EXECUÇÃO
EMBARGOS À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO POR REQUERIMENTO
CUMULAÇÃO DE MEIOS
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

i) Ao executado não assiste o direito a ver conhecida, simultaneamente e por duas vias, as razões de facto e de direito relativas à falta de pressupostos processuais da execução ou da inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda: por via da dedução de embargos de executado e pela dedução de um requerimento dirigido aos autos executivos.
ii) Estando inviabilizado ao executado deduzir embargos de executado para lá do prazo legalmente fixado para o efeito, está-lhe igualmente vedada a possibilidade de, por via de um requerimento que deduz nos autos executivos, invocar fundamentos de oposição à execução que não alegou nos embargos de executado. O decurso do prazo para a dedução de embargos tem efeitos preclusivos, conduzindo à impossibilidade da prática do acto respectivo.
iii) Todavia, deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante, corolário da prevalência do mérito sobre a forma, privilegiando-se a protecção do adquirente de boa fé. Não subjaz a esta previsão, permitir suprir os ónus dos executados, mostrando-se tal mecanismo reservado para as circunstâncias em que resulta manifesto, à luz do título executivo, a sua insuficiência.

Texto Integral

 Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ ….,S.A ] instaurou, em 07.11.2018, processo de execução para pagamento de quantia certa, com a forma sumária, contra B [ José ….]  e  C [ Maria ….] .
No requerimento executivo veio invocar ter o BANIF, ao qual sucedeu, no âmbito do exercício da sua actividade, celebrado com os ora Executados B e C , Contrato de Compra e Venda e Mutuo com Hipoteca, o qual juntou aos autos.
Consta deste documento, datado de 27.06.2006, intitulado «COMPRA E VENDA-MÚTUO COM HIPOTECA», que: Os segundos outorgantes B e C, aceitarem a venda da fracção que lhes foi declarada vender pelo primeiro outorgante; A fracção destina-se exclusivamente a residência própria permanente; Declararam-se devedores ao Banif da importância de oitente e nove mil e quinhentos euros, que receberam a título de empréstimo, por crédito na conta  ordem de que são titulares. Consta ainda de tal escritura, que para reembolso da quantia mutuada e do pagamento dos juros e despesas, constituem a favor daquele Banco hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida.
Mostra-se igaulmente junto « DOCUMENTO COMPLEMENTAR (…) QUE FAZ PARTE INTEGRANTE DESTA ESCRITURA», do qual resulta que o empréstimo é concedido pelo prazo de 21 anos e que a quantia mutuada é reembolsada em 252 prestações mensais e sucessivas, acrescidas dos juros e encargos.
Resulta ainda que « O não cumprimento de quaisquer obrigações decorrentes deste contrato de empréstimo, confere ao Banco o direito de considerar o mesmo rescindido com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida.»
Mostra-se junto um «pedido de carência» formulado por B e C em 08.04.2014, pelo prazo de um ano, por «motivo de insuficiência económica de rendimentos familiares», bem como uma comunicação do Banif dirigida aos executados de onde resulta que o empréstimo dos requerentes reúne as condições estabelecidas pelo Banco para a aplicação das condições solicitadas, pelo que é proposta a outorga de um aditamento ao contrato em que acordam a alteração do empréstimo, a contar de 27.04.2014.
Em 06.01.2015, B e C, vieram a formular pedido de « Aumento do prazo por mais 5 anos» « motivo de insuficiência dos rendimentos familiares», o que deu lugar ao aditamento do prazo de empréstimo.
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Os executados foram citados, nos termos do artigo 856º do CPC, tendo deduzido embargos de executado e oposição à penhora.
Fundamentam a sua oposição à execução na falta de concretização pelo exequente da obrigação exequenda quanto à sua certeza, exigibilidade e liquidez ( 3º requerimento inicial), alegando ser falso que os embargantes tenham deixado de cumprir ( 5º requerimento inicial), havendo divergências com as prestações pagas pelos os executados, que alguma vezes acorreram fora de prazo, mas nunca deixaram de ser cumpridos ( 6º requerimento inicial), mais alegando que os executados sempre mensalmente depositaram as quantias exigidas sem, todavia, regularizar a situação e imputar os pagamentos aos créditos correspondentes ( 9º requerimento inicial), razão pela qual como se referiu, a própria exequente, na sua exposição inicial, não determina com certeza a obrigação, nem a liquida de forma correta, pois pura e simplesmente faz tabua rasa de todos os valores transferidos pelos executados ( 10º requerimento inicial).
A oposição à penhora veio a ser julgada improcedente.
No apenso de embargos foi proferido despacho, em 28.09.2020, que julgou extinta a instância quanto à executada C, por falta de constituição de mandatário.
Nos autos de embargo foi proferido despacho, em 16.11.2020, que determinou a notificação das partes para se pronunciarem nos termos do artigo 591º, nº1, b) do CPC, por se perspectivar a prolação de saneador-sentença.
No decurso da tramitação do processo executivo, veio o executado, em 01.09.2020, a formular requerimento em que argui, designadamente, a falta ou insuficiência do título executivo.
Sobre este requerimento foi proferido despacho, em 27.09.2020, que indeferiu a pretensão deduzida com os seguintes fundamentos:
« Quanto à invocada falta de título executivo, igualmente é patente que não se verifica, havendo uma confusão pelo executado de situações, citando jurisprudência que não cura de tratar de situação similar dos autos.
O título executivo é uma escritura denominada de "Compra e venda-mútuo com hipoteca" — cf. título executivo que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Na mesma consta que os executados declararam «Que, se confessam devedores ao Banif da importância de oitenta e nove mil e quinhentos euros (...) que nesta data receberam a título de empréstimo, por crédito na conta à ordem de que são titulares».
Traduz, pois, um contrato de mútuo bancário no qual a quantia mutuada foi integralmente entregue aos mutuários.
O exequente reclamou o pagamento daquilo que não foi cumprido e resultante do contrato.
Logo, cabe aos executados alegar e provar se o valor reclamado não corresponde à realidade.
Não tendo qualquer cabimento invocar que a exequente deveria ter junto uma nota de débito ou documento similar, não se estando, como afirmado pelo executado, perante uma obrigação futura...
Elucidativamente, vejam-se as palavras do Colendo Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes no ac. do STJ de STJ de 28.09.2017, processo n.° 1570/13.9TBCSC-A.
Donde, o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva de uma obrigação, pelo que constando a obrigação exequenda do título — os executados confessam-se aí devedores da quantia mutuada —, a efectiva existência da obrigação decorre, presuntivamente, daquele documento, não constituindo, portanto, o reconhecimento da correspondência do conteúdo daquele título com a realidade, pressuposto da execução.
Isto é, gozando o portador do título de uma presunção legal, está ele dispensado de provar o facto presumido, devendo a contraparte ser admitida a provar o contrário (ou seja, a não verificação daquele facto presumido) — artigo 350.°, n." 1 e 2, do Código Civil. O que é matéria de alegação em sede de embargos à execução por se reportar não ao título executivo, mas ao próprio conteúdo e extensão da obrigação exequenda.
No fundo, ao contrário do pugnado pelo executado, o título executivo é suficiente para alicerçar a obrigação exequenda, cabendo aos executados, na qualidade de devedores, impugnarem a obrigação exequenda, indicando em que medida a mesma não corresponde à realidade.
Mais, tem vindo a ser jurisprudência constante que a resolução do contrato pode operar pela citação para a acção executiva, não vindo o executado pôr em causa que a mesma ocorreu em data anterior, mas tão-só que a mesma não foi invocada no requerimento executivo — cf., entre outros, o ac. do STJ de 12.07.2018, processo n.° 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
As considerações efectuadas tanto têm pertinência na versão do Código de Processo Civil anterior a 2013 — versão em vigor à data da constituição do título executivo — como à data de hoje, dado não ter havido alterações legislativas de relevo na matéria que nos ocupa além de renumeração dos preceitos legais em causa.
Em suma, o executado, escudando-se em alegadas questões de conhecimento oficioso veio acrescentar questões que não invocou na petição inicial de embargos à execução e cujo prazo há muito já se encontra ultrapassado. O Tribunal não conheceu dessas questões justamente por que as arguidas excepções não se verificam.
Dando, por conseguinte, azo a um incidente anómalo e a um labor do Tribunal desnecessário — conhecer de uma questão de conhecimento oficioso que não se verifica.
Indefere-se, pois, a invocada ilegitimidade da exequente e falta de título executivo.
Custas pelo incidente pelo executado que se fixam em 03 UC's nos termos do disposto no artigo 7.°, n.° 8, do Regulamento das Custas Processuais, consignando-se que, ainda assim, fica abaixo da taxa de justiça que seria devida se estivéssemos perante um incidente de embargos à execução dado o valor da execução.»
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Não se conformando com a decisão, dela apelaram os executados, formulando as seguintes conclusões:
1. Por requerimento de 01/09/2020, com a referência 36348502, os executados arguiram a insuficiência do título executivo.
2. A insuficiência do título executivo é do conhecimento oficioso que pode ser conhecida, mesmo a pedido do executado, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, nos termos do n.° 1 do artigo 734.° do CPC.
3. Nos termos do disposto no artigo 781.° do Código Civil, se o credor não exigir as prestações restantes, o devedor não fica logo constituído em mora pela totalidade da obrigação, que tem de ser interpelado para tal, ou seja, o credor tem de lhe manifestar a vontade em se aproveitar do benefício da perda do prazo.
4. Não tendo a dívida se vencido, por falta de interpelação extrajudicial, o credor tem de lançar mão da forma ordinária da execução para pagamento de quantia certa, considerando-se, então, que a citação equivale à interpelação.
5. Se, ao invés, o credor opta pela forma sumária, a ausência de interpelação extrajudicial prévia à instauração da execução tem como consequência a extinção da acção executiva.
6. O título só é intrinsecamente exequível se não existir vício material ou exceção perentória que afecte a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda ou a suficiência do título, tal como a incerteza e a inexigibilidade.
7. Se do requerimento executivo e do título executivo não resultar a exigibilidade do crédito quanto às prestações ainda não vencidas, incumbe ao juiz, como se disse, conhecer oficiosamente tal questão, conforme deflui dos artigos 713.°, 726.°, n.° 2, al. a) e 734.°, n.° 1 do Código de Processo Civil.
8. Se tal não resultar do título, incumbe ao exequente alegar os factos de que resultam a sua exequibilidade [art.' 724.°, n.° 1, ai. e) do CPC], pelo que se do requerimento executivo e do título invocado não resultar a exigibilidade da dívida, incumbe ao juiz, oficiosamente, conhecer de tal questão, tornando-se despiciendo o tema sobre o ónus da prova e se a falta de interpelação é o facto constitutivo do direito do credor ou é antes matéria de exceção.
9. Torna-se necessário que o exequente comprove a interpelação do devedor para que a execução possa prosseguir na forma sumária [art.° 550.º, n.° 2, al. c)].
10. In casu, o título executivo dado à execução é uma escritura de mútuo bancário garantido por hipoteca.
11. Esse título não incorpora nenhuma cláusula expressa de dispensa de interpelação do devedor.
12. A exequente não interpelou previamente os executados da antecipação da totalidade da dívida.
13. A exequente teria, nessas condições, de intentar a acção executiva sob a forma ordinária e não, como fez, sob a forma sumária.
14. A presente acção executiva não pode subsistir na forma sumária.
15. A dívida exequenda é, por isso, inexigível, sendo nulo o presente processo executivo.
16. A decisão recorrida é, pois, ilegal.
17. Normas jurídicas que o recorrente considera que foram violadas: as normas conjugadas dos artigos 805.°, n.° 1 e 781.° do Código Civil, e 610.°, n.° 2, al. b), 713.°, 724.°, n.° 1, al. e), 726.°, n.° 2, al. a), 550.°, n.° 2, al. e) e 734.°, n.° 1 do Código de Processo Civil.
18. As referidas normas jurídicas deviam ter sido interpretadas e aplicadas com o seguinte sentido: o de que a execução baseada em título extrajudicial de obrigação pecuniária, garantida total ou parcialmente por hipoteca, como é o caso dos presentes autos, independentemente do valor do pedido, e que não se encontre vencida, segue a forma ordinária de processo. Quando necessário ao vencimento da obrigação, tem de ser apresentado o documento comprovativo da interpelação do devedor de modo a tornar exigível a obrigação ou, no caso de esta ser fracionada, as prestações vincendas, sob pena de a forma processual empregue ser a ordinária. E que, a insuficiência do título executivo é do conhecimento oficioso, podendo ser conhecida, ainda que a pedido do executado, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados.
Nestes Termos:
Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex." deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que declare extinto o processo executivo, assim se fazendo justiça.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, as questões a decidir consistem: Na aferição da oportunidade de conhecimento da insuficiência o título executivo; Na apreciação sobre se a escritura pública de mútuo com hipoteca junta aos autos constitui, só por si, título executivo bastante para a execução: A falta de interpelação dos executados e a inexigibilidade do crédito.
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OS ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A DECISÃO DO OBJECTO DO RECURSO SÃO OS QUE CONSTAM ACIMA EXARADOS.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Veio o executado formular requerimento em que arguiu a insuficiência do título executivo, ali alegando ser tal insuficiência de conhecimento oficioso, mesmo a pedido do executado, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, nos termos do n.° 1 do artigo 734.° do CPC.
Apreciemos.
Nos termos do artigo 734º do CPC, o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, se apreciadas nos termos do artigo 726.º.
Não tendo ocorrido nos autos executivos transmissão do bem penhorado, não está precludida a possibilidade de aferir da insuficiência do título, oficiosamente, pelo tribunal recorrido.
Tal conhecimento, como expressamente resulta do artigo 734º, nº 1, do CPC, é oficioso, sendo possível ao executado formular requerimento impulsionando tal conhecimento.
Daqui não decorre, todavia, que ao executado assista o direito a ver conhecida, simultaneamente por duas vias, as razões de facto e de direito susceptíveis de determinar o conhecimento da falta de pressupostos processuais da execução ou da inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda: por via da dedução de embargos de executado e pela dedução de um requerimento dirigido aos autos executivos.
«Na oposição à execução e nos procedimentos cautelares, o embargante e o requerente têm o ónus de concentrar na petição ou no requerimento inicial todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição ou naquele requerimento.»[1]
 Na situação em apreço, está pendente de conhecimento, nos embargos de executado, a inexigibilidade invocada pelos embargantes, com fundamento diverso da que deu azo ao requerimento que motivou o despacho recorrido.
Não assiste aos executados o direito a deduzirem, por duas vias e em simultâneo, oposição à execução e requerimento dirigido aos autos executivos com fundamentos que poderiam ter deduzido na oposição à execução que formularam.
Nos termos do artigo 139º, nº 3, do CPC, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Ultrapassada determinada fase processual, as partes deixam de poder praticar os actos que aí deveriam ter sido praticados. Estando inviabilizado ao executado deduzir embargos de executado para lá do prazo legalmente fixado para o efeito, tendo-os deduzido, está-lhe vedada a possibilidade de, por via de um requerimento que deduz nos autos executivos, pretender invocar fundamentos de oposição à execução que não alegou nos embargos de executado. O decurso do prazo para a dedução de embargos tem efeitos preclusivos, conduzindo à impossibilidade da prática do acto respectivo.
Ocorre, todavia, dever ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante.
Por esta via privilegia-se o conhecimento do mérito em preterição da forma, bem como, considerando o limite temporal ali fixado, a protecção dos adquirentes de boa-fé, obviando-se a que ocorra a transmissão de bens penhorados subsistindo vícios que até então não haviam sido conhecidos.
O indeferimento liminar a que alude o artigo 734º, nº 1, do CPC, por remissão para o artigo 726º, é o que se manifesta ocorrendo «falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso, não tendo a secretaria, se se tratar da falta do título executivo, recusado o requerimento executivo.»[2]
Assim, uma vez ultrapassado a fase do despacho liminar, pode ainda o juiz vir a conhecer, até à venda, adjudicação ou entrega em dinheiro, de qualquer das questões que, nos termos do artigo 726º, nºs 2 a 5 do CPC, poderiam ter ocasionado indeferimento liminar ou convite ao aperfeiçoamento. Apenas fica precludida a apreciação dos pressupostos processuais e das questões de mérito relativas à obrigação exequenda, quando tenha ocorrido transmissão dos bens penhorados.
Vejamos.
O título executivo, que é pressuposto formal da acção executiva, deve acompanhar o requerimento inicial de execução (artigo 724, nº 4, a) CPC).
Quando seja manifesta a falta ou insuficiência do titulo, cabe indeferimento do requerimento executivo; Não sendo manifesta, deve o juiz convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o titulo em falta ou corrigindo o requerimento inicial.
Pretende o recorrente que, tratando-se de dívida liquidável em prestações (artigo 781º do CC), se o credor não exigir as prestações restantes, o devedor não fica logo constituído em mora pela totalidade da obrigação, tendo de ser interpelado para tal e, assim, o credor tem de lhe manifestar a vontade em se aproveitar do benefício da perda do prazo. Não se tendo a dívida vencido, por falta de interpelação extrajudicial, o credor tem de lançar mão da forma ordinária da execução para pagamento de quantia certa, considerando-se, então, que a citação equivale à interpelação. Mais alegaram os recorrentes que se, ao invés, o credor opta pela forma sumária, a ausência de interpelação extrajudicial prévia à instauração da execução tem como consequência a extinção da acção executiva.
Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum ordinário, na qual a citação prévia constitui o procedimento-regra, a citação vale como interpelação judicial aos executados nos termos e para os efeitos do art. 805.°, n.° 1, do CC, no caso, para cumprimento das prestações e acréscimos do contrato de mútuo considerados como estando em dívida.
Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum sumário, como ocorre nos presentes autos, a penhora precede a citação (856º, nº 1, do CPC) pelo que a interpelação, se necessária, apenas ocorre, na falta de interpelação extrajudicial, após a penhora.
Equacionar-se-ia assim que, carecendo de ser efectivada a citação para operar o vencimento da obrigação exequenda, estariamos perante erro na forma de processo que não tem como consequência, como pretendem os recorrentes, a extição da acção executiva, mas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível da forma estabelecida pela lei, nos termos estabelecidos pelo artigo 193º, nº 1, do CPC.
Pretendem os recorrentes que se do requerimento executivo e do título executivo não resultar a exigibilidade do crédito quanto às prestações ainda não vencidas, incumbe ao juiz conhecer oficiosamente tal questão e, no caso, faltou ao exequente cornprovar a interpelação do devedor, para que a execução pudesse prosseguir na forma sumária.
Nos termos enunciados pelo artigo 550º, nº 2, do CPC, emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas « c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por penhor ou hipoteca.»
O título executivo subjacente a esta execução é uma escritura pública, por via do qual se constituiu a obrigação de os executados pagarem ao Banif, a quem sucedeu a ora recorrida, em determinadas condições também convencionadas, a quantia emprestada, e da qual aqueles se confessaram devedores.  O documento dado à execução encontra previsão na alínea b) do nº 1 do artigo 703º do CPC.
O título executivo é condição necessária e suficiente da acção executiva. É condição necessária na medida em que constitui pressuposto formal da acção executiva, devendo ser apresentado com o requerimento executivo. É condição suficiente na medida em que, existindo título, considera-se que o direito existe nos termos constantes do título, cabendo ao executado alegar a existência de qualquer desconformidade.
A exequente apresentou um título executivo, com todas as características e formalidades legalmente exigidas, que lhe possibilitava a instauração de acção executiva. Não ocorre, consequentemente, falta, invalidade ou insuficiência de título executivo, susceptível de ocasionar indeferimento liminar.
Tanto bastaria para julgar improcedente a apelação.
Importa, todavia, e ainda, que se considere que a presente execução segue a forma sumária, à luz do disposto no artigo 550º/2 al c) do CPC, pelo que, ao contrário do que ocorre com a forma de processo ordinária, a interpelação ao devedor apenas terá ocorrido em momento posterior à penhora pelo que, quando foi instaurada a execução, de acordo com a pretensão dos recorrentes, não se mostrariam vencidas todas as prestações que constituem a obrigação exequenda.
A escritura pública na qual se constitua em simultâneo um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, destinado à aquisição de habitação e concedido por uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, como o é o caso dos autos, constitui título executivo à luz da al b) do art 703º CPC.
A questão em discussão prende-se com o vencimento da obrigação exequenda e a sua exigibilidade à data da instauração da execução, uma vez que execução seguiu a forma de processo sumária.  (artigo 550º, nº 2, c) do CPC).
Deixa-se, desde já, a nota de que, sendo a inexequibilidade fundamento de oposição à execução nos termos do disposto no artigo 729º al a) do CPC, os executados embargantes deduziram a inexigibilidade da obrigação exequenda, alegando então: «divergências com as prestações pagas pelos os executados, que alguma vezes acorreram fora de prazo, mas nunca deixaram de ser cumpridos. (…)Por uma questão contabilística interna, essa situação desde 2014, nunca foi clarificada e regularizada em relação aos executados. (…) O que é um facto é que os executados sempre mensalmente depositaram as quantias exigidas, sem, todavia, regularizar a situação e imputar os pagamentos aos créditos correspondentes.(…) Razão pela qual como se referiu, a própria exequente, na sua exposição inicial, não determina com certeza a obrigação, nem a liquida de forma correta, pois pura e simplesmente faz tabua rasa de todos os valores transferidos pelos executados..» São estes os fundamentos dos embargos que os executados, aqui recorrentes, interpuseram.
Em sede de embargos de executado aferir-se-á do pressuposto da exigibilidade da obrigação exequenda, como pressuposto específico substantivo da acção executiva.
Neste recurso, do que cabe é apurar da insuficiência do título executivo, com base no qual foi interposta a presente execução, susceptível de determinar a extinção da execução.
Ora, a insuficiência do título executivo susceptível de ocasionar o indeferimento ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, com previsão no artigo 726º, nº 2, a), do CPC, tem de ser manifesta e, assim «tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de“manifesta”»[3].
Ocorrendo falta de junção de documento comprovativo da interpelação, no caso em que desta interpelação dependa a exigibilidade da obrigação exequenda – e estamos sempre a referir-nos às quantias cujo vencimento antecipado se pretende accionar, na medida em que relativamente às quantias já vencidas o título executivo é bastante e tanto bastaria para fazer prosseguir a execução para obtenção de pagamento destas quantias vencidas - caberia ao juiz notificar a exequente para proceder à sua junção e, assim, proferir despacho de aperfeiçoamento e não determinar, como pretendem os recorrentes, a extinção da execução.
Ainda se dirá assistir às partes, no âmbito da sua autonomia privada, acordar o vencimento antecipado das prestações vincendas, sem necessidade de interpelação do devedor. Do aditamento à escritura celebrada entre o Banif e os executados resulta terem os mesmos acordado que o não cumprimento de quaisquer obrigações decorrentes do contrato de empréstimo, confere ao Banco o direito de considerar o mesmo rescindido com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida. Decorre do título executivo terem as partes acordado que o mutuante considerasse antecipadamente vencida a totalidade da dívida em caso de incumprimento de uma das suas obrigações, bem como a exigibilidade do total da divida.
Não é, assim, manifesta a insuficiência do título.
Dir-se-á ainda que a ratio do artigo 734º assenta, como referimos já na prevalência da decisão de mérito sobre a forma e na tutela do terceiro adquirente de boa fé. Não subjaz a esta previsão, permitir suprir os ónus dos executados, mostrando-se tal mecanismo reservado para as circunstâncias em que resulta manifesto, à luz do título executivo, a sua insuficiência.
A rejeição da execução prevista no artigo 734º, nºs 1 e 2 do CPC, «tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo do art. 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excepcionais em que a ocorrência de alguma das situações abstractamente previstas decorar da mera análise dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor inquisitório.
Dito de outro modo, a intervenção judicial para efeitos de rejeição da execução deve ser guardada para os casos em que uma eventual intervenção liminar o juiz permitisse determinar por si o indeferimento do requerimento executivo.
Não se inscreve na ratio e nos objectivos do preceituado no art. 820º do CPC uma postura do juiz que se traduza na substituição dos ónus que incumbiam ao executado e que este não cumpriu ou não cumpriu dentro dos prazos que a lei prescreve.»[4]
Considerando que não é manifesta a insuficiência do título, não cabe rejeitar a execução. 
Nesta medida, considerando os fundamentos expostos, não pode, senão, improceder a apelação.
*
DECISÃO
Em face do exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e Notifique.
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Lisboa, 15-12-2020
Carla Câmara
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] M. Teixeira de Sousa, «Preclusão e caso julgado», in file:///C:/Users/mj01583/Downloads/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Preclusao_e_caso_jul.pdf, pag. 15

[2] José Lebre de Freitas, »A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013», 6ª edição, p. 187.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2019, Processo:35949/11.6TYYLSB-L1-7, Relatora CRISTINA SILVA MAXIMIANO in www.dgsi.pt
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2010, Processo 2621/08.4TBALM.L1-7, Relator ABRANTES GERALDES, referindo-se ao artigo 820º do CPC, na redacção anterior a 2013, com correspondência com o 734º do CPC in www.dgsi.pt