EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
DIREITO DE VISITA
Sumário

I) Na decisão – ainda que provisória - sobre o exercício das responsabilidades parentais, em caso de divórcio, o tribunal procede de harmonia com o interesse da criança, incluindo o de manter uma relação de proximidade com os dois progenitores, devendo privilegiar a decisão que favoreça amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (cfr. artigo 1906.º, n.º 7, do CC).
II) O direito de visita deve ser entendido como o direito da criança a se relacionar, conviver e a ter contacto com o progenitor a quem não se encontre atribuída a guarda, constituindo, para o progenitor em questão, um poder-dever de se relacionar e conviver com o seu filho, fundamental para a manutenção dos laços afetivos entre ambos e para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da personalidade da criança.
III) A negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1918º do CC) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (artigo 1915º do CC), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação constituir a medida de último termo, incumbindo ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de prova de que este convívio é prejudicial para a criança.
IV) Não se verificando motivo para impedir ou restringir as visitas, devem ser possibilitados ao progenitor não guardião amplos contactos com a criança que permitam que o mesmo possa continuar a exercer, cabalmente, as suas responsabilidades parentais para com o filho.
V) No caso dos autos, o interesse superior das crianças, quer na vivência com ambos os pais, quer na convivência entre irmãos, não justifica a adoção de um regime provisório mais restrito que implique o impedimento de pernoita daquelas na residência do progenitor não guardião.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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Por petição inicial apresentada em juízo em 22-11-2019, JF… instaurou contra CA… ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, requerendo a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos, menores de idade, EA… e FA...
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Em 06-02-2020 teve lugar tentativa de conciliação, no âmbito da qual foi decretado o divórcio entre requerente e requerida, convolado para divórcio por mútuo consentimento.
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Da ata da referida tentativa de conciliação ficou a constar, designadamente, o seguinte:
“(…) Nesta altura, pela Ré foi junto aos autos relatórios médicos dos menores, que depois de visto e rubricado, a Mm.ª Juíza ordenou que se juntassem aos autos.
Nesta altura pela Ré foi dito que aufere um salário liquido no montante aproximado de 1000,00€ (mil euros), auferindo ainda outros valores extra por fazer relatórios à peça. Como despesas paga 300,00€ (trezentos euros) mensais de empréstimo à habitação e 280,00€ (duzentos e oitenta euros) relativo a terapias de um dos menores.
Pelo Autor foi dito que aufere um salário líquido de cerca de 600,00€ (seiscentos euros), não paga renda mas contribui para as despesas da casa da sua mãe onde reside actualmente.
Declaram ainda existir dois imóveis para além da casa de morada de família, estando estas arrendadas por 520,00€ (quinhentos e vinte euros) e 600,00€ (seiscentos euros) e que tais rendimentos prediais estão a ser totalmente afectos às mensalidades do colégio de ambos os menores.
Mais declararam o seguinte:
I. Prescindir mutuamente de alimentos;
II. Casa de morada de família: fica atribuída à Ré;
III. Bens Comuns, sendo três imóveis localizados na Charneca da Caparica, que avaliam em cerca de 100.000,00€ (cem mil euros), Almada, que avaliam também em cerca de 100.000,00€ (cem mil euros) e Lisboa que avaliam em cerca de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), tendo ainda como passivo o crédito no Banco Caixa Geral de Depósitos no montante actual de cerca 100.000,00€ (cem mil euros);
IV. Animais de estimação: duas gatas que ficarão a viver com a cônjuge-mulher na casa de morada de família;
V. Quanto ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, EA… e FA…, as partes chegaram ao seguinte:
ACORDO PARCIAL DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
1. Os menores ficarão a residir com a mãe.
2. As responsabilidades parentais dos menores serão partilhadas por ambos os progenitores.
3. A mensalidade do colégio que os menores frequentem, desde que a escolha do mesmo seja de acordo de ambos é suportado na proporção de 50% por cada progenitor, sendo que actualmente o pai concorda que frequentem o colégio
4. Autor e Ré estão de acordo em que se fixe a pensão de alimentos em 660,00€ (seiscentos e sessenta euros) para ambos os menores a prestar nos seguintes termos:
a) O pai contribuirá com o montante mensal de 50,00€ (cinquenta euros) para cada menor mediante transferência bancária até ao dia 8 de cada, actualizável anualmente segundo os índices de inflação publicados pelo INE;
b) O pai contribuirá com o montante mensal de 560,00€ (quinhentos e sessenta euros) correspondente à sua parte que lhe cabe em rendimentos prediais comuns do casal e que desse modo será totalmente afecto ao pagamento da mensalidade, inscrição e todos os pagamentos a realizar ao colégio actualmente frequentado pelos menores, assim como as colónias de férias a frequentar no Verão tudo a pagar pela mãe.
c) Os pais suportarão na proporção de metade as despesas médicas e medicamentosas de ambos os menores, para tanto o progenitor que efectuar a despesa apresenta ao outro progenitor no prazo máximo de trinta dias o comprovativo de tal despesa, devendo o outro efectuar em quinze dias.
d) Os pais suportarão ainda na proporção de metade as despesas com actividades extracurriculares relativamente às quais exista acordo de ambos quanto a estas, actualmente os menores frequentam o judo e o piano. O pai não se opõe a que a mãe leve os menores a frequentar a ginástica, no entanto, não se compromete a assegurar a frequência da mesma quando estes eventualmente se encontrem consigo.
5. Os períodos de férias escolares de Carnaval, Páscoa e Natal serão repartidos equitativamente por ambos os progenitores.
6. Os dias referentes ao Natal, Ano novo, Páscoa, Aniversários, Dia do Pai e Dia da Mãe, serão acordados entre os pais mediante a ponderação de disponibilidade de férias de ambos.
7. Na ausência de acordo os menores privarão de forma alternada com os progenitores a véspera de dia de Natal, o dia de Natal, a véspera do dia de Ano Novo, o dia de ano Novo, o dia Carnaval e o dia de Páscoa (nos dias de Carnaval e de Páscoa almoçam e jantam, alternadamente, com cada um dos progenitores), escolhendo o pai nos anos pares e a mãe nos ímpares.
8. Também na ausência de acordo, no dia de aniversário dos Menores estes almoçam e jantam, alternadamente, com os Progenitores, e o dia do aniversário dos progenitores bem como no Dia da mãe e Dia do pai, será passado com o aniversariante/progenitor, sempre sem prejuízo das suas obrigações escolares e períodos de descanso.

Não existe acordo quanto a matéria de visitas e férias escolares de Verão, estas últimas quanto à duração dos períodos a passar com o pai.
Relativamente a visitas dos menores ao pai pela Ré foi dito que não concorda que para já as visitas sejam com pernoita devendo tais visitas serem apenas durante o dia e propondo um regime de visitas nos seguintes termos:
- o pai poderá estar com os menores todas as quartas-feiras das 17 horas às 20 horas;
- o pai poderá estar com os menores aos sábados ou domingos interpolados das 15 horas às 20 horas.
Pelo Autor foi dito que relativamente a visitas mantém a posição constante da petição inicial.
Relativamente a férias escolares de verão pela Ré foi dito pretende que os menores passem com o pai dois períodos de uma semana e não dois períodos de duas semanas como peticionado pelo autor.
As declarações ficaram gravadas através da aplicação “Media Studio”, do programa “Citius” com a duração de (00.00.01s a 00.00.00s).

Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Publico pelo mesmo foi proferida a seguinte:
PROMOÇÃO
“Promovo que se homologue o acordo a que as partes chegaram.
Mais promovo que se fixe um regime provisório relativamente a fins-de-semana e períodos de férias de verão nos moldes propostos pelo pai na petição inicial, nos seguintes termos:
a) Os menores passarão com o pai dois fins-de-semana consecutivos, seguido de um fim-de-semana com a mãe e assim sucessivamente, ficando a cargo do pai recolher os menores quando em período escolar na escola à 6ª feira ao fim dos tempos escolares, ou, fora dos períodos escolares, em casa da mãe até às 19h, entregando-os no domingo em casa da mãe até às 21h ou na escola na segunda-feira ao início das suas actividades escolares. Os fins-de-semana do pai iniciam a 14 de Fevereiro.
b) Nas interrupções lectivas de Verão, os Menores ficarão à guarda do pai em dois períodos de quinze dias, num total de trinta dias, nas férias laborais deste, por acordo a efectuar até 31 de Março de cada ano ou, na falta de acordo, nos anos pares, será o pai a escolher os períodos de férias e nos anos ímpares esse direito será da mãe.
Promovo ainda que se autue por apenso um Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais e no âmbito desse apenso se solicite ATE.”

Dada a palavra ao ilustre Mandatário do Autor pelo mesmo foi dito que não se opõe a que seja autuado por apenso um Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais

De seguida pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Nos termos do disposto no art.º 931º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, defere-se a pretensão das partes e determina-se a convolação do presente processo para Divórcio por Mútuo Consentimento.

De seguida pela Mm.ª Juiz foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
JF… (…) e CA… (…) casaram entre si no dia … de Outubro de 2006, vieram requerer que fosse decretado o Divórcio por Mútuo Consentimento.
Por se considerarem acautelados os interesses dos requerentes, nos termos dos art.ºs 931º e 994º e ss do CPC, homologo os acordos a que chegaram relativamente ao destino de casa de morada de família, ausência de alimentos entre cônjuges e relativamente à Regulação das Responsabilidades Parentais relativas aos menores, EA… e FA… homologo o acordo parcial alcançado ficando as partes obrigadas a cumpri-lo nos seus precisos termos.
Relativamente aos aspectos que não foi possível alcançar acordo concretamente a duração do período de ferias de verão a gozar pelos menores junto do pai e o regime de visitas a este tendo em conta as declarações prestadas por ambos as quais resulta nesta fase terem ambos os pais capacidade e vontade de conviver com os seus filhos por forma a permitir que estes tenham uma relação mais próxima possível com ambos os pais fixa-se provisoriamente ao abrigo do art.º 931, n.º 7 do CPC o regime correspondente ao doutamente promovido.
Determino ainda que se proceda conforme promovido quanto à autuação por apenso Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais por forma a que estas possam ser decididas autonomamente aí se solicitando o encaminhamento para uma ATE, com cópia desta acta e da petição inicial.
Em consequência das homologações antecedentes declaro dissolvido o casamento existente entre o interveniente JF… e CA…, decretando o divórcio entre eles.
Custas pelo Autor uma vez que não houve oposição, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
Notifique e registe.
Averbe no rosto dos autos a alteração do divórcio para mútuo consentimento (…)”.
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Não se conformando com a referida decisão, dela apela a requerida, formulando as seguintes conclusões:
“(…) a. O presente recurso foi interposto pelo Recorrente, ora Apelante, da (…) decisão proferida a 6 de fevereiro de 2020 que definiu provisoriamente o regime de visitas dos seus dois filhos menores e, em consequência, determinou que os menores passassem a pernoitar dois fins de semana com o Pai e um fim de semana com a Mãe.
b. Ora, salvo melhor entendimento, considerando as questões de facto e de direito que se encontram em discussão, a decisão do Tribunal a quo não foi, na perspetiva da ora Apelante, a mais acertada, não tendo assegurado o superior interesse dos menores.
c. Isto porque, para salvaguardar o bem-estar dos menores, dever-se-ia criar um regime transitório que permitisse que os menores, mais especificamente ao menor E…, adaptar-se às alterações decorrestes da separação dos Pais e, em consequência, à pernoita aos fins de semana em casa o Apelado. Veja-se:
d. A Apelante e o Apelado casaram em 21 de Outubro de 2006 e tiveram dois filhos em comum, o E… com 5 anos e o F… com 3 anos.
e. Decorridos 13 anos, a relação entre os cônjuges deteriorou-se, tendo o casal deixado de partilhar uma vida conjunta e, consequentemente, de residir na mesma habitação (dia 15 de agosto de 2019).
f. Como a Apelante e o Apelado não conseguiram lograr acordo relativamente ao regime de visitas dos menores, o Apelado, sem comunicar à Apelante, instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento com regulação das responsabilidades parentais dos menores.
g. Alegando, para tanto, que a Apelante tem comportamentos impulsivos e desordeiros, destabilizando e agredindo-o psicologicamente.
h. O que não corresponde à verdade, pois que o Apelado é que apresenta um comportamento instável e conflituoso, inquietando constantemente a Apelante, em consonância com a sua doença bipolar que o afeta.
i. No passado dia 6 de fevereiro de 2020, decorreu a tentativa de conciliação entre a Apelante e o Apelado, não tendo as partes logrado acordo relativamente às responsabilidades parentais dos seus filhos menores.
j. Deste modo, face à não concordância, o Tribunal a quo decidiu provisória que os menores deveriam pernoitar dois fins de semana com o Pai e apenas um fim de semana com a Mãe.
k. Facto que, salvo o devido respeito, não tem qualquer cabimento.
l. É a Apelante quem cuida e acompanha os filhos diariamente à escola e às atividades, não sendo correto que não os possa acompanhar aos fins de semana, pelo menos em fins de semana alternados.
m. Além disso, conforme referido, o filho mais velho da Apelante e do Apelado tem uma patologia que o leva a isolar-se social e comunicacionalmente, tendo necessidade de frequentar terapia-ocupacional e terapia da fala.
n. A equipa médica que acompanha o menor (pediatras, terapeuta ocupacional e terapeuta da fala) tem manifestado a sua preocupação face a uma possível alteração na rotina, pois que segundo os relatórios médicos, tais alterações podem retroceder o que o menor conseguiu alcançar ao longo dos últimos anos. Acresce que,
o. Contrariamente ao alegado pelo Apelado em sede da petição inicial, a Apelante pretende que os seus filhos tenham convivência e que criem laços afetivos com o Pai, ora Apelado.
p. No entanto, não se poderá esquecer que está em causa o bem-estar de duas crianças, uma delas com necessidades especiais, habituadas a conviver essencialmente com a Mãe, ora Apelada.
q. É necessário existir um período de adaptabilidade, onde o regime de visitas dos menores não os afeta emocional, nem psicologicamente.
r. Pois que, não se pode esquecer que está em causa o bem-estar de duas crianças de 3 e 5 anos.
s. A Apelante prioriza o bem-estar dos menores e pretende que se desenvolvam num ambiente saudável, contudo, para que isso seja possível, é fundamental que as crianças mantenham as suas rotinas e atividades, mais concretamente o menor E…, a terapia ocupacional e a terapia da fala.
t. Contudo, não obstante a vontade da Apelante, a mesma tem alguma dificuldade em acreditar no Apelado, uma vez que este não tem trabalho fixo, não tem casa própria, não tem carro, vive com a mãe e vive uma vida desorganizada sem qualquer rotina diária.
u. O que não coaduna com a educação de duas crianças, especialmente quando uma delas tem uma patologia que necessita de cuidados especiais.
v. Note-se: o Apelado foi diagnosticado com bipolaridade, sendo que poderá ter variações de humor, apresentando, por isso, uma forte propensão para alterar os seus comportamentos.
w. Pelo que, como é natural de uma mãe preocupada e interessada pelos seus filhos, a Apelante tem algumas reservas em relação ao bem-estar dos seus filhos.
x. Isto porque, ao contrário do alegado pelo Apelado, este não tem um comportamento consistente, nem equilibrado.
y. Termos em que, o Apelado não está preparado (neste momento) para ficar com os dois filhos menores um fim de semana inteiro, pelo que, o regime provisório é prejudicial para o bem-estar dos menores e para o equilíbrio emocional do Apelado, conforme o enquadramento clínico o impõe.
z. Desta forma, é necessário garantir o bem-estar dos menores aplicando um regime transitório de visitas.
aa. Assim, a Apelante propõe o seguinte regime de visitas:
- os menores, durante um período de 6 meses, passam um dia em cada fim de semana com o Pai, das 9h às 20h;
- depois dos primeiros 6 meses, os menores passam a pernoitar uma noite, em fins de semana alternados, com o Apelado;
- decorridos mais 6 meses, os menores passam a pernoitar um fim de semana alternado com cada progenitor;
Sem prejuízo de se reduzir os períodos de 6 meses acima mencionados caso os menores revelem facilidade em se adaptarem.
bb. Desta forma, o regime de visitas defende os interesses dos menores, evitando períodos de instabilidade e de quebra repentina das rotinas que, conforme verificámos, não é o aconselhável para os menores (…)”.
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O requerente contra-alegou concluindo pela improcedência da alegação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª A decisão recorrida não merece censura porque acautela o superior interesse dos menores nos pontos da Regulação das Responsabilidades Parentais em que não foi obtido o acordo dos progenitores.
2.ª A decisão recorrida deverá ser integralmente confirmada nos seus precisos termos devolvendo-se ao tribunal a quo não só a sua competência ditada pela LOTJ como também o acompanhamento de máxima proximidade do caso.
3.ª O que se encontra regulado na decisão escrutinada são direitos dos menores e não direitos dos progenitores que devem acatar com rigor e com zelo as obrigações para si emergentes”.
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Em 13-07-2020, no âmbito do criado apenso de Regulação das Responsabilidades Parentais – apenso A - teve lugar diligência de tomada de declarações, constando da respetiva ata, designadamente, o seguinte:
“(…) Em súmula, pelo progenitor foi dito que neste momento os menores voltaram a ter visitas ao pai nos fins-de-semana.
O Pai não concorda que os fins-de-semana sejam alternados e não se aumente nenhum dia aos mesmos.
O pai já dispõe de cadeiras para poder transportar as crianças no carro, independentemente de a quem tais cadeiras pertençam.
Em súmula, pela progenitora foi dito que foram dois os fins-de-semana e que os menores não foram ao pai devido à situação de pandemia causada pelo covid-19 e também porque o pai não tinha cadeiras de transporte automóvel para os menores.
Pela progenitora foi ainda dito que preferia que o número de fins-de-semana fosse igual para ambos os progenitores, mantendo-se as quartas-feiras e não aumentando qualquer dia ao fim-de-semana.
Mais foi dito pela progenitora que pretendia ver fixadas as férias de Verão em períodos de uma semana.
Nesta altura, pelos progenitores foi possível alcançar o seguinte acordo parcial:
Durante o mês de Agosto, os menores estarão duas semanas inteiras com cada um dos progenitores, em semanas intercaladas, sendo as concretas semanas a gozar por cada um dos progenitores a acordar entre estes até ao dia 30 de Abril.
Se não for possível obter acordo, nos anos impares escolhe o pai e nos anos pares escolhe a mãe.
No presente ano de 2020, os menores ficam com o pai na primeira e na terceira semanas de Agosto e com a mãe na segunda e na quarta semanas do mesmo mês.
As declarações de ambos os progenitores ficaram gravadas através da aplicação “Media Studio”, do programa “Citius” com a duração de (00.00.01s a 00.36.09s).

Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Publico pelo mesmo foi proferida a seguinte:
PROMOÇÃO
“Quanto ao incumprimento de visitas suscitado pelo pai entendemos que existe tal incumprimento e que a mãe deve ser condenada a observar o regime que se encontra em vigor nos seus precisos termos.
Mais promovo que se homologue o acordo a que os pais chegaram.
Relativamente ao que não foi possível alcançar acordo pelos progenitores, devem os autos seguir para julgamento.”

Nesta altura, pelo ilustre Mandatário do progenitor foi requerido juntar aos autos um documento onde consta uma troca sms efectuada pelos pais que a Mm.ª Juiz depois de ver e rubricar, ordenou eu se juntasse aos autos.

De seguida pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Das declarações prestadas por ambos os pais, do expediente junto pela PSP e bem assim do documento ora junto resulta que, por mais de uma vez, a progenitora não cumpriu com o regime provisório em vigor em matéria de visitas. Tal incumprimento ter-se-á devido, segundo referido pela mesma, a preocupações por possível contágio por covid-19.
A situação epidemiológica que levou a que fosse decretado o estado de emergência o território nacional, não leva e nem poderia levar a que os filhos deixassem de estar com os seus pais, o que vale também para situações em que ambos os pais não vivam na mesma casa, como expressamente aliás previu a legislação de execução do referido estado de emergência, onde foi consagrada com uma das situações em que as deslocações se encontravam sempre autorizadas, as relativas às idas dos menores para casa dos progenitores em cumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais. Tal possibilidade, apenas impunha e impõe que ambos os progenitores nas suas casas e em eventuais contactos com terceiros tivessem redobrados cuidados, em conformidade com as recomendações das entidades competentes, por forma a minimizar os riscos de contágio decorrentes da circunstância de os menores viverem com os seus pais em duas casas diferentes.
Entende-se por isso que a situação vivida não era apta a fazer suspender automaticamente o regime de visitas fixado, como parece ter sido entendido pela mãe, sendo que se esta visse na situação do pai por qualquer forma um particular risco para os menores, e na falta de acordo com o mesmo nesse sentido, deveria ter suscitado a questão ao tribunal, com um pedido de alteração pontual do regime provisório fixado, o que não fez, decidindo unilateralmente, e ao arrepio do regime a que estava obrigada, privar os menores de estarem com o pai nos períodos que a este se encontravam destinados.
Por outro lado, não pode também ignorar-se que tal conduta da mãe terá sido motivada por preocupações de saúde com os seus filhos, e que deixou entretanto de se verificar.
Em face de tudo o exposto, considero verificado o incumprimento por parte da mãe do regime provisório fixado, não tendo porém por necessária a fixação de qualquer consequência que não a da notificação da mãe para que de agora em diante cumpra sempre nos seus precisos termos o regime que se encontre em vigor.
Homologo o acordo parcial alcançado quanto aos períodos de férias, por entender que o mesmo é apto a salvaguardar o superior interesse dos menores.
Relativamente às questões em que se mantém a falta de acordo dos pais, notifique ambos nos termos e para os efeitos previstos no art.º 39º, n.º 4 do RGPT (…).”
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Por despacho de 21-10-2020 proferido no apenso A foi designado, para realização da audiência de julgamento, o próximo dia 4 de Fevereiro de 2021, pelas 13h45m.
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O recurso foi admitido, nos termos de despacho judicial proferido em 21-10-2020.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir, relativamente ao recurso interposto, é a de saber:
A) Se o regime provisório das responsabilidades parentais fixado em 06-02-2020 não assegura o superior interesse das crianças?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se o regime provisório das responsabilidades parentais fixado em 06-02-2020 não assegura o superior interesse das crianças?
O presente recurso refere-se à decisão do Tribunal recorrido de 06-02-2020 que definiu provisoriamente o regime das responsabilidades parentais, mas circunscreve-se ao que aí foi estabelecido quanto ao regime de visitas.
Sobre as visitas, consta da ata da respetiva diligência judicial que a requerida disse não concordar “que para já as visitas sejam com pernoita devendo tais visitas serem apenas durante o dia e propondo um regime de visitas nos seguintes termos:
- o pai poderá estar com os menores todas as quartas-feiras das 17 horas às 20 horas;
- o pai poderá estar com os menores aos sábados ou domingos interpolados das 15 horas às 20 horas”.
O requerente declarou, então, manter a posição constante da petição inicial que apresentou, onde propôs o seguinte regime:
“1 – O Pai poderá estar com os menores sempre que assim o desejar desde que previamente combinado com a Mãe e sempre sem prejuízo dos seus compromissos ou obrigações escolares e períodos de descanso.
2- Ainda assim estabelece-se um período mínimo de visitas do modo que segue:
a) Os menores passarão com o pai dois fins de semana consecutivos, seguido de um fim de semana com a mãe e assim sucessivamente, ficando a cargo do pai recolher os menores quanto em período escolar na escola à 6.ª feira ao fim dos tempos escolares, ou, fora dos períodos escolares, em casa da mãe até às 19h, entregando-os no domingo em casa da mãe até às 21h ou na escola na segunda feira ao início das suas atividades escolares.
b) Em cada semana os menores estarão ainda com o pai à 4ª feira, indo buscá-los à escola no fim do seu período escolar e entregá-los à mãe até às 21h, ou, fora da época escolar, indo buscá-los a casa da mãe às 15h e entregá-los até às 21h.”.
O Ministério Público promoveu a fixação de um regime provisório relativamente a fins-de-semana nos moldes propostos pelo pai na petição inicial, nos seguintes termos:
a) Os menores passarão com o pai dois fins-de-semana consecutivos, seguido de um fim-de-semana com a mãe e assim sucessivamente, ficando a cargo do pai recolher os menores quando em período escolar na escola à 6ª feira ao fim dos tempos escolares, ou, fora dos períodos escolares, em casa da mãe até às 19h, entregando-os no domingo em casa da mãe até às 21h”.
Na decisão recorrida ficou a constar o seguinte, quanto ao regime de visitas provisório:
“…resulta nesta fase terem ambos os pais capacidade e vontade de conviver com os seus filhos por forma a permitir que estes tenham uma relação mais próxima possível com ambos os pais fixa-se provisoriamente ao abrigo do art.º 931, n.º 7 do CPC o regime correspondente ao doutamente promovido”.
É contra esta decisão que se insurge a requerida tendo alinhado, em suma, os seguintes argumentos, respigados das alegações de recurso:
- “o filho mais velho, o E…, apresenta um problema no quadro sensorial que o leva ao isolamento social e comunicacional, sendo (…) acompanhado por uma equipa médica (pediatras, terapeuta-ocupacional e terapeuta da fala) que o auxilia e procura a sua integração num ambiente familiar, escolar e social”;
- “a equipa médica que acompanha o menor tem manifestado a sua preocupação com a possível alteração súbita das suas rotinas, pois que tais alterações podem retroceder o que o E… conseguiu alcançar ao longo dos últimos anos”;
- “o filho mais velho da Apelante e do Apelado, o E…, apresenta uma patologia sensorial que afeta a sua componente social e comunicacional, tendo, por isso, necessidade de frequentar com regularidade sessões de terapia-ocupacional e terapia da fala”;
- “é a Apelante que acompanha o menor a todas as consultas médicas e terapias, sendo que está familiarizada com a patologia e promove diariamente atividades que permitam ao menor a sua integração no ambiente familiar, escolar e social”;
- “a equipa médica que acompanha o menor aconselha a não alterar, de forma repentina, a sua rotina, uma vez que tais alterações podem afetá-lo”;
- “desde o início do ano letivo - coincidentemente desde a separação de facto entre o Apelado e a Apelante - a escola identificou algumas alterações no comportamento do menor E…”;
- “a alteração da rotina dos menores sem um prévio momento de adaptação poderá afetar emocional e psicologicamente os menores, sendo certo que o procedimento mais acertado, pensando no bem-estar dos menores, seria criar um regime de responsabilidades parentais transitório que permitisse aos menores adaptarem-se à separação dos Pais e, consequentemente, a pernoitarem com o Pai”;
- “é a Apelante que cuida e acompanha os menores à escola e às suas atividades diárias, sendo certo que durante a semana, face à azafama do dia-dia, não dispõe de tempo de lazer com os seus filhos”;
- “a referida decisão prevê que o Pai dos menores, aqui Apelado, pernoite dois fins de semana com os menores e a Mãe, aqui Apelante, apenas um fim de semana”;
- “a Apelada pretende que os seus filhos tenham convivência e que criem laços afetivos com o Pai, ora Apelado. Contudo, não se pode descuidar do facto de estar em causa o bem-estar de duas crianças com 2 e 5 anos, habituadas a conviver essencialmente com a Mãe (…)”;
- “Face à idade jovem das crianças e às necessidades especiais do filho mais velho, E…, é necessário existir um período de adaptabilidade, onde o regime estabelecido que regula as responsabilidades parentais não os afete emocional e psicologicamente”;
- O “Apelado (…) não tem trabalho fixo, não tem casa própria, não tem carro, vive com a sua mãe e tem uma vida desorganizada sem qualquer rotina diária. O que não se coaduna com a educação de duas crianças, especialmente quando uma delas tem uma patologia e necessita de cuidados especiais”;
- “O Apelado (…) apresenta um comportamento instável e conflituoso, inquietando constantemente a Apelante e os filhos menores, aliás, em consonância com a doença bipolar que o afeta (…) sendo que poderá ter variações de humor graves, moderadas ou leves, apresentando assim uma propensão forte para alterar as suas sensações, emoções e ideias”;
- “o Apelado não está, neste momento, preparado para ficar com os seus dois filhos menores durante o fim de semana inteiro”.
Concluiu a requerida propondo seja estabelecido o período adaptativo – de 6 meses – sem as crianças pernoitarem com o requerente.
Vejamos:
Nos termos do artigo 3.º, al. c) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro) o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, regulado em especial nos artigos 34.º e ss., e o conhecimento das questões a este respeitantes, constitui uma das providências tutelar cíveis previstas nesse Regime.
O artigo 4.º do RGPTC, inserido nas disposições gerais, contém os princípios orientadores pelos quais se regem os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC, aí se prevendo o seguinte:
“1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito;
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”.
No Capítulo II do RGPTC estabelece a lei disposições processuais comuns aplicáveis a qualquer processo tutelar cível, caracterizadoras da sua especificidade. Entre elas encontram-se as seguintes:
- Têm a natureza de jurisdição voluntária (art. 12.º);
- Os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança correm durante as férias judiciais (art. 13.º), prevendo a lei prazos especiais para a prática dos respetivos atos (art. 14.º);
- As notificações e as convocatórias para comparecer no tribunal ou noutros locais designados são realizadas, em regra, através do meio técnico mais expedito e adequado ao efeito pretendido, só se admitindo o recurso ao registo postal quando aquelas não puderem ser realizadas nos termos referidos (art. 15.º);
- Salvo disposição expressa e sem prejuízo do disposto nos artigos 52.º e 58.º, a iniciativa processual cabe ao Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança (art. 17.º, n.º 1);
- É obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso e obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal (art. 18.º);
- As secções de família e menores são assessoradas por equipas técnicas multidisciplinares, funcionando, de preferência, junto daquelas, podendo o juiz nomear ou requisitar assessores técnicos externos, bem como, a todo o tempo e sempre que o considere necessário, determinar – salvo nos casos do art. 24.º-A - audição técnica especializada ou a intervenção de serviços de mediação (arts. 20.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 24.º);
- O juiz tem um largo campo de intervenção com vista à fundamentação da decisão, incumbindo-lhe tomar depoimento às partes, aos familiares e outras pessoas cuja relevância para a causa reconheça, ordenar a audição técnica especializada e ou mediação das partes nos termos previstos nos artigos 23.º e 24.º, tomar declarações e solicitar informações aos técnicos das equipas multidisciplinares de assessoria técnica, bem como a elaboração do respetivo relatório (art. 21.º);
- As partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessárias, sendo garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios legalmente previstos (art. 25.º);
- As decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança, podendo o juiz proceder à revisão da medida anteriormente decretada (art. 27.º, n.ºs. 2 e 3);
- Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, realizando as averiguações sumárias que tiver por convenientes – designadamente, audição das partes, a não ser que isso ponha em sério risco o fim ou a eficácia da providência - , a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão, podendo também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo (art. 28.º);
- Estabelecem os artigos 29.º a 31.º regras particulares sobre a audiência de discussão e julgamento nestes processos;
- Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis e, sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança, sendo os recursos processados e julgados como em matéria cível, com prazo para alegações e resposta fixado em 15 dias. Os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito (art. 32.º); e
- Nos casos omissos observam-se, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores e salvo disposição expressa, são correspondentemente aplicáveis, com as devidas adaptações aos processos tutelares cíveis, as disposições dos artigos 88.º a 90.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro (art. 33.º).
Em suma: “Os princípios orientadores por que se rege o processo tutelar cível são: a) simplificação instrutória e oralidade; b) consensualização; c) audição e participação da criança que, tendo em conta a sua idade e maturidade, revele ter capacidade suficiente para compreender os assuntos que estão em discussão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-06-2018, Pº 425/17.2T8FAF-A.G1, rel. FERNANDO FERNANDES FREITAS).
De harmonia com o previsto no artigo 35.º do RGPTC, após a autuação do requerimento ou certidão que desencadeia o processo de regulação das responsabilidades parentais, os pais são citados para uma conferência, a realizar nos 15 dias imediatos (n.º 1).
O juiz pode determinar que estejam presentes os avós ou outros familiares e pessoas de especial referência afetiva para a criança. A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar. Os pais são obrigados a comparecer pessoalmente sob pena de multa, apenas podendo fazer-se representar por mandatário judicial ou por seus ascendentes ou irmãos, com poderes especiais para intervir no ato, no caso de estarem impossibilitados de comparecer ou de residirem fora do município da sede da instância central ou local onde a conferência se realize, sem prejuízo de serem ouvidos por teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua residência.
Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais. Se conseguir obter o acordo, o juiz faz constar do auto da conferência o que for acordado e dita a sentença de homologação (cfr. artigo 37.º, nºs. 1 e 2, do RGPTC).
Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, nos termos do artigo 38.º do RGPTC, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.
Resulta desta norma que não é pressuposto da decisão a produção de prova suplementar, devendo o juiz atender em função dos elementos já obtidos, designadamente prova documental e declarações dos próprios progenitores. É por isso que, por definição, a decisão é provisória, caducando com a decisão definitiva, assentando, esta última, num acervo probatório alargado.
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC, os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos aí consignados.
Ou seja: “Quanto ao critério da decisão e ao seu conteúdo, o Juiz fará um juízo assente em critérios de conveniência, critérios esses que assentam, necessariamente, na convocação dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis” (cfr. Anabela Pedroso; “O regime provisório: processualismo a seguir e vantagens e desvantagens do regime”, in II Jornadas de Direito da Família e da Criança ‒ O direito e a prática forense – Caderno Especial; CEJ, 2018, p. 54).
No artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) enunciam-se os vários princípios que devem orientar a intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens, a saber:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Espelham estes princípios a concepção do legislador constitucional acerca do papel da criança e do jovem na família e os deveres recíprocos desta para com a criança, na promoção do seu desenvolvimento integral.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos – nº 5 do artigo 36º da CRP –, não podendo estes ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e, neste caso, sempre mediante decisão judicial (cfr. artigo 36.º, n.º 6, da CRP).
“Basilar nesta matéria é o princípio da igualdade dos progenitores, ínsito no artigo 36.º, n.ºs 3 e 5 da C. R. P., nos termos do qual incumbe a ambos os pais prover pela manutenção e educação dos filhos” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2019, Pº 958/17.0T8VIS-A.C1, rel. JAIME CARLOS FERREIRA).
Pela proteção da maternidade e paternidade, consagrada no art. 68º da CRP, os pais têm direito à “protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)”.
Mas as crianças, também elas sujeitos de direitos fundamentais, têm, por seu lado, direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Como se salientou no Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO), “é na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surge, entre outros diplomas legais, a já citada Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo, onde se erige como primeiro princípio por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o seu art. 4º, alínea a) que “a intervenção deve atentar prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. artigo 3.º, n.º 1).
Conforme resulta do artigo 9º da mesma Convenção, à semelhança do que consta do nº 6 do artigo 36.º da CRP, a criança não deve ser separada dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, decisão que pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.
Ou seja: “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, impondo ao Estado, no artigo 69.º, um dever de protecção das crianças e admitindo inclusivamente, no artigo 36.º, n.º 6, como ultima ratio, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 833).
É, assim, o “superior interesse da criança” o critério legal e primacial orientador da decisão judicial, traduzindo a melhor forma de garantir o seu desenvolvimento pleno (físico e psicológico) harmonioso, com afeto e com segurança.
“Podemos definir o interesse superior da criança (não definido em termos legais) como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros, devendo ser densificado e concretizado através de uma rigorosa avaliação casuística, numa perspetiva global e sistémica, de natureza interdisciplinar e interinstitucional, visando a satisfação da premente necessidade da criança de crescer harmoniosamente, em ambiente de amor, aceitação e bem-estar, promovendo-se a criação de ligações afetivas estáveis e gratificantes” (assim, Helena Bolieiro e Paulo Guerra; A Criança e a Família – Uma questão de Direitos, Coimbra Editora, 2009, p. 322).
O interesse superior da criança constitui “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (assim, Almiro Rodrigues; “Interesse do menor, contributo para uma definição”, in Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, pp. 18-19).
“O conceito interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização e confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2019, Processo: 1/16.7T1VFC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE).
Este conceito “só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças” (assim, Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed., p. 42).
“O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última” (assim, o Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO).
No artigo 1906.º, n.º 1, do CC estabelece-se o princípio de que, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
E, de acordo com o n.º 7 do mesmo artigo 1906.º do CC, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Para a fixação do regime provisório o Tribunal haverá de ponderar os elementos já disponíveis.
“Os progenitores (as partes) deverão, pois, usar as peças processuais escritas, nos momentos processuais legalmente previstos, para alegar toda a factualidade que possa ser útil para a contextualização da situação da criança, sendo igualmente a conferência de pais um momento de excelência para aferir tais circunstâncias relevantes, de modo a que o tribunal possa habilitar-se a decidir provisoriamente.
Havendo documentos relevantes para a ponderação do tribunal, tais documentos deverão ser juntos com a petição inicial e poderão sê-lo em sede de conferência de pais.
Não se trata de antecipar, nesta fase processual, a fase das alegações, ainda porque oobjectivo primacial do processo é a solução consensual do problema, não fora aprevisão concernente com a remessa dos progenitores para a mediação ou para a audição técnica especializada.
Trata-se, no entanto, de enquadrar factualmente a realidade da criança e dos pais, de modo a que o juiz possa dispor de um conjunto de elementos relevantes para a decisão a proferir.
Naturalmente que o juiz tomará em consideração todos os elementos constantes dos autos, designadamente, de natureza documental. Assim como poderá atender a elementos constantes de processos por apenso aos quais aquele que se encontra a apreciar corra – designadamente, de promoção e protecção ou, no caso de alterações/incumprimentos, que estejam juntos aos autos principais de regulação.
Por outro lado, estando presentes ambos os pais, evidentemente que os mesmos, na conferência de pais, manifestarão os seus pontos de vista relativamente à forma como entendem que as responsabilidades parentais devem ser reguladas, podendo o juiz colher junto dos mesmos/criança os esclarecimentos necessários à apreensão da realidade (v.g. situação sócio-económica e profissional, forma como têm vindo, informalmente, a gerir os convívios da criança um com o outro, etc.)” (cfr. Anabela Pedroso; “O regime provisório: processualismo a seguir e vantagens e desvantagens do regime”, in II Jornadas de Direito da Família e da Criança ‒ O direito e a prática forense – Caderno Especial; CEJ, 2018, pp. 59-60).
“Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores evitando que a decisão agudize o conflito” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-01-2017, Pº 996/16.0T8BCL-D.G1, rel. EVA ALMEIDA).
Especificamente, o direito de visita deve ser entendido como o direito da criança a se relacionar, conviver e a ter contacto com o progenitor a quem não se encontre atribuída a guarda, constituindo, para o progenitor em questão, um poder-dever de se relacionar e conviver com o seu filho.
“O verdadeiro beneficiário do direito de visita é o menor, um direito nato resultante da relação biológica de manter a afetuosidade entre os filhos e ambos os progenitores (…).
Os dias, horários e datas da visita não são definidos pelo legislador e, portanto, serão estipulados por acordo das partes ou por determinação do juiz, sempre em respeito ao superior interesse da criança para que ela possa, conforme a sua vontade, ter a liberdade de estar com cada um dos progenitores” (assim, Viviane Gaspar Esteves de Almeida; Como os tribunais de relação portugueses estão a decidir o futuro dos filhos do divórcio?; Universidade Católica Portuguesa; 2017, p. 53).
Este convívio é fundamental para a manutenção dos laços afectivos entre os filhos e o progenitor com quem este não reside, substituindo-se, deste modo, o relacionamento diário, sendo ainda de primordial importância para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da sua personalidade.
As visitas assumem para o progenitor com quem a criança não resida habitualmente um poder-dever de se relacionar e conviver com ele.
As visitas constituem um meio de o progenitor a quem não se encontra atribuída a guarda, de manifestar a sua afetividade com a criança e de se inter-relacionarem e partilharem momentos temporais, memórias, sentimentos, etc.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31-01-2006 (Pº 4027/05, rel. HELDER ROQUE): “O direito de visita do progenitor não guardião não representa uma faculdade, um direito subjectivo do parente do menor, mas antes um direito a que estão associados deveres, nomeadamente, o dever de se relacionar com os filhos com regularidade, em ordem a promover o seu desenvolvimento, físico e psíquico, e o dever de colaborar com o progenitor guardião no cuidado dos filhos e na assistência aos mesmos prestada, sendo, nas situações de fraccionamento do poder paternal, a janela ainda aberta para um espaço de realização pessoal do menor que importa, sobremaneira, preservar. A solução de conceder ao menor o direito de visita semanal do pai, afigura-se muito mais conformadora com as exigências do seu crescimento integral, em contraposição com o espaçamento das visitas, de acordo com uma periodicidade bi-mensal, contrária à ideia da regularidade da presença dos progenitores junto dos filhos”.
Ou, noutra formulação, expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02-10-2018 (Pº 495/10.4TMSTB.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “O direito de visita é o meio para que o progenitor que não tem a guarda dos filhos estabeleça com estes uma relação que contribua para o seu desenvolvimento e um direito dos próprios filhos ao convívio com ambos os pais”.
Compreende-se, assim, que, “salvo circunstâncias excepcionais impeditivas devidamente provadas, devem ser concedidos ao progenitor não guardião amplos contactos com o menor de sorte a que também ele possa continuar a exercer, cabal e proficuamente, os seus direitos/poderes/deveres relativamente ao filho” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-11-2019 (Pº 3988/14.0T8VIS-B.C1, rel. CARLOS MOREIRA).
Ou seja: “A negação ou supressão do direito ao convívio com o progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-06-2012, Pº 1516/06.0TMPRT.2.P1, rel. VIEIRA E CUNHA).
É, pois, pacífico na jurisprudência que é do interesse do menor manter contacto estreito com os progenitores, que possa viabilizar a manutenção de laços afetivos estreitos com estes (cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 14-03-2019, Pº 977/18.0T8CHV-A.G1, rel. JOSÉ CRAVO 977/18 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018, Pº 2095/17.9T8FNC-C.L1-8, rel. OCTÁVIA VIEGAS), que os menores necessitam igualmente do pai e da mãe e, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe, não devendo haver intransigências artificiais por parte dos progenitores (cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 11-10-2018, Pº 3507/16.4T8BRG-K.G1, rel. MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO, onde se concluiu que: “Os menores necessitam igualmente do pai e da mãe e, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência deste facto é essencial para que o relacionamento do menor com o progenitor a quem não esteja confiado se processe normalmente. Não devendo haver resistências por parte do progenitor a quem caiba a sua guarda, nem intransigências artificiais, por parte do outro progenitor. Mesmo que a separação seja um evento marcante, estudos apontam que toda criança tem a capacidade de superar, ficar bem e se desenvolver normalmente, mas que os pais precisam actuar de modo a privilegiar o seu bem-estar. As decisões quanto à regulação do poder paternal são maleáveis e susceptíveis de ajustamentos a novas situações, pelo que há a possibilidade de, a médio prazo, encontrar, se tal for aconselhável, uma situação mais maleável”.
Sob o ponto de vista da psicologia, conforme refere, exemplificativamente, José Albino Lima (“O Envolvimento do Pai: Formas, Fatores e Consequências”, in Parentalidade e Género; CEJ, Julho 2018, consultado em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_Parentalidade_Genero2018.pdf, pp. 12-19), a presença assídua do pai na vida do menor releva em múltiplos aspetos:
“Como diria em tom coloquial Bronfenbrenner (1995, p.118) “O desenvolvimento pode ser comparado a um jogo de ping-pong disputado entre dois jogadores, um mais velho do que o outro, entre os quais existe uma adoração mútua e no qual os dois têm a aprender um com o outro” mas esse jogo “depende de um certo grau de disponibilidade e de envolvimento por parte de um outro adulto, uma terceira parte, que dá assistência, que encoraja, que toma o lugar do primeiro, que dá importância, que exprime a sua admiração e que se envolve na atividade da criança. E quem é essa pessoa neste caso? Quem é essa pessoa? É o pai, pois ele pode jogar tão bem com apenas metade das oportunidades, ele joga de outra forma, que não deixa de ser tão eficaz.” (…).
(…) a dimensão relativa ao envolvimento do pai e o cuidar dos/as filhos/as é como dizia Lamb (1992, p. 21) “esta redefinição do aspeto mais notável e louvável da paternidade” pressupõe uma interação direta entre o pai e a criança (Lamb, 1998) e centra-se na competência do pai enquanto educador ativo e envolvido no processo desenvolvimental dos filhos. Em resumo, no início deste século XXI um bom pai, nos termos de Morman e Floyd (2006), deve ser carinhoso, afetuoso, participante, envolvido, responsivo e consistente ao longo do processo desenvolvimental do/a seu/sua filho/a. (…).
As consequências do envolvimento paterno são assim diversas e significativas em diferentes domínios do desenvolvimento.
Desenvolvimento cognitivo e desempenho escolar. Diversos estudos apontam para a significância do envolvimento paterno ao nível do desenvolvimento cognitivo das crianças, mesmo em idades muito precoces.
O envolvimento paterno contribui de modo significativo e independente para o bem-estar e satisfação na adolescência (…). Verifica-se uma relação positiva e significativa entre a relação com o pai, e os autorrelatos de ajustamento psicológico na juventude (…). Pré-adolescentes (…) e adolescentes portugueses consideram que os pais se interessam e apoiam os filhos e são os principais educadores no que respeita à autoridade, regras e valores adequados à vivência em sociedade (…)”.
Assim, o estreitamento das relações, possibilitado pelas visitas do progenitor não guardião com os seus filhos, deve ser a regra, enquanto que, a exceção será a supressão ou exercício restrito e condicionado de tal convívio.
Ou seja: “Na determinação do “regime de visitas”, em causa está o direito fundamental da criança “a ter pai e mãe”, o direito a não ser transformado em “órfão” de um deles, o que pressupõe manter os dois implicados na vida do filho não obstante a dissociação do casal, sendo essa a razão que torna relevante acolher e estimular a vontade de ambos os pais no sentido de exercerem o mais plenamente possível o seu papel, o que demanda os “mais amplos contactos” com o progenitor não residente, só assim se defendendo o superior interesse do menor” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, Pº 1138/13.0TBCHV-B.G1, rel. MARGARIDA SOUSA).
A negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (art. 1918º do Código Civil) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (art. 1915º do Código Civil), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação do direito, constituir medida de ultima ratio (neste sentido, vd. Helena Boleiro e Paulo Guerra; A Criança e a Família, Uma Questão de Direito(s), 2ª ed., p. 216 e Maria Clara Sottomayor; Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed., pp. 123-126).
E, sem dúvida que, incumbirá “ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de prova de que este convívio é prejudicial” para a criança (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2018, Pº 2043/16.3T8SNT.L1-6, rel. CRISTINA NEVES).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, temos como líquido que o Tribunal recorrido ajuizou corretamente.
De facto, nenhuma das alegações produzidas pela recorrente se mostra, de molde, a inculcar que devesse ser outra a decisão do Tribunal.
Note-se que está só em questão a vertente da regulação das responsabilidades parentais atinente à fixação do regime de visitas e, não, qualquer questão respeitante à guarda.
Esta guarda foi atribuída à requerida e, daí que, as considerações expendidas pela recorrente em torno do facto de ser a apelante que acompanha o filho E… às consultas médicas e terapias ou de que é a recorrente que cuida e acompanha os menores à escola e às suas atividades diárias, não permitam inviabilizar, sem mais, o direito de visita das crianças, face ao progenitor não guardião.
E, é sabido que, “o modelo legal actual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que (…) se divorciaram (…), implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em actos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) (…)”  (assim, Jorge Duarte Pinheiro; Direito de Família Contemporâneo, 5.ª Edição. Almedina, 2016, p. 249).
Assim, a convivência das crianças com o pai ocorrerá em tempo quantitativamente menor do que a da mãe, desde logo, atento o facto de ser esta a quem foi provisoriamente atribuída a guarda, mas, nem por tal motivo, a convivência das crianças com o progenitor não guardião deverá ser inviabilizada ou restringida.
Poderá o progenitor encontrar tempos específicos de lazer, de cuidado e de carinho com os filhos, nos momentos em que estes estão consigo, assim como, a progenitora poderá, paulatina e progressivamente, encontrar os tempos de lazer de que refere não dispor com as crianças durante a semana, sabendo-se que, por regra, “o período de fim-de-semana é mais recompensador que o período semanal, proporcionando ao menor e ao progenitor uma maior influência educativa, mais profunda, mais da ordem da cultura (cf. Françoise Dolto, Quando os Pais se Separam – A Função Positiva dos Deveres, Ed. Notícias, 1990, p. 37), promovendo-se, assim, qualitativamente melhor, os tempos e os momentos de todos.
E, neste contexto, atinente ao tempo que os progenitores disporão com os filhos, a situação da ora recorrente é incomparável com a do progenitor, desde logo, atento o facto de os dias em questão em que o progenitor poderá estar com as crianças ser quantitativamente menor do que o da progenitora.
Por outro lado, no que aos fins-de-semana se refere, não se afigura que o estabelecido provisoriamente seja desconforme ou desadequado ao superior interesse das crianças, respeitando tal convivência a manutenção e a promoção de laços entre as crianças e o progenitor não guardião, ainda que com dois fins-de-semana consecutivos, sendo certo que, caso se verifique algum aspeto menos conseguido em tal regime, o mesmo poderá ser colmatado noutra decisão provisoriamente tomada ou na decisão final, aspeto que, por ora, não se evidencia.
E, ao contrário do que argumenta a apelante, o estabelecimento do direito de visitas das crianças com o pai, em função da idade das mesmas, deve constituir a regra, sendo a exceção a restrição de tal direito ou o postergamento do seu exercício alargado.
Afigura-se-nos que só o estabelecimento de tal direito de visitas nos moldes fixados no regime provisório serve, com adequação, o superior interesse das crianças em causa.
Na realidade, nenhuma das circunstâncias referenciadas pela recorrente permite justificar que seja adiado o estabelecimento de visitas com pernoita, nem do estado dos autos emergem tais elementos.
Quer a situação das crianças, quer a do progenitor/recorrido, não justificam que seja estabelecido um regime de visitas nos termos preconizados pela recorrente.
É certo que, apresentando uma das crianças um “um problema no quadro sensorial que o leva ao isolamento social e comunicacional, sendo (…) acompanhado por uma equipa médica (pediatras, terapeuta-ocupacional e terapeuta da fala) que o auxilia e procura a sua integração num ambiente familiar, escolar e social”, tal justificará cuidados acrescidos para o seu desenvolvimento físico, psíquico e social em termos harmoniosos, mas tal é uma tarefa de ambos os pais e que não justifica que um deles não a possa prover, nos momentos em que se encontre ao seu cuidado.
A alteração de rotinas entre os progenitores e destes com os filhos é uma evidência no caso de alteração do modo de convivência de um casal, no período da constância do casamento e, após a rutura deste.
Contudo, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Pº 996/16.0T8BCL-C.G, rel. EUGÉNIA MARIA DE MOURA MARINHO DA CUNHA), “não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas”.
Nesta medida, não se afigura que o interesse superior das crianças, quer na vivência com ambos os pais, quer na convivência entre irmãos (convivência, aliás, procurada na escola entre ambos os irmãos, como dá nota a informação de 02-12-2019, do Colégio do Sagrado Coração de Maria de Lisboa, junta com os presentes autos), justifique a adopção de um regime mais restrito que implicasse o impedimento de pernoita dos filhos na residência do pai.
Não está, por outro lado, evidenciado que o progenitor se mostre, por qualquer modo, incapaz de acompanhar a patologia de que padecerá o filho E…, nem que não lhe possa providenciar o acompanhamento e deslocações necessárias para o tratamento respetivo, mesmo que apresente as mudanças de comportamento que a requerida lhe assaca.
Aliás, no relatório intitulado “Terapia da Fala”, de Dezembro de 2019, assinala-se a evolução do E…, evolução que “também tem sido possível pela atitude de determinação e perseverança por parte da família, escola e terapeutas”, o que, obviamente é salutar e assim deverá continuar.
Por outro lado, refira-se que, desde a data da conferência de pais, os progenitores compareceram a outra diligência, em 13-07-2020, no âmbito do criado apenso de Regulação das Responsabilidades Parentais – apenso A – onde foi tomada declarações aos mesmos, constando da respetiva ata, designadamente, o seguinte:
“(…) Em súmula, pelo progenitor foi dito que neste momento os menores voltaram a ter visitas ao pai nos fins-de-semana.
O Pai não concorda que os fins-de-semana sejam alternados e não se aumente nenhum dia aos mesmos.
O pai já dispõe de cadeiras para poder transportar as crianças no carro, independentemente de a quem tais cadeiras pertençam.
Em súmula, pela progenitora foi dito que foram dois os fins-de-semana e que os menores não foram ao pai devido à situação de pandemia causada pelo covid-19 e também porque o pai não tinha cadeiras de transporte automóvel para os menores.
Pela progenitora foi ainda dito que preferia que o número de fins-de-semana fosse igual para ambos os progenitores, mantendo-se as quartas-feiras e não aumentando qualquer dia ao fim-de-semana”.
E, nessa ocasião foi possível estabelecer um acordo quanto ao período de férias de Verão.
Ora, estes elementos (deles derivando o restabelecimento de fins-de-semana, com pernoita e de férias, também com pernoita) inculcam, decisivamente, sobre o acerto da decisão tomada em fevereiro de 2020.
Com o regime provisório fixado judicialmente – e independentemente do incumprimento da progenitora já assinalado, mas não sancionado, senão com a sua notificação para o cumprimento de tal regime - , os progenitores poderão investir positivamente no bem-estar e na criação de uma relação sólida e gratificante com os seus filhos, sem que haja hiatos ou pausas desnecessárias ou inadequadas, no respetivo relacionamento inter-pessoal.
“Uma parentalidade exigente obriga a que se aproveite cada período sensível do ciclo de vida para assegurar o reforço do vínculo tornado hoje frágil em função do stress que espreita, em cada passo, uma sociedade vulnerabilizada por múltiplas condicionantes” (João Gomes-Pedro; “Posfácio – Intervenção na Parentalidade”, in Crianças e Jovens em Risco - A família no centro da intervenção; Coord. Daniel Sampaio, Hugo Cruz e Maria João Leote de Carvalho, Principia Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 394, consultado em: https://content.gulbenkian.pt/wp-content/uploads/2019/05/22202317/Criancas_em_risco_web2.pdf).
E esse aproveitamento deve ocorrer em condições de igualdade entre ambos os pais, ainda que divorciados, ainda que, porventura, com as exigências diferenciadas decorrentes dos diversos papéis e dos diferentes tempos de convivência.
Tem sido esse, aliás, o caminho procurado pelo legislador nos últimos tempos (cfr. v.g. a recente Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, estabelecendo as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores).
Em síntese, poderia dizer-se, como refere Mário Cordeiro (“Férias e pais divorciados”, 01-08-2017, consultado em: https://ionline.sapo.pt/artigo/574621/ferias-e-pais-divorciados?seccao=Opini%C3%A3o) que:
“Sendo claro que pais e mães têm ambos direitos e deveres iguais perante os filhos, é ainda mais claro que as crianças têm o direito de ter um pai e uma mãe e de estar com eles.
É conveniente, pois, que pais e mães se entendam, ultrapassem as suas angústias, lambam as feridas, não transportem para a criança as suas inseguranças e assumam que os filhos serão tanto mais felizes quanto mais os pais se entenderem”.
De acordo com tudo o exposto, na medida em que o regime provisório estabelecido é o que de melhor forma serve o superior interesse das crianças na sua relação com ambos os progenitores, inexiste motivo para revogação do decidido, improcedendo a apelação.
A responsabilidade tributária incidirá sobre a recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal recorrido em 06-02-2020.
Custas pela recorrente.
Notifique e registe.
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Lisboa, 19 de novembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes