RESPONSABILIDADES PARENTAIS
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
VISITAS
SUSPENSÃO DAS VISITAS
EXCLUSÃO DAS VISITAS
Sumário


I- Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária, pelo que o tribunal goza de amplos poderes investigatórios, não vigorando o princípio do ónus da alegação e prova, devendo, assim, o tribunal conhecer de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas partes.
II- O exercício das responsabilidades parentais deve ser estipulado de forma a que a criança possa manter relações afectivas profundas com o pai e com a mãe, pelo que o regime de visitas, podendo ser suspenso, mas apenas pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, como se refere no n.º 3 do art.º 40.º do R.G.P.T.C., não pode ser totalmente excluído senão nos casos que se revistam de uma gravidade muito acentuada, como os que poderão justificar a inibição total do exercício das responsabilidades parentais.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. C. intentou o presente procedimento tutelar cível contra A. M., requerendo se proceda à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores de ambos, D. C., nascido a - de Maio de 2003, e I. C., nascida a - de Março de 2009.
Fundamentou alegando, em síntese, que o casal se encontra separado de facto desde Julho de 2016, não conseguindo chegar a acordo quanto aos termos do exercício das responsabilidades parentais relativas aos referidos seus filhos.
Por decisão proferida em 08/11/2016 estabeleceu-se um regime provisório, havendo-se fixado a residência habitual dos menores com a progenitora, e o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida daqueles, estabelecendo-se ainda um regime livre de visitas ao progenitor não guardião, e uma prestação alimentar a cargo deste no valor mensal de € 120,00 (cento e vinte euros).
Na conferência de pais, não tendo sido obtido acordo definitivo, manteve-se no essencial o suprarreferido regime provisório, introduzindo-se apenas alterações quanto ao regime convivial.
Realizada a audição técnica especializada, na continuação da conferência de pais que se lhe seguiu, ao abrigo do disposto no art.º 39.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.), e face à persistência do desacordo dos Progenitores, foi, por decisão proferida em 02/11/2017, alterado o regime provisório, introduzindo-se de novo modificações no regime convivial dos menores com o Progenitor não guardião (o Requerido).

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença na qual se decidiu regular as responsabilidades parentais relativas aos menores D. C. e I. C. nos seguintes termos:

a) Os menores residirão habitualmente com a mãe, a cuja guarda e cuidados ficam confiados, a esta cabendo as decisões relativas aos actos da vida corrente dos filhos;
b) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas exclusivamente pela progenitora, devendo esta, no entanto, informar o requerido das decisões que tome sobre tais questões e, em particular, sobre as atinentes à saúde, à educação e às condições de vida dos filhos;
c) O pai contribuirá para o sustento dos menores com uma prestação de alimentos no valor mensal de € 170,00 (cento e setenta euros) para cada um, que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês através de transferência bancária, actualizando-se essas prestações todos os anos, a partir de Janeiro de 2020, em € 2,00 (dois euros) cada uma;
d) O pai suportará ainda metade das despesas médicas extraordinárias (v.g. óculos, aparelhos dentários, lentes graduadas, cirurgias, internamentos hospitalares, etc.), assim como igual proporção das despesas com a aquisição de livros e material escolar, e metade das mensalidades do colégio actualmente frequentado pelos menores (X), enquanto aí estiverem inscritos;
e) O progenitor poderá visitar e conviver com os menores nos moldes, com o acompanhamento e a supervisão, que forem fixados na sequência da informação já solicitada à equipa de assessoria técnica aos tribunais, ficando as vistas paterno-filiais por agora, e por um período de 2 (dois) meses, suspensas.”.
A Progenitora, discordando do regime de visitas paterno-filiais, traz o presente recurso pretendendo a sua cessação ou, pelo menos, a suspensão da convivência entre o Progenitor e os filhos por tempo indeterminado e sempre superior ao fixado pelo Tribunal de Família e Menores.
Contra-alegou o Ministério Público pronunciando-se pela inalteração do decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.

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II.- A Apelante formulou as seguintes conclusões:

1. Discorda a progenitora, ora apelante, do decidido na douta sentença quanto ao regime de visitas paterno/filiais, por entender que, neste domínio, existiu errada aplicação do direito aos factos, já que a matéria de facto julgada demonstrada impunha outra solução, de cessação ou, pelo menos, suspensão da convivência entre pai e filhos, por tempo indeterminado e sempre superior ao fixado pelo Tribunal.
2. Considera também que, além dos factos provados na mesma douta sentença, outros deveriam ter sido julgados demonstrados, atenta a sua relevância para a boa decisão da causa, designadamente para a correcta compreensão das dinâmicas que envolvem estas crianças – o D. C. e a I. C. - no seu relacionamento com o progenitor e das consequências daí advenientes para elas, impugnando-se também assim o julgamento da matéria de facto efectuado na douta sentença sub judice, com fundamento na prova gravada, que, como se demonstrará, impunha e impõe decisão diversa da recorrida.
3. Com efeito, consta não provado na sentença que “o requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel de mãe, referindo-se aos familiares maternos como “gajos” ou “aqueles gajos” (cfr. alínea h) dos factos julgados não provados), o que, conforme resulta da fundamentação da decisão de facto, foi assim julgado por ter sido entendido que a referida matéria “apenas foi relatada pela própria requerente, em declarações de parte, elemento de prova que, na ausência de outros que suficientemente o corroborassem, não se julgou bastante para ter toda aquela factualidade como demonstrada”.
4. Todavia, ao contrário do que consta na douta sentença, o declarado a tal propósito pela progenitora foi parcialmente corroborado pela testemunha A. M. – irmã da apelante e tia materna das crianças -, que, no depoimento que prestou, declarou que o progenitor referia-se à progenitora, junto dos filhos, como C., e não como mãe (cfr. passagem do minuto 25m10 a 25m55, do depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de 1 de Fevereiro de 2019, gravação áudio com início às 11:53:17 e termo pelas 12:40:48), o que – maxime quando concatenado com outros os factos julgados provados - revela uma postura de diminuição e desvalorização do papel da mãe, por parte do pai, que o mesmo não se coibiu de transmitir aos filhos, assim lhes demonstrando, deliberadamente, o seu desprezo e o seu desrespeito pela progenitora e pela importância desta na vida deles.
5. Impugna-se, pois, nos termos previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, a decisão sobre a matéria de facto constante da alínea h) dos factos não provados, por se entender que tal matéria foi incorrectamente julgada, já que a prova testemunhal produzida, nomeadamente a passagem supra referida do depoimento da testemunha A. M., impõe decisão diferente da proferida, no sentido de ser julgado provado pelo menos o seguinte, que deverá ser incluído na matéria de facto provada:
“O requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel de mãe.”.
6. Por outro lado, a testemunha J. A. – psicóloga e mãe de uma colega de escola da criança -, no depoimento que prestou na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada em 10 de Julho de 2019 (com a duração de 21 minutos e 38 segundos), descreveu o estado, físico e psicológico, em que encontrou a I. C. quando, a pedido da mãe, se deslocou, nos dias 4 e 5 de Julho, à casa de acolhimento, situada em Vigo, para onde a menina foi conduzida depois de ter sido encontrada pelas autoridades policiais após cerca de dois meses de sequestro pelo pai (então detido ao abrigo de um mandado de detenção internacional), tendo dito que a I. C. estava irreconhecível, visivelmente assustada e com o cabelo cortado curto, na casa de acolhimento, dado o estado enleado em que se encontrava e que só foi possível de resolver com o corte; que a criança se recusou a falar com a mãe e que se mostrava descontrolada e agressiva, dizendo coisas como que as amigas não gostavam dela, que não acreditava que gostavam dela, ou que estivessem preocupados com ela, e que só o seu pai é que gostava de si (cfr. passagem do minuto 10m06 a 13m37); que, na mesma ocasião, a I. C. lhe havia dito que não gostava dela “porque tu és muito amiga da minha mãe” e que “agora que sei que és amiga da minha mãe não quero falar contigo” e, também, que a criança gritava e que só passadas duas horas conseguiu acalmá-la e convencê-la a regressar com ela a Braga, mas na condição de nem sequer ver a mãe e de ir para casa de uma outra colega, M. E., para onde acabou efectivamente por ir no dia 5 de Julho (cfr. passagem do minuto 13m37 a 16m16).
7. Perguntada sobre as razões invocadas pela I. C. para não querer estar nem falar com a mãe, respondeu aquela testemunha que, tendo questionado a criança directamente sobre isso, a mesma não referiu qualquer comportamento maltratante ou, sequer, desajustado da parte da mãe, apontando, ao invés, única e exclusivamente, como justificação para tal coisas como que “se não fosse a mãe ainda estavam todos juntos” (ao mesmo tempo que usava, em espanhol, vocabulário técnico relativo à guarda de menores e à regulação das responsabilidades parentais) e que a mãe era professora universitária e dava “créditos a todos os juízes e a todos os advogados” para que as decisões lhe fossem favoráveis, dizendo ainda “que a comarca do Porto era melhor que a comarca de Braga” e que o melhor sítio para residir era Espanha, pois aí “os juízes não mentem mas que em Portugal eram todos mentirosos”, mais referindo que a mãe também era mentirosa, que era por causa da mãe que o pai estava desempregado e que o pai não tem dinheiro por causa da mãe (se não fosse por causa dela estaria rico), já que era um advogado de sucesso (cfr. passagem do minuto 17m00 a 18m00), apresentando assim, de acordo com a mesma psicóloga, um discurso de culpabilização da mãe e de vitimização do pai, ao ponto de manifestar preferir ficar no lar de acolhimento do que regressar a casa, achando que se ali permanecesse tal seria a forma de conseguir ficar com o pai e que voltar para casa significaria traí-lo (cfr. passagem do minuto 18m59 a 20m20).
8. Tal afigura-se essencial à aferição das idiossincrasias que envolvem a criança, da postura parental do progenitor e das consequências que a actuação deste têm no equilíbrio emocional e na estabilidade, afectiva e vivencial, dos filhos, em particular no que à I. C. diz respeito, sendo, pois, fundamentais à ponderação sobre o perigo que rodeia a manutenção dos convívios paterno/filiais, pois, compulsado esse relato da psicóloga, que esteve com a I. C., com os demais factos julgados demonstrados na sentença, o que daí se retira é que o progenitor, sobre afastar a criança da mãe e do meio onde está inserida, com prejuízo da sua paz e das suas necessidades educativas e de socialização, tem vindo a exercer sobre ela uma acção de pressão contra a mãe e, paralelamente, de indução de sentimentos de lealdade em relação a ele próprio, com recurso à mentira e à instalação de falsas crenças na filha, cujo discurso assim manipula, fazendo com que ela se sinta triangulada ante a obrigação de ter de escolher entre pai e mãe e que, depois de estar com o pai, aparente rejeição à mãe, apresente um discurso instrumentalizado e se mostre emocionalmente perturbada.
9. Pelo que as sobreditas passagens do depoimento da testemunha J. A. impõem decisão diversa da recorrida, no sentido de serem julgados demonstrados os seguintes factos, que assim deverão ser aditados aos provados na douta sentença:
• Depois de ter sido encontrada e conduzida para uma casa de acolhimento, a I. C. mostrava-se assustada e apresentava o cabelo cortado curto, dado o estado enleado em que se encontrava, o que só foi possível de resolver com o corte, efectuado naquela casa de acolhimento;
• Nessa altura, quando se encontrava no lar, a criança recusou-se a falar com a mãe e estava descontrolada e agressiva, gritando e dizendo coisas como que as amigas não gostavam dela, que não acreditava que gostavam dela ou que estivessem preocupados com ela e que só o seu pai é que gostava de si;
• À psicóloga e mãe de uma sua colega de escola, J. A., a I. C. disse que não gostava dela porque ela era “muito amiga da minha mãe” e que “agora que sei que és amiga da minha mãe não quero falar contigo”;
• Só passadas duas horas conseguiu aquela psicóloga acalmar a I. C. e convencê-la a regressar com ela a Braga, mas na condição de nem sequer ver a mãe e de ir para casa de uma outra colega, M. E., para onde acabou efectivamente por ir no dia 5 de Julho;
• Tendo sido questionada pela mesma psicóloga sobre as razões pelas quais não queria estar nem falar com a mãe, a I. C. não referiu qualquer comportamento maltratante ou, sequer, desajustado da parte da mãe, apontando, ao invés, única e exclusivamente, como justificação para tal coisas como que “se não fosse a mãe ainda estavam todos juntos” (ao mesmo tempo que usava, em espanhol, vocabulário técnico relativo à guarda de menores e à regulação das responsabilidades parentais) e que a mãe era professora universitária e dava “créditos a todos os juízes e a todos os advogados” para que as decisões lhe fossem favoráveis, dizendo ainda “que a comarca do Porto era melhor que a comarca de Braga” e que o melhor sítio para residir era Espanha, pois aí “os juízes não mentem mas que em Portugal eram todos mentirosos”, mais referindo que a mãe também era mentirosa, que era por causa da mãe que o pai estava desempregado e que o pai não tem dinheiro por causa da mãe (se não fosse por causa dela estaria rico), já que era um advogado de sucesso;
• A I. C. apresentava, de acordo com a mesma psicóloga, um discurso de culpabilização da mãe e de vitimização do pai, ao ponto de manifestar preferir ficar no lar de acolhimento do que regressar a casa, achando que se ali permanecesse tal seria a forma de conseguir ficar com o pai e que voltar para casa significaria traí-lo.
10. Resulta dos factos provados na douta sentença - a que acrescem aqueles que, conforme acima alegado, lhe deverão ser aditados - que o progenitor tem vindo a exercer a parentalidade de modo centrado no seu interesse, e não no interesse dos filhos, interesse esse que, ao invés, e tal como se conclui também da matéria de facto julgada demonstrada, tem vindo a afectar gravemente, muito particularmente no que à I. C. diz respeito, quer ao nível da sua educação e socialização – fazendo-a faltar constantemente à escola e retirando-a do meio, vivencial e afectivo, onde está inserida -, quer em termos de manutenção das relações afectivas mais profundas da criança, nomeadamente com a mãe, de quem o pai tem vindo a procurar afastá-la, física e emocionalmente, mesmo estando ciente da grande proximidade afectiva existente entre mãe e filha, para quem a progenitora é a principal figura de referência e fonte de segurança.
11. O progenitor demonstra continuar totalmente focado no conflito que mantém com a mãe dos seus filhos, sem curar do sofrimento e dos danos que com isso provoca ao D. C. e à I. C., cujos convívios com o pai têm-se revelado unicamente fonte de conflitos e de sofrimento para eles, causando-lhes enorme instabilidade vivencial e emocional, em termos tais que comprometem a sua saúde psicológica.
12. Donde, os convívios dos filhos com o pai, longe de se revelarem promotores do seu desenvolvimento integral, traduzem-se num perigo grave para o seu bem-estar e para o seu equilíbrio emocional.
13. Simultaneamente, o progenitor, pelas atitudes que toma e pelos comportamentos que assume, evidencia um enorme desequilíbrio psicológico, que não se encontra de modo algum afastado e que adquiriu proporções de especial gravidade neste ano de 2019, reveladas nos factos provados na douta sentença, quando, por duas vezes – a última das quais ao longo de cerca de dois meses -, sequestrou a filha, que só foi encontrada e restituída à mãe através da acção das autoridades judiciárias.
14. Para além disso, o progenitor, mesmo sendo advogado de profissão, tem vindo a demonstrar uma total e absoluta desconsideração pelo Tribunal e pelas decisões judicias, assim como uma completa indiferença pelas consequências dos seus actos, não só na vida dos filhos, mas também para si próprio, não revelando também capacidade e vontade de mudança, pois persiste nos mesmos comportamentos violadores do interesse dos filhos, não reconhece sequer qualquer desajuste no seu comportamento e muito menos assume o mal que tem vindo a fazer-lhes.
