INCIDENTE DE CONTRADITA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO
DANOS PRÓPRIOS
ÓNUS DA PROVA DO SEGURADO
ÓNUS DA PROVA DA SEGURADORA
Sumário

I - O incidente de contradita visa fornecer ao juiz determinados elementos que condicionam a apreciação da força probatória do depoimento da testemunha.
II - Para que a decisão da 1ª instância seja alterada ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
III - Contrato de Seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático e aleatório, sendo-o na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto – um sinistro -, a concretizar o risco coberto.
IV - Constituindo o risco a possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, tal elemento essencial do contrato de seguro concretiza-se no sinistro (ocorrência concreta do risco coberto).
V - Celebrado entre as partes contrato de seguro de danos próprios e alegado concreto sinistro, ao segurado incumbe o ónus da prova das alegadas ocorrências concretas, em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco do contrato, que determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o concreto sinistro alegado e esses danos, como factos constitutivos do seu direito de indemnização, competindo à seguradora o ónus da alegação e da prova dos factos ou circunstâncias que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos e que podem conduzir à exclusão da sua responsabilidade.

Texto Integral

Apelação nº 2270/17.6T8STS.P1

Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo local de Santo Tirso
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, residente na Rua …, n°..., …, ….-… Trofa, veio intentar contra H…, S.A., anteriormente designada por Companhia de Seguros C…, S.A., com sede na Avenida …, n°… em ….-… LISBOA, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
-A quantia de 8.750,00€, correspondente ao valor do veículo sinistrado;
-A quantia de 4.270,00€, de indemnização pela privação do uso de veículo automóvel, correspondente ao valor de aluguer diário no valor de 35€, de um veículo automóvel da mesma classe, vencido desde o dia seguinte ao acidente até integral pagamento.
-A pagar juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Para o efeito, alega, em suma, que é dona e legitima proprietária do veiculo automóvel identificado nos autos, e que através da apólice n°………. celebrou o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel com cobertura de danos próprios na Ré.
Acrescenta, que o veículo estava em bom estado de conservação, como novo, tendo sido objecto de inspecção técnica periódica em 2016/06/29 e estava em conformidade com a regulamentação em vigor, tendo obtido o respectivo selo de conformidade.
Mais alega que, no dia 18 de Fevereiro de 2017, emprestou ao se irmão, D… melhor identificado nos autos, o referido veículo automóvel e que no regresso à Trofa, atento o seu sentido de marcha (Braga - Famalicão), pelas 20,30 horas, quando conduzia o referido veículo automóvel na estrada …, sita na Rua …, lugar de …, concelho de Braga, ao descer a estrada, cujo piso estava molhado do orvalho que se fazia sentir, estando a estrada estava escorregadia, o seu irmão sofreu um despiste, não conseguindo descrever uma curva à esquerda, saindo de frente para a berma, indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado.
Alega, ainda, que no local esteve a GNR que elaborou o croquis e submeteu o condutor ao teste de alcoolemia tendo verificado uma TAS de 0,00.
Refere, ainda que a Ré realizou a peritagem e apresentou como valor da reparação a quantia de €9.000,00, que deduzida a franquia a pagar o valor apurado foi de €8.750,00, atribuindo-lhe o salvado.
Afirma ainda que a 3 de Abril de 2017, a Ré veio declinar a responsabilidade contratada, argumentando que o acidente não revestia carácter súbito e fortuito e que face à condição essencial de imprevisibilidade não dava provimento à regularização do acidente.
Termina, alegando, que, em consequência do acidente ficou privada de usar o seu automóvel, que recorre aos transportes públicos, socorre-se da boleia de familiares e amigos, que por não ter sido indemnizada não pode comprar outro automóvel de substituição.
Regularmente citada a Ré deduziu contestação na qual, em suma, alega que após a realização da sua peritagem, concluiu que não ocorreu qualquer acidente passível de ser coberto pelo contrato de seguro titulado pela apólice n ………….., uma vez que os danos apresentados pelo veículo sinistrado não se enquadravam na dinâmica do sinistro participado.
Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, tendo sido fixados o objecto do litígio, os temas de prova e tendo sido admitida a prova testemunhal deduzida.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminara da qual foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada veio a Autora interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré contra alegou.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras da Lei nº
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1- Errou o tribunal ao decidir em desfavor da Autora fundamentando a sua convicção com base no registo criminal e certidões dos Doutos Acórdãos juntas aos autos, porque entendeu que o condutor, e neste caso a testemunha, no seu depoimento não merecia credibilidade.
2- Errou o douto tribunal a quo no âmbito da sua actividade jurisdicional e sindicância não ter realizado a contradita na testemunha nos termos do art.º 521º e 522º do CPC para aferir qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.
3- Se era intenção do tribunal usar os referidos documentos para formar a sua convicção, deveria ter chamado a testemunha e confrontá-la com estes novos dados, porém, assim não o fez, apenas da simples leitura dos referidos acórdãos desacreditou o seu depoimento e decidiu como entendeu violando desta forma o preceituado no art.º 522º do CPC.
4- A douta sentença em crise, na sua fundamentação serviu-se de documentos, registo criminal e acórdãos de decisões criminais, que as partes não trouxeram aos autos nem havia qualquer relação dos mesmos com os factos constantes dos autos. Os factos constantes dos acórdãos verificaram-se nos anos de 2000 a 2003, e não tem qualquer ligação com os factos dos autos tendo a testemunha já cumprido as penas assim cumprindo as exigências de prevenção geral e especial que aos casos exigiam.
5- Errou a douta sentença ao decidir como decidiu e formar a sua convicção apoiando-se no passado da testemunha que nenhuma relação tinha com os factos constantes do processo, e assim, conheceu de questões que não devia ter conhecido e nesta matéria a sentença está ferida de nulidade nos termos do art.º 615º nº 1, d) segunda parte do C.P.C..
6- Errou a douta sentença ao classificar o local do acidente como local ermo, quando desvalorizou documentos junto aos autos, nomeadamente, o croquis elaborado pela GNR, que identifica o local do acidente como Rua …, localidade e freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão e Distrito de Braga, e também identifica a localização do acidente por GPS: LAT. ..:..,…. N Long …:..,….W e resulta do mesmo documento as medidas tiradas no local pela GNR ao veiculo a demais circunstancias que envolveram o acidente.
7- Errou o tribunal ao não valorar o depoimento da testemunha, e condutor, D…, no relato da dinâmica do acidente que é corroborada pelo perito averiguador E… que diz, fiz o enquadramento e existe enquadramento na dinâmica dos danos que o carro tem com a altura da pedra e a altura da árvore e ainda que “Na minha opinião o acidente ocorreu aqui, nunca disse o contrário disso”
8- Do confronto dos fotos juntos com a petição inicial sob os nº 5 a 8 e das fotos juntos com a contestação sob os nº 3, 4 e 8, verifica-se que o embate foi na frente lateral esquerda que afectou só a roda e suspensão esquerda e desse choque na pedra com o lado esquerdo da viatura resultou a projecção da parte lateral direita da mesma contra a árvore, pelo que, deve o ponto 17 da douta sentença ser dado como não provado.
9- Concluímos que existe um nexo de causalidade entre a dinâmica do acidente e os danos verificados no veículo, pelo que, deveria o Tribunal a quo dar como não provado o ponto 8 e 13 da douta sentença.
10- Chegados a este ponto somos de opinião que a versão apresentada pela testemunha e condutor do veículo acidentado é corroborada pela versão do perito E… e contrariamente à posição do tribunal, os danos sofridos são compatíveis com a descrição do acidente, tal como confirmado pelo relatório pericial, pelo que, deveria o tribunal dar como provado os seguintes factos constantes da petição inicial sob os nºs 5 a 11.
5- Em 18 de Fevereiro de 2017, a Autora, a pedido de seu irmão, D…, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão nº ……. . … e titular da carta de condução nº BR-…….. 0 com data de emissão 30/10/2005 pela DGV – Braga e validade até 07/03/2041.
6- Emprestou o referido veículo automóvel, identificado no ponto 1 desta petição, para o mesmo, na deslocação a Braga, tratar de assuntos de seu interesse.
7- No regresso à Trofa, atento o seu sentido de marcha (Braga – Famalicão), pelas 20,30 horas, quando conduzia o referido veículo automóvel na estrada …, sita na Rua …, lugar de …, concelho de Braga, ao descer a estrada sofreu um despiste,
8- Ao fundo da descida e perto do local do embate apresenta uma curva para a esquerda, que o condutor não conseguiu descrever e saiu de frente para a berma.
9- Indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado. (cfr 4 fotos que aqui se juntam como documentos nº 5 a 8).
10- Era Inverno, estava bastante frio, e o condutor vinha a uma velocidade baixa, atendendo a que a morfologia do terreno apresenta uma descida acentuada no sentido de marcha Braga - Famalicão,
11- Atento a data e hora em que ocorreu o acidente, o piso estava molhado do orvalho que se fazia sentir e a estrada estava escorregadia.
11- Errou o tribunal ao firmar a sua convicção no facto de os airbags aquando do acidente não terem aberto ou sido accionados, sendo certo que, este é um problema comum a milhões de veículos e não vislumbramos, no caso em concreto, qualquer explicação ou razão para que no caso do QL os airbags não terem aberto ou accionados aquando do acidente pelo que não têm razão os peritos afirmar que os airbags teriam, obrigatoriamente, de estar activados, por esta razão, deveria o tribunal dar como não provado o ponto 16 da douta sentença.
12- Contrariamente à posição do tribunal concluímos que o acidente ocorreu nos termos plasmados na petição inicial e no relatório de peritagem estão contabilizados os danos tendo o veículo acidentado, nos presentes autos, seguro válido à data do acidente deve a Ré ser condenada a pagar à Autora os danos peticionados no valor de 8.750,00€ (oito mil setecentos e cinquenta euros) correspondente ao valor do veiculo sinistrado.
13- Errou o tribunal ao não atender ao depoimento da autora, corroborado pela testemunha D…, que em sede de julgamento prestou declarações tendo sido admitido por despacho em acta de audiência de prévia de 31 de Janeiro de 2018, Hora: 14:00, à matéria constante dos artigos 21º, 31º, 32º e 33º todos da contestação, nos termos do disposto no art.º 452º do C. Processo Civil e em ata de audiência de julgamento de 2 de Outubro de 2018 - Hora: 09:30 a Autora (inicio: 0´01´´,fim: 4´20´´) que, do seu depoimento de parte resultou confessado relativamente ao artigo 33º da contestação, que referiu ao perito da ré que emprestava o "QL" ao seu irmão durante a estadia deste em território nacional porque quando assim acontecia pedia boleia às colegas de trabalho, posição corroborada pelo irmão e condutor do veiculo acidentado. Deveria o Tribunal a quo na douta sentença dar como não provado os pontos 23 e 24.
14- Pelo exposto, deveria ser dado como provado os seguintes factos constantes dos pontos 23 a 30 da petição inicial:
“23- A Autora utilizava o seu veículo automóvel nas suas deslocações diárias, de casa para o trabalho e para outros destinos, incluindo, resolver interesses pessoais.
24- A Autora teve, e tem, de se socorrer de automóveis de familiares e amigos, relativamente aos quais ficou a dever esse favor.
25- A Autora vê-se obrigada a socorrer de transportes públicos e viver de favores de outras pessoas.
26- A ter de se levantar e sair de casa mais cedo e a chegar a casa mais tarde.
27- Tem de aguardar pela chegada de transportes públicos, efectuar percursos a pé, pelo que ficou com menos tempo para descanso e de momentos de lazer.
28- O que lhe causa transtornos e incómodos.
29- Por via da privação do uso do veículo deve ser arbitrada uma indemnização de valor diário idêntico ao de aluguer de veículo automóvel.
30- O preço médio de aluguer de um veículo automóvel de idêntica classe é de 35€/dia, liquidando-se o valor devido a título de indemnização pela paralisação do veículo em 4.270€ (122 dias x 35€ = sendo 10 dias Fevereiro + 30 dias Março + 31 dias Abril + 30 dias Maio + 20 dias Junho).
15- Deverá, assim, a Ré ser condenado nos danos causados à Autora por privação da sua viatura conforme resulta das clausula contratuais existente no seguro de responsabilidade civil contra danos próprios existente à data do acidente e contratados com a Ré, no valor peticionado de 4.270,00€ (quatro mil duzentos e setenta euros) vencido desde o dia seguinte ao acidente até integral pagamento.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deverá ser declarada nula a sentença por violação dos artigos 521º e 522º e violação dos artº615º nº 1, d) segunda parte todos do C.P.C.
E se tal não vier a ser assim entendido,
Ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene a Ré a pagar à Autora os valores peticionados, conforme apresentados e apurados nas conclusões atrás aduzidas.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre, um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
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Por seu turno a ré/apelada conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
1. Não se verifica qualquer violação por parte do Tribunal a quo do disposto nos art.ºs 521º e 522º, ambos do CPCivil.
2. Não se verifica qualquer violação por parte do Tribunal a quo do disposto no art.º 615º, nº 1, alínea d), do CPCivil.
3. A conjugação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento demonstra que bem andou o Tribunal a quo ao no julgamento de toda a matéria de facto.
4. A recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, a ocorrência de qualquer sinistro com cobertura no contrato de seguro titulado pela apólice …………..
5. A douta sentença recorrida não merece qualquer tipo de censura, devendo o recurso interposto pela recorrente ser julgado totalmente improcedente.
Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida e a consequente absolvição da recorrida do pedido, assim se fazendo J U S T I Ç A.
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Perante o antes exposto resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A violação das regras previstas nos artigos 521º e 522º do CPC;
2ª) A nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
3ª) O recurso da decisão da matéria de facto;
4ª) A procedência/improcedência da acção.
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Iniciando a nossa análise pela primeira destas quatro questões, impõe-se dizer a seu propósito o seguinte:
Determina o art. 640º CPC:
“A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.”
O incidente de contradita visa fornecer ao juiz determinados elementos que condicionam a apreciação da força probatória do depoimento da testemunha.
Não se trata já, como se pode fazer em instâncias, de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado, de modo a que o juiz não possa tê-lo em conta, ou o tenha só reduzidamente em conta, no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objecto. Trata-se, pois, de fazer valer razões fácticas que levem o juiz, ao apreciar livremente a prova, a não dar plena credibilidade ao depoimento da testemunha (cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, pág. 621 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág.454 a 459).
O regime da contradita expressamente previsto no nosso sistema jurídico segue o modelo da suspeição e não da exclusão. Constituem fundamentos de suspeição, entre outros: “ a falta de boa fama”, o “receio de parcialidade” e a “presunção de suborno” (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 454).
Como observa o Prof. Alberto dos Reis:”[a] contradita não inutiliza o depoimento; somente fornece ao juiz um elemento de apreciação da sua força probatória. Pode perfeitamente suceder que se demonstre plenamente o fundamento da contradita e que, não obstante, o julgador atribua ao depoimento todo o valor” (cf. Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 455).
Assim, constituem fundamento da contradita, a alegação de factos que possam afectar:
-a razão da ciência invocada pela testemunha; ou
-a fé que ela merece.
No caso dos autos, a autora/apelante vem alegar que o tribunal a quo devia, no âmbito da sua actividade jurisdicional e sindicância, ter realizado a contradita na testemunha D…, nos termos do art.º 521º e 522º do CPC para aferir qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.
Mais refere que se era intenção do tribunal usar os referidos documentos para formar a sua convicção, deveria ter voltado a ouvir a referida testemunha e confrontá-la com os dados que resultavam da certidão junta aos autos a fls.61 e seguintes.
Não tem no entanto razão nesta sua pretensão.
Assim cabe desde logo salientar que a referida testemunha, o irmão da autora e condutor do veículo Renault foi oferecida pela própria autora aqui apelante.
Por outro lado, resulta evidente que não existe qualquer dever ou obrigação da Sr.ª Juiz “a quo”, para no âmbito da sua actividade jurisdicional, ordenar a contradita, quando a própria ré/apelada a quem estava concedida tal faculdade, entendeu por bem não a vir requerer depois da junção aos autos da referida certidão.
Ou seja, nenhum fundamento existia para que o Tribunal “a quo” determinasse oficiosamente a realização da diligência apontada.
Não estamos, pois, perante qualquer violação do disposto nos artigos 521º e 522º do CPC.
Improcede assim a primeira das pretensões recursivas da autora/apelante.
Agora a nulidade da sentença nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
Nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Nestes casos trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade configura, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do mesmo Código, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio.
Segundo o princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões suscitadas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade.
A discordância da parte relativamente à subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou à decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.
Como se afere das considerações supra expostas, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a omissão ou excesso de pronúncia enquanto causas de nulidade da sentença têm por objecto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos.
Neste sentido, a questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista de facto e de direito, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Voltando ao caso dos autos, resulta pois manifesto que não existe a nulidade apontada, porque se mostra evidente que o Tribunal a quo não conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
Assim o Tribunal “a quo” limitou-se a não valorizar o depoimento da testemunha com base, para além de tudo o mais, na documentação que consta do processo.
Estamos pois perante a aplicação no concreto do princípio da livre apreciação da prova (cf. art.º 607º, nº5 do CPC), ao abrigo do qual e sopesando toda a prova produzida, se “desconsiderou” o depoimento do condutor do veículo dos autos.
Em suma, não padece a decisão recorrida do vício que lhe é apontado.
Improcede também aqui o recurso interposto pela autora B….
Cumpre agora apreciar e decidir o recurso da decisão da matéria de facto aqui interposto.
E para tanto cabe recordar aqui qual o conteúdo da mesma decisão.
Assim:
Factos provados:
1.A Autora é proprietária do veiculo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula ..-QL-.. de marca RENAULT modelo …, fase II, versão ….
2.A Ré celebrou com a autora um contrato de seguro, através do qual esta, na qualidade proprietária do veículo, com a matrícula ..-QL-.., transferiu a responsabilidade civil emergente dos danos próprios pela circulação daquele veículo para a seguradora da Ré.
3.O veículo foi objecto de inspecção técnica periódica em 2016/06/9 e estava em conformidade com a regulamentação em vigor, tendo obtido o respectivo selo de conformidade, sendo a próxima inspecção a realizar a 2018/06/11.
4. Foi participado o embate à Guarda Nacional Republicana, Posto Territorial de …, cuja patrulha tomou conta da ocorrência e elaborou participação.
5. À data do embate o condutor do veículo foi submetido a teste de alcoolemia tendo verificado uma TAS de 0,00.
6.A Autora participou o embate à Ré.
7.Na sequência da participação do embate, a ré, por intermédio dos seus serviços de peritagem, procedeu a uma averiguação do mesmo.
8.A verdade é que, após a averiguação levada a efeito, a conclusão dos serviços de peritagem da ré foi no sentido de não ter ficado determinada a verificação do embate participado nem, tampouco, a ocorrência de qualquer sinistro com cobertura no contrato de seguro titulado pela apólice n …………….
9.No contacto que no dia 16 de Março de 2017, um dos peritos que a ré encarregou de realizar a averiguação teve com o indicado condutor do veículo de matrícula ..-QL-.., este, em síntese, referiu que no dia indicado como sendo o do acidente circulava na Estrada …, na Rua …, em …, concelho de Braga, e ao chegar a um local onde a estrada descreve uma ligeira curva para a esquerda não conseguiu controlar o QL e foi embater de frente contra um muro e um eucalipto situados numa zona de floresta que ladeia a estrada pelo lado direito, atento o sentido de marcha em que circulava (Braga/Famalicão).
10. Mais referiu o condutor que na altura se encontrava perdido no local porque se havia enganado no caminho para a residência de um amigo que queria visitar.
11.O contacto estabelecido pelo perito da ré com o condutor foi realizado telefonicamente, uma vez que este, na altura, se encontrava na Alemanha.
12.O veículo QL apresentava os danos descritos nas fotografias juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos.
13.Após análise aos danos apresentados pelo QL, a conclusão do perito da ré - mais tarde corroborada por um outro perito coordenador - foi no sentido de não existir enquadramento entre os danos e a dinâmica do acidente relatada pelo condutor.
14.O QL apresentava danos acentuados na parte frontal, com órgão mecânicos afectados, indiciadores de um choque violento.
15.O orçamento de reparação do QL implicava a extensa colocação de peças e os serviços constantes do documento n2 9, que adiante se junta e que aqui se dá por reproduzido (cumprindo esclarecer que foi acordado como valor da reparação o constante do documento nº 10 junto com a petição inicial em virtude de a ré ter logrado negociar tal valor com a oficina reparadora).
16.No entanto, apesar daqueles danos e da necessária desaceleração súbita pela qual teria de ter passado o QL no momento do impacto (ressalte-se que o condutor jamais referiu ter travado ou esboçado qualquer manobra de recurso para evitar o embate), os airbags do QL não foram activados, como teria de ter acontecido.
17.A totalidade dos danos apresentados pelo QL não se enquadrava com o referido embate frontal, porquanto o veículo apresentava, para além de danos na parte da frente, outros danos na parte lateral direita, cfr. documento junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido.
18.Em conversa mantida com o marido da autora, este referiu ao perito da ré que desconhecia onde o condutor, seu cunhado, se havia despistado.
19.Acabando, no entanto, mais tarde por dizer que havia ido ao local do acidente ter com o cunhado e que este lhe tinha explicado por telefone onde se encontrava.
20.Só no decurso do ano de 2016, o OL apresentou um considerável nível de sinistralidade, tendo sido feitas três participações à ré, em 22.01.2016 (referente a uma quebra isolada de vidros), em 12.03.2016 (referente a actos de vandalismo) e em 28.10.2016 (referente a um problema na embraiagem).
21.Motivos pelos quais a ré não aceitou nem aceita, a ocorrência do acidente participado.
22.Embora a ré nada tenha pago à autora, esta deu ordem de reparação do veículo na oficina F…, Lda. em 07.08.2017.
23.A Autora utiliza e utilizava já à data do acidente um veículo de serviço disponibilizado pela sua entidade patronal, a firma têxtil G…, onde desempenha as funções de comercial.
24.Veículo que utilizava e utiliza quer nas suas deslocações profissionais, quer nas suas deslocações pessoais e familiares.
*
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente, que:
A) O embate descrito na petição inicial tenha ocorrido;
B) Que a Autora tenha sofrido qualquer prejuízo com a privação do veículo.
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Como ficou já visto, neste seu recurso a autora/apelante sugere o seguinte:
- Que sejam dados como não provados os factos contidos nos pontos 8 a 13 e 17 dos factos provados, cujo conteúdo aqui recordamos para uma melhor avaliação:
8.A verdade é que, após a averiguação levada a efeito, a conclusão dos serviços de peritagem da ré foi no sentido de não ter ficado determinada a verificação do embate participado nem, tampouco, a ocorrência de qualquer sinistro com cobertura no contrato de seguro titulado pela apólice n …………...
9.No contacto que no dia 16 de Março de 2017, um dos peritos que a ré encarregou de realizar a averiguação teve com o indicado condutor do veículo de matrícula ..-QL-.., este, em síntese, referiu que no dia indicado como sendo o do acidente circulava na Estrada …, na Rua …, em …, concelho de Braga, e ao chegar a um local onde a estrada descreve uma ligeira curva para a esquerda não conseguiu controlar o QL e foi embater de frente contra um muro e um eucalipto situados numa zona de floresta que ladeia a estrada pelo lado direito, atento o sentido de marcha em que circulava (Braga/Famalicão).
10. Mais referiu o condutor que na altura se encontrava perdido no local porque se havia enganado no caminho para a residência de um amigo que queria visitar.
11.O contacto estabelecido pelo perito da ré com o condutor foi realizado telefonicamente, uma vez que este, na altura, se encontrava na Alemanha.
12.O Veículo QL apresentava os danos descritos nas fotografias juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos.
13.Após análise aos danos apresentados pelo QL, a conclusão do perito da ré - mais tarde corroborada por um outro perito coordenador - foi no sentido de não existir enquadramento entre os danos e a dinâmica do acidente relatada pelo condutor.
17.A totalidade dos danos apresentados pelo QL não se enquadrava com o referido embate frontal, porquanto o veículo apresentava, para além de danos na parte da frente, outros danos na parte lateral direita, cfr. documento junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido.”
- Que sejam dados como provados os seguintes factos constantes dos pontos 5 a 11 e 23 a 30 da petição inicial:
“5- Em 18 de fevereiro de 2017, a Autora, a pedido de seu irmão, D…, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão nº ……… . … e titular da carta de condução nº BR-…….. . com data de emissão 30/10/2005 pela DGV – Braga e validade até 07/03/2041
6- Emprestou o referido veículo automóvel, identificado no ponto 1 desta petição, para o mesmo, na deslocação a Braga, tratar de assuntos de seu interesse.
7- No regresso à Trofa, atento o seu sentido de marcha (Braga – Famalicão), pelas 20,30 horas, quando conduzia o referido veículo automóvel na estrada …, sita na Rua …, lugar de …, concelho de Braga, ao descer a estrada sofreu um despiste,
8- Ao fundo da descida e perto do local do embate apresenta uma curva para a esquerda, que o condutor não conseguiu descrever e saiu de frente para a berma.
9- Indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado. (cfr 4 fotos que aqui se juntam como documentos nº 5 a 8).
10- Era Inverno, estava bastante frio, e o condutor vinha a uma velocidade baixa, atendendo a que a morfologia do terreno apresenta uma descida acentuada no sentido de marcha Braga-Famalicão,
11- Atento a data e hora em que ocorreu o acidente, o piso estava molhado do orvalho que se fazia sentir e a estrada estava escorregadia.
23- A Autora utilizava o seu veículo automóvel nas suas deslocações diárias, de casa para o trabalho e para outros destinos, incluindo, resolver interesses pessoais.
24- A Autora teve, e tem, de se socorrer de automóveis de familiares e amigos, relativamente aos quais ficou a dever esse favor.
25- A Autora vê-se obrigada a socorrer de transportes públicos e viver de favores de outras pessoas.
26- A ter de se levantar e sair de casa mais cedo e a chegar a casa mais tarde.
27- Tem de aguardar pela chegada de transportes públicos, efectuar percursos a pé, pelo que ficou com menos tempo para descanso e de momentos de lazer.
28- O que lhe causa transtornos e incómodos.
29- Por via da privação do uso do veículo deve ser arbitrada uma indemnização de valor diário idêntico ao de aluguer de veículo automóvel.
30- O preço médio de aluguer de um veículo automóvel de idêntica classe é de 35€/dia, liquidando-se o valor devido a título de indemnização pela paralisação do veículo em 4.270€ (122 dias x 35€ = sendo 10 dias Fevereiro + 30 dias Março + 31 dias Abril + 30 dias Maio + 20 dias Junho).”
E cumpre devidamente o ónus previsto no artigo 640º do C.P.C., nada obstando à apreciação do recurso nesta parte.
Vejamos, pois:
No que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, é consabido que não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, este tem que ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607º, nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
E nesse processo, tem o tribunal de recurso de conhecer o percurso lógico da decisão explanada pelo juiz recorrido.
Com efeito, a exigência de fundamentação prevista no art.º 154º do C.P.C., com assento constitucional nos termos do disposto nos artigos 205º, nº1 e 20º, nº4 da C.R.P., exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº5 do art.º 607º do C.P.C. – aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.
Perante a pretensão da autora/apelante antes melhor identificada e como nos era imposto, procedeu-se desde logo, à audição das gravações onde ficaram registados os depoimentos prestados em julgamento quer pela autora B… em depoimento de parte quer pelas testemunhas indicadas pela mesma autora e pela ré H….
Procedeu-se, igualmente, à análise conjugada de toda a prova documental que está junta ao processo.
Realizada tal operação o que importa apurar é pois se podem ser retiradas conclusões que permitam afirmar que algo de “anormal” se passou na formação da convicção probatória do Tribunal “a quo”.
Dito de outra forma, impõe-se demonstrar se na formação da convicção, retratada nas respostas dadas à factualidade controvertida, foram ou não violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes.
Vejamos, pois:
Desde logo tem razão a autora/apelante, quando questiona o entendimento do Tribunal “a quo” segundo o qual o acidente trazido ao processo teve lugar numa zona erma, onde existe uma pedreira.
Isto porque tal entendimento contradiz o que foi feito constar pela GNR no auto junto a fls. 10 e seguintes.
Assim no “croquis” elaborado pela GNR do Porto Territorial de …, o local do acidente está devidamente assinalado como Rua …, localidade e freguesia de …, concelho de … e Distrito de Braga, estando identificada a localização do acidente por GPS: LAT. ..:..,…. N Long …:..,….W.
Perante tais elementos é pois legítimo considerar como válida a versão da autora/apelante, segundo a qual o acidente se deu numa estrada em alcatrão que serve e passa numa pedreira e que vai dar a um entroncamento de acesso à estrada nacional nº …, via de ligação entre … e Braga.
No referido auto elaborado pela GNR consta também a seguinte descrição do acidente:
“O condutor do veículo nº1 disse: “que descia a estrada … na Rua … em … Braga ao chegar á curva não consegui controlar o carro e fui embater de frente no muro e no eucalipto.”
Mais, tal versão acabou por ser corroborada em julgamento pelo condutor do veículo sinistrado, a testemunha D…, nos termos que constam em 9 dos factos provados.
Aliás, nenhuma outra versão do acidente foi trazida aos autos pela ré/apelada H…, sendo de salientar que nenhuma das testemunhas por si arroladas a contrariam de forma cabal.
Neste sentido, vai o depoimento da testemunha E… que presta serviços de peritagem automóvel para a H… e que realizou a peritagem ao local do acidente, que a dado momento do seu depoimento confirma que existe enquadramento na dinâmica dos danos que o carro tem com a altura da pedra e a altura da árvore, concluindo não ter úvidas de que o acidente ocorreu naquele local.
Por outro lado, não consideramos legítimo que sem mais se questione a credibilidade do depoimento do condutor do veículo, a testemunha D…, tendo por base o certificado de registo criminal de fls.46 a 57 e a certidão dos acórdãos em que o mesmo foi arguido e que consta de fls.61 a 81.
Sendo assim e porque nenhuma outra prova foi feita relativamente a tais factos deve valer a versão do acidente descrita pela autora na sua petição inicial (cf. pontos 5 a 11 da mesma peça processual).
Deste modo, tem pois razão a mesma autora ora apelante quando considera que devem ser dados como provados os seguintes factos constantes da petição inicial:
Em 18 de Fevereiro de 2017, a Autora, a pedido de seu irmão, D…, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão nº ……. . … e titular da carta de condução nºBR-…… . com data de emissão 30/10/2005 pela DGV – Braga e validade até 07/03/2041
Emprestou o referido veículo automóvel, identificado no ponto 1 desta petição, para o mesmo, na deslocação a Braga, tratar de assuntos de seu interesse.
No regresso à Trofa, atento o seu sentido de marcha (Braga – Famalicão), pelas 20,30 horas, quando conduzia o referido veículo automóvel na estrada …, sita na Rua …, lugar de …, concelho de Braga, ao descer a estrada sofreu um despiste,
Ao fundo da descida e perto do local do embate apresenta uma curva para a esquerda, que o condutor não conseguiu descrever e saiu de frente para a berma.
Indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado. (cfr. 4 fotos que aqui se juntam como documentos nº 5 a 8).
Era Inverno, estava bastante frio, e o condutor vinha a uma velocidade baixa, atendendo a que a morfologia do terreno apresenta uma descida acentuada no sentido de marcha Braga-Famalicão,
Atento a data e hora em que ocorreu o acidente, o piso estava molhado do orvalho que se fazia sentir e a estrada estava escorregadia.
Vimos também que na sentença recorrida foi feito constar que os danos sofridos no veículo não são compatíveis com a descrição do acidente, tal como confirmado pelo relatório pericial e os depoimentos das testemunhas da Ré.
No entanto, também aqui, não tem razão a Sr. Juiz “a quo”.
Assim, tal entendimento foi desde logo infirmado por uma das testemunhas arroladas pela ré seguradora, concretamente o já antes referido perito E… que a dado passo do seu depoimento referiu o seguinte quando questionado sobre o que encontrou no local do acidente:
Que considerava que existia enquadramento na dinâmica dos danos que o carro tinha com a altura da pedra e a altura da árvore com excepção do dano que veiculo tinha na lateral traseira esquerda, dano este que no seu entender não tem qualquer tipo de enquadramento para aquele dano pelo facto do carro ter ido em frente.
Quando confrontado com a hipótese desse dano ter a ver com a árvore ali existente referiu que não pelo facto da árvore se situar mais à frente.
Ao ser perguntado acerca do facto dos danos que considerava não enquadráveis no acidente serem do lado esquerdo ou do lado direito, acabou por corrigir a sua resposta anterior referindo que os mesmos eram na parte lateral direita.
Já sobre a pergunta se o acidente tinha ou não ocorrido no local, respondeu que nunca tinha dito que o acidente ocorreu naquele local, afirmando assim estar certo que o mesmo aconteceu ali.
Sendo assim e dando valor a este depoimento, o qual deve ser conjugado com a restante prova produzida, dúvidas não podem restar quanto ao modo como ocorreu o acidente e aos danos sofridos na viatura da autora.
Quanto á razão pela qual os airbags do veículo não abriram apesar de se ter provado que não estavam avariados, importa deixar dito o seguinte:
A este propósito também nós temos como fundamental o depoimento prestado pela testemunha I…, o proprietário da oficina onde a Autora deixou o seu veículo para ser reparado.
Assim o mesmo confirmou os danos do veículo e o facto dos airbags não se mostrarem danificados após o embate.”
É verdade que a dado momento a referida testemunha referiu achar estranho o facto de tratando-se de uma colisão frontal e os airbags não terem disparado.
No entanto mais adiante também referiu estar certo que nem sempre os airbags abrem em acidentes como o dos autos, dependendo muito do tipo de pancada.
Aplicando tal ideia ao caso concreto, afirmou que na sua opinião neste caso os airbags não abriram porque o chassis ficou intacto, sendo certo que a pancada incidiu sobre a parte do farol, da roda e suspensão, razão pela qual os sensores de choque não dispararam.
Mais referiu conhecer casos de carros com toques pequenos em que os airbags rebentaram e outros em que os carros capotaram e os airbags não dispararam, tudo dependendo do ângulo do embate e da aceleração do motor do veículo.
A ser assim, consideramos não haver fundamento para no caso dar particular relevo á circunstância de sendo a colisão frontal os airbags não terem disparado e para entender que tal facto é, para além de outros, primordial para afastar a versão do acidente trazida ao processo pela autora.
Deste modo da análise conjugada da prova testemunhal e documental produzida, deve concluir-se que o embate foi na frente lateral esquerda do veículo QL e afectou só a roda e suspensão esquerda.
Mais se deve concluir que desse choque na pedra existente no local com o lado esquerdo da viatura resultou a projecção da parte lateral direita da mesma contra a árvore.
A ser assim, deve a matéria de facto constante do ponto 17 ser dada como não provada.
Impõe-se ainda concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a dinâmica do acidente e os danos verificados no veículo, razão pela qual e não obstante o entendimento dos peritos que a ré encarregou de realizar a averiguação do acidente e a peritagem ao veículo, devem ser dados como não provados os factos descritos nos pontos 9, 10 e 16 (em parte).
Para além disso, a prova produzida determina que sejam dados como provados os factos alegados pela autora B… nos nºs 5 a 11 da petição inicial.
O mesmo não ocorre, no entanto no que toca aos factos alegados nos nºs 23 a 30 da mesma petição inicial.
E isto porque consideramos que a prova testemunhal produzida (as declarações de parte da autora e o depoimento do seu irmã, a testemunha D…), não conseguiram afastar a convicção de que na altura do acidente a autora utilizava no desempenho das suas funções de comercial, um veículo de serviço disponibilizado pela sua entidade patronal, veículo que a autora utilizava também nas suas deslocações pessoais e familiares.
Sendo assim e mantendo-se como se deve manter o que consta dos pontos 23 e 24 dos factos provados, improcede nesta parte o recurso interposto pela autora/apelante.
Procede pois parcialmente o recurso da decisão de facto interposto pela autora/apelante.
Por isso e nos termos do disposto no art.º 662º, nº1 do CPC e suprimindo os elementos conclusivos que não cabe considerar, altera-se tal decisão nos seguintes termos:
Factos provados:
1. A Autora é proprietária do veiculo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula ..-QL-.., de marca RENAULT modelo …, fase II, versão ….
2. A Ré celebrou com a autora um contrato de seguro, através do qual esta, na qualidade proprietária do veículo, com a matrícula ..-QL-.., transferiu a responsabilidade civil emergente dos danos próprios pela circulação daquele veículo para a seguradora da Ré.
3. O veículo foi objecto de inspecção técnica periódica em 2016/06/9 e estava em conformidade com a regulamentação em vigor, tendo obtido o respectivo selo de conformidade, sendo a próxima inspecção a realizar a 2018/06/11.
4. Em 18 de Fevereiro de 2017, a Autora, a pedido de seu irmão, D…, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão nº ……………. e titular da carta de condução nº BR-……. . com data de emissão 30/10/2005 pela DGV – Braga e validade até 07/03/2041
5. Emprestou o referido veículo automóvel, identificado no ponto 1 desta petição, para o mesmo, na deslocação a Braga, tratar de assuntos de seu interesse.
6. No regresso à Trofa, atento o seu sentido de marcha (Braga – Famalicão), pelas 20,30 horas, quando conduzia o referido veículo automóvel na estrada …, sita na Rua …, lugar de …, concelho de Braga, ao descer a estrada sofreu um despiste,
7. Ao fundo da descida e perto do local do embate apresenta uma curva para a esquerda, que o condutor não conseguiu descrever e saiu de frente para a berma.
8. Indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado.
9. Era Inverno, estava bastante frio, e o condutor vinha a uma velocidade baixa, atendendo a que a morfologia do terreno apresenta uma descida acentuada no sentido de marcha Braga-Famalicão,
10. Atento a data e hora em que ocorreu o acidente, o piso estava molhado do orvalho que se fazia sentir e a estrada estava escorregadia.
11. Foi participado o embate à Guarda Nacional Republicana, Posto Territorial de …, cuja patrulha tomou conta da ocorrência e elaborou participação.
12. À data do embate o condutor do veículo foi submetido a teste de alcoolemia tendo verificado uma TAS de 0,00.
13. A Autora participou o embate à Ré.
14. Na sequência da participação do embate, a ré, por intermédio dos seus serviços de peritagem, procedeu a uma averiguação do mesmo.
15. A verdade é que, após a averiguação levada a efeito, a conclusão dos serviços de peritagem da ré foi no sentido de não ter ficado determinada a verificação do embate participado nem, tampouco, a ocorrência de qualquer sinistro com cobertura no contrato de seguro titulado pela apólice n ………...
16. O contacto estabelecido pelo perito da ré com o condutor foi realizado telefonicamente, uma vez que este, na altura, se encontrava na Alemanha.
17. O veículo QL apresentava os danos descritos nas fotografias juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos.
18. Após análise aos danos apresentados pelo QL, a conclusão do perito da ré - mais tarde corroborada por um outro perito coordenador - foi no sentido de não existir enquadramento entre os danos e a dinâmica do acidente relatada pelo condutor.
19. O QL apresentava danos acentuados na parte frontal, com órgão mecânicos afectados, indiciadores de um choque violento.
20. O orçamento de reparação do QL implicava a extensa colocação de peças e os serviços constantes do documento junto de fls.27 a 29, que aqui se dá por reproduzido (cumprindo esclarecer que foi acordado como valor da reparação o constante do documento junto a fls.11 v em virtude de a ré ter logrado negociar tal valor com a oficina reparadora).
21. Apesar daqueles danos os airbags do QL não foram activados.
22. Em conversa mantida com o marido da autora, este referiu ao perito da ré que desconhecia onde o condutor, seu cunhado, se havia despistado.
23. Acabando, no entanto, mais tarde por dizer que havia ido ao local do acidente ter com o cunhado e que este lhe tinha explicado por telefone onde se encontrava.
20. Só no decurso do ano de 2016, o OL apresentou um considerável nível de sinistralidade, tendo sido feitas três participações à ré, em 22.01.2016 (referente a uma quebra isolada de vidros), em 12.03.2016 (referente a actos de vandalismo) e em 28.10.2016 (referente a um problema na embraiagem).
21. Motivos pelos quais a ré não aceitou nem aceita, a ocorrência do acidente participado.
22. Embora a ré nada tenha pago à autora, esta deu ordem de reparação do veículo na oficina F…, Lda. em 07.08.2017.
23. A Autora utiliza e utilizava já à data do acidente um veículo de serviço disponibilizado pela sua entidade patronal, a firma têxtil G…, onde desempenha as funções de comercial.
24. Veículo que utilizava e utiliza quer nas suas deslocações profissionais, quer nas suas deslocações pessoais e familiares.
*
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente, que:
-No contacto que no dia 16 de Março de 2017, um dos peritos que a ré encarregou de realizar a averiguação teve com o indicado condutor do veículo de matrícula ..-QL-.., este, em síntese, referiu que no dia indicado como sendo o do acidente circulava na Estrada …, na Rua …, em …, concelho de Braga, e ao chegar a um local onde a estrada descreve uma ligeira curva para a esquerda não conseguiu controlar o QL e foi embater de frente contra um muro e um eucalipto situados numa zona de floresta que ladeia a estrada pelo lado direito, atento o sentido de marcha em que circulava (Braga/Famalicão).
-Mais referiu o condutor que na altura se encontrava perdido no local porque se havia enganado no caminho para a residência de um amigo que queria visitar.
- O contacto estabelecido pelo perito da ré com o condutor foi realizado telefonicamente, uma vez que este, na altura, se encontrava na Alemanha.
-A Autora tenha sofrido qualquer prejuízo com a privação do veículo.
*
Cumpre agora apreciar e decidir a última das questões suscitadas neste recurso.
Ora já todos sabemos que a autora, ora apelante B…, na qualidade de outorgante de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatória com cobertura de danos próprios decorrentes da circulação do seu veículo de matrícula ..-QL-.., veio accionar esta cobertura contra a ré/apelada H…, S.A., na sequência de um sinistro ocorrido em 18.02.2017 e que descreveu nos pontos 5 a 11 da petição inicial.
Também já vimos que na sentença recorrida a ré seguradora acabou por ser absolvida do pedido formulado pela autora por se considerar que ficou por provar que o acidente tenha ocorrido, razão pela qual nenhuma obrigação de indemnizar impendia sobre aquela.
É contra esta decisão que se insurge a autora/apelante requerendo a revogação da mesma e a condenação da ré no pedido formulado e antes melhor identificado no ponto I. deste acórdão.
E tem razão, pelo menos em parte, nesta sua pretensão.
Assim, é consabido que cabia à autora e como facto constitutivo do seu direito, a alegação e a prova da verificação do risco coberto, o que no caso e após a alteração operada na decisão de facto, a mesma conseguiu com a prova da existência de danos no seu veículo em consequência do embate melhor descrito nos pontos 6 a 8 dos factos provados.
Por seu turno à ré cabia a alegação e a prova da verificação de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, que no caso foi a não ocorrência do acidente participado.
Resulta evidente que o que aqui estava e está em causa, não é pois a responsabilidade civil extracontratual do segurado (e, por via do contrato de seguro, da seguradora) perante terceiros, mas sim a responsabilidade civil contratual da seguradora perante o seu segurado, face à obrigação por ela assumida de indemnizar este pelos danos causados na sua própria viatura.
Ora na base de qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está, como se sabe, o sinistro.
Sabe-se que o sinistro é a realização do risco previsto no contrato de seguro, o qual, pela sua própria natureza, desencadeia a garantia subjacente ao seguro, mas que não coincide necessariamente com o acidente, mas sim com as consequências deste.
Por sua vez, o risco é o evento futuro e incerto, cuja ocorrência se antevê meramente provável ou possível (contingente) e que, a concretizar-se, se materializará em danos cuja hipótese de ressarcimento é prevista no contrato.
Assim, reconduzindo-se o risco à possibilidade de um evento futuro danoso, este implica a previsão abstracta de certos impactos patrimoniais negativos e a correlativa obrigação de indemnização caso tais hipóteses se verifiquem.
O risco é por isso o evento abstracto que pode ou não vir a verificar-se, logo, aleatório.
Em suma, o risco seguro (abstracto) realiza-se com o facto (ou conjunto de factos) que a ele se subsume, desde que tal facto e as circunstâncias em que ocorreu coincidam com as previstas como riscos (na lei ou na Apólice) ou não coincidam com as previsões de riscos excluídos.
O contrato de seguro (de danos próprios) estipula-se para que a seguradora indemnize o segurado ou um terceiro – o seguro é um contrato indemnizatório - pelas consequências de um evento danoso.
Dai que o risco, como possibilidade aleatória de que este evento se venha a verificar, constitua um pressuposto da causa contratual e seja elemento essencial do contrato.
Podemos então concluir que o risco consiste na previsão abstracta do evento, como possível ou provável e que o sinistro é, por sua vez, a realização e concretização desse evento.
Ora, não obstante as noções de sinistro e de acidente coincidam no plano naturalístico, tal não acontece necessariamente no plano jurídico, designadamente no plano do direito dos seguros.
Aqui o acidente só é sinistro se for subsumível ao risco.
O acidente é um acontecimento imprevisto, fortuito, súbito e independente da vontade humana, que desencadeia danos.
No entanto, em matéria de seguros, o acidente deverá também configurar um sinistro juridicamente relevante e para isso, terá que concretizar o risco danoso abstractamente previsto que tanto pode ser uma lesão corporal, um dano em coisas ou num património, provocado por acção súbita, fortuita, imprevista e violenta de uma causa exterior, independente da vontade do segurado.
O acidente é, pois, o acontecimento que resulta dessa acção.
No caso concreto ninguém discute que a apólice de seguro em apreço nos autos garantia a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel propriedade da autora com as seguintes coberturas:
Responsabilidade civil por danos corporais: 5.000.000,00€;
Responsabilidade civil por danos materiais: 1.000.000,00€.
Também não se discute que nessa cobertura está incluída a garantia do pagamento das indemnizações devidas por choque ou colisão.
É sabido que de comum o choque e a colisão têm, entre si, a noção de embate, mas enquanto o choque é um embate num objecto ou obstáculo fixo, a colisão é um embate entre objectos em movimento.
No caso em apreço, estando em causa o embate de um veículo num muro, se trata obviamente de um choque.
Mas o choque é (e os danos por ele causados são) o resultado final de um fenómeno dinâmico que constitui o acidente e que deve ser, como se disse, um acontecimento fortuito, súbito, imprevisto e independente da vontade do segurado.
Assim, definida a cobertura facultativa de indemnização dos danos causados em dada viatura causados, entre outros, por choque, o facto constitutivo do direito do segurado à indemnização por tais danos próprios causados pelo embate do veículo com um objecto fixo não é apenas o embate, mas todo o processo dinâmico que termina com os estragos na estrutura do veículo.
Ora, nos autos a autora alegou esse processo causal ao referir que o seu irmão quando conduzia o seu veículo ..-QL-.. na estrada …, no sentido Braga-Famalicão, no concelho de Braga, no dia 18.02.2017, pelas 20,30 horas, ao descer a estada sofreu um despiste e saiu de frente para a berma, indo embater, na berma direita da estrada num muro que separa a estrada da berma e num eucalipto ali plantado, sofrendo danos na referida viatura cujo ressarcimento reclama.
E como já vimos, conseguiu provar tais factos (cf. pontos 6 e seguintes dos factos provados).
Assim sendo e interpretada a referida matéria de facto provada, forçoso é concluir que o processo dinâmico que culminou no embate do veículo com o muro e com o eucalipto, preenche os requisitos básicos de um acidente - acontecimento estradal, anormal, fortuito e casual, decorrente da circulação rodoviária de um veículo – o qual, conjugado com a cobertura facultativa de danos próprios constante da Apólice, cria na esfera jurídica do autora B… o crédito indemnizatório reclamado contra a ré H… pelos danos causados com o choque no veículo.
E a tal não obsta a circunstância dos serviços de peritagem da mesma ré Seguradora terem considerado que tinha ficado por determinar a verificação do embate participado e nem sequer a ocorrência de qualquer sinistro com cobertura no contrato de seguro titulado pela apólice melhor identificada nos autos (cf. pontos 8 dos factos provados).
Em conclusão:
Provada que foi a celebração entre as partes de um contrato de seguro de danos próprios e alegado concreto sinistro, ao segurado incumbe o ónus da prova das alegadas ocorrências concretas, em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco do contrato, que determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o concreto sinistro alegado e esses danos, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (nº1, do art.º 342º, do Código Civil).
Por outro lado compete à seguradora o ónus da alegação e da prova dos factos ou circunstâncias que por serem impeditivas podiam conduzir à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 do supra referido artigo).
Ou seja, no caso e logrando a autora provar o circunstancialismo de facto acima referido e não conseguindo a ré obter a prova da não ocorrência do acidente participado, merece ser atendido (ainda que em parte), o pedido indemnizatório que a primeira formulou.
Deste modo, impõe-se conceder parcial provimento ao recurso aqui interposto pela autora/apelante e nessa conformidade revogar a sentença recorrida.
*
Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
........................................................
........................................................
........................................................
*
III. Decisão:
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência revoga-se nos seguintes termos a decisão recorrida:
Julga-se parcialmente procedente a acção e condena-se a ré H…, S.A. a pagar à autora B… a quantia de 8.750,00 € (oito mil setecentos e cinquenta euros).
A tal quantia acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legalmente prevista para as operações civis contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
*
Custas em ambas a instâncias por autora/apelante e ré/apelada na proporção do respectivo decaimento.
*
Notifique.
*
Porto 16 de Dezembro de 2020
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos