TÍTULO EXECUTIVO
EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIADOR
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Sumário

 1. Na interpretação do artigo 14ºA do NRAU, avultando a ratio legis e a integração sistemática do preceito, não pode o seu conteúdo contrariar o regime legal substantivo de vinculação dos sujeitos obrigados no contrato de arrendamento, e a acessoriedade da posição do fiador como garante do seu cumprimento.
2. Não se compreenderia a sua exclusão do título executivo como meio ágil de satisfação do direito do senhorio, em função de uma debilidade da posição contratual do fiador, constituindo a fiança uma garantia sólida que o motiva à contratação, na maioria dos contratos de arrendamento, em salvaguarda do seu interesse negocial.
3. A obrigação pessoal e solidária prestada pelo fiador em garante do incumprimento contratual do arrendatário, salvo estipulação em contrário, subsiste na situação do termo do contrato por denúncia do senhorio, mantendo-se a ocupação indevida do locado.   
4.  A admissibilidade do título executivo contra o fiador, conforme à estatuição do artigo 14ºA do NRAU, compreende todas as quantias em dívida, correspondentes às obrigações imputadas ao arrendatário, incluindo a remuneração pela ocupação ilegítima do locado, após a cessação do contrato por oposição à renovação pelo senhorio.
5. Tendo o fiador renunciado expressamente no contrato do benefício da excussão prévia, não pode prevalecer-se da faculdade de recusar o cumprimento da obrigação exequenda enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, conforme o estabelecido no artigo 638.º, nº1e nº2, do Código Civil.

Texto Integral

 Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO
1. Da Acção
P…. deduziu embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move M.. e outros, destinada à cobrança do montante de Euros 45.958,05, acrescida de juros de mora.
Em fundamentação sinóptica, alegou que não existe título executivo válido na previsão do artigo 703.º, n. º1, al) d) do Código de Processo Civil, em virtude de as quantias reclamadas dizerem respeito à indemnização por cessação do contrato de arrendamento, no qual o embargante foi fiador, não se integrando no disposto no artigo 14º A do RAU. Acresce que, tendo o contrato terminado em 30.09.2012, por denúncia dos senhorios e ora exequentes, também a sua obrigação de fiador terminou naquela data, não comportando responsabilidade pelo pagamento das rendas vencidas até à entrega do locado. Por último, enquanto devedor subsidiário, invoca o benefício da excussão prévia, devendo proceder a oposição e julgar-se extinta a execução.     
Admitidos liminarmente os embargos, os exequentes apresentaram contestação, pugnando, em suma, pela improcedência da oposição e pelo   prosseguimento da execução nos termos peticionados.
Findos os articulados, ajuizou o tribunal que a questão a decidir se restringia a matéria de direito, notificando as partes para se pronunciarem, atenta a perspectiva do imediato conhecimento do mérito, de harmonia com o disposto nos artigos 3º e 6º, nº3, do Código de Processo Civil.
O embargante e os embargados não se opuseram à imediata decisão de mérito.       
Foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos em razão da validade do título executivo, e as normas legais aplicáveis à obrigação do fiador do contrato de arrendamento e o consequente prosseguimento da execução quanto ao embargante.
2. Do Recurso
Inconformado o embargante interpôs recurso, advogando a revogação da decisão e a procedência da oposição que deduziu.   
Apresentou alegações que terminou com conclusões.
Não sem antes deixarmos nota impressiva de que o apelante não formulou conclusões proprio sensu, limitando-se a reproduzir em redundância, sob numeração, todo o argumentário das alegações, actividade que qualquer ferramenta Word alcança. Trata-se de procedimento e incorrecta técnica processual discordantes do desiderato normativo estabelecido no artigo 639º, nº1 e nº3, do Código de Processo Civil, cuja ocorrência frequente surpreende; por outro lado, em tais circunstâncias, revela a experiência o fraco resultado da prolação de despacho de aperfeiçoamento.
2.1. Daí que, apesar do assinalado, em prol da exigida celeridade e economia de actos processuais, admitimos talqualmente as conclusões que se transcrevem:    
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que decidiu julgar “. os presentes embargos improcedentes, e, consequentemente determino o prosseguimento da execução contra o embargante P…(art. 732.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).” II. A douta sentença na sua fundamentação fática, apenas dá como provados os seguintes factos: a apresentação do requerimento executivo e o teor da clausula décima segunda do contrato de arrendamento. III. Aderindo, apenas, aos fatos invocados pelo Exequente no requerimento executivo. IV. Assim sendo, a douta sentença é omissa no que respeita a matéria de fato que fundamenta a sua decisão limitando-se a concluir de improcedência dos embargos apresentados pelo ora recorrente, fundamentando a sua decisão de direito sem qualquer decisão de fato e aderindo apenas ao alegado pelo Exequente no seu requerimento executivo. V. Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. VI. Sendo que, o legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral, veja-se o art. 154 do CPC. VII. Com efeito, mais uma vez a douta sentença limita-se a concluir pela sua verificação sem qualquer fundamento fáctica. VIII. Ora, nos termos do artº 668º nº 1 al. b) do CPC é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. IX. Nulidade cuja declaração se requer! Sem prescindir X. Entende a ora recorrente que da prova produzida nos presentes autos não resultaram provados os factos enunciados no ponto 1 da Motivação de Facto, ou seja os fatos alegados pela Requerente, a saber no requerimento executivo apresentado pela exequente, pelo que não pode a douta sentença dar como provada toda a matéria constante do mesmo, designadamente, o teor do ponto 11 e 12 do mesmo. XI. Com efeito, o ali alegado é matéria de direito e de natureza conclusiva. XII. Com efeito, a douta sentença, na verdade, apenas considera como provada a pendencia da acção executiva e o teor do contrato de arrendamento na parte em que convenciona da fiança. XIII. Conforme já ficou exposto, de que não se prescinde, a douta sentença não pode fundamentar a sua decisão de fato apenas na adesão ao requerimento executivo, sendo por isso nula com todas as legais consequentes. Contudo, por cautela, XIV. Não pode o doutro tribunal considerar como provados os fatos/conclusões constante do ponto 11 e 12 do requerimento executivo, dado que esta é a matéria controversa e em apreciação nos presentes autos. XV. Não tendo resultado provado dos elementos carreados para os autos a prova de tais fatos. XVI. Face ao exposto, deve a decisão quanto à matéria de fato dada como provada ser alterada, suprimindo-se os pontos 11 e 12 do requerimento executivo da mesma. Acresce que, XVII. Entendeu a douta sentença em apreço que: a. “Ora, revertendo ao caso em apreço, e atento o teor da cláusula décima segunda do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, verifica-se que os executados/embargantes constituíram-se fiadores da arrendatária, respondendo pessoal e solidariamente entre si e com esta, pelas obrigações decorrentes do fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato, incluindo seus aditamentos e suas renovações até à efectiva restituição do local livre devoluto e nas condições estipuladas, designadamente quanto às rendas compreendendo os respectivos aumentos convencionados e legais, os prejuízos causados no locado e também as quantias referidas na cláusula anterior que os senhorios venham a suportar, e, bem assim declararam que a fiança subsistirá ainda que haja alteração da renda fixada e mesmo depois de decorridos o prazo de cinco anos a que alude o n.º 2 do art. 665.º do Código Civil. b. Por conseguinte, dúvidas não existem de que os executados se constituíram fiadores da arrendatária, renunciando ao benefício da excussão prévia, dado que dado que se constituíram como principais pagadores, respondendo pessoal e solidariamente com a inquilina. c. Por outro lado, da notificação judicial avulsa junta aos autos de execução, e que, conjuntamente com o contrato de arrendamento, constitui o título executivo da presente acção executiva, verifica-se que os fiadores foram, não só notificados da cessação do contrato, ou melhor, da sua não renovação, bem como da não entrega do locado na data devida, e ainda da liquidação da indemnização prevista no art. 1045.º do Código Civil [conforme decorre dos artigos 14.º a 23.º do requerimento de notificação judicial avulsa].d. Assim sendo, constituindo o art. 14.º-A do NRAU título executivo contra o fiador, abrangendo as rendas vencidas até à efectiva entrega do locado (art. 1045.º do Código Civil), e tendo os executados, na qualidade de fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, e tendo ainda sido notificados para o pagamento das quantias vencidas até efectiva entrega do locado, falece in totum a presente oposição, a qual importa julgar improcedente, prosseguindo os autos executivos contra os executados/fiadores.” XVIII. Ora, não pode o ora recorrente conformar-se com tal decisão, dado que as espécies de títulos executivos estão taxativamente elencadas no art.º 703º, n.º 1, do CPC. XIX. Na al. d) deste preceito encontram-se previstos, como títulos executivos, «os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva». XX. Neste caso, há que ter em consideração o disposto no art.º 14.º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro [NRAU]. XXI. No presente acção, o contrato de arrendamento cessou por denúncia à sua renovação efetuada pelos exequentes em 30 de setembro de 2012. XXII. Encontrando-se pagas todas as rendas até ao termo do contrato e ainda, segundo os próprios exequentes afirmam, a compensação pela ocupação do imóvel ate fevereiro de 2013. XXIII. Sendo que, os montantes cujos pagamentos ora se peticionam, referem-se à indemnização devida pela arrendatária até efetiva entrega do locado após a data da cessação do contrato de arrendamento em causa, nos termos previsto no artº 1045º nº 1 do CC. XXIV. Aliás, tal fato resulta claro do teor dos artºs 15º a 23º das notificações judiciais avulsas juntas aos autos como alegado título executivo. XXV. Apesar de no requerimento executivo, os Exequentes a «…rendas devidas pela ocupação do locado…», não restam dúvidas que pretendem referir-se ao pedido de indemnização prevista no artº 1045º do CC. XXVI. Ora, o artº 15º-A do NRAU é claro na sua redação, quanto refere que o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa das rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário. XXVII. Não incluindo na sua previsão a sua exequibilidade quanto a quaisquer indemnizações. XXVIII. Sendo certo que se o legislador pretendesse que a indemnização prevista no artº 1045º do CC ali se encontrasse incluída o teria expresso, o que não fez! XXIX. Com efeito, limitou o seu âmbito a rendas, encargos e/ou despesas que corram por conta do arrendatário.
XXX. Assim, extinto o contrato de arrendamento, já não se pode falar em rendas, nem em arrendatário, pelo que restará recorrer a uma acção declarativa para eventual condenação do executado no pagamento da indemnização a que alude o art.º 1045.º do código civil. XXXI. Nesse sentido não restam dúvidas de que, de acordo com os mencionados dispositivos legais, artº 703º nº 1 al. d) do CPC e artº 14º-A do NRAU, o documento junto como titulo executivo não reveste natureza de titulo executivo. XXXII. Assim, inexiste título executivo para a presente acção. XXXIII. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-10- 2011, Processo n.º 436/09.5TBVNG-A. P1 disponível para consulta em www.dgsi.pt.XXXIV. Pelo que, mal andou a douta sentença a decidir como decidiu, devendo por isso ser revogada e ordenada extinta a presente ação executiva com todas as legais consequências. Sem prescindir, acresce ainda que, XXXV. O artigo 15º n.º 2 do NRAU veio atribuir força executiva ao contrato de arrendamento para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em divida. XXXVI. O nº 5 do artigo 10º do CPC dispõe que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução, destacando-se de entre as espécies de títulos previstas no n.º 1 do artigo 703º, no que ao caso importa, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. XXXVII. Assim sendo, não restam dúvidas que o nº 2 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, ao conferir força executiva ao contrato de arrendamento condicionada à apresentação do mencionado comprovativo, criou um título executivo complexo, porque composto por dois documentos específicos, e constitui uma disposição especial para efeitos de cumprimento coercivo das rendas. XXXVIII. E porque se trata de norma especial não comporta interpretação analógica (cfr. artigo 11º do Código Civil), não podendo ademais olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (cfr. artigo 9º n.os 2 e 3 CC).XXXIX. Deste modo, em presença de norma especial que cria um específico título executivo, também ele de natureza especial, face à letra da lei e à presumida correcção do acerto e correcta expressão do pensamento legislativo, temos de concluir que o artigo 14º nº 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra o arrendatário e não contra os fiadores, ainda que figurem no contrato como principais pagadores. XL. Veja-se nesse sentido, os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 25.06.2014, pelo Tribunal da Relação do Porto de 24.04.2014 e da Relação de Lisboa de 31.032009 e de 18.09.2014. XLI. E, ainda Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02-12-2019, processo n.º 8820/18.3T8PRT-A.P1 disponível para consulta em www.dgsi.pt.XLII. No mesmo sentido Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1º Ed. 2013, págs. 1164 e segs., e Gravato de Morais, in Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, 2010, pág. 81 e Teixeira de Sousa in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, p. 405-406. XLIII. Pelo que, ainda que se entendesse que os documentos em causa constituem titulo executivo bastante para a presente execução, a verdade que nunca seria titulo bastante contra o ora executado na qualidade de fiador. XLIV. Pelo que, mais uma vez mal andou a sentença a decidir como decidiu. Acresce ainda que, XLV. O ora executado é demandado na sua alegada qualidade de fiador. XLVI. É certo que o Executado interveio e assinou o contrato de arrendamento em apreço na qualidade de fiador, contudo, basta atentar na cláusula contratual onde de prevê a constituição da fiança, para concluir que a mesma se extinguiu aquando da cessação do contrato de arrendamento em causa. XLVII. Ora, resulta claramente da referida cláusula 12º do contrato de arrendamento que a obrigação dos fiadores era acessória da obrigação principal que recaía sobre a arrendatária, nos termos do art.º 627.º, n.º 2 do CC. XLVIII. Ficando, portanto, subordinada a seguir a obrigação afiançada, acompanhando as suas vicissitudes, como sejam a invalidade ou extinção, conforme previsto no artºs 632.º e 651.º do CC.XLIX. Assim, tendo o contrato de arrendamento cessado por denuncia em 30 de Setembro de 2012, a partir dessa data deixaram os fiadores de ser responsáveis pelos actos da arrendatária, já que se obrigaram como fiadores apenas enquanto durasse o contrato.L. Acresce que, a indemnização aqui em causa diz respeito à actuação da arrendatária ora executada em momento posterior ao termo do contrato de arrendamento. LI. Sendo certo que, após a cessação do contrato de arrendamento, os montantes alegadamente devidos a título de ocupação do locado, nos termos do disposto no artº 1045º nº1 CC, já não responsabilizam os fiadores, pois que a extinção da obrigação principal acarreta a extinção da fiança, como dispõe o artº 651º CC. LII. Nada obsta ao referido, o fato de na a cláusula 12ª do contrato referir que os fiadores se responsabilizam «…até à efectiva restituição do arrendado…». LIII. Com efeito, a fiança abrange a responsabilidade pelo pagamento das rendas até à restituição do locado, caso esta ocorresse na vigência do contrato, o que não aconteceu! LIV. Aliás, tal expressão não exclui a interpretação feita de que «a restituição do arrendado» deve ocorrer, para responsabilizar o fiador, na vigência do contrato. LV. Sendo que, o numero dois da referida clausula 12º do contrato, vem ao encontro desta interpretação, esclarecendo que: «A fiança prestada pelos fiadores nos termos exarados no presente contrato manter-se-á enquanto o mesmo durar…» LVI. Ora, se assim não fosse a fiança perderia a sua natureza acessória e tornar-se-ia completamente indeterminada.LVII. Veja-se sobre esta matéria o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-10-2006, processo n.º 6084/2006-8 disponível em www.dgsi.pt.LVIII. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a fiança se extinguiu com a resolução do contato, pelo que o ora executado é parte ilegítimas na presente ação, não lhes sendo exigível a quantia peticionada, pelo que a douta sentença ao decidir como decidiu fez uma errada aplicação do direito, devendo ser revogada. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio LIX. O ora Executado intervem do contrato de arrendamento que alegadamente constituiu título executivo na presente ação na qualidade de fiador e, portanto, de devedores subsidiários. LX. O regime geral da fiança encontra-se plasmado no art.º 627 e ss do C. Civil. LXI. A Fiança, cujo regime se entra previsto nos artºs 627 e ss do CC, em termos jurídicos, define-se como o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (cfr., por todos, o prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. II, 6ª ed., pág. 475”). LXII. São duas as características que essencialmente definem tal figura contratual: a acessoriedade e a subsidiariedade. LXIII. Sendo que, no que respeita a caraterística da subsidiariedade, esta se concretiza na possibilidade de invocação do benefício de excussão, direito esse consagrado no art.º 638 do C.C. LXIV. Refere a citada disposição que legal que «ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (nº 1), podendo ainda, inclusive, o fiador continuar a recusar o seu cumprimento, mesmo para além dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor» (cfr. nº 2 de tal normativo). LXV. Assim e, face a qualidade em que os Executados são demandado nos presentes autos, ou seja, a sua qualidade de fiador, pelo nos termos do previsto no art.º 745º nº 1 do CPC, não poderão penhorar-se quaisquer bens dos ora executados, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, Club Active Fit – Atividades Desportivas, Lda., também executada nos presentes autos. LXVI. Acrescendo que o alegado crédito que constitui quantia exequenda e emergente da indemnização por ocupação do locado apos a cessação do contrato de arrendamento apenas se verificou por culpa única e exclusiva da arrendatária, também ora executada. LXVII. Por ultimo, e ao contrário do afirmado pela douta sentença, em momento algum, os ora fiadores renunciaram ao benefício da excussão prévia ou assumiram a obrigação de principal pagador, pelo que é, inteiramente, licita e legitima a sua invocação (art.º 640º do CC à contrario). LXVIII. Sendo que a alegada renuncia ao benefício da excussão prévia não resulta do contrato de arrendamento, pelo que não se entende onde a douta decisão funda tal entendimento. LXIX. Assim, mais uma vez, mal ando a douta sentença ao decidir como decidiu. LXX. Face ao exposto e com os fundamentos supra invocados, não restam dúvidas de que a douta sentença fez uma interpretação e aplicação errada do direito ao caso concreto, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que ordene a extinção da instância executiva contra o ora executado/recorrente. Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida nos termos do artº 668º nº 1ª al b) do CPC. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deve ser dado provimento ao presente recurso, ser reapreciada por este Venerando Tribunal a prova produzida e bem assim revogada a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.»
 2.3. Os embargados apresentaram contra-alegações, rebatendo as conclusões do recurso do embargante e pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito do recurso.
3. Objecto do recurso- thema decidendum
São as conclusões  que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas;  também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo  apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem  prejudicados pela solução preconizada – artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Posto o que, interceptado o conteúdo da sentença recorrida e as conclusões recursivas, demandam apreciação e decisão as seguintes questões:
- Se ocorre nulidade da decisão por ausência de fundamentação de facto; 
- Impugnação da matéria de facto;
- Se o tribunal julgou bem, ao não considerar extinta a obrigação da fiança aquando da cessação do contrato de arrendamento por denúncia dos exequentes;
-  Se a previsão do artigo 14º A, do NRAU permite a formação de título executivo contra o fiador;
- Se nesse pressuposto abrange além das rendas, as quantias devidas a título de indemnização por falta de entrega do locado;
- Se o embargante beneficia da excussão prévia no contrato em juízo.
II.  FUNDAMENTAÇÃO  
A. Os Factos
Com relevância para a decisão e considerados provados na sentença (por virtude de prova documental, confissão e acordo das partes):
1. Os requerentes são comproprietários e legítimos possuidores do prédio urbano sito à Av. (…), em Lisboa, actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o art. 01176 e descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 4417/20060516 da freguesia de Santa Maria dos Olivais.
2. Por contrato de arrendamento datado de 09 de Janeiro de 2012, os requerentes deram de arrendamento à requerida C…, Lda., o espaço correspondente à cave do prédio identificado no artigo anterior, com fim não habitacional.
3. O referido arrendamento foi celebrado pelo prazo certo de três meses, com início a 01 de Janeiro de 2012 e termo a 31 de Março de 2012, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos trimestrais na ausência de denúncia ou oposição à renovação por qualquer das partes.
4. Como contrapartida, a inquilina obrigou-se a proceder ao pagamento de uma renda mensal de 3.147,00€ (três mil, cento e quarenta e sete euros).
5. Pelo mesmo contrato de arrendamento, constituíram-se fiadores da Inquilina, os ora requeridos J.., P… e P…, respondendo pessoal e solidariamente com aquela, pelas obrigações decorrentes do fiel cumprimento de todas as cláusulas do referido contrato, incluindo o pagamento das rendas, até à efectiva restituição do locado, nos termos consignados na cláusula décima segunda, declararam constituir-se “Fiadores da Inquilina” e, sem benefício de excussão prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo deste e as suas eventuais renovações.”
6. Tendo os Requerentes deduzido oposição à renovação do arrendamento (31.03.2012), a Inquilina só procedeu à desocupação e restituição do locado em 12 de Maio de 2014.
7. Nessa data permanecia em dívida a quantia de 45.958,05€ (quarenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e oito euros e cinco cêntimos).
8. Os requerentes comunicaram aos Requeridos o aludido valor em dívida, através de notificação judicial avulsa.
B. Enquadramento Jurídico
1. Da invocada nulidade da sentença – artigo 668º, nº1, al) b, do CPC. 
Seguindo o primado constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais nos termos ajustados ao caso- artº205, nº1 da CRP- a lei processual civil comina com a nulidade a sentença que não observou essa regra de elaboração da decisão judicial, conforme estatuído no artigo 615º, nº1 al) b, do Código de Processo Civil.
Sobre o alcance e limites do que se deve ter por falta de especificação do fundamentos de facto e de direito da sentença, a doutrina e jurisprudência  propugnam de modo continuado,[1] que a nulidade em questão se confinará às situações de falta absoluta ou total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão, mas de tal forma que pela sua insuficiência, laconismo ou mediocridade, se deve considerar a fundamentação deficiente.
No caso dos autos resulta em evidência que, a sentença recorrida alicerçou o julgado na factualidade objecto do litígio e motivação adrede, de molde a não suscitar reparo.
 Os factos enunciados como provados e relevantes, [2]emergem de documentos autênticos e de documento particular contratual, assinado pelo embargante , cujo conteúdo e assinatura não foram impugnados, bem como os factos admitidos por acordo; realidade distinta da respectiva valoração e consequências decisórias constantes da apreciação jurídica da sentença e da qual o apelante discorda.
De notar que, para além do elenco desses estritos factos, nada mais há apurar ou que seja controverso entre as partes do ponto de vista fáctico, seguindo-se a sua conformação à solução plausível de direito, tal como as partes anuíram quando notificadas para se pronunciarem sobre o tópico.
A exposição da sentença recorrida reproduz assim a matéria fáctica essencial adquirida nos autos, aprestada às circunstâncias e exigências do caso, à luz do quadro normativo que o litígio convoca, em observação do disposto no artigo 607º, nº3 e nº5, do Código de Processo Civil.     
Improcede, em consequência a nulidade. 
2. Impugnação de Facto
O embargante alega pretender que se proceda à alteração à matéria de facto dada como provada, considerando que da prova produzida não resultaram provados os factos enunciados no ponto 1, correspondentes aos factos alegados pelos exequentes no requerimento executivo, pelo que não pode a sentença dar como provada toda a matéria constante do mesmo, designadamente, o teor do ponto 11 e 12, sendo matéria de direito e com natureza conclusiva.
A impugnação de facto tal qual como formulada é de rejeitar, uma vez que o apelante não satisfez os ónus previstos no artigo 640º, nº1, do Código de Processo Civil.
Por seu turno, a matéria concreta indicada, nas circunstâncias próprias do caso, não detém relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, mostrando-se também inútil a sua eventual reapreciação por este tribunal ad quem.
Para que não restem dúvidas e retro se explicitou, o tribunal a quo assentou na matéria de facto provada, atendendo à prova documental junta e à confissão das partes, em respeito pela respectiva força probatória e de acordo com o disposto nos artigos 371º, n.º 1, 376º, nº 1, do Código Civil e artigos 574º, nº2 e 607º, nº5, do Código de Processo Civil.
Quanto à apontada inclusão do ponto 1. 11 e 12. transpostos da petição inicial, [3] incluindo matéria conclusiva e de direito.
Podendo na melhor técnica ser evitada, afigura-se inconsequente, traduzindo mera facilitação na indicação dos factos relevantes a considerar na decisão. A descrição do requerimento executivo, reproduz a apresentação de tal peça processual e em conformidade com o seu conteúdo, desprovido de juízo valorativo pelo tribunal.
No que se prende com a objecção do apelante na inclusão dos pontos 11. e 12, apenas dizer que, atento o objecto da acção, esbatida a fronteira entre questão de facto e de direito e ultrapassando dogmatismos estéreis, deverão as expressões assumir o significado corrente e não já o sentido estrito e técnico jurídico.[4]   
Em reforço, convém notar que o NCPC não adoptou norma equivalente ao antigo 646º, do CPC de 1961(que considerava não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito).
Circunstância, que a par da previsão do artigo 5º, nº3 do actual CPC , com  apelo à lição de Abrantes Geraldes, [5] « (..) implica que deve ser moderada a ideia tradicionalmente arreigada, posto que formalmente excessiva, de se estabelecer uma rígida delimitação entre o que constitui matéria de facto e de direito.» 
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
3. A exequibilidade do título quanto ao fiador  
Nesta vertente a argumentação crucial do apelante estriba-se no elemento literal do artigo 14º A do NRAU, para concluir que, a ausência de alusão ao fiador não autoriza a extensão da exequibilidade do título executivo, e a admitir-se tal força executiva, não compreende outros quantitativos que não rendas vencidas.  
Cientes que o debate sobre o pomo decisório dos autos não se encontra pacificado, justifica-se um excurso breve pelo estado actual da densificação e desenvolvimento da temática em análise na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina.
Comecemos pela primeira e prévia questão – a existência de titulo executivo em relação ao embargante que outorgou o contrato de arrendamento na qualidade de fiador da inquilina.
3.1.  Divergência de interpretação    
Em traçado sumário desenham-se duas correntes antagónicas.
 Aquela que rejeita a admissibilidade de título executivo quanto ao fiador, assentando no argumento primordial da natureza taxativa do elenco dos títulos executivos, e, no conteúdo literal do artigo 14ºA (e anterior 15º, nº2 do NRAU).     
Filiando-se ainda em argumentos cumulativos, como a circunstância de apenas o arrendatário estar em situação de sindicar os valores apresentados pelo senhorio na notificação, e, a alteração da lei em 2012 não ter compreendido, como seria desejável, posição expressa sobre a divergência gerada em torno do anterior artigo 15º, nº2.  
Em sentido oposto, propugna a tese que admite a extensão da exequibilidade do título à demanda do fiador, para o que bastará a acompanhar o contrato de arrendamento, a realização de notificação ao fiador das quantias em dívida, conforme o estabelecido no artigo 14ºA do NRAU (anterior 15º, nº2); para outros, essa notificação é dispensável.
Na defesa do entendimento favorável à existência de título executivo contra o fiador, avulta a argumentação da ratio legis daquele preceito normativo, o qual não pode contrariar o regime substantivo de vinculação dos sujeitos obrigados no contrato e a acessoriedade da posição do fiador como garante do cumprimento, sendo que a razão exclusiva da estatuição se prende com a exigibilidade do senhorio liquidar as quantias em dívida.      
Longe da enunciação exaustiva, alheia à economia da decisão, seguem  exemplificadamente os arestos dos tribunais superiores,[6] e resenha da doutrina, ilustrativos de  cada uma das posições sumariadas sobre a matéria em debate.    
Em sustentação da inadmissibilidade de título executivo contra o fiador -  cfr. os Acórdãos do Tribunal Relação de Lisboa de 08.11.2007, 31.03.2009 e 18.09.2014; no Tribunal da Relação do Porto, os Acórdãos de 24.04.2014, e de 2.02.2019; no Tribunal da Relação de Coimbra, o Acórdão de 20.03.2018.
Na doutrina, também Teixeira de Sousa[7] pronuncia expressamente que atento o conteúdo do preceito o título executivo não se estende ao fiador.
Gravato de Morais, embora considerando que o preceito foi criado a pensar no arrendatário, e que a sua extensão ao fiador poderia colocá-lo em posição ingrata, confrontado com um incumprimento de longa duração, acaba por admitir, no limite, a formação de título executivo contra o mesmo , desde que acompanhado da notificação.[8] 
Por último, Rui Pinto, não deixando de evidenciar dúvidas sobre a questão controversa,  parte da natureza restritiva das normas que preveem categorias de títulos executivos, limitados em relação a uma interpretação não literal, acaba por concluir que o artigo em referência do NRAU não viabiliza a extensão subjectiva do título executivo contra o fiador.[9] 
Sustentando ex adverso a validade do título executivo contra o fiador no contrato de arrendamento, supomos que se encaminha a jurisprudência maioritária.
Vejam-se a propósito, entre outros, os sucessivos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos em 17.06.2010, 5.11.2012, 6.05.2014, 17.05.2016, 07.06.2016, 10.12.2016,  12.03.2019,  14.03.2019,[10] 26.09.2019, 7.11.2019 e  05.11.2020.
De igual modo, no Tribunal da Relação de Coimbra, vejam-se a título exemplificativo, os Acórdãos datados de 31.03.2009, 21.04.2009, 17.06.2010 e de 6.05.2014; no Tribunal da Relação do Porto, os Acórdãos datados de 23.06.2009, 6.10.2009 e de 06.03.2018; e no Tribunal da Relação de Guimarães, o Acórdão de 8.02.2018.  
Relativamente à orientação prosseguida no Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, já no domínio da anterior redacção do normativo, conforme Sumário do Acórdão do STJ de 26-11-2014:    
«I – O art. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o art. 46.º, n.º 1, al. d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.
II – A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título. III – O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida. IV – A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida – Não obstante o art. 15.º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita também aos fiadores. VI – Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação referida em V.»
No domínio da doutrina favorável à admissão do título contra o fiador, destaca-se Menezes  Leitão.[11] 
Posição adoptada – a situação dos autos
Conquanto a clivagem dogmática sobre a temática esteja instalada, ponderados os argumentos relevantes, sufragamos o sentido prosseguido pela sentença recorrida, e o qual, ao que se afere, vem assumindo predominante maioritária na jurisprudência dos tribunais de segunda instância e concordante com o aresto do Supremo Tribunal de Justiça citado.    
Vejamos em síntese.
Propugnamos a entender que a integração sistemática do 14º A, do NRAU, a par do seu elemento teleológico, conjugado com o disposto no artigo 703º, nº1 al) d), do Código de Processo Civil, apontam para se concluir que o título executivo abrange também o fiador do contrato de arrendamento; afigura-se ser essa a melhor interpretação da norma a ter em conta pelo aplicador, em coerência com sistema e o sentido teleológico positivado.
O quadro normativo a convocar para a análise.
Dispõe o artigo 14.º-A do NRAU,[12] introduzido pela alteração da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto,  e sob a epígrafe “Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”.
 “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Á semelhança do que já preceituava o artigo 15º, nº2 , na versão da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro,[13]O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Pois bem.
A comunicação ao arrendatário do montante em dívida, tem por finalidade única obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, considerando a vocação duradoura do contrato.
Trata-se, como vem sendo definido, de um requisito complementar da exequibilidade do título que assume natureza complexa, compreendendo, a um tempo o contrato de arrendamento, fonte de constituição da obrigação exequenda, e por outro, a demonstração da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.
Em bom rigor, esta norma de natureza especial e excepcional do NRAU não    visa identificar concretamente o sujeito contra o qual se formou o título executivo, seja o arrendatário ou o fiador, apenas define qual o documento ao qual é atribuída força executiva.
Isto é, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao fiador das quantias em dívida, permite, a nosso ver, o acesso directo à acção executiva para a sua cobrança judicial, posto que, s.d.r., da letra da lei não se infere que este título especial apenas deva ter eficácia executiva contra o arrendatário. 
A ler-se o artigo 14º A do NRAU no sentido invocado pelo apelante, salvo o devido respeito, contraria o regime substantivo da obrigação contratual em equação, que abrange o arrendatário e também o fiador, quando através do contrato se vincula como garante da obrigação do arrendatário, e tal não pode ter sido a vontade do legislador.  
De acordo com o disposto no artigo 627º, n.º 1, do Código Civil, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.
A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade - artigo 627º, n.º 2, do Código Civil, significando que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinado por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.[14]
Apelando à lição de  Menezes Leitão,[15] “ (..) a fiança resulta sempre ou de um contrato entre o fiador e o credor, ou de um contrato entre o fiador e o devedor que, nesse caso, revestirá a natureza de contrato a favor de terceiro (…) Apesar de a fiança ser normalmente originada num contrato entre duas partes, ela é sempre elemento de uma relação triangular entre o fiador, o credor e o devedor”.
De acordo com o preceituado no artigo 631º, do Código Civil, salvo estipulação em contrário, a responsabilidade do fiador, decalca-se pelo conteúdo da obrigação do devedor principal.
E, por outro lado, em função da regra da acessoriedade, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor - artigo 634º, do Código Civil, pelo que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor principal.
Finalmente, a situação não força um novo título executivo não previsto na lei, como pela simples junção do contrato de arrendamento, outrossim assume natureza complexa, exigindo a concomitante notificação ao fiador (e ao arrendatário) das quantias em dívida que os senhorios reclama, conferindo grau de certeza e possibilidade de escrutínio por banda dos executados.
E, a contrário não se compreenderia que o legislador, em função de uma debilidade de posição contratual do fiador, o excluísse do título executivo, meio ágil de satisfação do direito do senhorio, quando é certo que na maioria dos contratos de arrendamento é esta garantia sólida que propulsiona o senhorio à contratação.   
Nesse particular, entendemos que se mostra, pois, imprescindível à força executiva do título quanto ao fiador a aludida notificação prevista no artigo 14ºA do NRAU.
Por último, não menos relevante, há que ponderar que o objectivo fundamental do diploma legal foi o de alcançar a cessação do arrendamento e a desocupação célere do locado, em termos simples e profícuos, obviando à invocação de qualquer matéria que, tornando mais complexa a lide, inviabilize ou dificulte tal efeito que se estende naturalmente ao garante do arrendatário, o fiador, salvaguardada a sua defesa por meio de oposição à execução. 
Daí que, se em determinadas situações se aconselha a discussão e reconhecimento do direito subjectivo na acção declarativa própria-artigo 1045º, nº2, do Código Civil- não se divisa motivo legal que justifique a exclusão do fiador do título executivo, coadjuvado com a liquidação/notificação das quantias em dívida.
Nos autos.
Como decorre da factualidade assente, o embargado é fiador no contrato de arrendamento ajuizado, sendo pessoal e directamente responsável pelo incumprimento da arrendatária e foi notificado regularmente pelo embargado quanto às quantias em mora. 
Pelo que, existe título executivo válido contra o embargante, como se concluiu na sentença recorrida.
4. A obrigação do fiador face à extinção por denúncia do contrato. 
Alega o apelante que a denúncia operada pelos senhorios para o termo do contrato em 31.03.2012, implicou nessa data, a concomitante extinção da obrigação do fiador, nos termos do artigo 651º do Código Civil, sendo então inexigíveis as quantias reclamadas pela mora na entrega do locado.
Liminarmente a argumentação é desprovida de suporte legal.
Conforme resulta dos factos assentes e o conteúdo da cláusula 12ª do contrato de arrendamento em análise, o embargante (e outros) constitui-se fiador da inquilina, “(…) respondendo pessoal e solidariamente entre si e com esta, pelas obrigações decorrentes do fiel cumprimento de todas as cláusulas desse contrato, incluindo seus aditamentos e suas renovações até à efectiva restituição do local livre devoluto e nas condições estipuladas (…).
Ou seja, a garantia prestada mantém-se até à entrega efectiva do locado, que ocorreu, contra a vontade do senhorio a inquilina manteve ilegitimamente ocupada até 12.05.2014.
Por seu turno, em sintonia com a natureza e extensão da fiança, em estrita correspondência com a obrigação do devedor principal, estabelece o artigo 634.º do Código Civil - “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.  
Ademais, dada a característica vincada da subsidiariedade da fiança, ela responde quando o devedor principal não cumpre ou não pode cumprir (salvo em dispensa de excussão prévia), o que no caso, se preenche com o incumprimento do dever de entrega do locado na data do final do contrato, subsistindo a obrigação de reparação do prejuízo pela ocupação ilegítima - artigo 1045º, nº1, do Código Civil (ex vi artigo 798.º e 810º do Código Civil).   
Com apelo à definição incisa de Vaz Serra, a fiança é  “uma garantia pela qual um terceiro assegura o cumprimento de uma obrigação (...), responsabilizando-se pelo devedor, se este não cumprir a obrigação”.[16]
De outro passo, no caso dos autos, as quantias reclamadas pelos exequentes não correspondem ao sentido próprio de indemnização, mas à obrigação de remuneração pela ocupação retardada da inquilina, após o termo do contrato e sem pagar renda.
Leia-se com igual acolhimento, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de  06.10.2009: [17]   « (..) a obrigação de remunerar o senhorio, apesar da extinção do contrato de arrendamento, decorrente da declaração de denúncia, configura simplesmente, no tocante à obrigação de pagamento da renda, um caso de ultractividade do vínculo contratual. A obrigação de pagamento da renda, no caso figurado, é decerto uma obrigação post pactum finitum, mas é ainda a obrigação de remuneração, embora referida, já não ao gozo efectivo da coisa, mas à mera susceptibilidade desse gozo, a que o arrendatário renunciou voluntariamente, e não, ainda que imperfeitamente, uma obrigação de indemnização.»
Donde, a interpretação do apelante quanto à extinção da responsabilidade do fiador, nada sendo estipulado em contrário pelas partes, s.d.r., redundaria num absurdo, dada a finalidade da fiança e, em geral, das garantias prestadas por terceiro, destinadas a acautelar igualmente o incumprimento do devedor principal do contrato,[18] mesmo em sede de resolução ilegítima ou de denúncia imotivada.  
Em suma, a obrigação do fiador não se extinguiu, pelo que improcedem neste tocante as conclusões do apelante.
5. O título executivo e as quantias reclamadas
Sustenta também o apelante que a força executiva do título em análise apenas compreende quanto ao fiador o valor de rendas não pagas, excluindo quaisquer indemnizações devidas ao senhorio. 
Não lhe assiste razão.
A questão entronca na abordagem do tópico anterior, firmada no plano da subsidiariedade da obrigação do fiador, e a eventual dúvida mostra-se superada pela expressão actual da lei no artigo 14ºA do NRAU- “é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”    
A subsidiariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º, do Código Civil, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor.
Assim, emergindo do contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou ao cumprimento das estatuições contratuais, i.e, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos termos que resultaram provados e em conformidade com o disposto nos artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea a), todos do Código Civil.
E, no caso dos autos, ao fiador e ora embargante foi feita comunicação idêntica à que foi dirigida à arrendatária, pelo que tem igualmente força executiva o título, quanto às demais quantias constantes da comunicação, correspondentes às demais obrigações imputadas ao arrendatário e seu fiador, no que se inclui a remuneração pela ocupação do locado, após a cessação do contrato, por oposição à renovação realizada pelo senhorio.
De resto, a jurisprudência dos Tribunais da Relação que citámos, prosseguindo a posição de admissão de título executivo contra o fiador, atestam de modo uniforme, a sua abrangência em relação a todas as quantias em dívida.
Vinculando a mesma interpretação já no domínio do anterior artigo 15º, nº2, pronunciaram-se Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge,  «(…) na denominada “acção de pagamento de renda” pode haver lugar a cumulação do pedido de rendas vencidas e vincendas com o da indemnização pelo atraso na restituição da coisa a que se refere o art. 1045.º do CC, seja por via da aplicação do art. 15.º, n.º 2 da NLAU, ainda que porventura interpretado de forma extensiva, seja por via da aplicação do art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC.» [19]
Verificados no caso dos autos os demais requisitos, as quantias reclamadas e constantes da notificação ao embargante são –lhe exigíveis, como decidido pelo tribunal a quo.
6. O contrato dos autos e o benefício da excussão prévia.
A terminar, alega o apelante que ao contrário da decisão recorrida, deverá ser-lhe reconhecido o benefício de excussão prévia, enquanto devedor subsidiário das quantias exequendas.
 O benefício da excussão visa evitar a execução judicial dos bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança não se mostre insuficiente, traduzindo o direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, conforme o estabelecido no artigo 638.º, nº1e 2 do Código Civil.
Sucede que, em face do clausulado no contrato, não pode o embargante e apelante prevalecer-se de tal direito, porquanto a ele   expressamente renunciou.
Com efeito, o benefício da excussão prévia, deixa de operar nos termos do artigo 640.º, al. a), do Código Civil, quando o fiador houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial se tiver assumido a obrigação de principal pagador.
Á luz da estipulação contratual versada, 12ª- outro sentido da vontade das partes não pode ser retirado, que não seja a de que o embargante/fiador, responde com a arrendatária, de forma pessoal e solidária, entre si e para com o senhorio, pelas obrigações decorrentes e pela totalidade do crédito afiançado, nos termos previstos no artigo 512º, nº1 do Código Civil.
Mostra-se, pois, também nesta parte adequadamente aplicado o direito à factualidade objecto do litígio na sentença em recurso, soçobrando a argumentação do apelante. 
A apelação improcede na íntegra.
 III.DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e em consequência deliberam confirmar a sentença de primeira instância. 
*
As custas do recurso são a cargo do apelante que nele decaiu. 
 
Lisboa, 15 de Dezembro de 2020
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO
_______________________________________________________
[1]   Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, “Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2018, pág. 188e seg.; e Lebre de Freitas in CPC anotado, Volume II, pág.703; de resto em consonância com a doutrina anteriormente defendida por Alberto dos Reis; na jurisprudência do STJ,  vejam-se por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2016 proferido no processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1,  e de 15 de Maio de 2019 proferido no processo 835/15.0T8LRA.C3.S1.
[2] Os quais se verteram parcialmente em II, A.
[3]   “10 – Permanece, assim, em dívida a aludida quantia de 45.958,05€ (quarenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e oito euros e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora até efectivo e integral pagamento. 11 – Nos termos do disposto no art. 14º-A da Lei nº 6/2006 de 27.02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 31/2012, de 14.08, o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação do montante em dívida é título executivo para a presente execução. “
[4] Cf. a propósito Paulo Pimenta in a Fase do Saneamento do Processo antes e após a vigência do NCP, pág.306/08.
[5] In Temas da Reforma do Processo Civil, II, 5ª, pág.238 e seguintes.  
[6] Todos consultáveis in www.dgs.pt.
[7] In Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, 2014, pág. 406.
[8] In Falta de Pagamento de Renda no Arrendamento Urbano, pág. 79 e seguintes.
[9]  In Manual da Execução e Despejo, 2013, pág. 1162 e seguintes.
[10] Ambos tirados nesta 7ªsecção, sendo o primeiro relatado pela Senhora Desembargadora Cristina Coelho, membro deste colectivo; também prolatado nesta secção, cf.  Acórdão de 7.06.2016 e de 12.03.2019.
[11] In Arrendamento Urbano, 2013, pág. 234.
[12] Aplicável aos autos atenta a data de celebração do contrato de arrendamento ajuizado.
[13] Cuja alteração por rigor técnico, substituiu a expressão título executivo e para a execução para pagamento de quantia certa, e alargou o leque de prestações susceptíveis de constituírem causa debendi do título.
[14]  Cfr. Menezes Leitão in Direito das Obrigações, 6ª edição, página 329.
[15]  In “Garantia das Obrigações”, a página 108.
[16]   In "Fiança e Figuras Análogas", BMJ, nº 71, pág. 19.
[17]  No Processo 2789/09.2YYPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[18] Cfr, a propósito o Acórdão do TRL de 10-05-2018, no processo 5896/17.4T8LSB.L1, enunciado na resenha jurisprudencial supra incluída no texto, disponível in www.dgs.pt.   
[19] In Arrendamento Urbano, 2007, Quid Juris, pág. 52.