15. Pelo que aquilo que, com sustento nos factos provados, se prevê é que o progenitor não reverta a sua postura e que, voltando a estar com a I. C. e com o D. C., mesmo em visitas supervisionadas, regresse à mesma actuação parental desajustada, irresponsável, desequilibrada e de criação de focos de instabilidade na vida dos filhos.
16. Os convívios das crianças com os pais apenas satisfazem o seu interesse quando são gratificantes e sadios e se afigurem uma mais-valia para o seu desenvolvimento, mas já não quando, como in casu, originam disrupções nas suas vivências e na sua educação, lhes criam conflitos de lealdade e de afectos e comprometem, de forma grave, a sua estabilidade aos mais diversos níveis.
17. Presentemente, inexistem quaisquer elementos que permitam prognosticar que o progenitor está disposto a tratar-se, a estabilizar-se e a procurar reunir competências para o exercício adequado da paternidade, em moldes que não consubstanciem um perigo para os filhos, inexistindo, pois, condições para que as visitas paterno/filiais sejam retomadas.
18. Neste momento, os dois menores precisam de paz e de tranquilidade e, especialmente a I. C., necessita de tempo para se restruturar e reencontrar o equilíbrio perdido com as atitudes do pai, com consequências ainda imprevisíveis para a sua saúde psicológica.
19. Ponderando o direito dos filhos a conviverem com o pai, de um lado, e a sua integridade emocional – posta em causa por tais convívios -, do outro, dever-se-á dar prevalência à solução que proteja a sua saúde mental e lhes permita desenvolver-se de um modo saudável e, por conseguinte, a solução que, neste caso, melhor se ajusta à promoção do superior interesse da I. C. e do D. C. é a eliminação das visitas com o pai.
20. Assim não o entendendo, e fixando ao progenitor um regime de visitas com os filhos, ainda que acompanhado e supervisionado, fez o Tribunal incorrecta interpretação do superior interesse do D. C. e da I. C., violando assim o disposto no artigo 4.º, alínea a), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (ex vi artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
21. Razão pela qual deverá o assim decidido ser, nessa parte, revogado e substituído por decisão que suprima as visitas entre pai e filhos ou, pelo menos, que determine a sua suspensão por tempo indeterminado, até que o progenitor comprove nomeadamente num eventual processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais que venha a propor - ter passado a reunir as condições necessárias para se relacionar com o D. C. e a I. C. de forma saudável e que não constitua um perigo para eles.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas, pretende a Apelante que:
- se reaprecie e altere a decisão de facto; e
- se altere o regime de visitas paterno-filiais.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou PROVADO que:
1. Requerente e requerido contraíram entre si casamento católico no dia - de Novembro de 2000, casamento esse dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida a - de Maio de 2019 nos autos de que estes são apenso.
2. D. C., nascido a - de Maio de 2003, e I. C., nascida a - de Março de 2009, são filhos da requerente e do requerido.
3. Requerente e requerido encontram-se separados e a fazer vidas autónomas desde o mês de Julho de 2016, tendo os menores, após a separação do casal e desde então, permanecido a residir juntamente com a progenitora naquela que foi a casa de morada de família, sita na freguesia de …, deste concelho de Braga.
4. Anteriormente à separação do casal era a requerente quem, com a participação e o auxílio do requerido, acompanhava as rotinas do dia-a-dia dos filhos, designadamente cuidando da compra do vestuário para os menores, vestindo-os e escolhendo o que vestiam, auxiliando e tratando da sua higiene e asseio, cozinhando para os mesmos, dando-lhes o pequeno-almoço pela manhã, levando-os ao estabelecimento de ensino e recolhendo-os, marcando-lhes as consultas médicas sempre que necessárias e acompanhando-os às mesmas, ajudando-os nos trabalhos de casa, controlando o grau de cumprimento dos seus afazeres estudantis.
5. A requerente lia histórias para adormecer aos menores, participava nas brincadeiras e jogos com os mesmos, acompanhava-os às festas dos amigos (v.g. de aniversários), preparava-lhes as merendas para os passeios e visitas de estudo escolares, adquiria os materiais para as actividades escolares e auxiliava directamente em actividades lectivas e extracurriculares que envolviam a intervenção dos pais.
6. Durante a coabitação do casal também o requerido participava nessas actividades e tarefas, continuando a requerente a efectuá-las, nos mesmos moldes, após se ter dado a separação.
7. A menor I. C. tem uma particular ligação com a mãe, com a qual gosta de fazer “brincadeiras de meninas” como, por exemplo, pedindo-lhe para lhe contar histórias, preparar bolos, doces e outros cozinhados.
8. O menor D. C. nutre afecto pela mãe, demonstrando em relação a ela sentimentos de protecção, aparentando embora um grau de dependência relativamente à progenitora menor que o da irmã, em função da diferença de género e também da fase de adolescência em que já se encontra.
9. A requerente é professora universitária de Direito, exercendo desde 2014 as funções de Presidente da Escola de Direito da Universidade …, em ….
10. O requerido é advogado, com inscrição na respectiva Ordem desde o ano de 1997.
11. A requerente pratica um horário de trabalho estabilizado, o qual se situa normalmente, de segunda a sexta-feira, entre as 9:30 horas e as 16:00 horas, com intervalo para almoço.
12. As viagens para o estrangeiro da requerente em trabalho não são sistemáticas, tendo-se ausentado do país, considerado os últimos cinco anos, por um período global que não terá suplantado os 30 dias.
13. A requerente beneficiou de um ano completo de licença sabática, entre 01/03/2013 e 28/02/2014, o que lhe proporcionou ampla flexibilidade para cuidar dos seus filhos.
14. A requerente possui uma rotina estabilizada, que lhe permitiu e permite ir levar e buscar os menores ao seu estabelecimento de ensino e permanecer na sua companhia após o termo do período das actividades lectivas.
15. Entre a requerente e o requerido penderam e pendem ainda diversos processos de natureza criminal, intercedendo entre ambos um aberto conflito e um intenso clima de animosidade.
16. Nos meses subsequentes à separação em que ficou a morar sozinho na casa de morada de família, contra a vontade da requerente, o requerido eliminou todas as fotografias em que a mãe ou os familiares maternos figuravam com os menores.
17. Nos primeiros tempos após a separação do casal, os menores revelavam-se retraídos nos contactos com os tios e com o avô maternos quando regressavam dos convívios com o requerido.
18. Pese embora invoque que tem dificuldades económicas, o requerido efectuou férias com os menores no Verão de 2017, viajando com eles por diversos países europeus, permanecendo com eles alguns dias em Paris, e passou já também com os filhos fins-de-semana em …, na Galiza, em unidade hoteleira.
19. Nos períodos de férias que o requerido passou com os menores no Verão de 2017, aquele recusou indicar os locais e o percurso concreto por onde andariam, no estrangeiro, tendo bloqueado todo e qualquer contacto ou notícia entre os menores e a mãe ao longo desses períodos.
20. Tal conduta do requerido, inviabilizando contactos entre os menores e a progenitora, evidencia-se também nos próprios fins-de-semana adstritos às visitas ao pai.
21. Por decisão conjunta dos progenitores, os menores ingressaram no Colégio … de Braga (X), sendo o requerido o encarregado de educação da I. C. e a requerente a encarregada de educação do D. C..
22. A frequência desse estabelecimento de ensino custa, mensalmente, € 605,00, acrescidos de € 108,00 referentes a alimentação, quanto ao menor D. C.; e € 465,00, acrescidos de € 105,00 referentes a alimentação, quanto à menor I. C. – para além do custo das actividades escolares ao longo do ano, propiciadas pelo mesmo estabelecimento de ensino, e das despesas com livros e material didáctico, igualmente asseguradas pelo dito estabelecimento.
23. No ano lectivo de 2016/2017 a frequência do dito Colégio pelo menor D. C. implicou um custo global de € 8.457,31, e pela menor I. C. implicou um dispêndio no valor total de € 6.530,35.
24. A requerente aufere uma remuneração mensal líquida da ordem dos € 2.791,00.
25. A requerente vem sendo auxiliada, no plano financeiro, por familiares.
26. Os menores necessitam de vestuário e alimentação, de artigos de higiene, além de despesas de saúde e natureza lúdico-recreativa (v.g. livros, idas ao cinema, festas de aniversário de amigos, brinquedos), para além de incrementarem os gastos de energia eléctrica e consumo de água.
27. Os menores sempre beneficiaram de um padrão de vida consonante com os recursos conjuntos dos progenitores, sempre lhes tendo sido proporcionados bens de acordo com as últimas modas, quer do ponto de vista do vestuário, quer ao nível de gadgets e novas tecnologias em geral.
28. O requerido é licenciado em direito e advogado, profissão que exerce desde 1997.
29. O requerido faz-se transportar por vezes em veículos automóveis que aluga no mercado de rent-a-car.
30. No Verão de 2017 o requerido gozou 30 dias de férias com os menores, tendo visitado diversos países, e pernoita algumas vezes com eles em instalações hoteleiras em fins-de-semana.
31. A requerente professa a religião Católica Apostólica Romana e o requerido segue a confissão Batista.
32. A requerente retirou os menores da casa de morada de família em meados de Julho de 2016, decidindo que, após o período de férias do Verão, não voltaria a residir nessa casa com os filhos enquanto o pai lá permanecesse a viver.
33. O menor D. C. tinha agendado exame de segunda época para efectuar a disciplina de Biologia, do 9º ano, na qual não obteve aprovação na época normal, que se encontrava agendado para 6 de Setembro de 2018, pelas 9:30 horas, com vista a obstar à reprovação na dita disciplina.
34. O requerido não assegurou a comparência do D. C. ao aludido exame.
35. No dia 25 de Dezembro de 2018, dia de Natal, o progenitor foi recolher os menores à residência da mãe e, verificando que o D. C. se fazia acompanhar de uma mochila escolar, disse que se recusava a levá-lo de férias.
36. Como o D. C. se preparava para, mesmo assim, entrar no carro com a mochila, o progenitor arrancou com a viatura, levando a I. C. consigo e deixando o D. C. no passeio, em pleno dia de Natal, o que o deixou perturbado e triste.
37. Depois disso, o progenitor enviou uma mensagem de email à progenitora, na qual avisava que esta teria de ir ao Porto à casa da irmã dele, E. S., para recolher a I. C. se pretendesse ficar com esta na passagem de ano, como lhe cabia ficar, impondo-lhe que o fizesse sob pena de a filha o acompanhar em viagem e de só lha entregar no dia 7 de Janeiro.
38. A progenitora respondeu que recolheria a filha no dia e hora marcado, mas na residência do pai que constava do processo judicial e que pensava ser ainda em Braga.
39. A I. C. apenas seria entregue pelo progenitor à requerente no dia 7 de Janeiro de 2019, faltando a menor às aulas nesse dia, sem qualquer justificação.
40. Durante o resto do mês de Janeiro de 2019 o progenitor não efectuou qualquer visita aos filhos, alegando para isso “motivos de força maior”.
41. Apenas reapareceu no dia 1 de Fevereiro, no horário do almoço, no mesmo dia em que decorria a audiência de julgamento neste processo de regulação de responsabilidades parentais, à qual faltou sem justificação.
42. Dirigiu-se então ao colégio e pediu para levar consigo a I. C. a meio das actividades lectivas e faltando da parte da tarde, o que só não conseguiu levar a cabo porque a escola o não permitiu.
43. Na terça-feira, dia 5 de Fevereiro, o progenitor recolheu o D. C. e a I. C. no colégio, no final das actividades lectivas, não os entregando às 21:30 e ficando a pernoitar com eles.
44. Os meninos foram apenas entregues no dia seguinte, no colégio, sendo-o a I. C. apenas no final do período da manhã, faltando às aulas.
45. Nesse dia o progenitor informou que não poderia realizar a visita de quinta-feira, dia 7 de Fevereiro.
46. No dia 21 de Fevereiro de 2019, quinta-feira, o progenitor recolheu os filhos no respectivo estabelecimento de ensino (X), cerca das 16:00 horas, pretensamente apenas para com eles jantar, tal como previsto no regime provisório, devendo entregá-los na residência da requerente pelas 21:30 horas.
47. Porém, o progenitor não entregou os filhos logo nesse dia e reteve-os consigo, sem que alguma justificação, ou sequer, comunicação, tenha apresentado à mãe, não obstante as tentativas feitas por esta no sentido de contactá-lo e ao D. C..
48. No dia 22 de Fevereiro, sexta-feira, o D. C. e a I. C. faltaram às aulas, pois o progenitor não os entregou no colégio, isto sem que, mais uma vez, alguma justificação ou comunicação tenha efectuado à progenitora ou ao colégio, nesse dia ou posteriormente, ao longo de todo o fim-de-semana, pese embora esta tenha tentado contactá-lo várias vezes.
49. Ao progenitor cabia passar esse fim-de-semana com os filhos, entre as 16:00h de 22 de Fevereiro (sexta-feira) e as 21:30 horas de 24 de Fevereiro (domingo), altura em que deveria entregá-los na residência da mãe, o que, no entanto, o progenitor não fez, nem tampouco deu qualquer notícia dos filhos à progenitora, subsistindo a impossibilidade de contactos.
50. O D. C. foi entregue pelo progenitor na casa da progenitora no Domingo à noite, 24 de Fevereiro, não tendo aquele, no entanto, entregado a I. C..
51. Nesse dia, pelas 23:43 horas, o progenitor enviou ao colégio, com conhecimento à progenitora, um email, no qual se limitava a informar que, por motivo de gastroenterite, a I. C. não compareceria às aulas na segunda-feira.
52. No dia 25 de Fevereiro de 2019 a I. C. voltou a faltar às aulas, posto que, mais uma vez, o pai não a levou ao colégio.
53. Pelas 21:40h desse dia, o progenitor enviou um email à progenitora e ao colégio, informando que “A I. C. esteve hoje com diarreia e náuseas, embora tivesse diminuído a intensidade dos sintomas no final da tarde. Após o jantar, às 20h, voltou a sentir-se indisposta, mantendo-se os sintomas de gastroenterite, não estando ainda em condições de regressar imediatamente às aulas”, o que não correspondia à verdade, pois que a I. C. não padeceu de doença alguma.
54. Nesse email comunicou também o progenitor à progenitora que se a I. C. melhorasse, ser-lhe-ia entregue no dia 26 de Fevereiro de 2019, juntamente com o D. C., após o horário normal das visitas de terça-feira.
55. Nessa terça-feira o progenitor não só não foi buscar o D. C. para qualquer visita, como também não entregou a I. C..
56. Durante todo o resto da semana, dias 27 e 28 de Fevereiro, e 1 de Março – quarta, quinta e sexta-feira –, o progenitor reteve a I. C. e não a entregou à mãe.
57. No dia 27 de Fevereiro de 2019, a fls. 789 dos autos, foi proferido despacho ordenando a emissão de mandados às autoridades policiais, para localização urgente da menor I. C. e subsequente entrega da mesma à progenitora, e determinando ainda a suspensão das visitas dos menores ao progenitor.
58. Durante todo esse tempo o progenitor manteve-se incontactável, nunca informou a progenitora do local ou locais onde se encontrava com a filha, para que pudesse ir buscá-la, nem nunca permitiu que a I. C. falasse com a mãe.
59. A I. C. permaneceu desaparecida desde o dia 21 de Fevereiro de 2019 até ao dia 2 de Março de 2019, data em que a Polícia Judiciária a localizou juntamente com o progenitor no … Shopping, procedendo à detenção deste e conduzindo-os às instalações daquela Polícia na cidade do Porto.
60. Por acção do progenitor, que não a levou ao colégio, a I. C. faltou às aulas no dia 22 de Fevereiro de 2019 e durante toda a semana seguinte, de 25 de Fevereiro a 1 de Março, o que prejudicou a sua aprendizagem.
61. Por causa da actuação do pai, a I. C. foi abordada por agentes policiais e conduzida às instalações da Policia Judiciária, onde teve de prestar declarações, e foi confrontada com a detenção do pai por agentes daquela Polícia.
62. A I. C. foi entregue à mãe nas instalações da Polícia Judiciária e, antes disso, no dia 28 de Fevereiro de 2019, ainda foi levada pelo pai a uma esquadra da Polícia de Segurança Pública, em Custóias, onde foi lavrado o auto de fls. 897 vº.
63. Quando, no sábado, dia 2 de Março, a progenitora, após receber um telefonema da directoria do Porto da Polícia Judiciária, se deslocou ali - na companhia da sua irmã, M. M. – para receber a filha, encontrou-a num gabinete de um dos agentes, vestida com o fato de treino do uniforme do colégio, com os cabelos em desalinho como se não os lavasse há muitos dias.
64. Ao ver a mãe, a I. C. escondeu-se debaixo de uma secretária, chorava e dizia que não queria ir para casa.
65. Durante cerca de duas horas, a I. C. apenas aceitava a proximidade física do agente A. P., que teve de aguardar até cerca das 21:00h para sair do serviço, esperando a chegada da mãe de uma colega de turma da I. C., Dra. J. A., que é psicóloga, a quem a progenitora telefonou a pedir ajuda e que se deslocou ao Porto para esse efeito.
66. A I. C. aceitou então sair com a psicóloga, que a transportou até Braga, onde finalmente, já ultrapassada a aparente rejeição inicial da mãe, aceitou ir para casa.
67. Durante a viagem, em conversa com a psicóloga, quando esta lhe deu conta que os amigos tinham sentido falta dela na escola, a I. C. proferiu expressões como “só o meu pai é que gosta de mim, ninguém gosta de me ouvir cantar, só o meu pai é que gosta de me ouvir”.
68. A I. C. sempre teve um excelente relacionamento com a mãe, que é sua figura de referência e fonte de segurança.
69. No período em que a I. C. esteve desaparecida durante o mês de Fevereiro, soube a progenitora, pelo D. C., que o progenitor já não reside em Braga desde Setembro/Outubro de 2018, o que o progenitor escondeu quer da progenitora, quer do Tribunal, e fez com que os filhos ocultassem também da mãe, induzindo-os para que lhe mentissem.
70. O progenitor não possui neste momento residência conhecida nem certa e, por isso, quando tem os filhos consigo leva-os para locais desconhecidos da progenitora.
71. Desde que deixou de ter residência em Braga, o progenitor, nos dias em que não pernoitou com os filhos, nomeadamente às terças e quintas-feiras, tem permanecido praticamente todo o tempo que passa com eles em centros comerciais, o que, além de tudo, impede que as crianças estudem e possam fazer os trabalhos de casa ou, então, que os façam nesses locais, onde não dispõem de condições para estudar nem para descansar.
72. Nos dias em que tem pernoitado com os filhos, nos períodos previstos no regime em vigor ou sempre que os retém consigo ilicitamente, passou, também desde Setembro/Outubro de 2018, a ficar com eles em estabelecimentos hoteleiros e de alojamento local, ou por vezes em casas de familiares, o que perturba e condiciona as rotinas do D. C. e da I. C., causando-lhes instabilidade no seu quotidiano e nas suas vivências.
73. Por despacho proferido nos autos a 10 de Abril de 2019, decidiu-se revogar a decisão cautelar de 27 de Fevereiro anterior, na parte em que determinou a suspensão das visitas paterno/filiais, e simultaneamente, alterar o regime convivial em vigor.
74. Concretamente, no que respeita ao período das férias escolares da Páscoa, decidiu-se que o progenitor passaria com os filhos o período compreendido entre as 10:00 horas do dia 19 de Abril (sexta-feira) e as 21:30 horas do dia 21 de Abril (domingo).
75. Depois de ter recolhido os menores no dia 19 de Abril, quando a progenitora tentou contactar os menores ou o progenitor, não o conseguiu, voltando a não conseguir falar com os filhos e a não ter quaisquer notícias deles.
76. No domingo, 21 de Abril, o progenitor não entregou os filhos à mãe, a quem não deu qualquer satisfação.
77. Perante isto, a progenitora voltou a tentar, por múltiplas vezes, contactar o progenitor, a quem fez várias chamadas e enviou diversas mensagens e emails, sempre sem êxito e sem resposta.
78. Do mesmo modo, tentou saber dos filhos através da irmã do progenitor e do seu sobrinho, a quem enviou mensagens electrónicas, às quais não obteve também qualquer resposta, o que motivou que, cerca da meia-noite desse dia, tivesse participado o ocorrido à Guarda Nacional Republicana.
79. O mesmo cenário manteve-se ao longo de todo o dia seguinte – segunda-feira – durante o qual a progenitora continuou a não ter notícias dos filhos e a não conseguir falar com eles, mantendo-se o progenitor incontactável.
80. Nesse dia, à noite, o progenitor deixou o D. C. à porta de casa da progenitora, não entregando, no entanto, a I. C., mais uma vez sem que qualquer explicação ou comunicação tenha efectuado à mãe, que assim permaneceu sem saber da filha.
81. Nessa ocasião disse o progenitor ao D. C. que iria com a irmã a um café e que depois a deixaria também na casa da mãe, regressando este a casa convencido que a I. C. juntar-se-lhes-ia logo de seguida.
82. De acordo com o D. C., nesse fim-de-semana tinham estado com o pai em …, Espanha, num hotel.
83. Na segunda-feira, dia 22 de Abril, a progenitora voltou a tentar contactar o progenitor e enviar-lhe mensagens a insistir por saber da filha e que ele lha entregasse, lembrando-o ainda de que a criança tinha uma consulta no dia seguinte e um trabalho escolar por fazer, sempre sem êxito, posto que não teve dele qualquer retorno.
84. No final desse dia, o progenitor, através de mensagem e de chamada telefónica, contactou a progenitora através da aplicação WhatsApp, com um número de telefone desconhecido por ela (+351 ………), para, então, lhe “propor” a entrega da I. C. na quinta-feira posterior, com o pretexto de que a criança não queria voltar para casa dela.
85. A progenitora solicitou-lhe então que a deixasse falar com a I. C., o que, no entanto, não conseguiu.
86. Na quarta-feira, dia 24 de Abril de 2019, através da rede social Messenger, a progenitora recebeu um vídeo gravado da I. C., que, mostrando-se constrangida, lhe comunicou que estava bem e perguntou por essa via se podia ficar com o pai mais uns dias, até quinta ou sexta-feira, não conseguindo, no entanto, a progenitora, mais uma vez, falar com a filha.
87. Na quinta-feira e na sexta-feira, dias 25 e 26 de Abril de 2019, o progenitor continuou a não entregar a I. C. à mãe, a não lhe permitir que falasse com a filha e a não lhe revelar o paradeiro dela.
88. Somente no dia 27 de Abril, sábado, o progenitor foi ao local da residência da progenitora, acompanhado pela I. C..
89. A I. C., que estava visivelmente alterada, recusou-se sair do carro e ficar com a mãe, nada fazendo o pai para lha entregar.
90. Face à recusa da filha, a reacção do progenitor foi preparar-se para ir embora, o que, numa primeira fase, não conseguiu, pois a progenitora tirou-lhe a chave da viatura.
91. Acto contínuo, o progenitor agarrou-a e atirou-a para o chão, acabando depois por arrancar com a viatura, levando consigo a I. C., que assim não entregou.
92. No domingo, 28 de Abril de 2019, o progenitor deslocou-se à casa da progenitora, acompanhado da I. C., fazendo-se ambos transportar num táxi.
93. Chegado a casa da progenitora, o progenitor saiu do táxi a correr, no que foi, acto continuo, seguido pela I. C., com quem andou depois para trás e para diante, durante horas, sem que a tenha entregado à mãe.
94. Apenas no dia 29 de Abril de 2019, coincidente com o primeiro dia de aulas no colégio frequentado pela criança, após as férias da Páscoa, o progenitor acabou por deixar a I. C. na escola.
95. Somente nessa data, passados dez dias sobre a última vez que a viu e falou com ela, teve a progenitora conhecimento do paradeiro da sua filha.
96. No dia 10 de Maio de 2019, sexta-feira, o progenitor foi buscar os filhos ao colégio e passou com eles todo o fim-de-semana seguinte.
97. No dia 12 de Maio de 2019, Domingo, o progenitor, na companhia da sua ex-cunhada, E. R., deslocou-se com ambos os filhos à residência da progenitora.
98. Chegados a casa da mãe a I. C. manteve-se no exterior da residência, dentro do carro, extremamente nervosa e num estado de descontrolo emocional, recusando acompanhar a progenitora para a sua residência.
99. Enquanto a progenitora tentava acalmar a I. C. e convencê-la a regressar a casa, o progenitor nada fez no sentido de convencer a filha a ficar.
100. Nessa ocasião, gerou-se uma altercação entre o progenitor, por um lado, e a progenitora e uma tia materna dos menores que também aí se encontrava, por outro, o que foi presenciado pelo D. C., que teve de se interpor entre o progenitor e a mãe para que não ocorressem mais agressões.
101. O progenitor entrou então novamente no carro com a I. C., dizendo à ex-cunhada que arrancasse, indo embora com a filha, sem que, uma vez mais, a entregasse.
102. No 13 de Maio de 2019 a I. C. voltou a faltar à escola, pois o progenitor não a entregou no colégio.
103. Posteriormente a essa data, o requerido ausentou-se com a menor I. C. para parte desconhecida, sem que a progenitora dela tivesse quaisquer notícias, vindo apenas a ser localizada, na companhia do progenitor, na cidade de …, em Espanha, no dia 4 de Julho de 2019, onde o requerido foi detido ao abrigo de mandado de detenção europeu emanado de procedimento criminal que lhe foi instaurado e no âmbito do qual, uma vez transferido para Portugal, lhe foi aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por vigilância electrónica.
104. Após ter sido conduzida para uma casa de acolhimento situada na cidade de Vigo, por ordem das autoridades judiciais espanholas, a I. C. viria a ser entregue à progenitora, que ali se deslocou, no dia 5 de Julho de 2019.

ii) julgou NÃO PROVADO que:

a) A I. C. só aceita que seja a requerente a pentear-lhe o cabelo e a ajudá-la noutras tarefas de higiene e cuidado corporal.
b) Nos últimos anos de vida em comum, o requerido não fazia sequer refeições com a família durante a semana, não se levantava para acompanhar os filhos no pequeno-almoço e recusava almoçar ou jantar com o resto da família.
c) A única refeição partilhada em família era a de domingo, ao almoço, quando a sogra da requerente, vinha passar esse dia com o agregado familiar em causa, em Braga, na casa de morada de família.
d) Reportados aos últimos anos em que coabitaram, o requerido chegava a casa e isolava-se do resto da família, ora no escritório, ora no quarto.
e) Nunca se levantava antes dos filhos e da requerente saírem de casa, chegando a casa a horas aleatórias, sem um padrão fixo.
f) Era habitual, nesses últimos anos de coabitação, ficar a dormir todo o sábado de manhã, almoçar sozinho, já depois do resto da família o ter feito, e sair para passar toda a tarde no escritório, de onde só regressava à noite.
g) O requerido limitava-se a encontrar-se com os menores em horas tardias ao fim do dia, muitas vezes já com os menores jantados e sonolentos, depois das 21:00h, ou, mesmo, das 22:00h, excepto ao domingo.
h) O requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel de mãe, referindo-se aos familiares maternos como “gajos” ou “aqueles gajos”.
i) Os menores denotam forte condicionamento e falta de espontaneidade, não exprimindo livremente as suas vontades e opiniões na presença do requerido, com receio que a animosidade que este revela para com a requerente possa ser projectada sobre eles.
j) Os menores têm medo de referir algo que possa parecer ao requerido alguma forma de sintonia ou agrado para com a requerente, o mesmo valendo nas manifestações da vontade dos menores para com aquele.
k) A menor I. C. declarou não insistir no pedido de contactos com a mãe nos períodos de férias de Verão de 2017, por referir ter medo da reacção do pai (“para o pai não ficar zangado”).
l) O requerido retira da sua actividade profissional proventos nunca inferiores a € 1.500,00 mensais.
m) Cada um dos progenitores tem uma maneira diferente de se relacionar com os filhos, a mãe mais repressiva e autoritária, o pai mais dialogante e compreensivo.
n) Durante a comunhão conjugal, o D. C. e a I. C. conviviam, brincavam, faziam a higiene, eram alimentados, educados e cuidados diariamente mais de perto pelo pai.
o) O progenitor foi o cuidador do D. C. e da I. C. que convivia mais tempo com os filhos, com quem estes se sentiam mais próximos e seguros.
p) Foi o pai que cuidou do D. C. e da I. C. nos anos de clausura e ausências pela vida académica da requerente, que os deixava aos cuidados do pai, originando que a requerente manifestasse ciúmes e inveja, dizendo que as crianças só queriam o pai, não lhe obedeciam, etc..
q) Contrariamente ao acordado com os menores e o requerido, a requerente não entregou as crianças ao requerido para passarem as férias de Verão de 2016, suprimindo unilateral e potestivamente o direito de os menores passarem férias com o pai, obstando a qualquer convívio dos filhos com o progenitor, fechando-os na quinta da família para aquele não os conseguir sequer ver, chegando a incutir-lhes que o pai não os ia visitar porque não queria, provocando nestes a por ela desejada sensação de abandono e revolta contra o requerido.
r) Concomitantemente, a requerente e os seus familiares faziam comentários depreciativos sobre o pai à frente das crianças, dizendo-lhes que o pai não prestava, que não valia nada, que se gostasse mesmo deles os ia visitar, que não tinha dinheiro, etc., assim quebrando a boa imagem, respeito e laços afectivos existentes entre filhos e pai.
s) Só após o início do ano escolar de 2016/2017 o requerido pôde voltar a ver os seus filhos, deslocando-se à escola, diariamente, na hora de saída, aproveitando os atrasos da requerente, para conviver uns minutos com eles e almoçar uma vez por semana com o D. C..
t) Em meados de Outubro de 2016 a requerente descobriu esses convívios e passou a comparecer logo à hora da recolha das crianças e a invectivar o requerido por este lá estar, passando logo as crianças a demonstrar comportamentos de rejeição pelo pai se a mãe estivesse presente.
u) Os comportamentos da requerente de incentivo do conflito e de imposição de ausência do pai no dia-a-dia dos filhos, provocavam tristeza e instabilidade nas crianças, tornando-as intranquilas e inseguras, repercutindo-se negativamente no seu aproveitamento escolar, especialmente no D. C., que logo nos primeiros testes recebeu resultados fracos ou negativos.
v) O requerido era brindado pela requerente com os mais diversos ataques e insultos à sua pessoa à frente dos filhos, tornando até difíceis os contactos telefónicos daquele com as crianças, mercê dos berros e achincalhamento constantes que sofria quando os fazia.
w) Restou-lhe apenas comunicar com as crianças através do telemóvel do D. C., e mesmo este, por pressão constante da mãe, está impedido de contactos telefónicos livres com o requerido, ou de propiciar que a irmã por ele comunique com o pai, a ponto de o mandar desligar o telemóvel quando o progenitor lhe telefona.
x) No dia 24 de Dezembro de 2016 o requerido compareceu para levar os filhos a celebrar a consoada, mas a requerente não só o não permitiu, como ocultou dos menores a ida do pai em busca dos filhos, e, sabendo que o pai não iria lá no dia 25 de Dezembro, disse às crianças para se prepararem que o pai as iria buscar, fazendo-as estar à espera, causando-lhes sentimento de abandono e desinteresse do pai por este não comparecer.
y) Em 3 de Setembro de 2016, a requerida invadiu o domicílio do requerido com a ajuda do irmão M. J., que incentivou o D. C. a agredir o pai, dizendo-lhe “vira-te ao teu pai que eu estou aqui para te ajudar”.
z) O requerido tem cumprido integralmente as visitas aos filhos e o pagamento da pensão de alimentos, adquiriu o vestuário e o calçado necessários dos filhos para os dias que passam na casa do pai, que sempre alimentou correctamente com cinco refeições diárias, maioritariamente por ele preparadas em casa.
aa) Os menores sempre brincaram mais com o pai do que com a mãe.
bb) A progenitora manipula os filhos com o intuito de prejudicar e afectar os laços afectivos destes com o progenitor, tendo provocado sobretudo no D. C. sentimentos de temor e de ansiedade em relação ao pai, e um conflito de lealdade para com a progenitora residente.
cc) A requerente denegriu a imagem da pessoa do requerente perante os filhos, organizou diversas actividades para os possíveis dias de visita, de modo a inibi-las, afastou-os durante sete meses do convívio com o pai, não permitiu que o pai lhe entregasse os presentes no Natal de 2016, esconde e compete com o pai nos presentes comprados pelo requerido, achincalha a competência profissional e a situação financeira do requerido, pressionou o D. C. a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-os com a perda de condições de vida, abandono do X e amigos, manifesta às crianças desagrado quando por alguma forma elas exprimem satisfação ou contentamento por estarem com o requerido, com os familiares paternos ou com algo com este relacionado, recordou às crianças, com insistência, motivos ou factos ocorridos pelos quais deverão ficar aborrecidas com o outro progenitor, faz às crianças inquéritos sobre o que estas fizeram com o pai, sugeriu às crianças que o requerente é pessoa perigosa, participou falsas acusações de violência doméstica e de desaparecimento dos filhos à Polícia Judiciária, deu presente de modelo superior ao que o D. C. recebeu do pai, proibiu as crianças de levarem para casa do pai os brinquedos e roupas de que mais gostavam.
dd) O requerido nunca quis tirar ou afastar os filhos da requerente, é uma pessoa pacífica e construtiva que sempre procurou consensos e o diálogo para resolver as divergências.
ee) O requerido preocupou-se sempre em transmitir segurança e serenidade aos filhos, residindo num T3 mobilado, com todas as condições de segurança, higiene e conforto, em que o D. C. e a I. C. têm quarto próprio, internet, computadores, calçado, vestuário, secretárias, estantes, que lhes permitem estudar e ter uma vida e um desenvolvimento natural e saudável.
ff) As crianças adaptaram-se e gostam desta sua nova casa, onde já guardam os seus haveres pessoais e têm os seus espaços exclusivos.
gg) A residência do requerido é no mesmo concelho da escola dos menores e da residência da mãe, demorando pouco mais de 5 minutos a viagem de carro.
hh) No âmbito do período de férias escolares do Verão dos menores, o requerido propôs a entrega dos mesmos à requerente em 05 de Setembro de 2018, o que esta veio a aceitar.
ii) O requerido sabia do agendamento do exame de Biologia que o menor D. C. tinha para o dia 6 de Setembro de 2018.
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V.- Pretende a Apelante que se altere a decisão de facto, julgando provado parte do que consta da alínea h), e aditando “o estado físico-psicológico” da menor I. C., descrito pela testemunha J. A., quando foi recolhida em …, como se refere em 103 e 104 dos “factos provados”.

A) Relativamente à alínea h), fundamenta a Apelante que o Progenitor, referindo-se-lhe como “C. e não como mãe”, “revela uma postura de diminuição e de desvalorização do papel da mãe, por parte do pai”, demonstrando aos filhos “deliberadamente, o seu desprezo e o seu desrespeito pela progenitora e pela importância desta na vida deles”.
Propõe, assim, que se julgue provado que “O requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel da mãe”.
O Ministério Público referiu nas suas contra-alegações: “… para além de não estar minimamente circunstanciado, o sentido que se pretende extrair de um tal tratamento (uso do nome próprio) – a que se cingiu o depoimento da testemunha, sem que tenha formulado qualquer juízo de valor – se reconduz a um juízo conclusivo e não a um juízo fáctico, o único que releva no campo da matéria de facto”.
Com efeito, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 607.º do C.P.C., na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, com o que, em princípio, a decisão de facto deve estar expurgada de conclusões, quer de facto, quer jurídicas, e bem assim de factos irrelevantes.
Ora, relativamente à alínea h), a última parte da formulação proposta pela Apelante é conclusiva, quando muito consubstanciando um juízo valorativo pessoal, que a singela referência a alguém pelo nome próprio não consente nem se pode presumir, já que se desconhece o contexto em que o tratamento pelo nome ocorreu e se esse tratamento traduz uma alteração ao que era usual antes da separação.

B) Na conclusão 9 a Apelante, praticamente transcrevendo o depoimento da testemunha J. A. (de seu nome completo J. A.), em que se funda, elenca uma série de factos que se lhe afiguram essenciais “à aferição das idiossincrasias que envolvem a criança, da postura parental do progenitor e das consequências que a actuação deste têm no equilíbrio emocional e na estabilidade, afectiva e vicencial, dos filhos, em particular no que à I. C. diz respeito, sendo, pois, fundamentais à ponderação sobre o perigo que rodeia a manutenção dos convívios paterno/filiais…” (cfr. conclusão 8).
O Ministério Público, referindo que tais factos não tinham sido aportados para os autos, “caso o Tribunal tivesse exercido esse poder investigatório deparar-se-ia com um número excessivo de “factos” da mesma natureza dos elencados, o que tornaria desnecessariamente complexo o processado, sem que os mesmos sejam essenciais para a boa decisão da causa, tal como se encontram configurados, por consubstanciarem a mera reprodução do depoimento de uma testemunha, nem sempre directo nem despojado de juízos valorativos”.
C) Nos termos do disposto no art.º 12.º do R.G.P.T.C., os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária.
Os processos de jurisdição voluntária caracterizam-se essencialmente pelo reconhecimento, ao tribunal, de amplos poderes investigatórios, e por neles não vigorar o princípio do ónus da alegação e prova, devendo o tribunal conhecer de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas partes, como se alcança, designadamente, do disposto no n.º 2 do art.º 986.º do C.P.C..
Contudo, uma sentença, para mais desta natureza atentos os interesses em presença, não interessa que seja excessivamente expositiva quanto aos factos, sob pena de, como observa o Ministério Público, se tornar desnecessariamente complexa.
D) Muito embora, revisitado o depoimento através da gravação, se tenha ouvido da testemunha J. A. o relato dos factos assim como as frases que esta coloca “na boca” da I. C., e a Apelante pretende sejam trazidos para a decisão de facto, no que têm de essencial eles são coincidentes com a facticidade descrita nos n.os 64, 65 e 67.
Sem embargo, considera-se haver interesse em fazer registar a culpabilização da Apelante pela situação e a vitimização do Progenitor, por revelarem uma acção de instrumentalização deste em relação à menor I. C., condicionando-a nos seus sentimentos, emoções e reacções.
Outrossim interessa fazer registar o que consta do relatório de fls. 1428 e 1429 (V volume), posto que contém factos relevantes para a decisão, e ambos os Progenitores foram notificados do seu conteúdo e tiveram oportunidade de sobre ele se pronunciar, destarte se mostrando cumprido o contraditório.
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VI.- Considerado o acima exposto, é aditada à decisão de facto a seguinte facticidade, que se tem por provada:

105.- Quando a I. C. viu a mãe recusou-se a falar com ela e a acompanhá-la no regresso a Braga.
106.- A I. C. culpabilizava a mãe pela situação de separação do casal, afirmando que “ela é que se quis separar do pai”, e que “o pai gostava muito da mãe”, e que ele “era um advogado de sucesso” e agora “não ia poder defender ninguém porque toda a gente já sabia do processo dele”.
107.- Com início em 17/07/2020, ocorreram seis visitas/encontros do Progenitor e da menor I. C., sua filha, que foram acompanhadas e supervisionadas pelo “Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental 15 de Maio”.
108.- Tais visitas/encontros realizaram-se uma vez por semana, às quartas-feiras.
109.- Na última delas, em 23 de Setembro, o Progenitor trouxe vários pertences da I. C. para que os levasse consigo, e quando faltavam cinco minutos para terminar a visita informou-a que “não viria mais ao CAFAP”, não lhe dando qualquer justificação, nem a I. C. o questionou. Perguntou-lhe, porém, se podiam contactar através do “Messenger”, ao que a mesma respondeu afirmativamente.
110.- Já depois de terminada a visita, o Progenitor informou os Técnicos do CAFAP da decisão de não se deslocar mais ali “alegando motivos económicos” como factor que o impossibilitava de efectuar as deslocações do Porto para Braga e retorno ao Porto.
111.- Nas primeiras visitas/encontros a I. C. tinha uma postura mais retraída mas, de forma progressiva, foi revelando “descontração e à-vontade”, já se apresentando “nas últimas sessões” mais “descontraída, comunicativa e extrovertida, o que se refletiu na melhoria significativa da comunicação e interação com o pai”.
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VII.- O objecto do presente recurso é, apenas, a reapreciação do segmento decisório regulador do regime das visitas paterno/filiais, que a Apelante defende deverem ser totalmente suprimidas.
A questão alternativa do prolongamento do prazo de suspensão da convivência entre pais e filhos por um período “sempre superior ao fixado” pelo Tribunal a quo está já ultrapassada, ocorrendo quanto a ela uma inutilidade superveniente do recurso, como se retira da facticidade aditada.
E mesmo no que se refere ao regime de visitas importa apenas regular as da filha I. C., como deixou salientado a Apelante, visto que o filho D. C., que nasceu em -/05/2003, já completou 17 anos de idade, e manifestou a sua posição quanto a esta parte.
Para além da já assinalada, é outra característica específica dos processos de jurisdição voluntária a de o tribunal não estar sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso - cfr. art.º 987.º do C.P.C. –, constituindo uma terceira a vertida no art.º 988.º, que, numa aparente mitigação do caso julgado, permite que as resoluções possam sempre ser alteradas se se verificarem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, proporcionando pensar a decisão tendo em consideração a evolução que a situação conheceu, de modo a encontrar uma solução que dê resposta às novas circunstâncias entretanto verificadas.
Como foi salientado pelo Tribunal a quo, e o Ministério Público, nas suas contra-alegações põe em relevo, nos processos que respeitem a crianças e jovens o primado é o dos seus interesses.
Dispõe o n.º 1 do art.º 3.º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança que “todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas, ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridade administrativa ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.
A mesma preocupação se verifica na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ao transcrever aquele princípio no dispositivo relativo aos direitos das crianças – art.º 24.º, n.º 2.
Como escreve ROSA CÂNDIDO MARTINS “A Carta acolheu o novo entendimento da criança como ser humano em desenvolvimento, especialmente vulnerável mas dotado de uma capacidade progressiva, carecido de especial protecção mas também sujeito ativo na construção do seu futuro ao qual devem ser reconhecidos direitos específicos. Adoptou também uma perspectiva dos direitos da criança centrada na própria criança ao erigir como critério orientador fundamental o melhor interesse da criança relativamente a todas as decisões e atos que lhe digam respeito e ao reconhecer-lhe o direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, o direito a exprimir livremente a sua opinião e a que esta seja tomada em consideração nos assuntos que lhe dizem respeito e o direito de manter relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores” (in “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” Comentada, Almedina, págs. 305-311).
É ainda esta ideia que estará subjacente ao referido por RUI PAULO COUTINHO DE MASCARENHAS ATAÍDE, segundo o qual “A auto-representação, a sociabilidade e a capacidade dos futuros adultos na definição dos respectivos projectos de vida, dimensões que fazem parte do conteúdo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, dependem, em larga medida, da estabilidade e maturidade emocionais que lhes tenha sido assegurada, enquanto menores, pelos cuidados materiais e afectivos dispensados por ambos os pais, quaisquer que tenham sido as vicissitudes que afectaram a respectiva vida em comum, nomeadamente, quando determinaram a sua cessação.” (ut “Poder Paternal, Direitos da Personalidade e Responsabilidade Civil”, in “Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, pág. 408).
No Projecto de Lei n.º 509/X, que esteve na origem da Lei n.º 61/2008, ficou claramente expresso que “o exercício das responsabilidades parentais deve ser estipulado de forma a que a criança possa manter relações afectivas profundas com o pai e com a mãe, bem como ser o alvo de cuidados e protecção por parte de ambos em ordem à salvaguarda do seu superior interesse” (in pág.1 da “Exposição de Motivos”), e, referindo-se concretamente ao divórcio, ficou expressa a importância de os filhos serem “poupados a litígios que ferem os seus interesses” (in pág. 8).
Na douta sentença aprecianda o Meritíssimo Juiz, depois de descrever o quadro fáctico da situação, concluiu que o regime que melhor se adequava era o das visitas acompanhadas e supervisionadas, considerando que “no processo” não estavam reunidos “elementos actuais que permitam estabelecer um regime de visitas definitivo que acautele o interesse dos menores”.
O Ministério Público manifesta a sua concordância com o regime que foi estabelecido porque assegura “por um lado, a preservação de uma relação que mantenha, dentro do possível, os vínculos afectivos positivos existentes entre pai e filhos e afastando, por outro, o surgimento de novos ambientes destrutivos de tais vínculos”, concluindo que “os contactos supervisionados garantem aos menores o direito à convivência familiar e protegem-nos de possíveis agressões, sendo certo que o afastamento radical do pai das suas vidas seria contraproducente para a auto-estima de ambos, que passa necessariamente pela recuperação da imagem dessa figura parental, de que também carecem para um crescimento saudável e harmonioso”.
As considerações acima transcritas merecem inteira adesão.
Com efeito, mau grado estas crianças não terem sido poupadas ao litígio que trazem os seus Progenitores, e apesar da censurabilidade apontada à conduta do Progenitor, sabe-se que a criança tem sempre como suas referências o pai e a mãe, que para ela estão numa posição de paralelismo integral, e por isso lhe causa um grande sofrimento quando é colocada em situações que conduzam a ter de escolher um e rejeitar o outro.
O conflito interno que se gera pode ter consequências bem gravosas na formação e desenvolvimento da sua personalidade, que se poderão reflectir no futuro, e, por isso, os progenitores devem evitar, de todo, as manipulações e chantagens e, em geral, tudo aquilo que possa representar desprezo, depreciação ou mesmo desdém pelo outro.
A criança deve desfrutar de um ambiente que a faça sentir segura, porque ele é dinamizador do seu desenvolvimento como pessoa “mais tranquila e com melhor resiliência, assertividade e capacidade de gestão do stresse”, como afirma MÁRIO CORDEIRO (in “O Livro da Criança Do 1 aos 5 anos”, 4.ª ed., pág. 513)
O regime de visitas, na medida em que, como foi salientado, permite manter os laços de afectividade, necessários ao crescimento equilibrado da criança, podendo ser suspenso, mas apenas “pelo período de tempo que se revele estritamente necessário” como se refere no n.º 3 do art.º 40.º do R.G.P.T.C., não pode ser totalmente excluído se não nos casos que se revistam de uma gravidade muito acentuada, como os que poderão justificar a inibição total do exercício das responsabilidades parentais.
De salientar que quando, há quatro anos, os presentes autos se iniciaram, a Menor tinha apenas oito anos de idade. Neste momento já conta com quase 12 anos, a entrar na fase da pré-adolescência.
A sua capacidade crítica e de discernimento é agora necessariamente maior, o que faz com que a sua opinião deva ser ouvida e atendida.
Os convívios acompanhados constituíram uma boa experiência, fazendo crer que a solução encontrada foi, de facto, a adequada porque permitiu à Menor reatar os contactos com o Pai, com o qual tem uma boa relação, e a presença de uma pessoa estranha constituiu um eficaz instrumento de contenção de eventuais recidivas comportamentais.
É, pois, de manter este regime, contando que o passar do tempo trará o amadurecimento próprio da idade, e a resolução dos conflitos traga a acomodação das relações, para que a Menor possa exercer o seu direito de viver e conviver com cada um dos Progenitores, liberta de qualquer factor ou circunstância que possa afectar o seu equilíbrio emocional.
Mau grado haver notícia nos autos de o Progenitor pretender que os contactos com a sua filha se façam por videoconferência, não pode este Tribunal de recurso emitir pronuncia sobre a des/adequação desta sua pretensão, cingido que está ao objecto do recurso.
No que à pretensão recursiva respeita, cumpre recusar-lhe provimento.
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C) DECISÃO

Considerando quanto vem de ser exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pela Apelante.
Guimarães, 17/12/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho