SINISTRADO
PRESTAÇÕES REPARATÓRIAS
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
FAT
Sumário

Tendo a entidade responsável requerido PER e sendo proferido despacho de nomeação de administrador provisório nos termos do art. 17ª-C, nº 4, do CIRE, deve considerar-se verificada a “incapacidade económica objectivamente caracterizada” prevista no art. 1º, nº 1, al. a), do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, para que o FAT seja chamado a assumir o seu papel de garante do pagamento das prestações devidas ao sinistrado.

Texto Integral

Processo n.º 5788/18.0T8VNG-A.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado B…, patrocinado por mandatário judicial, sendo entidade patronal e co-responsável o Futebol C…, Lda., veio esta a ser condenada a pagar ao sinistrado “a parte da pensão anual e vitalícia atribuída ao Autor no montante de €6.880,434 com início de vencimento em 22.07.2017, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento da dívida”.
Datado de 19 de Fevereiro de 2020, apresentou o sinistrado requerimento com o seguinte teor:
1. Por douta sentença proferida nestes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho, a Ré/Entidade Patronal “FUTEBOL C…, LDA” foi condenada “a pagar ao Autor a parte da pensão anual e vitalícia atribuída ao Autor no montante de € 6.880,434 com início de vencimento em 22.07.2017, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento da dívida”.
2. A Entidade Patronal “FUTEBOL C…, LDA”/2ª Ré deduziu processo Especial de Revitalização (PER), tendo já sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório no Processo nº 427/20.18OAZ, que corre seus termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio do Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, conforme anúncio que se junta como documento nº 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Ora, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 142/99 de 30-04-1999 (alterado pelo D.L. 18/2016, de 13/4), compete ao F.A.T. (FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO) o pagamento das importâncias devidas pela responsabilidade da entidade responsável “FUTEBOL C…, LDA”.
4. Com efeito, reza assim a alínea a) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 142/99 de 30-04-1999: «Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.»
5. Atendendo ao pedido de recuperação de empresa deduzido pela “FUTEBOL C…, LDA”, é manifesta a sua incapacidade económica, pelo que deverá o F.A.T. responder pelos pagamentos ao Sinistrado.
TERMOS EM QUE SE REQUER, A V.ª EX.ª, SE DIGNE ORDENAR A NOTIFICAÇÃO DO FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA PROCEDER AO PAGAMENTO AO AUTOR DA PARTE DA PENSÃO ANUAL E VITALÍCIA NO MONTANTE DE €6.880,434 QUE É DA RESPONSABILIDADE DA “FUTEBOL C…, LDA”, COM INÍCIO DE VENCIMENTO EM 22.07.2017, ACRESCIDO DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL, DESDE A DATA DO VENCIMENTO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO DA DÍVIDA.
Foi solicitada informação ao processo referido, tendo sido junta certidão, com despacho datado de 5 de Fevereiro de 2020, com a redacção seguinte: “Recebo o presente processo especial de revitalização. Nomeio como Administrador Judicial Provisório o Exmo. Sr. Dr. Manuel Bacalhau, indicado pela requerente. Notifique e publicite no portal Citius (cfr. art. 17º-C, nº 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). A presente decisão tem os efeitos previstos no art. 17º-E, nº 1 e nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Comunique a todos os tribunais onde se encontrem pendentes processos contra a requerente/devedora que, nesta data, foi proferida a decisão a que se refere o art. 17º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
O sinistrado apresentou então o seguinte requerimento:
“B…, Sinistrado nos autos à margem referenciados, notificado do efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto, vem requerer a V. Ex.ª se digne ordenar o prosseguimento dos autos, com o pagamento da parte da responsabilidade da entidade patronal “FUTEBOL C…, LDA”, da pensão anual e vitalícia atribuída ao Autor/Sinistrado no montante de € 6.880,434 com início de vencimento em 22.07.2017, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento, da dívida da responsabilidade da entidade responsável “FUTEBOL C…, LDA”, a efectuar pelo FAT.
De facto, pese embora o processo especial de revitalização em que é devedora a aqui entidade patronal se encontre a aguardar o decurso das negociações, o facto é que o despacho de nomeação de administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo que com a possibilidade de recurso, tal decisão pode tardar muito em transitar em julgado.
Ora, salvo o devido respeito, tal espera não é compatível com a natureza urgente da prestação a que respeitam os presentes autos.
Assim, atento o efeito devolutivo do recurso nos presentes autos, deverão estes prosseguir e deverá a sentença ser cumprida, sendo certo que a Companhia de Seguros D…, SA já se encontra a efectuar os pagamentos devidos ao Sinistrado e que são da sua responsabilidade.”
Sobre este requerimento incidiu despacho datado de 15 de Julho de 2020, com o seguinte teor:
“Por ref. 26279577 de 13.07, o A. veio requerer o prosseguimento dos autos, com o pagamento da parte da responsabilidade da entidade patronal “FUTEBOL C…, LDA”, da pensão anual e vitalícia atribuída ao Autor/Sinistrado no montante de €6.880,434 com início de vencimento em 22.07.2017, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento, da dívida da responsabilidade da entidade responsável “FUTEBOL C…, LDA”, a efectuar pelo FAT, invocando o efeito devolutivo do recurso e alegando que o despacho de nomeação de administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo que com a possibilidade de recurso, tal decisão pode tardar muito em transitar em julgado, o que não é compatível com a natureza urgente da prestação a que respeitam os presentes autos.
Nos termos do artigo 82º da Lei nº 98/2009, de 04.09, a garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente, por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulados em legislação especial.
Ora, de acordo o DL 142/99, de 30.04 que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho, este nos termos do artigo 1º, al. a) garante o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.
Esta “incapacidade económica objectivamente caracterizada” em processo judicial de falência ou processo equivalente não se mostra verificada com a mera interposição do processo de revitalização e com a nomeação do administrador provisório, impondo-se o conhecimento do desfecho do mesmo.
Pelo exposto, mantêm-se o despacho antecedente, indeferindo-se o agora requerido.
Notifique.”
Inconformado, interpôs o sinistrado o presente recurso de apelação, concluindo:
I. A interpretação feita pelo tribunal “a quo”, além de inconstitucional, viola o 
espírito a lei.
II. O simples facto de uma qualquer entidade recorrer a um Processo Especial de Revitalização, já é indicador claro e inequívoco da sua incapacidade económica, pois é a própria devedora que o requer e não um credor ou qualquer outro terceiro a requerê-lo.
III. Prevê o artigo 17º-A, no seu nº 1 do CIRE que a empresa “se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente (...), pelo que se a Entidade Patronal não estivesse numa situação económica difícil, não teria recorrido ao PER.
IV. E em última análise, não teria sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, pois na primeira intervenção judicial, o juiz deverá certificar-se que os pressupostos legais para recurso ao PER se encontram preenchidos.
V. A própria Devedora “FUTEBOL C…, LDA” refere, no seu petitório: “5. Não obstante, e embora seja susceptível de recuperação, está em situação económica difícil (cfr. art. 17º-A, nº 1 do CIRE).” – vide documento que se junta como documento nº 1.
VI. Tendo junto ao seu pedido, a lista de acções em curso, onde se inserem os presentes autos (Cf. documento nº 2 que se junta), à data, ainda sem prolação de sentença.
VII. Os presentes autos versam sobre direitos indisponíveis, irrenunciáveis e inalienáveis com um cunho marcadamente social e proteccionista e não um crédito como outro qualquer, não podendo, assim, ficar sujeito às normas que regulam o Processo Especial de Revitalização.
VIII. O cunho social da reparação dos sinistros laborais impõe que, se o 
sistema privado não funcionar, competirá ao Estado em substituição, 
assegurar o direito, isto é, prevenir que o sinistrado deixe de receber as 
prestações que lhe sejam devidas, em função das regras imperativas 
fixadas no artigo 82º da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro.
IX. Além do mais, o FAT tem sempre o direito de sub-rogação dos montantes que vier a pagar ao Sinistrado.
X. Assim, atenta a natureza do crédito infortunístico, é o Estado quem deve actuar como garante, não podendo o Sinistrado ficar sujeito à tramitação e prazos de um processo especial de revitalização, que em rigor pode vir a demorar anos, atentas as possibilidades de recurso ao dispor tanto da devedora, como dos credores.
XI. No PER em causa o despacho de nomeação de administrador judicial provisório já foi proferido há 5 meses e o processo ainda não tem o seu desfecho conhecido.
XII. Aliás, o plano apresentado, para votação, prevê para os créditos privilegiados: “perdão dos juros vencidos e vincendos e pagamento de 100% do valor dos créditos (...) em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira decorridos 36 (trinta e seis) meses após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano (...)”.
XIII. A ser aprovado, o plano deixará sem cobertura infortunística os sinistrados que, por culpa exclusiva da Entidade responsável não celebrou correctamente o Seguro de Acidentes de Trabalho.
XIV. Violando assim o direito dos sinistrados à justa e atempada reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.
XV. Veja-se a título de exemplo o processo nº 3701/18.3T8VNG, em que é Revitalizada a E…, SAD, onde foi nomeado administrador judicial provisório em 23-05-2018 e, na presente data de 27 de Julho de 2020 (ou seja, mais de 2 anos depois), ainda não tem decisão transitada em julgado!!!! (cf. certidão que se junta como documento nº 3)
XVI. Acresce que, o FAT foi já chamado a pagar pensões devidas a outros Sinistrados pela mesma entidade “FUTEBOL C…, LDA”, por ocorrência do mesmo PER, tendo procedido ao respectivo pagamento, com posterior dedução do respectivo Incidente de Habilitação de créditos, conforme documento nº 4 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido.
XVII. Pelo que não podem estes autos ficar à mercê do andamento do processo especial de revitalização da entidade patronal, com claro prejuízo para este Sinistrado.
XVIII. Não é esse o espírito da lei e a vontade do legislador.
XIX. Essa espera é incompatível com a natureza urgente dos processos por acidente de trabalho e doença profissional, e com o direito que tais processos visam acautelar.
XX. Veja-se o sumário do Acórdão deste Tribunal, em 07/04/2014: “A suspensão prevista pelo artigo 17º-E, no l, do CIRE, não abrange a ação emergente de acidente de trabalho em curso”.
XXI. Ou o do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-06-2015: (...) 3 - Esta natureza implica que, quer em sede de PER, quer de insolvência, não possa beliscar-se estes direitos e as respetivas garantias. (...) 5 - Tratando-se de crédito infortunístico, não pode ser afectado no PER, dada a irrenunciabilidade do mesmo.”
TERMOS EM QUE SE REQUER, A V.ª(S) EX.ª(S), SE DIGNE(M) DAR
PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, PROFERIR ACÓRDÃO QUE DECLARE A INTERVENÇÃO DO FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO, PARA VIR AOS AUTOS RESPONDER PELO PAGAMENTO DA PARTE DA RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE PATRONAL “FUTEBOL C…, LDA”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
No despacho de admissão do recurso em primeira instância, foi fixado à acção o valor de €168.329,32.
A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer que foi notificado às partes e ao qual respondeu o recorrente, dele divergindo.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A única questão a decidir consiste em determinar se a nomeação de administrador provisório em sede de processo de revitalização da entidade responsável por pensão resultante de acidente de trabalho, integra o conceito de “incapacidade económica objectivamente caracterizada”, para efeitos de intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho, na satisfação de tal pensão.
Os factos a considerar são os que constam do relatório.
2. Nos termos do disposto no art. 82º, nº 1, da LAT, a garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.
Por seu lado, estabelece-se no art. 1º, nº 1, al. a), do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 185/2007, de 10 de Maio, que compete ao FAT garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.
Estipula-se no art. 17º-A, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março, o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. Este processo foi introduzido pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, e alterado pelo Dec. Lei nº 79/2017, de 30 de Junho.
Acrescenta-se no art. 17º-B que para efeitos do presente Código, encontra-se em situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
E no art. 17º-C, na parte que aqui interessa, que:
1. O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.
2. A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3. A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:
a) A declaração escrita referida nos números anteriores;
b) Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;
c) Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.
4. Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações. (...)
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 17º-E, nº 1, do mesmo diploma, a decisão a que se refere o nº 4 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Mais se acrescenta no art. 17º-G que:
1. Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2. Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3. Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.
4. Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5. A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6. O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7. Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.
E no art. 17º-J, nº 1, que o processo especial de revitalização considera-se encerrado:
a) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação;
b) Após o cumprimento do disposto nos nº 1 a 5 do artigo 17.º-G nos casos em que não tenha sido aprovado ou homologado plano de recuperação.
Conforme se refere no preâmbulo do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, “Para prevenir que, em caso algum, os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevê-se que o FAT garantirá o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.
Quando aqui se refere “deixem de receber as pensões que lhe são devidas”, deve entender-se não apenas o não recebimento absoluto ou definitivo, mas igualmente o não recebimento atempado, atenta a especial natureza deste tipo de pensões, conforme enunciado no art. 78º da LAT. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2017, processo 1501/15.1T8GRD-A.C1, acessível em www.dgsi.pt, “O art. 78º da Lei 98/2009, de 4/09, ao consagrar a impenhorabilidade do direito à reparação por acidente de trabalho, constitui uma salvaguarda de direitos constitucionalmente protegidos, nomeadamente o basilar princípio da dignidade humana do sinistrado (art. 1º CRP) e o direito consagrado no art. 59º, nº 1, al. f) da CRP”.
Refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Março de 2017, processo 2710/16.1T8VIS.C1, acessível em www.dgsi.pt, que “o processo especial de revitalização (PER) funciona como um processo pré-insolvencial (no sentido de preventivo de uma potencial insolvência), cuja grande vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental: o de “consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis” (v. Catarina Serra, Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, p. 716).”
Ora, analisando o regime do PER, nomeadamente os seus arts. 17º-G e 17º-J, temos que concluir que o processo se encerra com o acordo para satisfação dos créditos dos credores, e, portanto, com a revitaçização da empresa, ou com a declaração de insolvência da mesma, ou simplesmente sem qualquer consequência no caso da empresa não estar insolvente. Conforme se refere no sumário do acórdão do STJ de 10 de Setembro de 2019, processo 1820/17.2T8CHV.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “O PER, como previsto no art.17º-A n.1do CIRE, visa a recuperação e revitalização da atividade económica do devedor, tendo também subjacente a tutela do interesse geral da economia na manutenção das atividades económicas (como se extrai do Preâmbulo do DL n.79/2017).”
Sendo assim, o único momento em que se aprecia a “incapacidade económica objectivamente caracterizada” em processo de revitalização será no encerramento do processo no caso de declaração de insolvência, ou no despacho de recebimento do pedido de revitalização, ou nomeação do despacho provisório, do art. 17º-C, nº 4, do CIRE. Ou seja, quando no art. 1º, nº 1, al. a), do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 185/2007, de 10 de Maio, se refere a “incapacidade económica objectivamente caracterizada” em processo de recuperação de empresa, refere-se, numa interpretação actualizada à luz do processo de revitalização introduzido no CIRE pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, reporta-se à prolação do despacho a que se refere o art. 17º-C, nº 4, do mesmo diploma.
De facto, não se pode o mesmo referir ao encerramento do processo de revitalização, uma vez que já se encontra prevista a eventualidade da declaração de insolvência da requerente, e nenhum outro momento processual existe para a apreciação objectiva de tal “incapacidade”, para além do aludido despacho, atenta a natureza eminentemente negocial do processo.
É certo que se pode defender que essa “incapacidade objectivamente caracterizada” se poderia obter através do processo de execução (conforme acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Dezembro de 2012, processo 87/09.0TTGDM.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt), uma vez que “A suspensão prevista pelo artigo 17º-E, nº l, do CIRE, não abrange a ação emergente de acidente de trabalho em curso”, aí se podendo incluir as acções executivas (conforme acórdão desta Secção Social de 7 de Abril de 2014, processo 918/12.8TTPRT.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt). Porém, a exigir-se que só assim se pudesse determinar a aludida “incapacidade objectivamente caracterizada”, ficaria desprovida de sentido a referência que se faz no art. 1º, nº 1, al. a), do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, ao processo de revitalização.
Ou seja, entendemos que a prolação do despacho a que alude o nº 4 do art. 17º-C, do CIRE constitui caracterização objectiva suficiente da incapacidade económica do devedor, requerente da revitalização, para que o FAT seja chamado a assumir o seu papel de garante do pagamento das prestações devidas ao sinistrado.
Tendo sempre em consideração que “A responsabilidade do FAT por indemnizações resultantes de acidentes de trabalho sempre que não possam ser pagas pela entidade responsável não abrange os danos não patrimoniais nem os juros de mora devidos por tal entidade responsável”, conforme acórdão deste colectivo da Secção Social do Tribunal do Trabalho do Porto de 24 de Setembro de 2018, proferido no âmbito do processo 783/12.5TTBRG.P1.
Assim, procede a apelação.
3. Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão sob recurso, que é substituída pelo presente acórdão, determinando-se que o FAT passe a assumir a obrigação de pagamento da pensão em que foi condenada a responsável Futebol C…, Lda., nos presente autos.
Sem custas.
Porto, 17 de Dezembro de 2020
Rui Penha - relator
Jerónimo Freitas
Nélson Fernandes (vencido nos termos da declaração de voto que junto)
_______________
Vencido, no essencial pelas seguintes razões:
Salvo o devido respeito pela posição que fez vencimento, mesmo independentemente da consideração ou não do argumento relacionado com a exclusão da previsão do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE das ações por acidentes de trabalho, considero que, no caso, em face dos elementos existentes nos autos, resultando apenas demonstrada a pendência de processo especial de revitalização (PER), no qual foi proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 4 do CIRE, não está objetivamente caraterizada, muito menos com a mera prolação desse despacho, a incapacidade económica da entidade responsável enquanto impeditiva do pagamento da pensão devida ao sinistrado, sendo que, em face do artigo 1.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei nº 142/99, de 30 de Abril, com a redação resultante do Dec. Lei nº 185/2007, de 10 de Maio, tal incapacidade caraterizada no processo é pressuposta para que passe a competir o pagamento ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT).
De facto, e desde logo, importa ter presente que, destinando-se o processo especial de revitalização, como se refere no n.º 1 do artigo 17.º-A do CIRE, a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, aí se abrangem, com o mencionado âmbito, realidades diversas, assim quanto à real situação das empresas que podem recorrer a esse processo especial.
Melhor se esclarecendo, mesmo nos casos em que uma empresa se encontre em situação económica difícil (e não pois sequer em situação de insolvência meramente iminente) – sendo que foi essa no caso a invocação da requerente do PER, como o menciona o Recorrente na conclusão V do presente recurso) –, pode recorrer ao PER, sendo que, para efeitos do CIRE, como resulta do seu artigo 17-B, “encontra-se em situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito”. Sendo assim, como uma situação de dificuldade, ainda que séria, não se traduz necessariamente em incapacidade, sendo que é desta que se trata enquanto pressuposto legal exigível para fazer intervir o FAT nos termos da norma aplicável, neste caso, ou seja em que se invoque como fundamento a ocorrência de uma situação económica difícil, a mera prolação do despacho inicial no PER não será então bastante, até pela sua natureza liminar, de ser tido como caraterizador daquela impossibilidade económica, como se disse exigida pela norma. Como não o será, do mesmo modo, assim o entendo também, o demais alegado pelo Recorrente nas suas conclusões, tanto mais que, como o refere, o plano elaborado não estaria ainda aprovado, não tendo, como o diz, “o seu desfecho conhecido”. Deste modo, voltando ao caso, em face dos elementos disponíveis no presente recurso, não considero que esteja objetivamente caraterizada no PER a incapacidade económica da responsável para pagar a pensão devida.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 23 de abril de 2008 – disponível em www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Sousa Peixoto – nas situações em que a ação é proposta apenas contra a entidade ou entidades diretamente responsáveis pela reparação do acidente, “compreende-se que o FAT não seja chamado a assumir o pagamento das prestações devidas pelo acidente de trabalho, sem que judicialmente se tenha apurado da incapacidade económica da entidade que na acção foi condenada como responsável pela reparação do acidente” – ainda, também do STJ, assim sobre a necessidade de caraterização em processo judicial da incapacidade económica, o Acórdão de 18 de abril de 2007, Mesmo Relator, também disponível em www.dgsi.pt, fazendo alusão à circunstância de já assim ocorrer na vigência do anterior “Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, criado pela Base XLV da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965), em que se exigia que a impossibilidade pagamento das prestações por parte da entidade responsável fosse verificada em processo de execução judicial (veja-se também o que foi sustentado no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 24 de dezembro de 2012, a que se alude na posição que fez vencimento, acórdão esse em que se citam, por sua vez, os Acórdãos desta mesma Secção de 7 de janeiro de 2008 e 20 de novembro de 2010, bem como, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de maio de 2009).
Concluindo, independentemente pois da natureza do processo (tanto mais que a norma admite outros para além dos que expressamente indica), exigindo-se como pressuposto da intervenção do FAT que nesse se tenha efetivamente por caraterizada a situação de incapacidade económica da entidade responsável para efetuar o pagamento da pensão devida ao sinistrado, considero que esse pressuposto não se preenche no caso.
Deste modo, declarando improcedente o recurso, confirmaria a decisão recorrida.

Nélson Fernandes