AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECURSO DE APELAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
INDIVISIBILIDADE
PRÉDIO URBANO
SENTENÇA
DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO FINAL
Sumário


I- A declaração de indivisibilidade de prédio urbano é decisão final correspondente e respeitante à fase declarativa do processo especial de divisão de coisa comum, fase essa em que se define o direito a que alude o art. 926.º, n.os 2 e 3, do CPC.

II - Uma decisão proferida na 1.ª instância e que termina a fase declarativa da forma especial de processo, divisão de coisa comum, é uma verdadeira e real sentença.

III - E em relação a essa parte declarativa é decisão proferida em 1.ª instância que põe termo à causa, pelo que o recurso de apelação cabe no n.º 1, al. a), do art. 644.º do CPC, sendo o prazo para a interposição do recurso de apelação de 30 dias, nos termos do n.º 1, 1.ª parte, do art. 638.º do mesmo CPC.

Texto Integral


Proc. nº 583/16.3T8FND.C1.S1


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Acordam, em conferência, os Juízes do Supremo do Tribunal de Justiça, 1ª Secção:

1- No Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido acórdão que confirmando a decisão do relator que julgou intempestiva a apresentação do recurso de apelação, deliberou: “Julga-se improcedente a reclamação e, em consequência, mantém-se a decisão do relator”.

2- AA, requerida na presente ação especial de divisão de coisa comum, interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida em 4 de Julho de 2019 que, pronunciando-se sobre a questão da indivisibilidade da coisa comum em causa nos autos [prédio urbano, situado em ..., n.º …, ... com a área total de 255 m2, sendo 188,4 m2 de área coberta; e 66,6 m2 de área descoberta, composto de casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, a confrontar a norte com terreno público, do sul com ..., do Nascente com a rua e do poente com Casa dos ..., inscrito na matriz da freguesia do ... sob o artigo ….], decidiu declarar a indivisibilidade em substância do prédio.

O relator entendeu que o recurso fora interposto fora do prazo legal e que, por tal razão, não podia conhecer-se do objeto do recurso, entendimento confirmado em conferência. As razões de tal entendimento foram as seguintes:

- O recurso foi interposto no 31.º dia a contar da notificação da decisão;

- Vista a tramitação do processo especial de divisão de coisa comum constante dos artigos 925 a 929 do CPC, a decisão recorrida correspondia à que estava prevista no n.º 2 do artigo 926 do CPC, ou seja, à decisão proferida pelo juiz sobre questões suscitadas pelo pedido de divisão, no caso, sobre a questão da indivisibilidade; questão que o juiz tem o dever de conhecer oficiosamente ainda que não suscitada pelas partes (n.º 4 do artigo 926 do CPC).

- Da decisão proferida pelo tribunal sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 926 do CPC, designadamente sobre a questão da indivisibilidade cabia, nos termos da parte final deste mesmo preceito, apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo;

- Estava-se perante um caso de apelação autónoma especialmente previsto na lei, a que se referia a alínea i) do n.º 2 do artigo 644 do CPC;

- Salvo disposição legal em contrário, que não existia no caso, o prazo para a interposição dos recursos de apelação especialmente previstos na lei era o de 15 dias a contar da notificação da decisão, por aplicação conjugada da alínea i) do n.º 2 do artigo 644 do CPC com o n.º 1 do artigo 638 do mesmo diploma, na parte em que este dispõe que o prazo para a interposição do recurso reduz-se para 15 dias nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644 do CPC;

- A interposição do recurso de apelação no 31.º dia posterior à notificação da decisão recorrida estava fora do prazo legal;

- Era condição do conhecimento do recurso que o mesmo tivesse sido interposto dentro do prazo previsto na lei;

- A circunstância de ele ter sido interposto fora de prazo obstava ao conhecimento do respetivo objeto.

3- Do acórdão da Relação que julgou intempestivo o recurso de apelação foi interposto recurso de revista por AA, requerida na presente ação especial de divisão de coisa comum, no qual conclui:

“A) A decisão jurisdicional de intempestividade de recurso de que aqui se recorre, proferida no Acórdão do Venerando TRCoimbra, não havia sido suscitada pelo Tribunal de primeira instância, que admitiu o recurso de apelação interposto e decorreu de uma interpretação feita, pela primeira vez no processo, por aquele, sendo certo que põe termo à fase do processo de divisão de coisa comum que, como adiante se verá, não é apenas declarativa mas mesmo constitutiva, além do que contradiz jurisprudência de outro Tribunal da Relação.

B) Nessa medida, não só o recurso será em abstracto admissível, subsumindo-se à previsão do nº 1 do artº 671º/1 do CPCivil, como também a questão que se coloca no presente recurso, conhecida no Douto Acórdão recorrido, não foi ainda sindicada consagrando por isso, a sua deduzida e eventual admissão, a garantia legal e Constitucional do duplo grau de jurisdição, não se verificando, para mais, a dupla conforme impeditiva, como prevista e estatuída no artº 671º/3 do CPC, isto se Vª Exªs entenderem a sua aplicabilidade in casu.

C) A recorrente reafirma e dá por inteiramente reproduzidas as alegações e conclusões produzidas no presente recurso, bem como no requerimento apresentado ao abrigo do disposto no artº 655º/1 do CPCivil, assim como no requerimento de prolacção do Acórdão de que agora se recorre, realçando que o conhecimento da presente questão é da máxima importância para melhor aplicação do direito, na medida em que visa clarificar se a decisão a que se refere o artº 926º/2 do CPCivil constitui sentença ou, pelo contrário, mero despacho;

D) Tal esclarecimento é de grande relevância social dada a enormíssima quantidade de situações de compropriedade na ordem jurídica, e de acções de divisão de coisa comum, isto tanto mais que a sua fase executiva sofreu profundas alterações, promovendo soluções profundamente lesivas da manutenção da propriedade na pessoa de algum dos comproprietários.;

E)- Certo é que há, pelo menos, uma decisão em sentido diametralmente oposto à proferida nos autos, cuja cópia se junta a final, na medida em que:

i) em ambas se fixou indivisibilidade do imóvel a dividir;

ii) em ambas o tribunal conheceu de qual o prazo de recurso e qual, em concrecto, a norma do artº 644º do CPC aplicável, fazendo-o, um e outro, de forma diametralmente oposta, tendo aquele considerado aplicável o disposto no nº 1 desse artigo e, logo, o prazo recursivo de trinta dias, e o agora em sindicância o a al. i) do nº 2 do mesmo artigo e, logo, o prazo recursivo de quinze dias;.

F) Finalmente, a matéria do Douto Acórdão recorrido é nova nos autos, não tendo sequer sido suscitada em primeira instância, na qual o recurso de apelação foi admitido, pelo que se impõe, sempre salvo melhor opinião e o devido respeito, que é muito, respeitar a regra do duplo grau de jurisdição, como elemento integrante, antes de mais nada, do princípio do Estado de Direito Democrático, como consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, sendo que a recorerente entende que a decisão singular proferida pela Exmª Senhora Desembargadora Relatora não o garante;

G) Na Douta Sentença recorrida, veio o Mmº Juiz a quo fixar a indivisibilidade do prédio objecto da acção, por entender que tal indivisibilidade, invocada pela A, não foi contestada pela R., tendo pois o recurso de apelação sido interposto de decisão que, nos termos do disposto no artº 926º/2 do NCPCivil, fixou a indivisibilidade do imóvel objecto da presente acção, dando-se aqui por reproduzidas as respectivas conclusões;

H) O recurso foi apresentado a Juízo em 24.09.2019, no terceiro dia útil posterior ao trigésimo dia após notificação, como resulta dos autos -considerando a suspensão de prazo por efeito de férias judiciais-, tendo a respectiva multa sido liquidada e paga antes da sua junção aos autos, reiterando, o douto Acórdão recorrido, o que havia sido fixado no Douto Despacho reclamado, a saber, que a decisão prevista no artº 926º/2 do NCPCivil consta do elenco de despachos previstos no artº 644º/2/i) do NCPC, razão porque se fixou que o respectivo prazo de recurso é de 15 dias e não de 30, por aplicação do disposto no seu nº 2, isto porque deu como pressuposto que se está ante mero despacho e não ante verdadeira sentença.

I) Como bem sumariza (entre outros) o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2017,            proferido         no        Procº   166/12.7T2MFR-E.L1-2 (Relatora Exmª      Senhora Desembargadora Ondina Carmo Alves) ( in www.dgsi.mj.pt ) : “(…)1.O processo de divisão de coisa comum, previsto nos artigos 925.º a 930.º do Código de Processo Civil, destina-se ao exercício do direito atribuído no artigo 1412.º do Código Civil, nos termos do qual, em geral, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão.

2.Esta acção especial comporta duas fases, uma declarativa e outra executiva.

3.A fase declarativa destina-se à determinação da natureza comum da coisa, à fixação das respectivas quotas, à divisibilidade em substância e jurídica da coisa dividenda.

4.A fase executiva destina-se ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente, mediante adjudicação, por acordo ou por sorteio, ou, se a coisa for indivisível, à sua adjudicação a algum dos interessados ou à sua venda.

(…)”

J) Está-se pois perante um processo especial que, se não for remetido para os meios comuns ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 926º do NCPCivil, se divide numa parte declarativa/constitutiva e numa parte executiva, sendo que a fase declarativa termina, precisamente, com a prolação da decisão a que se refere o nº 2 do mesmo artigo e, em concreto nos autos, traduz a Douta Sentença recorrid, sendo que a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum processa-se, em regra, como incidente de instância, sobre o qual recai prazo de recurso também de trinta dias – Neste sentido, entre outros, Douto Ac TRC, de 12.03.2013, proferido no processo 86/11.2TBVZL-A.C1 (Relatora Exmª Senhora Desembargadora Sílvia Pires) (in www.dgsi.mj.pt ), no qual se sumariza:

L)16- O que se discute na fase declarativa é absolutamente diverso daquilo que se fará na fase seguinte, e fixa, de forma definitiva, a medida e conteúdo de um direito de propriedade -como uma verdadeira acção de reivindicação-, assim como a in/divisibilidade física e jurídica de um bem imóvel, sendo por isso que o legislador entendeu, e fixou, no referido artº 926º/2 do NCPCivil, que a apelação dessa Sentença/Decisão sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

M) Certo é que a Doutrina Recente entende que o prazo de recurso é de trinta dias, sendo aplicável, à sentença proferida ao abrigo do disposto no artº 926º/2 do NCPC o regime do artº 638º/1 do NCPC – neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa in “Processos Especiais de divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, Almedina – 2016, ele próprio referindo Manuel Tomé, e muito Doutamente referido na Douta Decisão Singular proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no seu processo de reclamação – artº 643º do CPC- nº 160/15.6T8MFR-A.L1 (Relator Exmº Senhor Desembargador Nuno Sampaio), que se junta como documento nº 1 (devidamente anonimizado) por não ter sido encontrado disponibilizado online, e no qual se conclui: “Numa acção de divisão de coisa comum a “decisão” prevista no nº 2 do artº 926º do Código de Processo Civil é uma sentença, da qual cabe recurso de apelação a interpor no prazo de trinta dias, nos termos dos art.ºs 638º, nº 1 e 644º, nº 1, al. a) do mesmo artigo.”

N) O Douto Acórdão recorrido, ao considerar que o prazo de recurso é, in casu, de quinze dias por se tratar de mero despacho interlocutório, não só viola directamente a previsão do artº 926º/2 do NCPC, como viola também o disposto nos artºs 638º/1/primeira parte e 644º/1/a) do mesmo Diploma, por não aplicação do seu dispositivo e, isso sim, errada aplicação do dispositivo da última parte daquele nº 1 (do artº 638º) e dal al. i) do nº 2 daquele artº 644º;

O) O artº 926º/2 do Código de Processo Civil, interpretado -como o foi no Douto Acórdão recorrido-, no sentido de que a expressão ali constante “decisão” traduz um mero despacho e não uma sentença constitutiva de direitos, desconsiderando assim o seu efeito constitutivo na fixação de um direito real de propriedade, é inconstitucional não só por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, como vertida para o artº 20º/5 da Constituição da República Portuguesa, mas também por violação do direito, constitucionalmente garantido, à propriedade privada, esta na medida em que tal configura uma desapropriação através de acto jurídico desprovido de dignidade para o efeito.

P) Também o artº 638º/1 do CPCivil, interpretado como o foi no Douto Acórdão recorrido-, no sentido de que, por a “decisão” prevista no seu artº 926º/2 não integrar a sua previsão por não ser uma sentença mas um mero despacho, não lhe sendo por isso aplicável a sua estatuição, é também inconstitucional não só por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, como vertida para o artº 20º/5 da Constituição da República Portuguesa, mas também por violação do direito, constitucionalmente garantido, à propriedade privada, esta na medida em que tal configura uma desapropriação através de acto jurídico desprovido de dignidade para o efeito.

Q) Nessa medida, ambas as referidas normas devem ser fixadas inconstitucionais, na interpretação que lhes foi dada no Douto Acórdão recorrido, o que ora expressamente se requer.

R) Assim, impunha-se, na perspectiva da Recorrente, decisão diversa da que foi seguida no Douto Acórdão Recorrido, a saber: a de ser fixada a tempestividade do recurso de apelação interposto nos autos, o que não ocorreu, razão porque o mesmo deve ser revogado, o que desde já expressamente se requer;

Pelo que se requer a Vªs Exªs, Senhores Conselheiros:

a) Seja admitido o presente recurso, ao abrigo do disposto no artº 629º/1 e 671º/1 do CPCivil;

b) Subsidiariamente, seja admitido o presente recurso ao abrigo do disposto no artº 672º do mesmo Diploma;

c) Ainda subsidiariamente, seja admitido o presente recurso ao abrigo do disposto nos artºs 629º/1 e 2/d), e 671º/1/b) do mesmo diploma, este último interpretado em conformidade com a Constituição da República Portuguesa;

d) Em qualquer dos casos, que seja dado provimento ao recurso, de acordo com as suas conclusões, aqui dadas por reproduzidas”.

4- O recurso foi admitido ao abrigo do disposto no art. 652, nº 5 al. b) e 671, nº 1, ambos do CPC.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

5- DECIDINDO:

Em causa está uma ação de divisão de coisa comum e saber se da decisão proferida pelo tribunal sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão ao abrigo do n.º 2 do artigo 926 do CPC, nos termos da parte final deste preceito o prazo do recurso de apelação é de 30 dias, como entende a recorrente, ou de 15 dias, como entendeu o tribunal recorrido.

A ação especial de divisão de coisa comum é considerada uma distinta forma de dissolução da comunhão ou compropriedade, caracterizada por se dirigir a todos os consortes e ter como fim a cessação da compropriedade, conferindo um carácter universal à ação – cfr. neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed, 387.

Para a solução da questão do recurso interessam as normas adjetivas quanto à forma processual de divisão da coisa comum, e estas, estão contidas nos artigos 925 a 929 do CPC.

Interessa, essencialmente a norma do art. 926:

Citação e oposição

1 - Os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem.

2 - Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

3 - Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

4 - Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias.

5 - Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade.

A regulação do processamento para a divisão de coisa comum é um procedimento simples e célere, que segue a forma incidental, se houver contestação ou a revelia não for operante.

No caso vertente, a ré, “válida e regularmente citada, não contestou a pretensão de divisão da coisa comum, nem os respetivos fundamentos”.

Se tivesse havido contestação produzir-se-iam as provas necessárias e o juiz decidiria, aplicando-se, neste caso, os art.s 294 e 295, ou seja, “a parte não pode produzir mais de cinco testemunhas” (n.º 1 do art. 294) e, “finda a produção de prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607” (art. 295).

Em qualquer das situações, ou seja, com oposição ou não, é proferida decisão (exceto se a questão não puder ser sumariamente decidida – nº 4 do referido art. 926) sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão em tudo semelhante a uma sentença.

Sentença em que a 1ª Instância decidiu: “DECLARO A INDIVISIBILIDADE EM SUBSTÂNCIA DO PRÉDIO IDENTIFICADO NO PONTO 1), DO FACTOS DADOS COMO PROVADOS (ASSENTES)”.

A declaração de indivisibilidade de prédio urbano, é decisão final correspondente e respeitante à fase declarativa do processo especial de divisão de coisa comum, fase essa em que se define o direito e a que alude o art. 926, nºs 2 e 3 do CPC.

“A tudo acresce, note-se, de forma incontornável, a imposição legal de conhecimento oficioso da questão da indivisibilidade, vale dizer, do dever proferir decisão pelo Tribunal, na 1ª Instância ou em recurso, logo que o processo forneça os necessários elementos – art. 1053-4 CPC” [atual art. 926 nº 4] - Acórdão nº STJ_08A1432 de 05-06-2008.

Acrescenta este aresto que se trata de decisão final respeitante à fase declarativa do processo, fase esta em que se define o direito a que alude o art. 1053-2 e 3 CPC, agora art. 926 nºs 2 e 3 do NCPC.

Como refere o Ac. da Rel. de Lx. de 23-02-2017, no Proc. nº 166/12.7T2MFR-E.L1-2, “1.O processo de divisão de coisa comum, previsto nos artigos 925 a 930 do Código de Processo Civil, destina-se ao exercício do direito atribuído no artigo 1412 do Código Civil, nos termos do qual, em geral, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão. 2.Esta ação especial comporta duas fases, uma declarativa e outra executiva. 3.A fase declarativa destina-se à determinação da natureza comum da coisa, à fixação das respetivas quotas, à divisibilidade em substância e jurídica da coisa dividenda. 4.A fase executiva destina-se ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente, mediante adjudicação, por acordo ou por sorteio, ou, se a coisa for indivisível, à sua adjudicação a algum dos interessados ou à sua venda”.

E o Ac. da Rel. de Guimarães de 21-02-2019, proferido np Proc. nº 37/16.8T8VRM.G1 refere: “2- A ação de divisão de coisa comum destina-se ao exercício do direito potestativo conferido aos comproprietários de porem termo à comunhão e, do ponto de vista processual, desenvolve-se em duas fases distintas: uma fase declarativa e uma fase executiva. 3- Na fase declarativa define-se o direito do autor, através da determinação da natureza da coisa, da existência ou subsistência da invocada compropriedade sobre a coisa, fixação das quotas dos comproprietários e determinação do caráter divisível ou indivisível da coisa. 4- Instaurada ação de divisão de coisa comum, o aí réu tem, em sede de contestação, de deduzir todas as exceções de que disponha ao direito de compropriedade que o autor se arroga titular sobre a coisa (art. 573 do CPC), sob pena de não fazendo não poder suscitar essas exceções posteriormente. 5- Não suscitando o réu da ação de divisão de coisa comum essas exceções (ou fazendo-o, mas não logrando fazer prova dessa matéria de exceção que deduziu), caso seja proferida sentença, na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, declarando que o autor e o réu são comproprietários da coisa dividenda, não pode esse réu, posteriormente, instaurar ação contra o autor da ação de divisão de coisa comum pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade exclusiva sobre essa coisa, por a isso se opor o princípio da concentração da defesa (art. 573º do CPC) e a autoridade do caso julgado da decisão, transitada em julgado, proferida na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, que julgou procedente essa ação, reconhecendo que a coisa dividenda é compropriedade desse autor e réu”.

Do exposto resulta que uma decisão como a proferida na 1ª Instância em que se decide: “DECLARO A INDIVISIBILIDADE EM SUBSTÂNCIA DO PRÉDIO IDENTIFICADO NO PONTO 1), DO FACTOS DADOS COMO PROVADOS (ASSENTES)” que termina a fase declarativa desta forma especial de processo e que pode formar caso julgado (declarada a compropriedade não se pode posteriormente vir pedir o reconhecimento da propriedade em exclusivo), é uma verdadeira e real sentença.

E em relação a essa parte declarativa é decisão proferida em 1ª Instância que põe termo à causa, pelo que o recurso de apelação cabe no nº 1, al. a), do art. 644 do CPC, sendo o prazo para a interposição do recurso de apelação de 30 dias, nos termos do nº 1, primeira parte, do art. 638 do mesmo CPC.

 Assim, a expressão da norma do art. 926 nº 3 do CPC, parte final, “da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo”, trata-se de apelação de sentença que põe termo àquela causa (fase declarativa).

Deste modo, se discorda dos fundamentos do acórdão recorrido quando refere: “Ora, o n.º 2 do artigo 926.º do CPC, na parte em que prevê recurso de apelação da decisão proferida sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, designadamente sobre a questão da indivisibilidade da coisa comum, é preceito especial em relação ao do n.º 1 do artigo 644.º do mesmo diploma. E assim sendo, a recorribilidade da decisão decorre directamente do n.º 2 do artigo 926.º do CPC e não do n.º 1 do artigo 644.º do mesmo diploma. Quando a recorribilidade de uma decisão decorrer directamente de uma norma especial, o recurso nela prevista é um caso de recurso (no caso apelação) especialmente previsto na lei.

A especialidade do recurso interposto contra a decisão proferida sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão manifesta-se ainda no seu modo de subida (subida nos próprios autos) e no seu efeito (efeito suspensivo).

Manifesta-se no seu modo de subida pois, caso a recorribilidade da citada decisão resultasse da norma geral da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, como sustenta a recorrente, a apelação subiria em separado. E subiria em separado porque, em relação às apelações previstas no artigo 644.º do CPC, só sobem nos próprios autos as previstas no n.º 1 do artigo 645.º do mesmo diploma e a presente apelação não se ajusta a nenhuma delas.

Manifesta-se no seu efeito porque resulta dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 647.º do CPC que, em matéria de efeito da apelação, a regra é o efeito meramente devolutivo e a presente apelação tem efeito suspensivo.

Sendo a apelação da decisão que se pronuncia sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão um caso de apelação especialmente previsto na lei, o prazo para a sua interposição é o de 15 dias a contar da notificação da decisão, por aplicação do n.º 1 do artigo 638.º do CPC, na parte em que estabelece que o prazo para interposição do recurso reduz-se para 15 dias nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º do CPC [só assim não seria se houvesse disposição legal em contrário, o que não é o caso]”.

Temos que o facto de a norma do art. 926, nº 2, parte final, ao dispor, “da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo” mais reforça a força dessa decisão como final, relativamente à fase declarativa que com essa decisão/sentença se encerra.

E o Ac. do STJ de 14-12-2016, proferido no proc, nº 232/15.7TGDM-B.P1.S1 refere que: “o n.º 2 do artigo 644 prefigura hipóteses de recurso de apelação autónoma sobre decisões interlocutórias em derrogação da regra estabelecida no n.º 3 do mesmo artigo, segundo a qual dessas decisões não cabe apelação autónoma, mas mera impugnação no recurso que vier a ser interposto das decisões previstas no n.º 1 (decisões finais e do despacho saneador que não ponha termo ao processo), ressalvada ainda a hipótese do n.º 4.

É nesse quadro que o indicado n.º 2 do artigo 644, depois de enunciar os tipos particulares de decisões interlocutórias previstas nas respetivas alíneas a) a h), remata, na alínea i), com a ressalva geral dos demais casos especialmente previstos na lei.

   Assim, da economia daquele normativo depreende-se que os demais casos especialmente previstos na lei serão os casos de decisões interlocutórias que, segundo disposição especial, não ficam sujeitas à regra estatuída no n.º 3 do artigo 644”.    

     Na linha deste entendimento, impõe-se concluir que a decisão referida no n.º 2 do artigo 926 do CPC não deve ser considerada como um dos casos especiais preconizados na alínea i) do n.º 2 do artigo 644.

E como supra exposto, não se trata de decisão interlocutória uma decisão que termina a fase declarativa no processo de divisão de coisa comum.

Resta referir que, tendo a recorrente interposto a apelação no 31º dia, a mesma deu cumprimento ao disposto no art. 139, nº 5, al. a) do CPC, pelo que, também daí não resulta extemporaneidade na interposição do recurso.

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso e se concede a revista.


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Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I- A declaração de indivisibilidade de prédio urbano, é decisão final correspondente e respeitante à fase declarativa do processo especial de divisão de coisa comum, fase essa em que se define o direito a que alude o art. 926, nºs 2 e 3 do CPC.

II- Uma decisão proferida na 1ª Instância e que termina a fase declarativa da forma especial de processo, divisão de coisa comum, é uma verdadeira e real sentença.

 III- E em relação a essa parte declarativa é decisão proferida em 1ª Instância que põe termo à causa, pelo que o recurso de apelação cabe no nº 1, al. a),  do art. 644 do CPC, sendo o prazo para a interposição do recurso de apelação de 30 dias, nos termos do nº 1, primeira parte, do art. 638 do mesmo CPC.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o recurso, concede-se a revista e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido, baixando os autos ao Tribunal da Relação, para que admitindo o recurso, conheça do objeto da apelação.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 21 de outubro de 2020

Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto