéria de facto;
b) dos vícios enunciados no número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;
c) sustentando que o recorrente não indicou prova que imponha decisão diversa; e
d) que o acórdão recorrido não apresenta qualquer dos vícios invocados pelo recorrente.
Além disso, caracterizou o tipo legal de crime de roubo e, por ter resultado provado que “No momento em que C… segurava as referidas notas no valor global de noventa euros, o arguido B…, de forma enérgica e repentina, agarrou com uma das mãos as notas do ofendido e, puxando-as para si, arrancou-as das mãos do ofendido (…) sabia o arguido B… que ao actuar da forma descrita, atentava contra a integridade física e contra a liberdade pessoal do ofendido, condicionando-lhe a motivação para se opor e resistir à subtracção do seu dinheiro, resultou integrado o conceito de violência necessário para a perfeição do crime de roubo, p. p. no art. 210º nº 1 do Cód. Penal.
6. Notificado do teor do parecer, o arguido não apresentou qualquer resposta.
7. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [3] e a jurisprudência [4] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetiza as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
a) impugnação da decisão da matéria de facto (factos provados 4, 6, 7 e 13); e
b) erro em matéria de direito, quanto à qualificação jurídico-penal da conduta do arguido – os factos não integram um crime de roubo p. e p. pelo disposto no artigo 210º, 1, do Código Penal, mas um crime de furto p. e p. pelo disposto no artigo 203º, nº 1, do Código Penal -.
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Para decidir as questões controvertidas, importará, primeiramente, concretizar o facto jurídico-processual relevante – a decisão da matéria de facto e a fundamentação jurídica onde se encontra descrito o enquadramento jurídico da conduta do arguido –.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Da impugnação da decisão da matéria de facto:
A.1. A fundamentação da decisão da matéria de facto corporizada na sentença;
II - Fundamentação de facto:
2.1. Matéria de facto provada
1.º
No dia 22 de Abril de 2018, por volta das 04:30 horas, C…, taxista de profissão, aguardava junto à Estação D…, no Porto, no interior da respectiva viatura táxi, por eventuais clientes que lhe solicitassem serviço de transporte.
2.º
Nas apontadas circunstâncias, o arguido B… acompanhado de E…, avistando a viatura táxi do ofendido C… acedeu ao interior da mesma solicitando ao ofendido que os transportasse até á Rua …, no Porto, área desta comarca.
3.º
No momento em que concluiu o referido serviço de transporte C…, consultando o taxímetro da viatura, solicitou ao arguido que lhe pagasse o preço e cerca de €5,70 (cinco euros e setenta cêntimos) pelo serviço prestado.
4.º
O arguido exibiu então a C… uma nota com o valor facial de €100,00 (cem euros) evidenciando assim a aparente intenção de proceder ao pagamento do serviço.
5.º
Calculando mentalmente o troco devido ao arguido, C… empunhou diversas notas no valor global de €90,00 (noventa euros) que, juntamente com moedas de euro e de cêntimos de euro que mantinha consigo, pretendia entregar ao arguido depois de receber a referida nota de cem euros.
6.º
No momento em que C… segurava as referidas notas no valor global de noventa euros, o arguido B…, de forma enérgica e repentina, agarrou com uma das mãos as notas do ofendido e, puxando-as para si, arrancou-as das mãos do ofendido.
7.º
Uma vez na posse das notas de C…, bem como da nota de cem euros que não chegou a entregar, o arguido ausentando-se do local em passo de corrida, fazendo sua a referida quantia monetária.
8.º
Ao fazer sua a referida quantia monetária, o arguido causou a C… um prejuízo patrimonial de €90,00 (noventa euros).
9.º
Sabia o arguido B… que ao actuar da forma descrita, atentava contra a integridade física e contra a liberdade pessoal do ofendido, condicionando-lhe a motivação para se opor e resistir à subtracção do seu dinheiro.
10.º
Sabia igualmente o arguido B… que ao actuar da forma descrita, atentava contra património alheio, bem sabendo que o dinheiro de que se apoderou não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem consentimento do seu legítimo proprietário.
11.º
Ao actuar da forma descrita, o arguido B… agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de, recorrendo à força física, fazer sua quantia monetária que sabia não lhe pertencer, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
12.º
Já após a fuga do arguido, C… viu ser-lhe pago por E…, o preço devido pelo serviço de transporte prestado.
13.º
Também em momento posterior ao da fuga do arguido, o ofendido C… viu ser-lhe entregue a quantia de €90,00 (noventa euros) por terceira pessoa.
14º
Por sentença transitada em julgado em 29 de Novembro de 2007, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; por sentença transitada em julgado a 12 de Maio de 2008, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 9 meses pela prática em 9 de Abril de 2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; por sentença transitada em julgado em 12 de Maio de 2008, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática em 9 de Abril de 2007; por sentença transitada em julgado a 29 de Outubro de 2008, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos e 6 meses, pela prática em 8 de Novembro de 2007, de um crime de furto qualificado; por acórdão transitado em julgado em 27 de Maio de 2010, foi o arguido condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática em 28 de Novembro de 2008, de dois crime de roubo; por acórdão transitado em julgado em 10 de Junho de 2011, foi o arguido condenado na pena de 3 anos, pela prática em 24 de Outubro de 2008 de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor quantidade; por acórdão transitado em julgado em 16 de Outubro de 2019, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 1 de Outubro de 2018, de três crimes de burla informática; por sentença transitada em julgado em 5 de Julho de 2019, foi o arguido condenado na pena de 95 dias de multa pela prática em 19 de Março de 2018, de dois crimes de consumo.
15º
O processo de desenvolvimento de B… decorreu junto dos avós maternos. O arguido é fruto de um relacionamento curto entre os progenitores, que viria a terminar ainda antes do seu nascimento.
O progenitor não acompanhou o arguido durante o seu processo de crescimento.
O arguido identifica a avó materna como figura de referência e vinculação afetiva, no entanto a progenitora, mais rigorosa, esteve sempre presente. B… tem duas irmãs uterinas, atualmente com 19 e 4 anos, nascidas de relacionamentos distintos da progenitora.
No meio de residência dos avós, o arguido beneficiava de atitudes protetoras mas permissivas, não possuindo o agregado ascendência sobre B…. A progenitora, que aos 7 anos do arguido constituiu agregado autónomo, apesar de atenta e presente, perdeu também ascendência sobre o descendente que passou a gerir o seu quotidiano de forma autónoma.
Frequentou a escola na idade normal, com razoável aproveitamento, até que aos 11 anos conhece o progenitor e com este passa a conviver por um curto período de tempo, dado o seu falecimento precoce.
B… evidencia a partir dos 12 anos comportamentos desviantes, com especial incidência nos conflitos familiares e ausência do espaço escolar. Inicia nesta fase e em contexto de pares, o consumo estupefacientes.
Embora tenha efetuado várias tentativas de desintoxicação, em regime ambulatório e com internamento em comunidade terapêutica, não foi capaz de manter a condição de abstinente.
A toxicodependência conduziu o arguido ao envolvimento em práticas delituosas e ao confronto com o sistema de administração da justiça, tendo sido alvo de intervenção tutelar educativa, com a aplicação de uma medida de internamento em regime fechado, pelo período de 14 meses, que cumpriu de forma adequada. Acedeu em Centro Educativo à condição de abstinente, condição que, afirma, manteve até abrevar condenação em pena de prisão, por crimes cometidos antes do cumprimento da medida tutelar educativa.
No período após a saída do centro educativo, B… diligenciou por enquadramento laboral, com registo de duas experiências como operário fabril, não conseguindo trabalho regular passa a equacionar a possibilidade de emigrar para a Suíça.
Concretiza a sua intenção em Setembro de 2011, registando aí um período de maior estabilidade, fruto de enquadramento laboral na construção civil e da constituição de um relacionamento afetivo.
Em 2013 ainda a residir na Suíça, constitui agregado próprio passando a residir com a que foi até então sua namorada. No mesmo ano esta engravida e a criança nasce no início de 2014.
Em 2014, B… é detido na Suíça para o cumprimento da pena de prisão de 3 anos em cúmulo jurídico, em que fora condenado no processo 214/08.5P6PRT, e extraditado para Portugal. Cumpriu a pena sem beneficiar de medidas de flexibilização da pena, sendo colocado em liberdade por termo de pena a 17.04.2017.
Colocado em liberdade, B… mantém consumo de estupefacientes que assume ter reiniciado em meio prisional. O relacionamento amoroso passa a ressentir-se, e começam a acentuar-se divergências já iniciadas em meio prisional. Ainda assim o casal decide regressar à Suíça, reintegrando o agregado dos progenitores da companheira do arguido.
O convívio familiar não foi pacífico, não conseguindo B… enquadramento laboral, pelo que regressou ao agregado dos avós maternos dando-se a rutura do relacionamento amoroso.
Durante a permanência de B… no estrangeiro, mantiveram-se em acompanhamento duas condenações em pena suspensa com regime de prova, pela equipa territorialmente competente, tendo o arguido colaborado e cumprido com o solicitado. Foram assim remetidos aos processos relatórios de acompanhamento e finais, dando conta da colaboração do arguido.
No período a que se reportam os factos descritos na acusação B…, integrava o agregado dos avós maternos, desvinculado de qualquer responsabilidade. A progenitora confirma não ter conseguido que o descendente adotasse comportamentos normativos, sendo os seus progenitores mais permissivos. Durante o cumprimento da primeira pena de prisão do arguido, a progenitora constituiu novo agregado, não existindo qualquer possibilidade de B… reintegrar este agregado uma vez que entre este e o companheiro da progenitora não existe qualquer vínculo relacional.
O agregado que o acolheu reside em habitação camarária, inserida em zona caraterizada por várias problemáticas de exclusão social.
B… protagonizava um quotidiano ocioso, desvinculado de obrigações.
Beneficiava de apoio económico da progenitora e dos avós, que desconheciam as suas rotinas, embora a progenitora reconheça que o descendente evidenciava consumo de estupefacientes.
O arguido assume o seu quotidiano ocioso, vocacionado para a satisfação aditiva. É neste contexto que realiza viagens regulares para a cidade do Porto, onde estabelece uma rede de convivialidade associada ao consumo de estupefacientes, e ocasionalmente pernoita.
No contexto residencial, B… registava níveis de inserção ajustada, sendo desconhecida a sua situação de reclusão, uma vez que acreditam ter voltado a trabalhar na Suíça.
O arguido esteve detido no estabelecimento prisional do Porto desde 04.10.2019 beneficia do perdão dado na Lei 9/2020 e regressa ao agregado dos avós maternos, onde se encontra.
Em meio institucional B… revelou capacidade de adaptação à realidade prisional, estabelecendo relações ajustadas com pares e funcionários, apesar da ocorrência de uma medida disciplinar por posse de telemóvel e produto estupefaciente.
*
2.2. Matéria de facto não provada
Todos os factos resultaram provados.
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2.3. Motivação da decisão de facto
Como é sabido, a legislação processual penal portuguesa reafirma (tendo em conta que o princípio da livre apreciação da prova é um princípio constitucional) como critério geral de apreciação da prova, o sistema da livre convicção, vinculando-o ao respeito pelas regras da experiência, e assinalando-lhe, ainda, algumas restrições que constituem condicionantes da apreciação valorativa (art.º 127º do CPP).
A livre apreciação da prova traduz-se na possibilidade do julgador formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, convicção essa, ainda assim, racional (i.e., assente em provas), assente em regras de lógica e experiência (i.e., inexpugnavelmente compatível com os princípios que se reconhece regularem mentalmente a gnose), objectiva (i.e., desprovida de subjectivismo injustificável, assente em elementos reais e externos ao Tribunal, afastando-se de meros conhecimentos ou presunções privadas do Homem que ocupa a posição de julgador) e comunicacional (i.e., intrinsecamente reflectida e claramente compreensível por terceiros).
A decisão sobre a matéria de facto há-de ser, por isso, o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do juiz.
Na argumentação racional que leva a cabo, o julgador pode socorrer-se de “regras da experiência”, isto é, juízos formados na observação do que comummente acontece e que, como tais, podem ser formados em abstracto por qualquer pessoa de cultura média. Em substância, as presunções ditas naturais, de facto, simples ou de experiência são consequências, ou seja, assunções que o juiz, como homem, e como qualquer homem criterioso, atendendo à ordem natural das coisas – quod plerumque fit – extrai dos factos da causa, ou das suas circunstâncias, e nas quais assenta sua convicção quanto ao facto probando.
Na motivação, o juiz tem de “prestar as devidas contas”. Tem de convencer quem, a posteriori, com base nela, tente reconstruir mentalmente o percurso decisório do juiz.
Aplicando as diretrizes expostas ao caso concreto temos desde logo as declarações do arguido, lidas em audiência de julgamento, a seu pedido, que assume a prática dos factos, negando, embora a intenção de apropriação dos valores de C…, referindo-se a tal ocorrência como uma distração.
Contra o descuido do arguido depõem as declarações de C… e as regras da experiência comum. Do primeiro importa reter que o arguido não lhe entregou a nota de €100,00 apenas a exibiu ficcionando a intenção de pagar e, ao ver nas mãos de C… o valor correspondente ao troco, “arrancou-lho”. Nessa sequência C… pediu-lhe que não fizesse aquilo ao que o arguido respondeu “Oh quota não faças isso que é para não teres problemas!”, o que evidencia a consciência do da prática dos factos.
Ademais, de acordo com as declarações da testemunha, quando esta telefonou para a polícia, o arguido fugiu do local em direcção ao Bairro …, onde veio a ser encontrado e identificado.
No que às regras da experiência comum diz respeito é manifesto que, não tendo o arguido entregue a nota de €100,00, dificilmente se poderia ter “enganado” na apropriação do valor do troco. Por outro lado, perante a reação da testemunha, qualquer pessoa colocada naquela situação se aperceberia do “engano”.
Note-se que, por imposição da polícia chamada ao local, a companheira do arguido acabou por pagar a viagem, revelando assim que dispunham de meios de pagamento e que a exibição da nota de 100 euros mais não foi do que uma forma de não pagar a viagem, ao que acresceu o dolo do arguido de se apropriar do valor do troco, ao vê-lo na posse da testemunha.
Naturalmente que as declarações da testemunha mereceram a credibilidade do Tribunal quer porque o desenrolar dos factos vieram a ser confirmados pelo arguido quer porque a conduta adoptada, nomeadamente chamando a polícia, fundamenta a sua narrativa.
Acresce, à resposta à matéria de facto, que a testemunha afirmou, perentoriamente que o dinheiro lhe foi arrancado – “sacado” - das mãos.
Foi ainda valorado o conteúdo do CRC e do relatório social.
*
3. DIREITO
3.1. Do enquadramento jurídico das condutas
Nos termos do disposto no art.º 210º, n.º1, do C.P. incorre na prática de um crime de roubo “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir”.
O roubo é um crime complexo que protege bens jurídicos patrimoniais – direito de propriedade - e pessoais – a liberdade individual de decisão e de ação e a integridade física.
O roubo consome o crime de furto dele se distinguindo pelo elemento pessoal.
O sujeito passivo do roubo pode ser quer o proprietário ou o detentor da coisa - a pessoa que tem a guarda da coisa, por exemplo.
O objeto do crime de roubo é uma coisa móvel alheia.
A conduta consiste em subtrair; ou constranger a que seja entregue ao autor do mesmo, coisa móvel alheia, por meio de violência.
Por subtração deve entender-se a passagem da coisa móvel da esfera de domínio do detentor para a nova esfera de domínio, contra a vontade daquele.
Constranger significa coagir, obrigar, pressionar, afetando a liberdade do coagido. O constrangimento abrange assim a força compulsiva, a força absoluta e a afetação da capacidade de decisão, por meio de ameaça, por exemplo.
Os meios para a subtração de coisa móvel alheia ou para o constrangimento à sua entrega são os previstos no tipo, como sendo: a violência contra uma pessoa; a ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
O conceito de violência tem vindo a evoluir pelo que, atualmente a doutrina e a jurisprudência inclinam-se para um conceito abrangente, que engloba que a violência física quer a violência psíquica. O uso de força física significa a intromissão, ainda que indireta no corpo de uma pessoa, com o fim de quebrar ou diminuir a resistência da vítima.
A violência tem de ser usada contra pessoas e não contra coisas.
No que concerne ao tipo subjetivo de ilícito diremos que estamos em face de um crime doloso. O dolo tem de abranger o constrangimento e bem assim os meios usados para esse fim.
O crime de roubo é um crime de resultado. Assim, para o tipo legal se preencher, é necessário que tenha havido a efetiva subtração ou que tenha sido entregue ao agente, uma coisa móvel alheia; mas é ainda necessário que tenha havido efetivo constrangimento.
Do acervo fáctico supra dado como provado resulta claramente a prática, pelo arguido, de atos de violência e constrangimento exercidos sobre C… psicologicamente, pelas circunstâncias de facto, era de noite, o arguido estava embriagado, era bem mais novo do que a testemunha, o local era próximo do Bairro … e frequentado por toxicodependentes, o impasse criado no momento do pagamento e a brusquidão na apropriação do valor pertença da testemunha.
Todo este enquadramento criou constrangimentos na testemunha, impedindo-a de resistir - como a própria referiu - ao que acresce a força utilizada para apropriação dos valores que aquele tinha seguros na mão e de que o arguido se apropriou, puxando-os, e fazendo-os seus.
A conduta do arguido causou ao ofendido diminuição patrimonial no valor de €90,00, de que se apropriou.
O arguido sabia que tal conduta e proibida e punida por lei.
Agiu de modo livre, deliberado e consciente.
Incorreu, pelo exposto, na prática, em autoria material, de um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210º, n.º1, do C.P.
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3.2. Das consequências jurídicas dos crimes
(…)"
1ª questão
A impugnação da decisão da matéria de facto[5];
O recorrente impugnou os factos provados 4, 6, 7 e 13.
Para motivar tal impugnação, indica como meio concreto de prova o depoimento da testemunha C… que, no seu entender, não permite fundamentar a decisão do tribunal, contrariamente ao que consta da fundamentação da convicção do tribunal.
Na primeira instância, na resposta ao recurso, o Ministério Público defendeu que o recorrente "apenas visou uma interpretação dos factos muito atenuativa e sem qualquer substrato" (…) o recorrente questiona verdadeiramente é a convicção do Tribunal ad quo, a valoração que o mesmo atribuiu e apenas, às declarações do próprio lesado C…, e à sua credibilização que mereceu junto dos julgadores", nos termos doi disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Apreciando.
De jure
Para a devida apreciação do mérito do recurso, julga-se útil recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
Efetivamente, como bem salientado na resposta do Ministério Púbico na primeira instância, a valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo -.
Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, essa liberdade não é absoluta, estando condicionada pela prudente convicção da julgadora e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. Tal impossibilita que a julgadora possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. Como decorre claramente da fundamentação da decisão da matéria de facto, acima reproduzida, a decisão recorrida satisfez tais exigências de forma, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do tribunal singular em relação às provas produzidas em julgamento.
A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser confundida com a íntima convicção da juíza, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
Uma violação do princípio "in dubio pro reo" (presunção de inocência) pressupõe um estado de dúvida nos julgadores, emergente do próprio texto da decisão recorrida, do qual se concluiria que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguida (ou seja, numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido) – o que não aconteceu, uma vez que tal dúvida em momento algum foi concretizada na fundamentação da sentença –.
O princípio da livre apreciação da prova não significa livre arbítrio.
Tendo o tribunal "a quo" procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção dos julgadores e este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando tal convicção não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
É consabido que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.
A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto:
a) não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo; ou
b) se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto.
No recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida.
Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa do recorrente interessado, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pela recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja "ratio legis" assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
a) os pontos sob censura na decisão recorrida; e
b) as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelos julgadores - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Em concreto.
O recorrente sustenta a sua impugnação dos factos provados 4, 6, 7 e 13 no depoimento da testemunha C…, o taxista que foi vítima da conduta do arguido e que presenciou o sucedido.
O recorrente não põe em causa a descrição dos factos produzida por tal testemunha, mas apenas a valoração do seu teor concretizada pelo tribunal "a quo".
Quanto ao facto provado 4 resultou provado o seguinte:
4.º
O arguido exibiu então a C… uma nota com o valor facial de €100,00 (cem euros) evidenciando assim a aparente intenção de proceder ao pagamento do serviço.
No entender do recorrente, resulta do depoimento da aludida testemunha que o arguido lhe mostrou a nota e que o depoente não a pôde receber, por não ter troco e que o arguido tentou arranjar troco numa roulotte que estava próxima e, por isso, deveria ter sido considerado provado o seguinte:
"4.º O arguido exibiu então a C… uma nota com o valor facial de €100,00 (cem euros) evidenciando assim a intenção de proceder ao pagamento do serviço.“"

Porém, a diferença entre a versão dos factos provada e aquela que o recorrente pretende ver reconhecida é a pretendida supressão do adjetivo "aparente".
Porém, esse adjetivo tem diversos significados: tanto pode significar "o que aparece ou se mostra", "o que parece ser, mas não é", ou "provável".
A intenção do recorrente será o de afastar o segundo significado, pretendendo que se considere provado que o arguido tinha efetivamente a intenção de efetuar o pagamento do serviço de transporte mediante a entrega da nota.
Porém, a prova por si indicada não permite demonstrar esta verdade alternativa, uma vez que não resultou do depoimento da testemunha que o arguido pretendesse, efetivamente, proceder à entrega da nota – nem sequer, que pretendesse trocar essa nota, realmente, quando se deslocou para junto da roulotte -.
De resto, a sua intenção ficou bem demonstrada pelo aludido depoimento, pois resulta do mesmo que o arguido se aproximou de novo do táxi e arrancou o troco da mão do motorista de táxi (entre os 16m05s e os 16m20s da respetiva gravação), sem lhe entregar a nota de cem euros e tendo-o ainda admoestado verbalmente quando este lhe pediu para não lhe levar o dinheiro porque tinha de prestar contas ao seu patrão, o que evidenciou a sua intencionalidade.
Pelo exposto, o facto provado corresponde inteiramente à verdade, pois, aparentemente – v.g. na aparência -, o arguido quis pagar o transporte de táxi mediante a entrega da nota de cem euros. De resto, a versão alternativa proposta pelo recorrente nem difere semanticamente da redação do facto provado na decisão.
O recorrente também impugnou o facto provado nº 6:
"6.º
No momento em que C… segurava as referidas notas no valor global de noventa euros, o arguido B…, de forma enérgica e repentina, agarrou com uma das mãos as notas do ofendido e, puxando-as para si, arrancou-as das mãos do ofendido."
De acordo com a motivação do recurso, a testemunha C… não disse no seu depoimento que o arguido lhe arrancou as notas da mão.
Nada mais falso.
Basta escutar a gravação, onde consta, entre os 16m05s e os 16m20s do seu depoimento, que a testemunha afirmou que o arguido lhe arrancou as notas da mão.
Improcede, assim, a segunda impugnação.
Seguidamente, o recorrente impugnou o facto provado nº 7ª
"7.º
Uma vez na posse das notas de C…, bem como da nota de cem euros que não chegou a entregar, o arguido ausentando-se do local em passo de corrida, fazendo sua a referida quantia monetária."
Mais uma vez, motivando o seu recurso no depoimento do motorista de táxi C…, o recorrente alega que o mesmo não afirmou que o arguido se ausentou do local em passo de corrida.
E, de novo, esta alegação é falsa, pois a testemunha referiu, expressamente, depois de ter dito que o arguido lhe arrancou as notas da mãe, que o mesmo correu rua acima, na direção do bairro ….
Improcede, por tal motivo, a terceira impugnação.
Finalmente, o arguido também impugnou o facto provado 13, por razões coincidentes com a impugnação anterior:
"13.º
Também em momento posterior ao da fuga do arguido, o ofendido C… viu ser-lhe entregue a quantia de €90,00 (noventa euros) por terceira pessoa."

Para motivar o recurso, quanto a este segmento da impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente alega que, uma vez que não resultou provado que o arguido se tenha ausentado em passo de corrida, também não existe sustentação para se dar como provado que o mesmo se colocou em fuga – pugnando, assim, pela exclusão da referência à fuga no facto provado 13º.
Como já se referiu anteriormente, contrariamente ao alegado na motivação do recurso, a testemunha referiu no seu depoimento prestado em julgamento que o arguido subiu a rua a correr, na direção do bairro …, o que exclui o fundamento alegado na motivação de recurso e determina a improcedência da impugnação em apreço.
2ª questão
Do alegado erro em matéria de direito;
O recorrente motivou o seu recurso, igualmente, num alegado erro em matéria de direito, que consiste na errada qualificação jurídico-penal da conduta do arguido.
Assim, o arguido alega que os factos não integram um crime de roubo p. e p. pelo disposto no artigo 210º, 1, do Código Penal, mas um crime de furto p. e p. pelo disposto no artigo 203º, nº 1, do Código Penal, uma vez que não foi exercido qualquer tipo de violência sobre o ofendido.
Em resposta e no parecer, o Ministério Público sustentou, em suma, que o ato de arrancar das mãos do ofendido as notas bancárias, com a intenção de se apropriar das mesmas, o que fez, integra os elementos objetivos do tipo legal de crime de roubo, p. e p. pelo disposto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal, tal como resulta de jurisprudência pacífica dos tribunais superiores.
Cumpre apreciar e decidir.
O tipo-base de crime de roubo encontra-se previsto no art. 210º, 1, do Código Penal.
Segundo o disposto neste preceito, pratica um crime de roubo "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física (...)".
Conforme refere Maia Gonçalves[6], "O crime de roubo distingue-se do de furto porque no primeiro há violência (...) ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir, o que não acontece no furto." Segundo Conceição Ferreira da Cunha[7], "O roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e a detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e acção (...) e a integridade física”. Trata-se de uma infração criminal que é de execução vinculada: conforme explicado por Paulo Pinto de Albuquerque[8], quer a subtração, quer o constrangimento devem ser executados de forma vinculada, por meio de violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir. É isso, também, que caracteriza o tipo objetivo (elemento objetivo do tipo legal de crime).
O crime de roubo é essencialmente doloso.
Dos factos provados conclui-se, imediatamente, que se provaram os elementos objetivos e subjetivos deste tipo legal de crime, pois ao arrancar as notas bancárias da mão do motorista de táxi, apropriando-se das mesmas contra a vontade do ofendido e agindo de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, o arguido exerceu a violência estritamente necessária para se apoderar do objeto do roubo, arrancando as notas da mão que as estava a segurar, vencendo assim a sua resistência.
É certo que o arguido não agrediu o ofendido, mas o tipo legal de crime não exige tal intensidade e modalidade de violência para o preenchimento do tipo legal de crime.
No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos[9] citados na nota de rodapé nº 7 do parecer produzido pelo Ministério Público junto deste Tribunal.
Pelo exposto, improcede o último argumento da motivação do recurso, confirmando-se na íntegra o acórdão recorrido.
Finalmente, um Tribunal de segunda instância apenas pode decidir as questões que lhe sejam colocadas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Além das questões colocadas pelo recorrente – todas improcedentes –, importa ter presente que o arguido foi condenado em dois anos de prisão efetiva, sem que tenha questionado, em sede de recurso, a medida e efetividade da pena.
*
Das custas:
Sendo o recurso julgado integralmente não provido, o recorrente deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, tendo em conta o seu objeto, em 5 (cinco) unidades de conta.
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade, julgar não provido o recurso do arguido B….
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 16 de Dezembro de 2020.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
__________________________
[1] Por razões de economia processual, as conclusões aqui reproduzidas correspondem já à sua versão aperfeiçoada, que foi junta aos autos na sequência de convite que foi dirigido ao arguido nesse sentido, nos termos do disposto no artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.
[2] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. J. M. Lopes Zenha.
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[4] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[5] O recorrente também chega a concluir que "Com base nos factos dados como provados entende o Recorrente, com o devido respeito, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi submetida a uma análise crítica como impõe as regras de experiencia, tendo ocorrido erro notório na interpretação da prova/erro de julgamento e ocorreu omissão das menções referidas no artigo 374º nº 2 do C. processo Penal e violação do princípio da investigação da verdade material – artigo 379º nº 1 alíneas a) e C) do mesmo diploma".
Porém, tais vícios do acórdão são vícios formais que devem resultar do próprio texto da decisão – e não de elementos heterogéneos à decisão, tal como a prova produzida em julgamento -: constituem características comuns a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410°, n° 2, do Código de Processo Penal as seguintes:
a) de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426° e 436° do C.P.P.); e
b) de resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
[6] Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª edição, Coimbra, a págs. 641.
[7] Conceição Ferreira da Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, tomo II, a págs. 160.
[8] Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, pág. 657.
[9] Ac. da RP de 04-07-2012 (proc. nº 821/10.6PHMTS.P1Relator: Exmº Desembargador Pedro Vaz Pato), com o seguinte enunciado:
“II - A conduta do arguido que, contra a vontade da vítima, subtraiu telemóveis que esta tinha no bolso e junto ao corpo implica o uso de força física que deve ser qualificada como “violência” instrumental da subtração, integrando, por isso, a prática de um crime de Roubo, do art. 210º nº 1 do Cód. Penal”.
No mesmo sentido, o Ac. TRP de 3-04-2013 (CJ, 2013, T2, p. 212), com o seguinte enunciado:
“I. O crime de roubo exige que a apropriação de coisa alheia seja feita com recurso á violência.
II. Violência, para este efeito, consiste no desenvolvimento de força física para vencer a resistência (real ou
suposta) da vítima.
III. Comete o crime de roubo aquele que, aproximando-se por trás, arranca das mãos do ofendido o telemóvel que, na altura, ele utiliza na via pública, apoderando-se dele”.
Idem o Ac. da RG de 31-03-2014 (proc. nº 570/12.0GBAVV.G1), com o seguinte sumário:
“I - Para o preenchimento do tipo de crime de roubo, constitui violência todo o uso de força física necessária e adequada para se efetivar a subtração/apropriação. A lei não exige o emprego de violência de certa intensidade.
II – Comete um crime de roubo e não de furto o arguido que aborda a vítima por trás e lhe tapa os olhos, enquanto agarra e tira o telemóvel que ela tem na mão”.