ACÇÃO DECLARATIVA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
DISPENSA DE PAGAMENTO
PARTE REMANESCENTE
TAXA DE JUSTIÇA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO PASSIVO
Sumário

I) Em processo declarativo, a conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final ou quando o juiz o determine – cfr. artigo 29.º, n.º 1 do RCP e artigo 7.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril – não prevendo a lei que, no caso de ter tido lugar a condenação dos réus em valores a liquidar ulteriormente, a conta de custas apenas venha a ser elaborada depois de realizada tal liquidação.
II) O ato de elaboração da conta de custas não é de natureza jurisdicional, mas de diversa natureza, podendo entender-se como um ato administrativo ou como um mero ato material de “processamento” (neste último caso, se não traduzir uma definição inovatória e voluntária sobre um problema concretamente colocado).
III) No primeiro caso, se a elaboração da conta não se reconduzir a mero ato de processamento, mas implicar a definição de uma situação concreta e individual, colocada em face de um determinado processo, conformará, então, ato administrativo vinculado à obrigação de fundamentação que deriva do preceito constitucional ínsito no n.º 3 do artigo 268.º da CRP.
IV) O sistema de processamento e elaboração da conta de custas pela secretaria judicial, através do sistema informático disponibilizado para o efeito - conforme o previsto no artigo 30.º, n.º 3, do RCP e regulamentado pela Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril – na medida em contém toda a informação relevante para a identificação do processo e das partes ou sujeitos processuais (cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Portaria), as taxas aplicáveis com referência ao processo (1.ª instância) e aos recursos ocorridos, a enunciação da base tributável, o fundamento de consideração da mesma na Tabela anexa ao RCP, se há ou não lugar à redução a que se reporta o artigo 6.º, n.º 3, do RCP, qual a taxa devida, qual a taxa paga (e, se porventura, há excesso nesse pagamento), o valor da UC considerado, se a taxa foi paga ou não por injunção, se tem aplicação a dispensa do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça constante do artigo 14.º-A do RCP, culminando na obtenção do valor a pagar ou a receber pelas partes (artigo 7.º da Portaria), não se mostra desconforme com o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
V) A responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, ao contrário do que sucede quanto à responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte, decorre automaticamente do respectivo impulso processual, não dependendo do critério de vencimento ou decaimento da causa.
VI) Na configuração normativa, pode dar-se o caso de uma das partes ficar integralmente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente – se houver decisão fundamentada nesse sentido – e outra parte, ter de o satisfazer, sem que, de tal situação, advenha qualquer violação do princípio da igualdade.
VII) A responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não assenta atualmente no princípio da causalidade consubstanciado no decaimento na causa, mas no facto de as partes terem processualmente impulsionado os seus termos, conforme decorre do disposto no artigo 530.º, n.º 1, do CPC.
VIII) O artigo 14.º, n.º 9, do RCP regula os casos em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP. Na redação conferida a tal preceito pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final, fica dispensado de efetuar o pagamento de tal remanescente, que é imputado à parte vencida na conta final. Na anterior redação (resultante da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro) do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, o responsável pelo impulso processual que não fosse condenado a final, seria notificado para pagar o remanescente, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que pusesse termo ao processo.
IX) Em matéria de custas, o factor determinante da génese da obrigação de pagamento da respetiva responsabilidade tributária constitui o momento relevante para a definição da respetiva relação jurídico-processual, encontra-se na decisão que assim fixou a responsabilidade, “de harmonia com o julgado em última instância” (cfr. artigo 30.º, n.º 1, do RCP), sendo no momento do trânsito da condenação – ou no trânsito da apreciação da decisão de reforma quanto a custas (cfr. artigo 616.º do CPC) - que se define a obrigação do pagamento das custas, em conformidade com o n.º 1 do artigo 527.º do CPC.
X) A redação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, não é aplicável às situações jurídicas que, à data da sua entrada em vigor, já se encontrassem decididas, por decisão transitada em julgado, mas nas quais ainda não tinha sido elaborada a conta de custas.
XI) A circunstância de ser reconhecida a um dos sujeitos processuais a dispensa no pagamento do remanescente da taxa de justiça não determina, que tal decisão abranja os demais sujeitos processuais, ainda que, porventura, integrando a mesma parte processual.
XII) A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (artigo 6.º, n.º 7, do RCP) só pode ter lugar, por determinação oficiosa do juiz ou por requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final, mas não na eventual reclamação da conta de custas, dado que esta pressupõe que a conta já foi elaborada.
XIII) Não é inconstitucional, a interpretação extraída daquela norma, de que é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, na medida em que daí resulta a definição legal do momento até ao qual é admissível a apreciação da questão de dispensa de pagamento do remanescente.
XIV) Tendo sido homologadas duas transações, nas quais as partes acordaram que as custas seriam calculadas com base no valor tributável de € 60.030,22 (numa delas) e de € 18.759,44 (na outra) e, não com base no valor da causa (fixado em € 9.379.722,20), nas contas de custas a elaborar relativamente aos demais réus a base tributável a considerar deverá ser reduzida pelo valor proporcional das transações, para o valor de € 9.300.932,54.
XV) Estando em causa uma situação litisconsorcial passiva, a qual pressupõe uma única relação material controvertida, não tem sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a respetiva parte, muito embora o seu cálculo se faça de harmonia com a tabela I-A anexa ao RCP (ao contrário do que sucederia se estivesse em causa uma situação de coligação, à qual seria aplicável a tabela I-B, por força do disposto no artigo 13.º, n.º 7, al. a), do RCP).
XVI) Não se poderá manter o despacho recorrido, que reconheceu a validade na exigibilidade de uma taxa de justiça a cada um dos réus, quando nos encontramos numa situação de litisconsórcio, antes se devendo observar o disposto no artigo 530.º, n.º 4, do CPC, devendo reformar-se a conta de custas em conformidade.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra RENTICAPITAL – INVESTIMENTOS FINANCEIROS, S.A., COMPANHIA DE SEGUROS AÇOREANA, S.A., AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, SA, AFASA, SGPS, SA, FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO CGD – CAIXA CAPITAL e MC…, todos identificados nos autos.
Peticionou a condenação dos réus a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de € 8.964.940,20, acrescida de € 414.782 de juros vencidos e juros vincendos até integral pagamento.
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Na pendência da ação, a Autora outorgou transação com os Réus MC… (fls. 643) e AFASA, SGPS, SA (fls. 1576), as quais foram homologadas por despachos de 13-03-2015 e 02-09-2015, respetivamente.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, em 20-04-2016 foi proferida sentença, em 1.ª instância, cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto:
I - julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condeno a Ré Renticapital – Investimentos Financeiros, SA, a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.933.100, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
b) condeno a Ré Companhia de Seguros Açoreana, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 280.800, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
c) condeno a Ré Amorim global Investores, SGPS, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.284.200, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
d) condeno o fundo de Capital de Risco Grupo CGD - Caixa Capital a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 1.545.300, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
II – No mais, julgo a ação improcedente por não provada absolvendo os Réus do pedido.
No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se.
No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.
Registe e notifique.”.
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Interpostos recursos pelas rés AÇOREANA SEGUROS, S.A., RENTICAPITAL – INVESTIMENTOS FINANCEIROS, S.A., AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A. e FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO C.G.D. – CAIXA CAPITAL do assim decidido, em 30-03-2017 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, sem voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedentes os recursos interpostos pelas rés e condenou as apelantes no pagamento das custas, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Inconformada com este acórdão, a ré AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A. veio deduzir revista excecional, invocando para o efeito, a existência dos pressupostos da mesma referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, tendo o colectivo da formação a que alude o n.º 3 deste artigo, decidido admitir excecionalmente a revista interposta pela recorrente.
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Por acórdão de 08-02-2018, o Supremo Tribunal de Justiça veio a conhecer do recurso de revista excecional, julgando improcedente o mesmo, confirmando o acórdão recorrido, ainda que com base em fundamentação não inteiramente coincidente. Mais ficou as custas do referido recurso a cargo da recorrente.
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Por requerimento de 28-02-2018, a ré AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A. veio requerer que, “ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, 2.ª parte, do RCP, considerando a correcção da conduta processual das partes, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça” ou, “[c]aso assim não se entenda, o valor tributário do presente processo deverá ser fixado num máximo de EUR 825.000,00 correspondente ao triplo do valor máximo da Tabela 1 anexa ao RCP, por forma a adequar o valor das taxa de justiça devidas ao efectivamente processado nos autos”.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24-05-2018, deferiu parcialmente o pedido de reforma, dispensando a ré AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A. “do pagamento de 60% do valor das taxas de justiça remanescentes, devidas pela ação e pelos recursos, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275.000,00, atento o elevado grau de complexidade substancial das questões decididas, o comportamento processual da requerente e a utilidade económica dos interesses das partes envolvidos”, considerando não serem devidas custas por tal incidente.
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Baixando os autos à 1.ª instância e remetidos os autos à conta, em 09-12-2019 foram elaboradas as contas de custas.
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Notificadas da conta de custas elaborada nos autos, dela reclamaram BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., FUNDO DE CAPITAL DE RISCO EMPREENDER MAIS- CAIXA CAPITAL (anterior FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO C.G.D. – CAIXA CAPITAL) e SEGURADORAS UNIDAS, S.A. (anterior COMPANHIA DE SEGUROS AÇOREANA, S.A.) invocando, em suma, o seguinte:
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a) SEGURADORAS UNIDAS, S.A.:
“1. Por sentença de 20 de Abril de 206, veio determinar quanto a custas o seguinte: No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se. No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.
2. Por acórdão de 30 de Março de 2017, condenou as apelantes no pagamento das custas, na proporção dos respectivos decaimentos.
3. Veio a ora reclamante, juntamente com o A. Banco BIC e os restantes RR. ser notificada para o pagamento das custas.
4. Consta da notificação que
5. Com a liquidação das custas efectuada pela secretaria - Responsabilidade solidária
Sendo solidária a responsabilidade do pagamento, o responsável que primeiro efectuar o pagamento da quantia em dívida fica com direito de regresso relativamente aos demais responsáveis solidários.
6. Cotejando as contas dos diversos intervenientes processuais constata-se que todos os intervenientes – A. e RR. – são tributados em 113.322€ cada quanto à 1ª instância.
7. Já na rubrica referente aos recursos em 2ª instância, já são as taxas devidas diferentes.
8. Não consta do processo carregado no Portal CITIUS qualquer elaboração da conta do processo, constando apenas as contas respeitantes a cada um dos intervenientes processuais.
9. Em face do exposto surge a dúvida, a qual apenas poderá ser dirimida em sede de reclamação, sobre a natureza da obrigação de pagamento.
10. De acordo com a notificação e as guias, resultará que A. e os RR. serão obrigados solidários, o que não tem qualquer suporte nas decisões supra transcritas nem na lei.
11. Recorda-se o despacho de 10 de Julho de 2018, no qual se esclareceu que: Conforme o que ficou decidido pela 1ª instância, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e tendo o recurso de revista sido julgado improcedente, as RR. não foram condenadas em termos de solidariedade, tendo tido lugar a condenação de cada uma das RR. em termos diferenciados,
12. Requer-se assim que seja esclarecida a natureza do pagamento solicitado às partes.
13. Por outro lado, não se vislumbra qualquer razão para o tratamento desigual da R. Amorim Global Investors, SGPS, SA, a qual beneficia de dispensa de 60% do remanescente da Taxa de Justiça.
14. Na verdade, independentemente da iniciativa do requerimento, tendo o processo tramitado conjuntamente, tal dispensa deveria abranger todos os intervenientes, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 6º RCJ, sendo certo que a Amorim Global Investors interpôs recurso de revista, o que não sucedeu com os restantes, mormente a ora reclamante.
15. Ademais, não fixando o artigo 6º nº 3 do RCJ qualquer prazo para apresentação do requerimento de dispensa, pode a ora reclamante invocar os mesmos fundamentos do requerimento deferido à R. Amorim Global Investors, ao qual se adere, os quais são integralmente aplicáveis aos restantes intervenientes processuais.
16. Na verdade, tanto a produção de prova, como as diversas decisões judiciais, foram tramitadas unitariamente, não se destacando qualquer idiossincrasia ou incidentes quanto a qualquer de tais intervenientes.
17. O pagamento (conjunto) de 607 614,00 € é claramente excessivo em face da tramitação do processo, a qual não teve qualquer desvio ou incidente assinalável.
Pelo exposto, e nos termos do artigo 31º RCJ, requer-se que:
i. Seja esclarecido se o pagamento da conta de custas é solidária
ii. Seja reduzida em 60% o remanescente da Taxa de Justiça, em termos análogos à que foi concedida à R. Amorim Global Investors”.
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b) BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.:
“Falta de fundamentação
Art. 1.º A taxa de justiça é um tributo, com natureza de taxa, ou seja, uma prestação coativa, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, obedecendo a princípios estritos de proteção do sujeito passivo - princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material – art. 5º da Lei Geral Tributária.
Art. 2.º Em suma, a taxa de justiça é uma tributação aplicável no âmbito judicial como contrapartida pela prestação de serviços de justiça – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de julho de 2015.
Art. 3.º A conta constitui, como tal, um ato tributário, carecendo da respetiva fundamentação, que pode ser efetuada de forma sumária, mas devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo – art. 77º, nº 2 da LGT.
Art. 4.º No caso, a conta omite as disposições legais aplicáveis, entre as quais avulta o art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, nem mesmo indica a doutrina legal ou os princípios jurídicos na qual se baseou, o que impede a Autora de reconstruir o iter decisório e defender os seus interesses.
Art. 5.º Como tal, a Autora vê-se forçada a defender a sua pretensão perante um ato que padece de flagrante falta de fundamentação, restando-lhe adivinhar o que poderá ter estado na mente do decisor.
Art. 6.º No caso, não contendo a conta de custas a fundamentação legalmente devida, deve esta ser revogada e, em consequência, substituída por outra, devidamente fundamentada, nos termos legalmente devidos.
Da inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída do art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais
Art. 7.º Salvo o devido respeito, a conta de custas está errada, violando o CPC, o Regulamento de Custas Processuais e a Constituição da República Portuguesa.
Art. 8.º É a seguinte a redação do art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais: Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
Art. 9.º Esta disposição legal não pode ser interpretada em ostensiva violação de direitos fundamentais e princípios constitucionais estruturantes, como sejam, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e o direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito.
Art. 10.º Efetivamente, perante os incontornáveis critérios jusfundamentais referidos, impõe-se uma interpretação da norma contida no art. 14º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, no sentido de que o pagamento das custas judiciais deve ser proporcional à medida do vencimento ou decaimento da causa.
Art. 11.º Ou seja, se uma parte tiver 100% de vencimento (e, logo 0% de decaimento), deve ser dispensado na parte que tiver obtido vencimento, pelo que obtém uma dispensa de 100%.
Art. 12.º Por sua vez, caso a parte obtenha 80% de vencimento (e, logo 20% de decaimento) deve ser dispensado na parte respetiva, pelo que deve beneficiar de uma dispensa de 80%.
Art. 13.º Da mesma forma, uma parte que tenha 100% de vencimento, deve obter uma dispensa de 100%;
Art. 14.º Mas uma parte que tenha obtido na causa um vencimento de 99,99% de vencimento, obtém uma dispensa de 0%.
Art. 15.º Entendimento diverso seria, com o devido respeito, flagrantemente inconstitucional.
Art. 16.º Com efeito, é materialmente inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), do princípio da proporcionalidade, maxime na vertente do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
Art. 17.º Assim sucede porquanto a conta sindicada obriga a parte que tem vencimento (apesar de decair parcialmente) a pagar 100% da taxa de justiça nas ações cujo valor seja superior a €275.000,00 euros.
Art. 18.º Em acréscimo, cabe notar que até à entrada em vigor do art. 14º, nº 9, do RCP - na redação que foi aprovada pela Lei nº 27/2019, de 28 de março -, podia afirmar-se que a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça decorria automaticamente do respetivo impulso processual, não dependendo do critério do vencimento ou decaimento da causa.
Art. 19.º Contudo, ciente do facto de a solução anterior, imune à medida do vencimento ou decaimento da causa, se encontrar impregnada das inconstitucionalidades mencionadas, o legislador alterou o artigo sub juditio, e a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça passou, ex professo, a depender do critério de vencimento ou decaimento da causa.
Art. 20.º E essa é a única interpretação suscetível de respeitar os princípios fundamentais referidos supra.
Aplicação no tempo do art. 14º, nº 9 do RCP
Art. 21.º Na sua redação anterior, o art. 14º, nº 9 do RCP tinha o seguinte teor: Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo. (sublinhados nossos)
Art. 22.º A atual redação do art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais tem o seguinte teor: Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final. (sublinhados nossos)
Art. 23.º A atual redação do art. 14º, nº 9 do RCP foi aprovada pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, tendo entrado em vigor em 27 de abril de 2019 (art. 11º da referida Lei).
Art. 24.º Note-se que a Lei nº 27/2019, de 28 de março, não contém disposições específicas sobre a sua aplicação no tempo.
Art. 25.º Contrariamente ao que sucedeu com o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprovou o RCP, e que continha uma disposição sobre a sua aplicação no tempo, com o seguinte teor: Artigo 27.º Aplicação no tempo
1 - As alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se apenas aos processos iniciados a partir do dia 1 de Setembro de 2008, salvo o disposto nos números seguintes.
2 - Mesmo que o processo esteja pendente, as alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se imediatamente aos procedimentos, incidentes, recursos e apensos que tenham início após 1 de Setembro de 2008.
3 - Aplicam-se aos processos pendentes, a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, os artigos 446.º, 446.º-A, 447.º-B, 451.º e 455.º do Código de Processo Civil.
4 - Aplica-se aos processos pendentes, a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, o artigo 521.º do Código de Processo Penal.
5 - Aplicam-se aos processos pendentes, a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, os artigos 9.º, 10.º, 27.º, 28.º e 32.º a 39.º do Regulamento das Custas Processuais.
6 - O mecanismo previsto no artigo 22.º do Regulamento das Custas Processuais, no que respeita aos processos pendentes, não se aplica quando a parte tenha já beneficiado ou venha a beneficiar do disposto nos artigos 14.º e 15.º do Código das Custas Judiciais.
Art. 26.º Nada se dizendo sobre qual o regime de aplicação no tempo da Lei nº 27/2019, de 28 de março, esta questão é regida pelas normas gerais nesta matéria.
Art. 27.º A disposição em causa não dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal do processo, nem sobre os efeitos da entrada do processo, mas sim sobre o conteúdo da relação processual, no que respeita ao elemento de onerosidade, mas sem relação com o valor da ação.
Art. 28.º O que está em causa consiste apenas em saber se a parte que obtém vencimento está dispensada de proceder ao pagamento da taxa de justiça a que estaria obrigada.
Art. 29.º Assim, o regime jurídico que fixa o montante da taxa de justiça constitui o conteúdo das relações já constituídas, mas tendo em consideração os factos que lhes deram origem (o valor da ação).
Art. 30.º Mas o regime jurídico que dispensa a parte vencedora do pagamento do valor fixado da taxa de justiça constitui (integra) o conteúdo da relação já constituída, abstraindo dos factos que lhes deram origem (o valor da ação).
Art. 31.º Isto é, esta norma conexiona-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação, pelo que nada obsta à aplicação desta norma às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Art. 32.º Como tal, a nova disposição abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Art. 33.º À data da entrada em vigor da Lei ora em causa, a relação jurídica onerosa processual subsistia ainda (e ainda subsiste), porquanto nem a conta de custas havia sido elaborada, nem a quantia eventualmente devida havia sido paga.
Art. 34.º Não tendo ainda sido liquidada a obrigação, nem sequer paga, a relação jurídica obrigacional ainda estava em vigor.
Art. 35.º Como tal, a liquidação da obrigação deve ser efetuada de acordo com o regime jurídico em vigor à data da liquidação.
Art. 36.º Assim, a nova versão daquele normativo (art. 14º, nº 9 do RCP) não é de aplicar às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, no que respeita às relações já constituídas.
Art. 37.º Mas é de aplicar ao conteúdo das relações já constituídas, abstraindo dos factos que lhes deram origem.
O caso dos autos
Art. 38.º No caso dos autos, verificaram-se duas transações, entre a Autora e o Réu CG…, e entre a Autora e a Ré AFSA, segundo as quais as custas corriam, respetivamente, pelos Réus CG… e AFSA na respetiva proporção (prescindido as partes de custas de parte e procuradoria).
Art. 39.º Em 13 de março de 2015, foi proferida douta sentença que homologou integralmente a transação entre a Autora e o Réu CG…, incluindo a atribuição da responsabilidade pelas custas ao Réu CG….
Art. 40.º Em 13 de setembro de 2015 foi proferida douta sentença que homologou integralmente a transação entre a Autora e a Ré AFSA, incluindo a atribuição da responsabilidade pelas custas à Ré AFSA.
Art. 41.º No que respeita aos restantes Réus, houve lugar a julgamento em primeira instância, tendo sido proferida douta sentença em 20 de abril de 2016.
Art. 42.º Foi então interposto recurso pelos Réus Açoreana (atualmente Seguradoras Unidas), Renticapital (atualmente insolvente), Amorim Global Investors e Caixa Capital.
Art. 43.º Em 20 de março de 2017 foi proferido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou integralmente improcedentes os recursos interpostos, tendo transitado em julgado.
Art. 44.º Em primeira instância, a douta Sentença fixou a responsabilidade por custas como segue: No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se. No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.
Art. 45.º O dispositivo I da douta Sentença tem o seguinte teor: I - julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: a) condeno a Ré Renticapital – Investimentos Financeiros, SA, a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.933.100, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido; b) condeno a Ré Companhia de Seguros Açoreana, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 280.800, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro ( Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido; c) condeno a Ré Amorim global Investores, SGPS, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.284.200, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro ( Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido; d) condeno o fundo de Capital de Risco Grupo CGD - Caixa Capital a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 1.545.300, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
Art. 46.º O dispositivo I da douta Sentença tem o seguinte teor: II – No mais, julgo a ação improcedente por não provada absolvendo os Réus do pedido.
Art. 47.º Para bem compreender a douta decisão de custas, é necessário tomar em consideração o pedido formulado.
Art. 48.º No pedido, a Autora pediu a condenação solidária dos Réus no pagamento de 100% da quantia garantida.
Art. 49.º Na douta Sentença, o Tribunal considerou que cada Réu era responsável na proporção da titularidade da sua participação, tal como decorreu dos factos provados 11, 26 e 27, ou seja:
Réus percentagem do capital total
Renticapital 32,59%
Amorim 25,38%
Caixa Capital 17,17%
Açoreana 3,12%
AFSA 0,64%
MG… 0,20%
Total de ações 79,1%
Art. 50.º Assim, em primeira instância, a Autora obteve 79,1% de vencimento nos autos.
Art. 51.º E, de modo correspondente, decaiu em 20,9% na primeira instância.
Art. 52.º Sendo que, na conta de custas, é atribuída à Autora a responsabilidade de 100%.
Art. 53.º Apesar de ter obtido vencimento em 79,1% do pedido em primeira instância.
Art. 54.º No que respeita aos recursos interpostos por alguns Réus (e não pela Autora) para o Tribunal da Relação, a Autora obteve vencimento integral, porquanto os recursos foram julgados improcedentes, tendo-se mantido a douta sentença de primeira instância.
Art. 55.º No douto Acórdão, os Apelantes - Açoreana (atualmente Seguradoras Unidas), Renticapital (atualmente insolvente), Amorim Global Investors e Caixa Capital – foram condenadas nas custas de acordo com o respetivo decaimento.
Art. 56.º Sucede que, no que respeita aos recursos, os apelantes decaíram na totalidade, porquanto os recursos foram julgados integralmente improcedentes.
Art. 57.º Ou seja, nos recursos a Autora obteve 100% de vencimento, pretendendo a conta de custas que esta pague 100% da taxa de justiça.
Art. 58.º Como tal, deve a Autora ser dispensada da taxa de justiça, como segue: - Na primeira instância: 79,1%; - No Tribunal da Relação: 100%.
Art. 59.º Deve, como tal, ser a Autora dispensada do pagamento da taxa de justiça em 79,1% na primeira instância, e em 100% no Tribunal da Relação, conforme decorre das doutas decisões proferidas nos autos e do art. 14º, nº 9 do RCJ.
Art. 60.º Sendo revogada a conta, e ordenada a elaboração de nova conta, em consequência.
Do erro de identificação das partes
Art. 61.º Salvo o devido respeito, a conta está também errada na identificação da parte composta pelos Réus.
Art. 62.º O conjunto dos Réus forma uma única parte, independentemente de integrar diversos sujeitos processuais.
Art. 63.º Como tal, sempre haveria lugar ao pagamento de uma taxa de justiça pelo conjunto dos Réus, e não de uma taxa de justiça por cada Réu.
Art. 64.º Assim, cumulativamente, deve também ser revogada a conta no que respeita aos Réus, sendo determinada a elaboração de nova conta de custas, da qual resulte que o conjunto dos Réus deva pagar uma única taxa de justiça.
Art. 65.º Acrescendo ainda que, considerando que os Réus obtiveram vencimento parcial em primeira instância, devem os Réus ser dispensados da taxa de justiça na proporção do seu vencimento.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser revogada a conta, sendo ordenada a elaboração de conta devidamente fundamentada, e na qual a Autora seja dispensada do pagamento da taxa de justiça em 79,1% na primeira instância, e em 100% no Tribunal da Relação, conforme decorre das doutas decisões proferidas nos autos e do artigo 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as legais consequências.
Mais se requer que seja revogada a conta no que respeita aos Réus, sendo determinada a elaboração de nova conta de custas, da qual resulte que o conjunto dos Réus deva pagar uma única taxa de justiça.
Mais, devem os Réus ser dispensados da taxa de justiça na proporção do seu vencimento”.
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c) AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.:
“Objecto da reclamação
1. Está em causa uma contagem em que são imputadas à responsabilidade da ora Reclamante as seguintes quantias de taxas de justiça em dívida após dedução das taxas iniciais liquidadas e pagas:
a) € 44.676,00 relativos ao processo em primeira instância (valor do processo € 9.379.722,20);
b) € 4.957,20 relativos ao recurso de apelação (valor do processo € 2.284.200,00);
c) € 4.957,20 relativos ao recurso de revista (valor do processo € 2.284.200,00).
Todas as referidas quantias são calculadas tendo em conta a redução de 60% das taxas de justiça concedida a requerimento da ora Reclamante.
2. A presente reclamação diz apenas respeito à parte da conta referida em a) do número anterior, isto é, à liquidação da suposta responsabilidade da Reclamante pelas custas do processado em primeira instância, não havendo lugar a reclamação no que diz respeito ás custas devidas pelos recursos mencionados.
Conteúdo literal da decisão em matéria de responsabilidade pelas custas
3. É o seguinte o teor da sentença com a qual a conta tem de se conformar: “No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se. No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.”
No dispositivo I a sentença condenava, separadamente, cada um dos ainda Réus na acção a pagar à Autora uma quantia a liquidar em execução de sentença;
No dispositivo II determinava-se: “No mais, julgo a acção improcedente por não provada, absolvendo os Réus do pedido.”
Significado material e sentido lógico da decisão em matéria de custas
4. Do exposto resulta claramente que a decisão pretendeu repartir a responsabilidade global pelas custas em duas partes: a relativa ao dispositivo I que fixou (implicitamente) em 75% e a relativa ao dispositivo II que fixou em 25%.
Este é o único sentido lógico e útil da decisão em causa. Com efeito, não há outro sentido lógico possível em fixar-se as custas relativamente a uma parte da decisão “na proporção de 25%” e portanto dúvida razoável não pode haver de que, a este título, a Autora terá de arcar com 25% das taxas de justiça devidas pelo processado em 1ª instância (havendo apenas que referir que, tendo sido proferida decisão que dispensou 60% das taxas de justiça remanescentes essa decisão se refere a todo o processado e aproveita a todas as partes).
5. Resta portanto, e apenas, encontrar o significado e sentido útil do segmento da decisão que estabelece: “No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus”.
A interpretação mais lógica e mais conforme ao teor literal da decisão é a que reparte o a medida da responsabilidade pelo dispositivo I em 50% para a Autora e 50% para o conjunto dos Réus.
Em abono deste entendimento temos que, tratando-se de condenação provisória referente a um dispositivo que condena em quantia a liquidar em execução da sentença, o pressuposto hipotético subjacente foi, como parece lógico, o de que o valor a considerar para efeitos de repartição de custas corresponderia a repartição em partes iguais da quantia máxima que poderia resultar da liquidação.
Em conclusão, no que diz respeito ao segmento I da decisão em causa, a Autora deve suportar metade das custas (ou seja metade de 75%) e os Réus a restante metade proporcionalmente ao valor das respectivas condenações.
6. Assim, obtém-se a efectiva repartição da taxa de justiça devida pelo processo como é lógico e justo e não, ao contrário do que parece pretender-se com a conta elaborada, a multiplicação da taxa de justiça pelo número de partes, como se tivesse havido lugar a múltiplos processos e não apenas a um, sem qualquer suporte lógico e sem qualquer assento na realidade.
Inconstitucionalidade do Artº 14º nº 9 do RCP
7. Como muito bem assinala a Autora, pela douta pena dos seus ilustres mandatários, a conta reclamada assenta numa interpretação normativa do Artº 14.º n.º 9 do RCP que o torna materialmente inconstitucional (para além, salvo o devido respeito, de logicamente absurdo como se crê que acima já se demonstrou).
Com efeito, a única interpretação admissível da norma contida no Art. 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais é no sentido de que o pagamento das custas judiciais deve ser proporcional à medida do vencimento ou decaimento da causa, tal como definido na sentença que determina a responsabilidade pelas custas.
Para além da pura racionalidade que obriga à repartição dos encargos do processo pelos intervenientes no processo e não à sua multiplicação pelos intervenientes do processo, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e o direito de acesso à Justiça não consentem outra interpretação do sistema de custas processuais no seu conjunto.
Convém não esquecer que, como reiteradamente tem ensinado o Tribunal Constitucional, bem como as doutrina e jurisprudência largamente maioritárias, que a taxa de justiça é uma verdadeira taxa e como tal tem de ser correspectiva do serviço efectivamente prestado num determinado processo. A taxa de justiça não pode ser nunca, contrariamente ao que poderia extrair-se de interpretações “literalistas” (e salvo o devido respeito ilógicas) de algumas disposições do RCP uma contrapartida do mero “impulso processual”.
Assim, como doutamente exposto pela Autora, a conta reclamada assenta numa leitura do Artº 14º nº 9 que faz a respectiva norma materialmente inconstitucional por violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
Cômputo da taxa de justiça remanescente efectivamente devida em primeira instância 8. No que diz respeito ao processo que correu termos em primeira instância cabe à aqui Reclamante suportar, em estrita conformidade com a decisão proferida na sentença (transitada em julgado) em matéria de responsabilidade pelas custas, o correspondente a uma quarta parte da taxa devida pelos Réus pelo Dispositivo I.
9. Assim, nos termos expostos, o apuramento da responsabilidade da Reclamante corresponde exactamente à seguinte operação:
1º Passo
Taxa remanescente total = 100% = € 111.960,00
Dispositivo I = 75% = € 83.970,00 (responsabilidade em partes iguais entre autora e réus)
Dispositivo II = 25% = € 27.990,00 (custas a cargo da autora)
2º Passo
Dispositivo I = € 83.970,00
Autora metade = € 41.985,00
Réus metade = € 41.985,00
3º Passo Repartição pro-rata da responsabilidade que cabe aos Réus, considerando o teor do Dispositivo II (arredondamento à segunda casa decimal):
Renticapital 41,64% = € 17.482,55;
Amorim Global Investors 32,43% = € 13.615,74;
Fundo Caixa Capital 21,94% = € 9.211,51;
Açoreana 3,99% = € 1.675,20;
Total 100% = € 41.985,00.
4º Passo Redução de 60% do valor apurado (que tanto pode ser feita ao início ou ao fim porque a ordem dos factores é arbitrária) atenta a dispensa concedida.
Assim, o valor a pagar da taxa de justiça remanescente a pagar pela Reclamante no que diz respeito ao processado em primeira instância é exactamente de € 5.446,30 (13.615,74 * 0,4).
Conclusão
10. Sob pena de violação material da decisão de condenação em custas e sob pena de inconstitucionalidade material do Art. 14.º n.º 9 do RCP, deve ser elaborada conta em que se apure uma única taxa remanescente devidamente repartida entre as partes diferentes partes processuais de acordo com o teor da sentença proferida e transitada em julgado, cabendo à Reclamante a responsabilidade pelo pagamento de uma taxa remanescente, no que diz respeito ao processado em primeira instância, de € 5.446,30.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente, revogada a conta elaborada e substituída por outra em que a taxa de justiça remanescente da responsabilidade da aqui Reclamante no que diz respeito ao processo em primeira instância seja fixada em € 5.446,30.”
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d) AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.:
“1. Foi a representante legal do ora Requerente, a Caixa Capital, Sociedade de Capital de Risco, S-A. notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 119 493,00 relativa às custas finais apuradas nestes autos.
2. Como melhor se desenvolverá, a conta de custas de que ora se reclama violou tanto normas da lei ordinária, designadamente as do RCP e as regras do Código de Processo Civil (CPC) relativas às custas, como as normas constitucionais que consagram o acesso ao direito e à justiça, procedendo designadamente a uma interpretação desconforme à Constituição de várias normas legais.
3. Justificando plenamente a reclamação da conta de custas que o Réu ora apresenta, Assim,
(i) Da conta de custas (erradamente) elaborada nos presentes autos
4. A quantia total de € 119 493,00, relativa às custas finais apuradas nestes autos e alegadamente da responsabilidade do Réu vem assim discriminada na conta de custas:  (i) € 119.690,00 relativos ao processo em primeira instância (valor do processo € 9.379.722,20); (ii) € 7.803,00 relativos ao recurso de apelação (valor do processo € 1.545.300,00);
5. Quanto ao ponto (i) supra - relativo às custas devidas pela tramitação do processo em 1ª instância - cumpre primeiramente considerar o que da sentença proferida consta em matéria de custas: “No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se. No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.”
6. A decisão proferida no dispositivo I continha a condenação conjunta dos Réus a pagarem à Autora, na proporção da responsabilidade de cada um, uma quantia ainda por liquidar e que corresponderia ao montante da dívida que a Autora não conseguisse recuperar da massa insolvente da Finpro;
7. A decisão proferida no dispositivo II foi a da improcedência do pedido da Autora para condenação dos réus em responsabilidade solidária.
8. Nestes termos, a responsabilidade pelas custas do processo em 1ª Instância foi repartida entre Autora e Réus na seguinte proporção: 75% provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus sem prejuízo dos ajustes resultantes da liquidação a efetuar nos termos ordenados – dispositivo I; 25% da responsabilidade da Autora – dispositivo II.
9. Dos 75% do valor das taxas de justiça do processo, que o Tribunal fez corresponder ao dispositivo I, metade serão da responsabilidade da Autora e a outra metade será da responsabilidade dos Réus rateadamente e na proporção que resultar da sua efetiva condenação após liquidação.
10. Os remanescentes 25% do valor das taxas de justiça do processo, que o Tribunal fez corresponder ao dispositivo II da ação são efetivamente da responsabilidade da Autora.
11. Foi esta a repartição que a sentença proferida na 1ª Instância, que não mereceu qualquer reforma nesta matéria, ordenou relativamente às custas do processo e a que deverá ser atendida para a elaboração da conta de custas.
12. Em qualquer caso, e por referência à concreta conta de custas que foi elaborada para a 1ª instância e da qual se reclama sempre cabe ainda mencionar que,
13. Como resulta claro das normas legais aplicáveis, a taxa de justiça é fixada em função do valor e complexidade da causa e por referência às tabelas que são anexas ao Regulamento das Custas Judiciais – neste caso, de acordo com a tabela aplicável, a taxa de justiça deste processo será de 16 Unidades de Conta (UC) = € 102,00, até ao valor de € 270 000,00, acrescida de 3 UCs por fração de € 25 000,00 até atingir o valor do processo que foi fixado em € 9 379 722,20; - Este valor vem indicado como base tributável para efeitos de taxa, originando custas no valor de € 113 322,00 para a primeira instância.
14. Porém, no caso dos litisconsórcios passivos – como sucede neste processo – que pressupõem uma única relação material controvertida (a causa de pedir e o pedido é igual para todos), só há lugar a uma taxa de justiça, sendo o respetivo pagamento, nos termos do artigo 530.º, n.º 4 do CPC da responsabilidade do primeiro litisconsorte que aparecer na petição, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os outros.
15. Significa isto, desde logo, que, o valor de € 113 322,00 apurado como taxa de justiça para a primeira instância, é o valor total da taxa a ser paga por todos os Réus e Autora na proporção em foram condenados em custas e não, como parece resultar da conta de custas que foi elaborada, um valor para multiplicar pelo número de partes, entendimento este que não teria qualquer suporte legal.
16. Assim, e em conformidade com o exposto, o cálculo da taxa de justiça da responsabilidade do ora Reclamante deverá ser assim efetuado: a) Apurar o valor de ½ de 75% da taxa de justiça final deduzida da totalidade das quantias já adiantadas por todos os Réus - Parte que é da responsabilidade dos Réus; b) Sobre o valor obtido em a) apurar a proporção da responsabilidade de FCR no valor total da ação.
17. O resultado destas operações em nada corresponderá ao valor agora imputado ao ora Requerente e que corresponde a 100% da taxa de justiça devida pela tramitação do processo em 1ª instância, pelo que deverá, em qualquer caso, a conta ser retificada em conformidade.
18. Esta reclamação não abrange a conta relativa ao recurso de apelação que se encontra elaborada em conformidade, sem prejuízo do direito à dispensa de 60% do respetivo valor que infra se requer seja reconhecido também ao ora Requerente.
(ii) A já invocada inconstitucionalidade do artigo 14º nº 9 do RCP –
19. Como já assinalado pela Autora e pela Ré Amorim Global Investors, SGPS, S.A. (doravante Amorim) , entende também o Requerente que a conta reclamada assenta numa interpretação do artigoº 14.º n.º 9 do RCP materialmente inconstitucional, uma vez que viola desde logo os princípios da igualdade, da proporcionalidade e o direito de acesso à Justiça.
20. A norma contida no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais tem que ser interpretada no sentido de que o pagamento das custas judiciais deve ser proporcional à medida do vencimento ou decaimento da causa, sendo essa a razão para a sentença dispor da repartição de responsabilidade em matéria de custas.
21. E o que as custas não poderão ser nunca, na parte que tem a natureza de taxa, é totalmente desproporcionais relativamente ao serviço efetivamente prestado num determinado processo. A taxa de justiça não pode ser nunca, contrariamente ao que poderia extrair-se de interpretações “literalistas” (e salvo o devido respeito ilógicas) de algumas disposições do RCP uma contrapartida do mero impulso processual e do valor fixado para o processo.
22. Assim, como doutamente exposto pela Autora, e já reiterado pela Ré Amorim Global, a conta reclamada assenta numa leitura do artigoº 14º, nº 9 que faz a respetiva norma materialmente inconstitucional por violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
(iii) Da redução da taxa de justiça devida ao abrigo do artigo 6º, n.º 7 do RCP – já concedida à Ré Amorim Global
23. A Ré Amorim requereu e foi-lhe concedida a dispensa do pagamento de 60% do valor das taxas de justiça com fundamento, por um lado, na elevada complexidade das questões decididas e, por outro lado, no comportamento processual da então Requerente e a utilidade económica do processo.
24. Os mesmos pressupostos que motivaram a decisão de dispensa de 60 % do valor do remanescente das custas para a Ré Amorim fundamentam também a necessidade de dispensa relativamente às restantes partes, designadamente o ora Requerente, tendo em conta, além do mais, que o comportamento processual das partes foi exatamente igual, pautado por cooperação, razoabilidade e prudência e sem qualquer violação dos deveres de boa fé, tendo assim o processo decorrido sem incidentes anómalos ou diligências de instrução e prova complexas.
25. Só desta forma se atuará em conformidade com os principios da proporcionalidade e da igualdade que, é unanimemente aceite, deverão balizar esta matéria.
26. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal proferidos nos presentes autos e que dispensa a Ré Amorim de 60% do valor das taxas de justiças remanescente, o juiz tem o poder-dever de flexibilizar o montante global da taxa de justiça devida em procedimentos de valor particularmente elevado de acordo com os critérios de adequação legalmente estabelecidos e em conformidade com os princípios constitucionais supra citados.
27. Nestes termos, requer-se seja, pelos mesmos exatos fundamentos considerados para a Ré Amorim, o ora Requerente dispensado de 60% do remanescente da taxa de justiça remanescente e cuja responsabilidade seja apurada nos termos já acima explanados, quer seja por se lhe aplicam os mesmos pressupostos da dispensa concedida à Ré Amorim, quer seja porque a dispensa já operada relativamente à mencionada Ré deverá aproveitar a todas as partes também por razões imperativas de igualdade.
Termos em que: (a) Deverá a presente reclamação ser julgada procedente, revogada a conta elaborada e substituída por outra em que a taxa de justiça remanescente da responsabilidade do ora Requerente seja apurada de acordo com os critérios supra enunciados; (b) Seja reconhecido ao ora Requerente o direito à dispensa de 60% do valor das taxas de justiça remanescente nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos em que já foi reconhecido à Ré Amorim.”.
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Em 26-02-2020, a Senhora Escrivã de Direito lavrou a seguinte informação, nos termos do artigo 31.º, n.º 4, do RCP: “(…) com referência às reclamações das contas elaboradas nos presentes autos, apenas nos merece referir que as mesmas se encontram devidamente elaboradas de acordo com o Regulamento em vigor e conforme o douto decidido nos autos, referindo apenas que a taxa de justiça é devida por impulso de cada interveniente não se aplicando nenhuma proporcionalidade de condenação que é sómente aplicada a encargos e custas de parte que no seu todo compõem as custas processuais(artº3º do RCP) de cada acção, recurso ou incidente processual, pelo que Vª Exª melhor decidirá”.
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O Ministério Público pronunciou-se sobre as reclamações apresentadas nos seguintes termos:
“Reclamação do Autor (ref.ª 25101001 – fls. 2576 e segs. PP) - Pelas razões aduzidas pelo reclamante, que merecem a nossa concordância e que aqui se têm por reproduzidas, somos de parecer que deve ser deferida a requerida reforma da conta de custas, sendo manifesto que não se atendeu em matéria de dispensa do pagamento de taxa de justiça à redacção actual do art.º 14º, nº9 do RCP.
Reclamações ref.ª 25104087 – (fls. 2584 e segs. PP), 25231686 (fls. 2595 e segs. PP), 34285910 (fls. 2572 e segs. PP) e 25184922 (fls. 2590 e segs. PP)– Não tendo sido dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida e pelas razões aduzidas pela Sr.ª Escrivã de Direito, que merecem a nossa concordância e que aqui se têm por reproduzidas, somos de parecer que devem ser indeferidas as requeridas reformas da conta de custas”.
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Em 21-04-2020 foi proferida decisão, em 1.ª instância, que – para além de determinar a reforma das contas referentes à 4.ª ré (AFSA) e ao 6.º réu (MG…), com quem a autora tinha transigido, com respeito pela base tributável de cálculo de € 60.030,22 e de € 18.759,44, respectivamente (e não de € 9.379.722,20) - e “ressalvado o mero esclarecimento relacionado com a não solidariedade no pagamento das custas judiciais, suscitado pela 2.ª Ré”, julgou “improcedentes as reclamações apresentadas pela Autora e pelas 1.ª, 2.ª, 3.ª e 5.ª Rés, na sua totalidade, por ausência de fundamento legal” tendo formulado as seguintes considerações:
“Fls. 2564, 2565 e 2576 a 2583 (reclamação da Autora):
Fls. 2568 e 2587 a 2589 (reclamação da 1.ª Ré):
Fls. 2566 e 2584 a 2586 (reclamação da 2.ª Ré):
Fls. 2570, 2571 e 2590 a 2594 (reclamação da 3.ª Ré):
Fls. 2567 e 2595 a 2598 (reclamação da 5.ª Ré):
Através dos argumentos que constam do requerimento com a referência 34448390, apresentado a 6 de janeiro de 2020, a Autora veio reclamar da conta de custas cíveis com o número 920400173142019, de que foi notificada na ação, com vista à sua revogação.
Solicitou a elaboração da conta devidamente fundamentada, e na qual a Autora seja dispensada do pagamento da taxa de justiça em 79,1 % na 1.ª Instância, e em 100 % na 2.ª Instância, conforme decorre das doutas decisões proferidas nos autos e do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (versão atual), com as legais consequências.
Mais requereu que seja revogada a conta de custas no respeitante aos Réus, sendo determinada a elaboração de nova conta da qual resulte que o conjunto dos Réus deva pagar uma única taxa de justiça. E, ainda, devem os mesmos ser dispensados da taxa de justiça na proporção do seu vencimento.
Através dos argumentos que constam do requerimento com a referência 34502676, apresentado a 10 de janeiro de 2020, a 1.ª Ré veio reclamar da conta de custas cíveis com o número 920400173212019, de que foi notificada na ação, concluindo, em suma, que a sua massa insolvente não possui liquidez para suportar o pagamento da conta de custas, não dispondo, assim, de qualquer possibilidade para proceder a tal pagamento.
Através dos argumentos que constam do requerimento com a referência 34451630, apresentado a 6 de janeiro de 2020, a 2.ª Ré veio reclamar da conta de custas cíveis com o número 920400173162019, de que foi notificada na ação, com vista ao esclarecimento se o pagamento da aludida conta é solidário, bem como à redução, em 60 %, do remanescente da taxa de justiça, em termos análogos à que foi concedida à 3.ª Ré.
Através dos argumentos que constam do requerimento com a referência 34525587, apresentado a 13 de janeiro de 2020, a 3.ª Ré veio reclamar da conta de custas cíveis com o número 920400173282019, de que foi notificada na ação, com vista à sua revogação e substituição por outra em que a taxa de justiça remanescente da responsabilidade da 3.ª Ré, no respeitante ao presente processo tramitado em 1.ª Instância, seja fixada no valor de € 5 446,30.
Através dos argumentos que constam do requerimento com a referência 34567155, apresentado a 16 de janeiro de 2020, a 5.ª Ré veio reclamar da conta de custas cíveis com o número 920400173202019, de que foi notificada na ação, com vista à sua revogação e substituição por outra em que a taxa de justiça remanescente da responsabilidade da 5.ª Ré seja apurada de acordo com os critérios aí enunciados; e em que se lhe reconheça o direito à dispensa de 60 % do valor da taxa de justiça remanescente, nos mesmos termos e com idênticos fundamentos já reconhecidos à 3.ª Ré.
A Sr.ª Escrivã de Direito contadora lavrou a informação inserta a fls. 2599, nos termos e à luz do disposto no artigo 31.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, no sentido da legalidade das contas e sua conformidade com o decidido na presente lide.
Com vista nos autos, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pelo acerto e deferimento da reclamação da Autora (cfr. 1.º parágrafo de fls. 2600) e pelo indeferimento das restantes reclamações formuladas (cfr. 2.º parágrafo de fls. 2600).
Cumpre apreciar, em conjunto, e decidir em conformidade (cfr. artigo 31.º, n.º 4, segmento final, do Regulamento das Custas Processuais).
A Autora começou por desencadear a questão prévia da falta de fundamentação da conta de custas, por omitir, em suma, as disposições legais aplicáveis (entre as quais, o artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais), a qualificação e a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributária e do tributo; tal como omitiu por completo a doutrina legal e/ou os princípios jurídicos em que o “decisor” se baseou, o que a impede de reconstituir o iter decisório e defender os seus interesses.
Ora, em relação à falta de fundamentação dos atos decisórios, apenas em casos pontuais – maxime quanto à sentença, ato decisório por excelência – é que a lei adjetiva especifica pormenorizadamente os requisitos da sua fundamentação factual e jurídica (cfr. artigo 607.º do Código de Processo Civil). Nos demais casos, basta que as decisões contenham, ainda que de uma forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão, isto é, não agiu discricionariamente; e que a decisão tomada num determinado sentido (e não noutro) tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem sobre o respetivo acerto, sentido e alcance.
Os atos decisórios são sempre fundamentados, especificando-se os motivos de facto e de direito da decisão, se incidirem acerca de qualquer pedido controvertido ou alguma dúvida suscitada no âmbito do processo (cfr. artigo 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). O ato da sentença tem uma fundamentação especial, como se viu, e a sua inobservância é cominada de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. b) a d), do Código de Processo Civil.
No caso sob apreciação, não estamos perante uma sentença ou uma decisão equivalente. Não estamos, sequer, perante um ato de natureza jurisdicional, mas sim em face da elaboração de uma conta de custas da responsabilidade da secretaria judicial, nos termos e para os efeitos estatuídos nos artigos 29.º, n.º 1, e 30.º, n.º 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
Ora, a secretaria judicial, ao processar e elaborar a conta de custas, deve fazê-lo através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, obedecendo, ainda, aos critérios elencados nas várias alíneas insertas no n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais. Manifestamente, não é exigível à secretaria judicial indicar doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se fundamentou ao realizar/processar a conta de custas, nem deveria fazê-lo em concreto, visto que não se trata de um ato sequer passível de recurso, mas sim de reclamação para o julgador titular do processo.
As contas em causa estão, por isso, devidamente fundamentadas, incluindo a da responsabilidade da Autora, porque obedientes aos critérios elencados nas alíneas do n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais, na sua conjugação com o disposto na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na atual redação (a resultante da Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro).
Os elementos constantes das contas efetuadas nos presentes autos (de todas elas) permitem a apreensão essencial do raciocínio lógico levado a cabo pela secretaria judicial, e a esta secretaria não se impõe, manifestamente, que convoque doutrina e/ou princípios jurídicos no esforço de elaboração das mesmas contas. Nestes termos, não se verifica o vício da falta de fundamentação suscitado e que, por isso, carece de sustentação legal.
Ultrapassada a aludida questão prévia levantada pela Autora, passamos a uma análise de mérito sobre o teor das reclamações oferecidas – em alguns aspetos, aliás, com argumentação bastante coincidente entre si. Urge sinalizar, de antemão, que sufragamos que as referidas contas de custas foram elaboradas nos termos do Regulamento das Custas Processuais, atenta a data do trânsito em julgado das decisões proferidas nos presentes autos (1.ª Instância e Instâncias Superiores), tendo sido cobrada a taxa devida pelo impulso processual das partes, de harmonia com a tabela I-A e I-B anexa ao mencionado regulamento.
Analisando com maior detalhe.
Em tese, é consabido que o Regulamento das Custas Processuais alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio geral do impulso: paga a taxa de justiça quem impulsiona o processo.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com tal regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante desse mesmo regulamento.
Perante o estipulado nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual da parte interessada. Portanto, a taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida pela prestação de serviços de justiça.
De entre o conjunto dos tributos legalmente previstos, a taxa caracteriza-se pela sua bilateralidade, assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
A final, tendo em conta que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual, no caso de haver apenas uma parte responsável por custas, esta pagará o remanescente de taxa de justiça através da imputação do valor remanescente na conta de custas. Assim, a taxa de justiça remanescente é incluída na conta.
O n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais deve ser conjugado com o disposto no seu artigo 14.º, n.º 9, nas situações em que a parte responsável pelo impulso processual não seja condenada a final. Uma vez que não será elaborada conta da sua responsabilidade, deverá a secretaria, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, proceder à notificação daquela parte para pagar o remanescente devido. Efetuado esse pagamento, poderá a parte, no prazo de cinco dias, exigir o seu reembolso através do mecanismo das custas de parte.
Caso ambas as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente da taxa, independentemente da proporção do decaimento, tendo em consideração que o acerto dos valores será concretizado através do instituto das custas de parte, previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e nos artigos 30.º a 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril (cfr., em sentido confluente, Custas Processuais / Guia Prático, 3.ª edição – abril de 2015, Centro de Estudos Judiciários, págs. 81 e 98).
Conforme se sumariou no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28 de junho de 2016 (relatado por Márcia Portela e com texto disponível em www.dgsi.pt): “I – O RCP alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio do impulso: paga taxa de justiça quem impulsiona o processo; quem não intervém no processo não paga taxa de justiça. II – Com este princípio foi propósito do legislador garantir que fosse avançada a totalidade das custas pela parte que impulsiona o processo, prevenindo assim as execuções por custas. III – Uma coisa é responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual; outra, diversa, é a responsabilidade pelas custas. IV – Contrariamente ao que sucedia no âmbito do CCJ, em que a conta era elaborada de acordo com o vencimento, agora é elaborada em função do impulso. V – Assim, a conta do processo já não determina o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou, apurando o saldo dessa relação. VI – A condenação em custas reflecte-se nas custas de parte, e não na conta. Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou”.
Dispõe o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, que, “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A finalidade deste preceito legal, inspirado em critérios de proporcionalidade, é não onerar excessivamente a parte que impulsiona o processo, quando este atinge valores muito elevados, muitas vezes sem reflexo significativo na atividade judicial, para não comprometer o acesso à justiça. Ocorre, assim, um diferimento do pagamento da taxa de justiça: em vez de avançar a totalidade da taxa de justiça, a parte paga a taxa de justiça correspondente ao valor de € 275 000,00, pagando a diferença entre este valor e o valor do processo a final.
O pagamento do remanescente é independente da responsabilidade pelas custas.
Por outras palavras, aquele remanescente tem de ser pago pela parte que impulsionou o processo, ainda que seja a parte vencedora. Trata-se, no fundo, de se complementar a taxa de justiça que deveria ter sido paga no início do processo.
Uma coisa é a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual; outra, diversa, é a responsabilidade pelas custas. O que está em causa nas contas reclamadas é a responsabilidade pela taxa de justiça devida pelo impulso, a que é alheia a repartição proporcional das custas por força da condenação final.
Contrariamente ao que sucedia no âmbito do (pregresso) Código das Custas Judiciais, em que a conta era elaborada de acordo com o vencimento, agora é elaborada em função do impulso em si. Nessa conformidade, a conta do processo já não determina nem espelha o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou efetivamente, apurando o saldo dessa relação, numa pura lógica de deve/haver.
Isso não significa que se esteja a subverter a responsabilidade pelas custas, já que a lei estabelece um mecanismo de compensação no artigo 26.º, n.º 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais. E, de acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito, as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Reiteramos que a condenação em custas – total ou parcial – se reflete nas custas de parte, e não na conta elaborada pela secretaria judicial.
Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou (desde que não se haja prescindido das custas de parte). As contas foram, pois, elaboradas de acordo com os normativos aplicáveis, não se verificando qualquer violação das decisões que repartiram a responsabilidade pelas custas. As contas foram elaboradas pela secretaria do Tribunal que funcionou em 1.ª Instância, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação e dos recursos, sendo feita uma só conta por cada sujeito processual (cfr. artigos 29.º e 30.º, n.ºs 1 e 2, do dito regulamento), através de recurso ao sistema informático que, nos termos do mesmo regulamento, produziu toda a informação relevante para identificação do processo, das partes ou sujeitos processuais.
Relativamente à alteração legislativa relacionada com a redação do mencionado artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e suposta inconstitucionalidade material na interpretação desta norma na versão atual, pretensamente refletida nas contas (cfr. reclamações da Autora, da 3.ª Ré e da 5.ª Ré), importa dizer, em essência, o seguinte.
A Lei n.º 27/2019, de 28 de março, veio alterar a redação do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, que passou a reger: ”Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.
Conforme decorre do artigo 11.º da citada lei, a referida alteração entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, o que significa que entrou em vigor no dia 27 de abril de 2019, sem prever nenhum regime transitório (ao invés do que se fez, por exemplo, no anterior Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro).
As contas de custas colocadas em crise datam de 9 de dezembro de 2019, ou seja, de uma altura em que já vigorava a nova versão do citado artigo 14.º, n.º 9.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro.
O seu n.º 2, primeira parte, reza que, quando a lei nova dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. Por seu lado, na segunda parte desse n.º 2 determina-se que, quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abarca as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
E o que sucede in casu?
Não se vislumbra como contornar a norma ínsita no artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a base tributável, para efeitos de taxa de justiça, corresponde ao valor da causa e se fixa de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
Por seu turno, a taxa de justiça é fixada com absoluto respeito pelo princípio da igualdade, sem distinguir a qualidade em que a parte responsável pelo seu pagamento intervém no processo (cfr. artigos 529.º e 530.º do Código de Processo Civil; e artigos 6.º, 7.º, 12.º, 13.º e 14.º, todos do Regulamento das Custas Processuais). Ademais, como se viu, os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora são reembolsados a título de custas de parte, a suportar pela parte vencida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 26.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.
Ora, e seguindo com proximidade o deliberado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 2019 (relatado por Maria do Rosário Morgado e com texto disponível em www.dgsi.pt), perfilhamos o entendimento jurisprudencial, aí adotado, de que, não obstante a Lei n.º 27/2019, de 28 de março (cuja vigência se iniciou em 27 de abril de 2019, à luz do seu artigo 11.º), ter modificado o estatuído no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, passando a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a nova versão daquele normativo legal não é de aplicar às relações já constituídas, como acontece no caso que apreciamos, com relações jurídicas há muito sedimentadas na lide, em definitivo.
Com efeito, o último douto Aresto proferido no âmbito destes autos data de 24 de maio de 2018 e transitou em julgado em 11 de junho de 2018 (cfr. fls. 2484), tratando-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (sem tributação) que deferiu parcialmente o pedido de reforma da aqui 3.ª Ré, dispensando-a do pagamento de 60 % do valor das taxas de justiça remanescentes, devidas pela ação e pelos recursos, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275 000,00, atento o elevado grau de complexidade substancial das questões decididas, o comportamento processual da 3.ª Ré e a utilidade económica dos interesses das partes envolvidos (cfr. fls. 2466 a 2476).
Aliás, a mencionada dispensa mostra-se espelhada na conta de custas da 3.ª Ré, tanto no processo da 1.ª Instância como nos recursos (cfr. fls. 2570 e 2571).
A simples circunstância de as contas de custas colocadas em crise datarem de 9 de dezembro de 2019, numa altura em que já vigorava a nova versão do sobredito artigo 14.º, n.º 9, não tem a virtualidade de afetar todo o anteriormente decidido, com trânsito em julgado, no âmbito destes autos, seja na 1.ª Instância, seja nas Instâncias Superiores.
Assim, há que concluir que aquela nova versão do preceito não se aplica in casu, o que significa que a imposição do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos constantes da normatividade acima referida, quer do Código de Processo Civil, quer do Regulamento das Custas Processuais, não compromete os princípios e direitos constitucionais consagrados, designadamente, nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Cremos que tanto basta para se resolver a essencialidade das questões levantadas, no que à indicada temática concerne.
Há, todavia, outros aspetos a decidir, um dos quais relacionado com o estado declarado de insolvência, e o encerramento do respetivo processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, quanto à 1.ª Ré (cfr. documentos de fls. 2588v a 2589v).
O seu administrador da insolvência veio comprovar documentalmente que a 1.ª Ré foi declarada judicialmente insolvente no dia 24 de janeiro de 2018, no âmbito do Processo n.º …/…T8LSB, do Juízo de Comércio de Lisboa (Juiz …). Aliado a tal facto, afirmou, foi proferido o despacho de encerramento, em 18 de abril de 2018, por insuficiência do património da insolvente para a satisfação das custas do processo e dívidas previsíveis da massa insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 2, al. a), do CIRE. Deflui, assim, que a massa insolvente não tem liquidez para enfrentar o pagamento da conta de custas de que foi notificada, sendo-lhe impossível proceder a tal pagamento.
Salvo o respeito devido por entendimento diverso, esta argumentação carece, de igual sorte, de virtualidade para singrar.
Com efeito, se bem entendemos o sentido e alcance da reclamação formulada pela 1.ª Ré, parece vir invocar a isenção subjetiva prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, para nada suportar de custas. Mas não é assim.
Importa, desde logo, salientar que a isenção em apreço não se reconduz a uma ausência de responsabilidade pelas custas do processo de insolvência. Na realidade, a sentença que declara a insolvência faz cessar a situação em que a visada se encontrava, determinando a constituição de uma massa insolvente à qual já não é aplicável a isenção subjetiva constante da citada alínea u) (sobre esta questão, veja-se, a título ilustrativo, Ac. Rel. Lisboa de 22.05.2014, relatado por Jorge Leal, com texto disponível em www.dgsi.pt, que adotou a solução da perda daquela isenção com a declaração judicial de insolvência da sociedade, constituindo-se como devedora de custas a respetiva massa insolvente).
Mais, dimana do próprio artigo 304.º do CIRE que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.
Na situação concreta, porém, está documentado ter sido, depois, proferido o despacho de encerramento, em 18 de abril de 2018, por insuficiência do património da insolvente para a satisfação das custas do processo (cfr. artigo 232.º do CIRE). Ou seja, na prática, inexistiu massa insolvente ou, pelo menos, a sua insuficiência foi de molde a ditar o encerramento do processo de insolvência com respaldo na mencionada norma.
Assim, há que seguir a lei aplicável: ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 1, al. d), do CIRE, encerrado o processo, “Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos”; pelo que, se não forem pagas as custas do presente processo, com o encerramento da insolvência, essa responsabilidade passa para o devedor e pode dele ser exigida, nos termos gerais (cfr., em sentido confluente, Custas Processuais / Guia Prático, 4.ª edição – junho de 2016, Centro de Estudos Judiciários, págs. 58 a 60). Solução que não deixará de ser conjugada (e confrontada) com a possibilidade de liquidação, entretanto, da sociedade comercial em causa, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais, atento o comando resultante do n.º 4 do artigo 234.º do CIRE (para o caso, como o vertente, de encerramento por insuficiência da massa insolvente). Certo é que a “simples” circunstância invocada de a massa insolvente não possuir liquidez para fazer face ao pagamento da conta de custas notificada, não lhe sendo possível proceder a tal pagamento, não pode justificar qualquer tipo de isenção/dispensa de pagamento em relação à 1.ª Ré, tratando-se de um aspeto a resolver e a ponderar, eventualmente, no plano executivo.
Aqui, em sede declarativa e a montante, não há consequências a extrair dessa invocada impossibilidade de pagamento, nos termos acima explicitados, o que só pode redundar na total improcedência da reclamação da 1.ª Ré.
Adiante. A 2.ª Ré pretende ser esclarecida se o pagamento da conta reclamada é solidário, ou seja, quanto à natureza do pagamento solicitado às partes, visto que no ofício expedido pela Secção consta a expressão, sob a epígrafe “Responsabilidade solidária”: ”Sendo solidária a responsabilidade do pagamento, o responsável que primeiro efectuar o pagamento da quantia em dívida fica com direito de regresso relativamente aos demais responsáveis solidários”.
Não se tratando, em sentido próprio, de matéria de reclamação de conta de custas, fica, porém, o esclarecimento de o pagamento não ser solidário: só isso se compatibiliza com o entendimento plasmado no despacho de 10 de julho de 2018, sobre custas de parte.
Passamos a transcrever o trecho do despacho que aqui interessa (a fls. 2522):
“Conforme o que ficou decidido pela 1ª instância, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e tendo o recurso de revista sido julgado improcedente, as RR. não foram condenadas em termos de solidariedade, tendo tido lugar a condenação de cada uma das RR. em termos diferenciados, pelo que terá que ser apresentada uma nota discriminativa de custas de parte relativamente a cada uma das RR., de acordo com o que supra ficou referido e não uma única nota”.
Na confirmada sentença proferida em 1.ª Instância pode ler-se, a tal propósito, que, “Ao contrário do que pretende a Autora, não se aplica o regime da solidariedade (artigo 100.º do Código Comercial) porquanto as partes dispuseram diversamente.
(…) Os Réus não respondem pela totalidade do dano da Autora mas apenas parcialmente nos termos em que se obrigaram individualmente (…)” (cfr. fls. 1759v e 1760).
Por seu lado, o artigo 527.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, vem postular o seguinte: “No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas”.
Ou seja, se a decisão proferida na ação importar a responsabilidade solidária de diversos devedores, também essa característica se transmite automaticamente à obrigação de pagamento de custas.
A expressão textual ínsita no ofício expedido pela Secção traduz, por conseguinte, o conteúdo deste dispositivo legal, e equaciona-se em puros termos hipotéticos, como se tivesse o segmento inicial: ”Se for solidária a responsabilidade do pagamento, (…)”; nada mais.
Ora, como se viu, as Rés não foram condenadas em termos de solidariedade, e sim de uma forma diferenciada. Numa palavra, a peticionada solidariedade da obrigação, porque não existe na presente situação concreta, não se estende às custas, por força do preceituado no artigo 527.º, n.º 3, a contrario sensu, do Código de Processo Civil.
Tal nos leva, de igual sorte, a consignar que não existe uma taxa de justiça única a repartir pelas Rés condenadas na confirmada sentença da 1.ª Instância; e que não pode ter qualquer cabimento e/ou razoabilidade a aplicação casuística do disposto no artigo 530.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (ao invés do defendido pela 5.ª Ré).
Basta dizer, para além do exposto, que foram apresentadas contestações separadas nos autos, a cada um desses articulados correspondendo o pagamento da taxa de justiça (cfr., no mesmo sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Almedina, 2018, pág. 583).
Por fim, tal como se mencionou supra, a 2.ª Ré veio pretender a redução/dispensa, em 60 %, do remanescente da taxa de justiça, em termos análogos à concedida à 3.ª Ré.
Alegou não vislumbrar qualquer razão para um tratamento desigual a esse nível. Independentemente da iniciativa do requerimento, tendo o processo sido tramitado em conjunto, tal dispensa deveria abranger todos os intervenientes, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, sendo certo que a 3.ª Ré teve o acréscimo de interpor o recurso de revista, o que não sucedeu com a 2.ª Ré. Não fixando o artigo 6.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, prazo para a apresentação do requerimento de dispensa, pode a 2.ª Ré aduzir os mesmos fundamentos daquela 3.ª Ré, aos quais adere e que são aplicáveis, na íntegra, aos restantes intervenientes processuais. Tanto a produção de prova, como as diversas decisões judiciais, foram tramitadas de forma unitária, não se destacando qualquer idiossincrasia ou incidentes anómalos, sendo o pagamento de € 607 614,00 claramente excessivo em face da tramitação deste processo (cfr. artigos 13.º a 17.º da sua reclamação).
Também a 5.ª Ré veio pedir o reconhecimento do direito à dispensa de 60 % do valor da taxa de justiça remanescente, nos mesmos termos e com idênticos fundamentos em que já foi admitido à 3.ª Ré; quer por se lhe aplicarem semelhantes pressupostos de proporcionalidade; quer por a dispensa antes operada dever aproveitar a todas as partes, por razões imperativas de igualdade que deverão balizar esta matéria (cfr. artigos 23.º a 27.º da sua reclamação).
Cumpre apreciar e decidir.
Como já tivemos o ensejo de reproduzir, de acordo com o previsto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Conforme se deliberou no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22 de novembro de 2016 (relatado por Carla Câmara e com texto disponível em www.dgsi.pt), “Os critérios de cálculo da taxa de justiça, constituem zona constitucionalmente sensível; apelam a critérios de proporcionalidade, entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado, tendo presente evitar uma justiça de tal modo onerosa que impeçam o recurso à mesma”.
No mesmo Aresto se acrescentou no sumário, com assertividade, que a dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correção a efetuar, em obediência a aplicação de princípios constitucionais, só deverá ocorrer em casos de manifesta injustiça, de um intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a atividade desenvolvida pelo sistema de justiça.
Não apenas o pagamento do remanescente da taxa de justiça se torna devido com a prolação da decisão que ponha termo ao processo (pressupondo o seu trânsito em julgado, evidentemente), como a eventual decisão de dispensa terá sempre carácter excecional, só se justificando em face da menor complexidade, ou mesmo da simplicidade, da lide, bem como da atitude cooperante das próprias partes envolvidas nos autos.
No caso em apreço, constatamos, porém, que o ora solicitado pelas duas indicadas Rés se revela manifestamente extemporâneo.
Com efeito, é na decisão final da ação (1.ª Instância) e no(s) recurso(s) que o Tribunal deverá proferir decisão em matéria de custas, não só quanto à proporção da responsabilidade das partes, mas também, se for o caso, quanto à qualificação do processo como especialmente complexo (cfr. artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil). E deflui da redação do citado artigo 6.º, n.º 7, que a dispensa do pagamento terá de ser declarada em fase anterior ao da elaboração da conta. A decisão que dispensa o respetivo pagamento tem de preceder o ato da contagem, à luz do sentido e alcance dessa norma, não faz nenhum sentido que o seja a jusante.
Veja-se, em sentido idêntico ao supra exposto, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22 de junho de 2016 (relatado por Carla Mendes e com texto disponível em www.dgsi.pt): “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulado pelas partes até à elaboração da conta final”.
Ou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2017 (relatado por José Rainho e com texto disponível em www.dgsi.pt): “II – A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efetuada a conta final. III – A lei, assim interpretada, não padece de qualquer inconstitucionalidade”.
Ou, ainda, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 12 de abril de 2018 (relatado por António Valente e com texto disponível em www.dgsi.pt), sumariado nos termos seguintes:
“I. – As partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP até ao trânsito em julgado da decisão final ou, pelo menos, até ao momento de elaboração da conta.
II. – Sendo assim extemporânea, a apresentação de tal requerimento após a elaboração da conta.
III. – Não existe violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o direito fundamental de acesso aos tribunais, na medida que não foi impedida a parte de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, foi simplesmente fixado um limite na sequência processual para que tal requerimento possa ter lugar”.
Na situação dos autos, o requerimento foi apresentado por ambas as Rés, como se viu, na sequência da notificação das contas de custas, sob a veste e a incorporar as correspondentes reclamações. Porém, as contas visadas tiveram de ser elaboradas em conformidade com o já decidido a montante, ou seja, a realização das contas de custas configurou o “fim da linha” até ao qual as partes deveriam ter suscitado o seu pedido de redução ou dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Tendo a questão da dispensa ou da redução do remanescente da taxa de justiça de ser apreciada pelo Tribunal e carecendo a conta de ser elaborada em função dessa decisão, o incidente da reclamação da conta não é o meio adequado para se decidir daquela questão, até porque a conta tem de ser elaborada em função dessa decisão.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, os interessados podem reclamar da conta ou pedir a sua reforma, sendo os únicos fundamentos para impugnar a conta a sua desconformidade com a decisão que fixou a responsabilidade pelo respetivo pagamento, ou a desconformidade da sua elaboração com as normas legais, sem prejuízo da correção dos erros materiais.
A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não cabe ao contador, sendo sim uma decisão judicial prévia à elaboração da conta, que é proferida na sentença ou na decisão que condene em custas, podendo oficiosamente nessa decisão ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa, ou podendo os interessados requerer tal dispensa, quer antes da decisão, quer depois, desde que até à elaboração da conta final.
Não constando da decisão que fixa a responsabilidade das custas a dispensa do pagamento do remanescente às duas Rés e nada tendo sido requerido nesse sentido antes da realização da conta, para além da indicada iniciativa isolada da 3.ª Ré, revela-se como extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, neste sentido se vindo a pronunciar a maioria da nossa jurisprudência (do Supremo Tribunal de Justiça, cfr., ainda, Acórdão de 11.12.2018, relatado por Pinto de Almeida; e do Tribunal da Relação de Lisboa, cfr., ainda, Acórdão de 28.02.2019, relatado por Eduardo Petersen Silva; ambos com textos disponíveis em www.dgsi.pt).
De acordo com o sumariado no primeiro douto Aresto, “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, pressupõe que o processo já se mostre transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas” (Supremo Tribunal de Justiça).
Ora, não tendo ambas as Rés sido dispensadas do remanescente da taxa aquando da prolação da decisão final da causa (oficiosamente), ou no recurso para a 2.ª Instância, aquelas são responsáveis pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Estas Rés podiam ter requerido a redução ou a dispensa do remanescente da taxa, mas teriam de o fazer, não através do incidente de reclamação das contas, mas solicitando a reforma da decisão proferida quanto a custas (cfr. artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil). Esse requerimento de reforma só podia ser apresentado, quando muito, até à elaboração da conta de custas, pelo que já não se mostra legalmente viável convolar o requerimento de reclamação da conta numa reforma da sentença quanto a custas.
O doutamente deliberado pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24 de maio de 2018 (cfr. fls. 2466 a 2476), no âmbito dos presentes autos (relatado por Maria Rosa Oliveira Tching), não deixa dúvidas quanto à destinatária da dispensa de pagamento aí decidida, apenas a 3.ª Ré, não obstante esta afirmar (na sua reclamação) que a decisão de dispensa aproveita a todas as partes (interpretação “extensiva” de que frontalmente dissentimos).
Para tanto, basta ler o dispositivo final do douto Acórdão, que não estende tal decisão a mais nenhuma das partes intervenientes (cfr. fls. 2475 e 2476).
Vem a propósito, também, atentar no sumariado a fls. 2466, no ponto I: “O pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado pelas partes antes da conclusão do processo ao juiz da 1.ª instância para prolação da sentença, ou do início do prazo para o relator, nos tribunais superiores, elaborar o projeto do acórdão, podendo ainda ser exercitado pelas partes por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas lato sensu que não tenham conhecido da questão”; bem como o desenvolvimento constante de fls. 2468 e 2469:
“Considerando que o requerimento da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente apresentado pela recorrente consubstancia um pedido de reforma do acórdão quanto a custas e foi formulado no prazo de 10 dias, em face do disposto nos art. 616º, nº 1, aplicáveis por força dos arts. 666º e 685º, todos do CPC, nenhum impedimento legal existe ao seu conhecimento, na medida em que se adere ao entendimento expendido no Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 669/10.8TBGRD-B.C1.S1), no sentido de que «o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser (…) exercitado durante o processo, nomeadamente mediante o pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa», porquanto «tal incidente destina-se a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (art.º 31º nº 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3».
De resto, é também este o entendimento defendido por Salvador da Costa, que, pronunciando-se quanto à oportunidade de formulação do requerimento em questão, refere no seu comentário intitulado «Algumas questões sobre a taxa de justiça, as custas processuais e a conta», que «o requerimento por qualquer das partes da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser apresentado em juízo antes da conclusão do processo ao juiz da 1ª instância para prolação da sentença, ou do início do prazo para o relator, nos tribunais superiores, elaborar o projecto do acórdão. Não requerida pelas partes a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, mas verificados os seus pressupostos, elas ainda podem obtê-la por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas lato sensu que não tenham conhecido da questão»”.
Destarte, e sem necessidade de considerandos acrescidos, por serem despiciendos, o Tribunal sufraga que, tendo a 2.ª Ré e a 5.ª Ré tido a oportunidade (com autonomia) de formularem um requerimento idêntico ao da 3.ª Ré na altura própria, e não o havendo feito, não é curial virem a beneficiar da mencionada redução em 60 %, porquanto não foi esse o sentido e alcance do douto Acórdão de 24 de maio de 2018 – cingido à 3.ª Ré, transitado em julgado no dia 11 de junho de 2018 – e, em sede de reclamação das contas de custas, mostra-se claramente precludido o momento temporal para tal efeito. Em síntese conclusiva do descrito, podemos alinhar as ideias essenciais seguintes: - As contas de custas reclamadas estão devidamente fundamentadas, incluindo a da responsabilidade da Autora, porque submetidas aos critérios elencados nas alíneas do n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais, na sua conjugação com o disposto na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na atual redação; - O pagamento do remanescente da taxa de justiça é completamente independente da responsabilidade pelas custas; aquele remanescente tem de ser pago pela parte que impulsionou o processo, ainda que seja a parte vencedora, tratando-se, no fundo, de se complementar a taxa de justiça que deveria ter sido paga no início do processo; - A conta de custas deixou de determinar o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou efetivamente, apurando o saldo dessa relação; - O que está em causa nas contas de custas reclamadas é a responsabilidade pela taxa de justiça devida pelo impulso, a que é alheia a repartição proporcional das custas por força da condenação final – repartição proporcional a atender mediante o mecanismo das custas de parte (cfr. artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais);
- Não obstante a Lei n.º 27/2019, de 28 de março (cuja vigência se iniciou em 27 de abril de 2019, à luz do seu artigo 11.º), ter alterado o conteúdo do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, passando a dispensar o vencedor do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a nova versão daquele normativo legal não é de aplicar às relações já constituídas, não se reconduzindo a qualquer inconstitucionalidade da norma; - O facto de a massa insolvente não ter liquidez para enfrentar o pagamento da conta de custas, mesmo após o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, não pode justificar qualquer tipo de isenção de pagamento em relação à 1.ª Ré, tratando-se de um aspeto a resolver e a ponderar, eventualmente, no plano executivo;
- O pagamento das contas notificadas às partes não é solidário;
- Inexiste uma taxa de justiça única a repartir pelas quatro Rés, não podendo ter cabimento a aplicação casuística do disposto no artigo 530.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, até porque foram apresentadas contestações em separado nos presentes autos;
- Podem as partes requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa (cfr. artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais) até ao trânsito em julgado da decisão final ou, no limite, até à elaboração da conta; mas não na reclamação desta conta.”.
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Não se conformando com esta decisão, dela apela a autora BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., pedindo seja determinada a revogação de todas as contas de custas elaboradas, a reformular, nos termos que requereu, formulando as seguintes conclusões:
“1. É manifestamente excessiva, desproporcional e ilícita a cobrança de 662.204,40 € a título de taxa de justiça total nos presentes autos, sendo as contas de custas elaboradas nos presentes autos (incluindo a da ora recorrente e as das demais partes) ilícitas, devendo ser revogadas, e sendo elaboradas novas contas de custas de acordo com o Direito.
2. A ora recorrente tem interesse na revogação de todas as contas de custas e elaboração de novas, porquanto poderá (em determinadas interpretações) vir a ter de compensar outras partes pelo dispêndio que tiveram com taxa de justiça.
3. A taxa de justiça é um tributo, com natureza de taxa, e não com natureza de imposto.
4. A taxa de justiça deve respeitar, em geral, os princípios da generalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da legalidade e da justiça material e, em especial como tributo, a taxa de justiça está sujeita ao princípio da legalidade tributária, o que abrange nomeadamente, a sua incidência, a taxa, as garantias dos contribuintes, a liquidação e cobrança (artigo 8.º Lei Geral Tributária).
5. A taxa de justiça é contrapartida da prestação do serviço de Justiça pelo Estado, que consiste no processo, e embora não seja necessária uma estreita correspondência entre a taxa de justiça e o custo do serviço de administração da justiça, no sentido de uma rigorosa equivalência económica entre o valor do serviço e o montante da quantia a pagar pelo utente desse serviço, é jurídico-constitucionalmente exigível tendo a sua única causa e justificação – material, e não meramente formal – na percepção deste serviço.
6. A noção de “impulso processual” opera como um critério de exclusão de aplicabilidade da taxa de justiça, não podendo ser a causa de tributação, sob pena de a taxa de justiça se transformar num imposto.
7. Um processo judicial constitui um único serviço, pelo que apenas pode ser cobrada uma única taxa de justiça por todo o processo.
8. A adequação da taxa de justiça ao processo enquanto serviço constitui matéria de conhecimento oficioso, não estando na livre disponibilidade do Tribunal, e devendo respeitar – inter alia - o princípio da igualdade, não podendo o Tribunal reduzir a taxa de justiça a umas partes e não a outras, salvo por razões objetivamente imputáveis a cada parte face ao seu comportamento processual.
9. O prazo para o contribuinte se defender da liquidação da taxa de justiça apenas começa a contar com a notificação da conta de custas, podendo o contribuinte defender-se recorrendo a todos os instrumentos jurídicos ao seu dispor, mantendo o Tribunal as suas competências até decisão final sobre a conta de custas, devendo ser respeitado o a CRP, o RCP, o CPC e a LGT.
10. É inconstitucional a interpretação normativa extraída dos números 1 e 2 do artigo 6.º, do RCP – incluindo a Tabela anexa, segundo a qual a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada ato ou intervenção processual.
11. A norma supra referida, e efetivamente aplicada pelo Tribunal recorrido, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade, máxime nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
12. É inconstitucional a norma extraída do artigo 6.º, números 1 e 2, do RCP – incluindo a Tabela anexa, segundo a qual a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada parte processual.
13. A norma descrita supra, e efetivamente aplicada na decisão recorrida, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, maxime nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
14. A correta interpretação normativa extraída dos números 1 e 2 do artigo 6º do Regulamento de Custas Processuais consiste em ser devida uma única taxa de justiça pelo conjunto do processo, como sinalagma do serviço de Justiça prestado, não sendo admissível uma multiplicação da taxa de justiça pelo número de partes ou sujeitos processuais.
15. São inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.7.Tais normas foram efetivamente aplicadas pelo Tribunal recorrido ao caso sub judicio, com o sentido interpretativo supra referido, em clara violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição.
16. A correta interpretação normativa extraída dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais consiste em que a taxa de justiça tem de ter um limite máximo, não podendo aumentar indefinidamente segundo o valor da ação, e deve ser limitada pelo Tribunal a um valor proporcional tendo em conta o serviço efetivamente prestado, incluindo nomeadamente a sua complexidade e comportamento das partes, ou, não sendo desde logo limitado, deve ser reduzida a esse valor.
17. É inconstitucional a interpretação normativa extraída do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual, o Juiz pode não dispensar o pagamento total ou parcial do valor das custas de justiça nos casos em que o montante é desproporcional ou excessivo.
18. O critério normativo de decisão mencionado e efetivamente aplicado na sentença recorrida, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, maxime na vertente do principio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).7. É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual não existe um dever de conhecimento oficioso nos casos em que a intervenção processual do Juiz é exigida pelo princípio da igualdade.
19. A norma referida supra, efetivamente apicada pelo Tribunal recorrido, in casu, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
20. É inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.
21. A norma citada supra, efetivamente aplicada como critério normativo de decisão na sentença recorrida, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo (Cf. Artigo 20.º, da CRP).
22. A correta interpretação normativa extraída dos artigos 6.º, nº 7 do Regulamento de Custas Processuais consiste em ser questão de conhecimento oficioso do Tribunal proceder à redução, limitação ou mesmo isenção da taxa de justiça, não podendo omitir esta decisão, e devendo a decisão ser tomada oficiosamente até que transite em julgado a decisão sobre reclamação da conta de custas.
23. É inconstitucional a norma extraída pelo Tribunal recorrido do artigo 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.
24. A norma elencada supra, efetivamente aplicada pelo Tribunal recorrido in casu no sentido assinalado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), do princípio da proporcionalidade, maxime na vertente do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
25. É inconstitucional a norma do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte.
26. A norma mencionada supra, efetivamente aplicada na sentença recorrida, é materialmente inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença, em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição.
27. A correta interpretação normativa extraída do 14.º, n.º 9, do Regulamento de Custas Processuais consiste em que a parte deve pagar a taxa de justiça remanescente na proporção em que seja condenado em custas.
28. É inconstitucional a norma extraída por interpretação do n.º 3, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas Processuais, segundo a qual a conta de custas de justiça não se encontra sujeita ao dever de fundamentação.
29. A norma ora sindicada, aplicada pelo Tribunal recorrido no caso sub juditio, é materialmente inconstitucional por violação do dever constitucional de fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (Cf. Artigo 268.º, n.º 3, da CRP).
30. A correta interpretação normativa extraída do n.º 3, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas Processuais consiste em que a conta de custas está sujeita a fundamentação como ato administrativo tributário que afete direitos ou interesses legalmente protegidos.
31. Caso seja doutamente entendido que não ocorre qualquer inconstitucionalidade, sempre está erradamente calculada a base tributável, em virtude do que foi decidido em relação às duas doutas sentenças homologatórias de transação, sendo autonomizado parte do pedido, face à homologação de transação, de modo a ser reduzido a base tributária para o valor proporcional da transação, deve esse valor ser reduzido à restante base tributária, devendo ser reduzidos os valores de base tributável referentes às duas transações, no total de €78.789,66, ao valor de €9.300.932,54. €9.379.722,20.
32. Ao não o ter feito, o Tribunal violou o artigo 6º, nº 7 e 8 do RCP e violou o caso julgado.
33. Tendo sido formulado um pedido solidário contra o conjunto dos Réu em litisconsórcio voluntário, é aplicável o artigo 530º, nº 4, do CPC, que é especial em relação ao artigo 527º, nº 3, do CPC.
34. Não é aplicável o artigo 527º, nº 3 do CPC, em casos de litisconsórcio voluntário, mesmo que tendo sido formulado um pedido de convenção em regime de solidariedade, a douta sentença venha a condenar os Réus em regime de conjunção.
35. Ao conjunto dos Réus apenas é aplicável uma única taxa de justiça, a pagar pelo Réu indicado em primeiro lugar na petição inicial, nos termos do artigo 530º, 4, do CPC.
36. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o 530º, 4, do CPC.
Normas jurídicas violadas:
- Da Constituição da República Portuguesa: artigo 2º, 13º, 18º, 20º, 204º e 268º.
- Do Código de Processo Civil: 281º, 527º, 529º, 530º e 607º.
- Do Regulamento de Custas Processuais: 6º, 7º, 11º, 12º, 13º, 14º, 22º, 25º, 26º, 30º e as Tabelas Anexas.
- Da Lei Geral Tributária: artigo 5º, 8º e 77º.
- Do Código de Procedimento Administrativo: 152º e 153º (…)”.
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Também não se conformando com esta decisão, dela apela a ré AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., pedindo a revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro que julgue procedente a reclamação apresentada, ordenando a elaboração de nova conta em que a taxa de justiça remanescente da responsabilidade da Recorrente no que respeita ao processo em primeira instância seja fixada em € 5.446,30, formulando as seguintes conclusões:
“1) O segmento decisório da sentença de 1.ª instância, confirmado pelas instâncias superiores, repartiu a responsabilidade global pelas custas em duas partes: a relativa ao dispositivo I que fixou (implicitamente) em 75% e a relativa ao dispositivo II que fixou em 25%;
2) A interpretação mais lógica e mais conforme ao teor literal da sentença é a que reparte a medida da responsabilidade pelo dispositivo I em 50% para a Autora e 50% para o conjunto dos Réus, separadamente, na medida da condenação de cada um deles;
3) Ou seja, no que diz respeito ao segmento I da decisão em causa, a Autora deve suportar metade das custas (i.e., metade de 75%) e os Réus a restante metade proporcionalmente ao valor das respectivas condenações;
4) Resulta das contas de custas reclamadas, incluindo a conta de custas dirigida à ora Recorrente, que as mesmas não atenderam ao critério de repartição da responsabilidade por custas fixado na sentença de 1.º instância, de 20/04/2016, e confirmado nas instâncias superiores;
5) O despacho recorrido, de 21/04/2020, violou o disposto no art.º 30.º, n.º 1, do RCP;
6) O actual art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, entrou em vigor no dia 27/04/2019 e é aplicável ao presente processo, sendo certo que a conta de custas dos autos foi elaborada em 9 de Dezembro de 2019, isto é, na vigência da referida Lei;
7) Tendo a conta de custas sido elaborada depois da entrada em vigor da Lei n.º 27/2019 e tendo sido deduzida reclamação pela Recorrente, a correspondente situação jurídica não se consolidou na ordem jurídica, impondo-se que o Tribunal da Relação, no julgamento do presente recurso, tenha em atenção o novo diploma, em ordem a aplicar a solução normativa que do mesmo decorre, à luz do disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil;
8) O despacho recorrido, ao considerar não aplicável à elaboração da conta de custas dos autos a norma do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, viola a referida norma, bem como o disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil;
9) Resulta das alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019 ao art.º 14.º, n.º 9, do RCP, que o legislador fixou a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nas acções de valor superior a € 275.000,00, para a parte que não deu causa ao processo, obtendo vencimento a final, aqui se englobando quer as hipóteses de vencimento total quer parcial – sendo neste caso reflectido na conta de custas a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão -, porquanto a ratio da regulação é similar para as duas situações, impondo-se essa interpretação (nos termos do art.º 9.º do Código Civil);
10) O legislador deixou de fazer depender a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça de requerimento do interessado – com as vicissitudes e conflitos surgidos a esse propósito, mormente quanto ao tempo em que esse pedido devia ser formulado – nem de apreciação (oficiosa) do juiz, para estabelecer uma dispensa geral e automática, assim respondendo, com doutrina plenamente conforme à Constituição, à crítica formulada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2017, de 21-11-2018;
11) A única interpretação admissível da norma contida no art. 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, mesmo na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, é no sentido de que o pagamento das custas judiciais deve ser proporcional à medida do vencimento ou decaimento da causa, tal como definido na sentença que determina a responsabilidade pelas custas;
12) O despacho recorrido, de 21/04/2020, ao considerar que o remanescente da taxa de justiça “tem de ser pago pela parte que impulsionou o processo, ainda que seja a parte vencedora”, que “a conta de custas deixou de determinar o que as partes devem pagar em função do vencimento” e que “o que está em causa nas contas de custas reclamadas é a responsabilidade pela taxa de justiça devida pelo impulso, a que é alheia a repartição proporcional das custas por força da condenação final – repartição proporcional a atender mediante o mecanismo das custas de parte (cfr. artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais)”, assenta numa leitura do art.º 14.º, n,º 9, do RCP, que faz a respectiva norma materialmente inconstitucional por violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP);
13) O despacho recorrido, ao decidir que o pedido de dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça só pode ser formulado até ao trânsito em julgado da decisão final ou, no limite, até à elaboração da conta, e já não na reclamação desta conta, efectua uma interpretação normativa do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, conjugado com o disposto no art.º 31.º, do mesmo Regulamento, que é inconstitucional, por violar o princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso á justiça (art.º 20.º da CRP);
14) Uma vez dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no todo ou em parte, a requerimento de alguma das partes – como, neste último caso, sucedeu à Recorrente, que foi dispensada do pagamento de 60% do remanescente da taxa de justiça – ou oficiosamente, aquela dispensa a todos aproveita, à luz do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP;
15) O valor a pagar da taxa de justiça remanescente a pagar pela Recorente no que diz respeito ao processado em primeira instância é exactamente de € 5.446,30 (13.615,74 *0,4)”.
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Igualmente não se conformando com o despacho de 21-04-2020, dele apela a ré FUNDO DE CAPITAL DE RISCO EMPREENDER MAIS- CAIXA CAPITAL, pedindo a revogação da conta custas da responsabilidade da Recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O processo em causa configura uma única ação, que tem no polo ativo uma Autora e no polo passivo uma pluralidade de Réus litisconsortes, em que é formulado um único pedido tendo por base uma única causa de pedir.
2. O processo seguiu os seus termos normalmente, não tendo a tramitação processual evidenciado grande complexidade, sem prejuízo da complexidade das questões jurídicas apreciadas, e não tendo as partes adotado qualquer comportamento censurável.
3. A decisão proferida em 1ª Instância estabeleceu a condenação conjunta dos Réus ao pagamento de uma quantia ainda por liquidar, a qual seria calculada na proporção da responsabilidade de cada Réu e corresponderia ao montante de dívida que a Autora não conseguisse recuperar da massa insolvente da Finpro.
4. No que às custas diz respeito, o Tribunal a quo dividiu a decisão em duas parcelas proferindo uma decisão também ilíquida no que respeita ao designado dispositivo I: a. 75%, a dividir entre Autora e Réus em partes iguais (Dispositivo I) – sendo que o valor imputável a cada uma das partes seria ajustado consoante o pagamento feito pela massa insolvente da Finpro, SCR, SA; b. 25% por conta da Autora (Dispositivo II);
5. A sentença, quer na parte dispositiva quer na parte relativa às custas, tem que ser liquidada e essa liquidação depende da finalização do processo de insolvência da Finpro. Nessa altura, o Tribunal deverá pronunciar-se quanto ao conteúdo definitivo do dispositivo I relativo às custas.
6. As contas de custas emitidas, quando ainda não existe ainda uma sentença definitiva quanto a custas, devem ser revogadas e elaboradas apenas quando for liquidada a sentença proferida no processo, designadamente quanto às custas e em conformidade com o disposto nessa liquidação.
7. É ilegal e inconstitucional a interpretação do artigo 529º, n.º 2, do CPC e do artigo 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, no sentido que sempre que uma parte pratica um ato sujeito a taxa (principio do dispositivo) fica obrigada ao pagamento da totalidade da taxa de justiça do processo, designadamente em caso de pluralidade de partes em litisconsórcio, ao arrepio das normas que expressamente regulam essa questão, como seja o artigo 530º, n.º 4 do CPC.
8. A Autora propôs uma única ação - e não 5 ações - e não será a condenação conjunta dos Réus a transformar o processo em coligação, permitindo a multiplicação pelo número de Réus da taxa de justiça.
9. A fixação de taxas de tal modo elevadas, desfasadas do custo e da utilidade do serviço prestado, na prática, pode inibir o cidadão comum de aceder à justiça, comprometendo a tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos.
10. As consequências que o Tribunal a quo retirou do disposto no artigo 537º, n.º 3 do CPC, e aplicou ao caso dos autos, estão erradas.
11. Estando o Tribunal vinculado aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, e ainda porque a aplicação do disposto no artigo 6º, n.º 7 do RCP pode e deve ser oficiosa quando se verificarem os pressupostos de que depende, deveria a redução do remanescente da taxa de justiça determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça a pedido da Ré Amorim Global aproveitar aos restantes Réus.
12. A dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça pode ser pedido após a elaboração da conta de custas que torna líquida a quantia a pagar por cada parte. A interpretação contrária suprime garantias constitucionais e viola os princípios vertidos nos artigos 13º, 18º e 22º da CRP.
13. A redação do artigo 14º, n.º 9 do RCP introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28/03 é aplicável ao caso dos autos por ter entrado em vigor em data anterior à consolidação da relação jurídica-processual em causa, em cumprimento do disposto no artigo 12º do Código Civil.
14. A aplicação, in casu, da anterior redação do artigo 14º, n.º 9 do RCP, nos termos em que o defendeu a decisão recorrida é ilegal por erro na aplicação da norma, em violação do disposto no artigo 12º do Código Civil e é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do direito de livre acesso à justiça.”.

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A ré SEGURADORAS UNIDAS, S.A. veio, nos termos do artigo 634.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, do CPC, declarar aderir aos recursos interpostos pelas rés FUNDO DE CAPITAL DE RISCO EMPREENDER MAIS - CAIXA CAPITAL e AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência dos recursos interpostos.
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Os recursos foram admitidos liminarmente, por despacho de 09-09-2020.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as seguintes:
1) Saber se as contas de custas devem ser revogadas e elaboradas apenas quando for liquidada a sentença proferida, a calcular na proporção da responsabilidade de cada Réu e pelo montante de dívida que a Autora não consiga recuperar da massa insolvente da FINPRO?
2) Se o despacho recorrido interpretou o artigo 3[0].º, n.º 3, do RCP, no sentido de que a conta de custas não se encontra sujeita ao dever de fundamentação e se essa interpretação é inconstitucional por violar o dever de fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3, da CRP)?
3) Se as contas de custas não atenderam ao critério de repartição da responsabilidade por custas fixado na sentença de 20-04-2016, mantida pelas instâncias superiores, violando o despacho recorrido de 21-04-2020, o disposto no art.º 30.º, n.º 1, do RCP?
4) Se o despacho recorrido interpretou os artigos 6.º e 11.º do RCP e tabela I A anexa, na redação do D.L. n.º 52/2011, de 13 de abril, no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o montante da taxa e se essa interpretação é inconstitucional por violar do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da CRP), conjugado com o princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP)?
5) Se o despacho recorrido interpretou o artigo 6.º, n.ºs. 1 e 2, do RCP e Tabela anexa, no sentido de que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada ato ou intervenção processual e se tal interpretação é inconstitucional, violando o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) - por importar um ónus injustificado face ao interesse público em presença, obrigando a pedir o montante pago em custas de parte - e por comprimir excessivamente o direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP)?
6) Se o despacho recorrido, ao considerar não aplicável à elaboração da conta de custas dos autos a norma do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, violou esta norma e art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC?
7) Se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, no todo ou em parte, a requerimento de alguma das partes ou oficiosamente, aproveita a todas as partes, à luz do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, podendo a aplicação do disposto no artigo 6º, n.º 7 do RCP ser oficiosa quando se verificarem os pressupostos de que depende, devendo a redução do remanescente da taxa de justiça determinada pelo STJ a pedido da ré Amorim, aproveitar aos demais réus?
8) Se o despacho recorrido interpretou o art. 6.º, n.º 7, do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, conjugado com o artigo 31.º do RCP, no sentido de que é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após o trânsito em julgado da decisão final, ou, no limite, após a elaboração da conta de custas, e de que o juiz não pode dispensar oficiosamente tal remanescente e se tal interpretação é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo (artigo 20.º da CRP), o princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e o artigo 22.º da CRP?
9) Se o despacho recorrido violou as normas do artigo 204.º da CRP, dos artigos 281.º e 607.º do CPC, dos artigos 7º, 11º, 12º, 13º, 22º, 25º, 26º, e as Tabelas Anexas do RCP, dos artigos 5.º, 8.º e 77.º da Lei Geral Tributária e dos artigos 152.º e 153.º do CPA?
10) Se foi erradamente calculada a base tributável, em virtude do decidido sobre as duas sentenças homologatórias de transação, sendo autonomizada parte do pedido de modo a ser reduzida a base tributária (€ 9.379.722,20) para o valor proporcional da transação, no total de € 78.789,66, ao valor de €9.300.932,54, tendo o despacho recorrido violado o artigo 6.º, n.º 7 e 8 do RCP e o caso julgado?
11) Se o despacho recorrido interpretou os artigos 529.º, n.º 2, do CPC e 6.º, n.º 1, do RCP de forma ilegal e inconstitucional, no sentido que sempre que uma parte pratica um ato sujeito a taxa fica obrigada ao pagamento da totalidade da taxa de justiça do processo, designadamente em caso de pluralidade de partes em litisconsórcio, ao arrepio do artigo 530º, n.º 4 do CPC, sendo aplicável ao conjunto dos réus, ainda que a sentença venha a condenar em regime de conjunção, uma única taxa de justiça, a pagar pelo Réu indicado em primeiro lugar na petição inicial, tendo sido erradamente aplicado, na decisão recorrida, o n.º 3 do artigo 527.º do CPC?
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3. Enquadramento fáctico:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Enquadramento jurídico:
Cumpre apreciar cada uma das questões colocadas, respeitantes às apelações deduzidas.
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1) Saber se as contas de custas devem ser revogadas e elaboradas apenas quando for liquidada a sentença proferida, a calcular na proporção da responsabilidade de cada Réu e pelo montante de dívida que a Autora não consiga recuperar da massa insolvente da FINPRO?
Importa apreciar se as contas de custas elaboradas nos autos devem ser revogadas por ter sido prematura a sua elaboração, como pretende a recorrente ré FUNDO.
Para tal apreciação, cumpre passar em revista, as linhas gerais sobre a responsabilização tributária e, bem assim, sobre o momento e termos em que deve ter lugar a elaboração da conta de custas.
Como regra geral, dispõe o artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (abreviadamente, CPC) que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.”
As custas assumem a natureza de contrapartida ou taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 418; Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 19-04-2012).
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529º, n.º 1 do CPC e 3.º do Regulamento das Custas Processuais (abreviadamente, RCP).
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, o qual é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art. 529º), ou seja, nos termos do RCP - com recurso à unidade de conta processual (UC) –conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respectivo impulso processual, em uma ou duas prestações (cf. art.ºs 13º e 14º do RCP), por meio de autoliquidação da parte, para o que esta deverá socorrer-se das tabelas anexas ao diploma e, no caso de processo cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (cf. art.º 6º, n.º 6 do RCP).
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a “núcleos relevantes de dinâmicas processuais” como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (assim, Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Noutra formulação refere José António Coelho Carreira (Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 51) que “a expressão “impulso processual” deve ser interpretada como significando a intervenção judicial inicial de cada parte/interveniente, ou seja, que provoca a prestação do serviço por parte do Estado, e que esteja sujeita a tributação em taxa de justiça, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.º a 20.º, 23.º e 24.º do RCP.
De acordo com o disposto no art.º 529.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem ao que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento – cfr. artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º do RCP e Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril. Envolvem, por exemplo, as quantias que a parte vencedora, na respectiva proporção, despendeu a título de encargos, com taxas de justiça pagas e com os honorários em razão do patrocínio de advogados.
As custas de parte não se incluem na conta de custas, devendo a parte que tenha direito a custas de parte enviar para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, “nos termos e prazos previstos no art.º 25º do RCP” - arts. 30.º e 31.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril.
A sentença transitada em julgado (cfr. artigo 628.º do CPC), a nota de custas de parte e a interpelação para o pagamento à parte vencida, determina a possibilidade de execução pelo valor das custas de parte, nos termos do artigo 626.º do CPC, como decorre do artigo 35.º, n.º 5, do RCP.
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, com o n.º 6 do art.º 607.º e com o n.º 2 do artigo 663.º, ambos do CPC, permite concluir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça.
Ou seja: Ao invés do que sucede com os encargos e com as custas de parte, o critério do vencimento ou do decaimento na causa, bem como, o critério do proveito, não influem na determinação da taxa de justiça.
Na verdade, em conformidade com o acima referido, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça decorre automaticamente do respectivo impulso processual, por via, por exemplo, de petição inicial, contestação, requerimento de interposição de recurso, contra-alegação, requerimento de incidente ou de oposição, portanto, independentemente do decaimento ou do vencimento na causa.
Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 530.º do CPC, a taxa de justiça só é devida, incluindo a remanescente, em função do impulso processual da parte que demande na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou requerido, de recorrente ou recorrido.
Como se disse, a taxa de justiça deve ser paga no momento do respectivo impulso processual, por meio de autoliquidação da parte, para o que esta deverá socorrer-se das tabelas do RCP e, no caso de processo cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (cf. art.º 6º, n.º 6 do RCP).
De acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, “nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Nos termos do artigo 11.º do RCP, a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
O artigo 29.º do RCP estabelece sobre a oportunidade de elaboração da conta de custas.
E o artigo 30.º do RCP regulamenta as regras a que deve obedecer a elaboração da conta de custas, acto que, uma vez elaborado, é sempre notificado ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes, quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, as quais, podem, em 10 dias, pedir a reforma da conta, reclamar da conta ou proceder ao seu pagamento (cfr. n.º 1 do artigo 31.º do RCP).
Se a conta de custas não estiver elaborada de harmonia com as disposições legais, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, mandará reformar a conta (artigo 31.º, n.º 2, do RCP).
Por seu turno, a reclamação da conta pode ser apresentada pelo responsável de custas, por interveniente processual ou pelo Ministério Público nos termos e prazos previstos no nº 3 do artigo 31.º do RCP, segundo essa via de impugnação, os trâmites previstos nos n.ºs. 4 e 5 do mesmo artigo.
Se o montante a pagar exceder o valor de 50 UC, poderá haver recurso, em um grau, da decisão do incidente da reclamação da conta e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efetuado a conta (cfr. artigo 31.º, n.º 6, do RCP).
Para além da regra geral em matéria de custas constante do artigo 527.º do CPC, o Código de Processo Civil estabelece, nos artigos 528.º e seguintes, regras especiais que procuram adequar a matéria em questão à especificidade das respetivas previsões.
Assim, designadamente: os artigos 528.º e 530.º estabelecem regras particulares de responsabilidade tributária em matéria de custas nos casos de litisconsórcio e de coligação; o artigo 534.º estatui sobre atos e diligências que não relevam na regra geral de custas; o artigo 535.º rege sobre os casos em que o autor é responsável pelas custas; os artigos 536.º e 537.º do CPC definem os termos de responsabilização tributária nos casos de alteração das circunstâncias, de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, de confissão, de desistência e de transação; o artigo 539.º do CPC estatui sobre as custas nos procedimentos cautelares, incidentes, produção antecipada de prova e notificações judiciais avulsas; o artigo 541.º reporta-se, em particular, às custas da execução.
Com atinência para o caso dos autos importa determo-nos nas normas dos artigos 528.º e 530.º do CPC.
Dispõe o artigo 528.º do CPC:
“1 - Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.
2 - Nos casos de transação de algum dos litisconsortes, aqueles que transigirem beneficiam de uma redução de 50 % no valor das custas.
3 - Quando o vencimento de algum dos litisconsortes for somente parcial, a responsabilidade por custas toma tal circunstância em consideração, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais.
4 - Quando haja coligação de autores ou réus, a responsabilidade por custas é determinada individualmente nos termos gerais fixados no n.º 2 do artigo anterior”.
Em anotação a este normativo referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 581) que, “em situações de litisconsórcio, a responsabilidade pelas custas assacada à parte vencida é distribuída pelos diversos litisconsortes em partes iguais, a não ser que exista alguma diferença nos resultados produzidos na esfera de cada um deles. Outra exceção está relacionada com os casos em que exista alguma transação subscrita por algum dos litisconsortes: tratando-se de litisconsórcio necessário, a transação operada por algum deles é insuscetível de extinguir a instância, mas produz, no entanto, efeito quanto a custas, nos termos do art. 288.º, n.º 2. (…). Já nos casos de coligação, em que existe uma acumulação de ações, aplica-se a regra geral da causalidade relativamente a cada parcela da instância, sendo a taxa de justiça paga individualmente por cada comparte (art. 530.º, n.º 5, do CPC, e 13.º, n.º 7, al. a), do RCP)”.
Por seu turno, os n.ºs. 4 e 5 do artigo 530.º do CPC estabelecem que:
“4 - Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
5 - Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”.
Sobre estas prescrições anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 583) o seguinte:
“Nos casos de litisconsórcio necessário ou voluntário, a taxa de justiça, ainda que seja da responsabilidade de todos os compartes, deve ser paga pelo que figurar em primeiro lugar quer na petição, quer na contestação, sem embargo do direito de regresso. Se, apesar do litisconsórcio passivo, os réus apresentarem contestações separadas a cada um desses articulados corresponderá o pagamento da taxa de justiça. Nos casos de coligação, em que existe uma acumulação de ações com valor processual autónomo, a taxa de justiça é paga por cada consorte em coligação, sendo calculada nos termos da Tabela I-B anexa ao RCP, nos termos do seu art. 13.º, n.º 7, al. a)”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vejamos a primeira questão.
Considera a ré FUNDO que as contas de custas não deveriam ter sido elaboradas porque ainda não foi liquidada a condenação objeto da sentença proferida.
Não tem razão a referida ré, pois, como resulta do citado artigo 29.º do RCP, a conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, após a comunicação pelo agente de execução da verificação de facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado – obviamente para os processos de natureza executiva – ou quando o juiz o determine (n.º 1).
Também o disposto no artigo 7.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, aponta para que a elaboração da conta é realizada quando o processo finda.
“A conta de custas é elaborada de harmonia com o julgado em última instância – artº 30º nº1 do RCP - devendo englobar as despesas dos recursos, mas tal elaboração final ocorre sempre na 1ª instância – artº 29º nº1” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2020, Pº 2811/08.0TVLSB-C.C1, rel. CARLOS MOREIRA).
No caso em apreço, a conta de custas foi elaborada na sequência do conhecimento da decisão final transitada, prolatada pelo Supremo Tribunal de Justiça e, no momento em que tal sucedeu, já tinha transitado em julgado o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao recurso de revista interposto, que não era suscetível já de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. artigo 628.º do CPC).
Se tiver havido condenação genérica, em valores ainda a liquidar, não prevê a lei que a conta de custas apenas seja elaborada depois de liquidada a proporção da responsabilidade de cada réu.
Mostra-se, pois, devidamente observado o aludido artigo 29.º, n.º 1, do RCP.
Assim, conclui-se que as contas de custas foram tempestivamente elaboradas.
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2) Se o despacho recorrido interpretou o artigo 3[0].º, n.º 3, do RCP, no sentido de que a conta de custas não se encontra sujeita ao dever de fundamentação e se essa interpretação é inconstitucional por violar o dever de fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3, da CRP)?
Conclui a recorrente BIC que “é inconstitucional a norma extraída por interpretação do n.º 3, do artigo 3.º, do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual a conta de custas não se encontra sujeita ao dever de fundamentação” (conclusão 28.ª da alegação respectiva), considerando que “a norma sindicada, aplicada pelo Tribunal recorrido…é materialmente inconstitucional por violação do dever constitucional de fundamentação…” (conclusão 29.ª da mesma alegação) e terminando por referir que “a correta interpretação normativa extraída do n.º 3, do artigo 3.º, do Regulamento das Custas Processuais consiste em que a conta de custas está sujeita a fundamentação como ato administrativo tributário que afete direitos ou interesses legalmente protegidos” (conclusão 30.ª).
Vejamos:
Cumpre referir que não contendo o artigo 3.º do RCP um número 3, a menção da recorrente não respeita a tal normativo que, aliás, alude ao conceito de custas. A menção deve ter-se por efetuada quanto ao n.º 3 do artigo 30.º do RCP, que se reporta ao ato de “processamento” da conta de custas.
A questão colocada é a de saber se um tal ato, elaborado na decorrência de uma prévia decisão sobre a responsabilidade tributária das partes, se encontra sujeita a fundamentação.
A decisão recorrida expendeu, sobre este ponto, o seguinte:
“A Autora começou por desencadear a questão prévia da falta de fundamentação da conta de custas, por omitir, em suma, as disposições legais aplicáveis (entre as quais, o artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais), a qualificação e a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributária e do tributo; tal como omitiu por completo a doutrina legal e/ou os princípios jurídicos em que o “decisor” se baseou, o que a impede de reconstituir o iter decisório e defender os seus interesses.
Ora, em relação à falta de fundamentação dos atos decisórios, apenas em casos pontuais – maxime quanto à sentença, ato decisório por excelência – é que a lei adjetiva especifica pormenorizadamente os requisitos da sua fundamentação factual e jurídica (cfr. artigo 607.º do Código de Processo Civil). Nos demais casos, basta que as decisões contenham, ainda que de uma forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão, isto é, não agiu discricionariamente; e que a decisão tomada num determinado sentido (e não noutro) tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem sobre o respetivo acerto, sentido e alcance.
Os atos decisórios são sempre fundamentados, especificando-se os motivos de facto e de direito da decisão, se incidirem acerca de qualquer pedido controvertido ou alguma dúvida suscitada no âmbito do processo (cfr. artigo 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). O ato da sentença tem uma fundamentação especial, como se viu, e a sua inobservância é cominada de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. b) a d), do Código de Processo Civil.
No caso sob apreciação, não estamos perante uma sentença ou uma decisão equivalente. Não estamos, sequer, perante um ato de natureza jurisdicional, mas sim em face da elaboração de uma conta de custas da responsabilidade da secretaria judicial, nos termos e para os efeitos estatuídos nos artigos 29.º, n.º 1, e 30.º, n.º 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
Ora, a secretaria judicial, ao processar e elaborar a conta de custas, deve fazê-lo através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, obedecendo, ainda, aos critérios elencados nas várias alíneas insertas no n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais.
Manifestamente, não é exigível à secretaria judicial indicar doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se fundamentou ao realizar/processar a conta de custas, nem deveria fazê-lo em concreto, visto que não se trata de um ato sequer passível de recurso, mas sim de reclamação para o julgador titular do processo.
As contas em causa estão, por isso, devidamente fundamentadas, incluindo a da responsabilidade da Autora, porque obedientes aos critérios elencados nas alíneas do n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais, na sua conjugação com o disposto na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na atual redação (a resultante da Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro).
Os elementos constantes das contas efetuadas nos presentes autos (de todas elas) permitem a apreensão essencial do raciocínio lógico levado a cabo pela secretaria judicial, e a esta secretaria não se impõe, manifestamente, que convoque doutrina e/ou princípios jurídicos no esforço de elaboração das mesmas contas.
Nestes termos, não se verifica o vício da falta de fundamentação suscitado e que, por isso, carece de sustentação legal.”.
Em nosso entender, este juízo não merece qualquer reparo, mostrando-se respeitada no ato praticado a fundamentação exigível.
Vejamos:
Estabelece o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição (CRP) que os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Este “dever de fundamentação expressa” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição Portuguesa Anotada, vol. III, 2.ª ed., UCP, 2020, p. 545) é objeto de concretização no artigo 152.º do CPC, decorrendo do seu n.º 1 que:
“1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.”.
“Embora as figuras do ato administrativo e da decisão judicial não sejam assimiláveis entre si, não passam despercebidos ao intérprete da Constituição os subsídios já desenvolvidos acerca da fundamentação do ato administrativo”, pelo que, “dificilmente se entenderia um sistema de fundamentação das decisões das autoridades públicas que fosse mais exigente relativamente às decisões dos órgãos administrativos do que quanto às decisões dos tribunais” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. III, 2.ª ed., UCP, 2020, p. 61).
Quanto aos atos decisórios do juiz, o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição prescreve que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (princípio, aliás, vertido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também, regulamentado pelo artigo 154.º do CPC).
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. III, 2.ª ed., UCP, 2020, pp. 59-60) a fundamentação das decisões judiciais, tem uma dupla função de “carácter subjectivo” - de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários - e uma função de “carácter objectivo” - de pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões.
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça e, daí que se compreenda o detalhe e atenção que o legislador dedica a tais atos decisórios (cfr. artigo 607.º do CPC).
Assim, todas as decisões judiciais (excluindo-se deste conceito os atos de mero expediente), quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito.
No entanto, e em princípio, os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido para uma sentença.
Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 61) que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão.
Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão, podendo afirmar-se que “o conteúdo da fundamentação é condicionado pelo objeto de cada tipo de decisão” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., p. 61).
Junto dos tribunais, as secretarias judiciais têm a função de assegurar o expediente, a autuação e a regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente, cumprindo à secretaria dar execução aos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos atos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado (cfr. artigo 157.º, n.ºs. 1 e 2 do CPC), especificando o Estatuto dos Funcionários de Justiça (aprovado pelo DL n.º 343/99, de 26 de agosto) a quem compete a direção dos atos de contagem e a elaboração da conta dos processos (cfr. artigo 6.º e Mapa I anexos a esse diploma).
Tendo em conta as precedentes considerações, pode extrair-se a conclusão – coincidente com a alcançada pelo Tribunal recorrido - de que o ato de elaboração da conta do processo não corresponde a um ato do magistrado judicial, não é uma sentença e não se enquadra nos atos decisórios deste (muito embora, claro está, a elaboração da conta de custas, tenha por base uma prévia definição da responsabilidade tributária das partes, “de harmonia com o julgado em última instância”. A expressão “de harmonia” significa que “a conta e custas será elaborada em obediência, submetendo-se à, ou em conformidade com a decisão proferida em última instância” - assim, José António Coelho Carreira; Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 382).
É, pois, correta a conclusão de que, quanto ao ato de elaboração da conta de custas não nos encontramos perante um ato de natureza jurisdicional, mas sim, perante um ato de diversa natureza, podendo constituir, para uns, um “ato administrativo (ou para-judicial)” (cfr., neste sentido, Salvador da Costa; Guia Prático das Custas Processuais (4.ª edição), CEJ, 2016, p. 213) e, para outros, nem sequer, ter essa natureza, atenta a sua feição de mero ato de “processamento”, se não traduzir uma definição inovatória e voluntária sobre um problema concretamente colocado (considerando que o ato de “processamento” não configura um ato administrativo vd. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-11-2016, Pº 00554/12.9BEVIS, rel. JOAQUIM CRUZEIRO).
Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2018 (Pº 1847/05.7TVLSB-A.L1-6, rel. CRISTINA NEVES) concluiu-se que o ato de contagem “é um acto material, sem conteúdo decisório, nos termos e limites definidos e impostos por lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.
Todavia, poderá, porventura, considerar-se que o ato de elaboração da conta de custas, dado que não se reconduz a um mero ato de processamento, mas implica a definição de uma situação concreta e individual, colocada em face de um determinado processo, conformará, então, a prática de um ato administrativo, que ficará adstrito à obrigação de fundamentação que deriva do preceito constitucional ínsito no n.º 3 do artigo 268.º da CRP.
Questão diversa é a de saber se o ato em concreto se encontra dotado da fundamentação suficiente, podendo-se perceber a razão das opções tomadas, ou se, ao invés, tal fundamentação se mostra inexistente.
E, chegados a este ponto, concluímos tal como o fez o Tribunal recorrido que a secretaria judicial, ao processar e elaborar a conta de custas, deve fazê-lo através do sistema informático disponibilizado para tal efeito, conforme previsto no artigo 30.º, n.º 3, do RCP e regulamentado pela Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, sistema esse que contém toda a informação relevante para a identificação do processo e das partes ou sujeitos processuais (cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Portaria) e através do qual se obterá o valor a pagar ou a receber pelas partes (artigo 7.º da Portaria).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vemos que as contas de custas elaboradas – quer se configurem como mera operação material sem conteúdo decisório individualizado, quer como verdadeiro ato administrativo - contêm todos estes elementos e, bem assim, uma descrição das parcelas que determinaram o resultado que as contas também apresentam.
Nessa descrição enumeram-se, com referência ao processo (1.ª instância) e aos recursos ocorridos, as taxas aplicáveis, com enunciação da base tributável considerada para as mesmas, o fundamento de consideração da mesma na Tabela anexa ao RCP, se há ou não lugar à redução a que se reporta o artigo 6.º, n.º 3, do RCP, qual a taxa devida, qual a taxa paga (e, se porventura, há excesso nesse pagamento), qual a taxa em dívida, bem como, o valor da UC considerado e ainda se a taxa foi paga ou não por injunção, e se tem aplicação à dispensa do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça constante do artigo 14.º-A do RCP.
Por seu turno, a conta contém um outro segmento onde se efetua o respetivo “resumo”, onde se contempla, designadamente, a forma de obtenção do resultado da conta/liquidação, aí expressa, bem com as taxas de justiça já pagas, resultando no total apurado.
Finalmente, “o programa informático assume automaticamente a data da elaboração da conta de custas e a identificação do funcionário que a elaborou” (assim, José António Coelho Carreira; Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 477).
Todos estes elementos se mostram plenamente inteligíveis e observando o princípio da limitação dos atos e as regras de forma dos atos processuais em geral, prescritas no artigo 130.º e ss. do CPC, observando-se, com plenitude, a conformidade dos atos praticados com a prescrição constitucional fundamentadora de tais atos.
De facto, em face destes elementos conclui-se que as contas de custas elaboradas nos autos permitem perceber, de forma coerente, congruente, suficiente e expressa, qual a razão do resultado apurado, viabilizando - nas palavras do Tribunal recorrido -“a apreensão essencial do raciocínio lógico levado a cabo pela secretaria judicial, e a esta secretaria não se impõe, manifestamente, que convoque doutrina e/ou princípios jurídicos no esforço de elaboração das mesmas contas”.
Não se mostra, pois, que o despacho recorrido tenha acolhido uma interpretação inconstitucional do artigo 30.º, n.º 3, do RCP ou em violação do prescrito no artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
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3) Se as contas de custas não atenderam ao critério de repartição da responsabilidade por custas fixado na sentença de 20-04-2016, mantida pelas instâncias superiores, violando o despacho recorrido de 21-04-2020, o disposto no art.º 30.º, n.º 1, do RCP?
A ré AMORIM invocou que o despacho recorrido violou o disposto no artigo 30.º, n.º 1, do RCP, tendo alegado o seguinte:
“O despacho recorrido considera que as contas de custas reclamadas “foram elaboradas nos termos do Regulamento das Custas Processuais, atenta a data do trânsito em julgado das decisões proferidas nos presentes autos (1.ª Instância e Instâncias Superiores), tendo sido cobrada a taxa devida pelo impulso processual das partes, de harmonia com a tabela I-A e I-B anexa ao mencionado regulamento” (cfr. pág. 7).
Ora, resulta das contas de custas reclamadas, incluindo a conta de custas dirigida à Recor[r]ente, que as mesmas não atenderam ao critério de repartição da responsabilidade por custas fixado na sentença de 1.º instância, de 20/04/2016 (…) e confirmado nas instâncias superiores.
As contas de custas não foram, pois, elaboradas de harmonia com o julgado em última instância, como deveriam ter sido, à luz do disposto no art.º 30.º, n.º 1, do RCP”.
Vejamos:
Como se disse, dispõe o artigo 30.º, n.º 1, do RCP que a conta de custas é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, incluindo-se na mesma as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos, enfim, as vicissitudes relevantes do processo que, nessa medida, deverão ser consideradas para efeito da conta do processo.
De todo o modo, “tendo presente a autonomia de tributação prevista no artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento (…), situações existem em que o julgado em última instância não será observado no que diz respeito, designadamente, à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida, que como se sabe, é paga pelo impulso processual” (cfr. José António Coelho Carreira; Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 382).
Tendo em conta a invocação efetuada pela recorrente, cumpre dilucidar se a conta de custas se mostra elaborada de harmonia com o decidido em última instância, sendo certo que, no despacho recorrido se salientou o entendimento de que “as referidas contas de custas foram elaboradas nos termos do Regulamento das Custas Processuais, atenta a data do trânsito em julgado das decisões proferidas nos presentes autos (…), tendo sido cobrada a taxa devida pelo impulso processual das partes, de harmonia com a tabela I-A e I-B anexa ao mencionado regulamento”.
Passando em revista o decidido nos autos, verifica-se que o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso de revista excecional interposto, assim se consolidando a decisão proferida antes pelo Tribunal da Relação de Lisboa que tinha julgado improcedentes os recursos interpostos pelas rés. Consequentemente, a decisão proferida em 1.ª instância manteve a sua plena validade e na mesma foi julgada parcialmente procedente a ação e, em consequência:
“I (…)
a) condeno a Ré Renticapital – Investimentos Financeiros, SA, a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.933.100, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
b) condeno a Ré Companhia de Seguros Açoreana, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 280.800, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
c) condeno a Ré Amorim global Investores, SGPS, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.284.200, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;
d) condeno o fundo de Capital de Risco Grupo CGD - Caixa Capital a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 1.545.300, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da Finpro (Processo nº …/…T8LSB da Instância Central de Lisboa, …ª Sec. Comércio, J…) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido”.
Num ponto II do dispositivo considerou-se, “no mais”, improcedente a ação e absolveram-se os réus do demais peticionado.
Quanto à responsabilidade tributária ficou enunciado – e consolidado nas três instâncias – o seguinte:
“No que tange ao dispositivo I, fixo as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se.
No que tange ao dispositivo II, fixo as custas a cargo da Autora na proporção de 25%”.
Assim, de harmonia com o decidido, confirmado em última instância, foi fixada a seguinte responsabilidade tributária:
- Quanto à parcela respeitante à condenação das rés, as custas ficaram, provisoriamente, estabelecidas a cargo de autora – na proporção de 50% - e os réus – na restante metade; e
- Quanto à parcela na qual as rés foram absolvidas do pedido da autora, a responsabilidade foi fixada em 25%.
Ou seja: A responsabilidade fixada na decisão proferida, a cargo da autora correspondeu a 25%, mais metade de 75% (a remanescente parcela). Às rés ficou fixada a responsabilidade no montante de metade de75%.
De todo o modo, como se assinalou a contadora e, bem assim, se expressou no despacho recorrido, o decaimento havido mostra-se irrelevante para a determinação da taxa de justiça devida.
Veja-se o que judiciou, com total acerto, o Tribunal recorrido:
“(…) o Regulamento das Custas Processuais alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio geral do impulso: paga a taxa de justiça quem impulsiona o processo.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com tal regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante desse mesmo regulamento.
Perante o estipulado nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual da parte interessada. Portanto, a taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida pela prestação de serviços de justiça.
De entre o conjunto dos tributos legalmente previstos, a taxa caracteriza-se pela sua bilateralidade, assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
A final, tendo em conta que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual, no caso de haver apenas uma parte responsável por custas, esta pagará o remanescente de taxa de justiça através da imputação do valor remanescente na conta de custas. Assim, a taxa de justiça remanescente é incluída na conta. (…).
Caso ambas as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente da taxa, independentemente da proporção do decaimento, tendo em consideração que o acerto dos valores será concretizado através do instituto das custas de parte, previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e nos artigos 30.º a 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril (…).
O pagamento do remanescente é independente da responsabilidade pelas custas.
Por outras palavras, aquele remanescente tem de ser pago pela parte que impulsionou o processo, ainda que seja a parte vencedora. Trata-se, no fundo, de se complementar a taxa de justiça que deveria ter sido paga no início do processo.
Uma coisa é a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual; outra, diversa, é a responsabilidade pelas custas. O que está em causa nas contas reclamadas é a responsabilidade pela taxa de justiça devida pelo impulso, a que é alheia a repartição proporcional das custas por força da condenação final.
Contrariamente ao que sucedia no âmbito do (pregresso) Código das Custas Judiciais, em que a conta era elaborada de acordo com o vencimento, agora é elaborada em função do impulso em si. Nessa conformidade, a conta do processo já não determina nem espelha o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou efetivamente, apurando o saldo dessa relação, numa pura lógica de deve/haver.
Isso não significa que se esteja a subverter a responsabilidade pelas custas, já que a lei estabelece um mecanismo de compensação no artigo 26.º, n.º 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais. E, de acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito, as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Reiteramos que a condenação em custas – total ou parcial – se reflete nas custas de parte, e não na conta elaborada pela secretaria judicial.
Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou (desde que não se haja prescindido das custas de parte). As contas foram, pois, elaboradas de acordo com os normativos aplicáveis, não se verificando qualquer violação das decisões que repartiram a responsabilidade pelas custas. As contas foram elaboradas pela secretaria do Tribunal que funcionou em 1.ª Instância, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação e dos recursos, sendo feita uma só conta por cada sujeito processual (cfr. artigos 29.º e 30.º, n.ºs 1 e 2, do dito regulamento), através de recurso ao sistema informático que, nos termos do mesmo regulamento, produziu toda a informação relevante para identificação do processo, das partes ou sujeitos processuais”.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Pº 2811/08.0TVLSB.C2, rel. LUÍS CRAVO), “o critério do vencimento (cf. art. 527º do n.C.P.Civil) não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respetivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço. No espírito do sistema está a ideia de que sendo a taxa de justiça o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço, o seu pagamento tenha sempre lugar, procurando evitar-se ao máximo as execuções por custas instauradas pelo Ministério Público. E nem se pode falar em iniquidade do sistema – em estar a exigir o pagamento de uma taxa de justiça da parte “vencedora” no litígio” – pois que será através do mecanismo das “custas de parte”, e mais concretamente através do pedido de reembolso das taxas de justiça pagas, pela parte “vencedora” à parte “vencida (cf. arts. 25º e 26º do R.C.P.), que os “vencedores” no litígio têm acautelada legalmente a situação”.
Olhando às contas de custas elaboradas nos autos, nelas se verifica que foi atendida a prescrição do artigo 30.º, n.º 1, do RCP, de acordo com o decidido em última instância que, neste conspecto, não modificou, de algum modo, os termos relevantes em que a conta de custas foi concretizada.
Improcedem, pois, as conclusões da recorrente AMORIM deduzidas em contrário.
*
4) Se o despacho recorrido interpretou os artigos 6.º e 11.º do RCP e tabela I A anexa, na redação do D.L. n.º 52/2011, de 13 de abril, no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o montante da taxa e se essa interpretação é inconstitucional por violar do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da CRP), conjugado com o princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP)?
Alegou a autora BIC que são inconstitucionais as normas dos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a Tabela I-A do RCP, na redação dada pelo D.L. n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, designadamente, em função da complexidade do processo e do caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título (cfr. conclusões 15.ª e 16.ª da alegação dessa recorrente).
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do art.º 530.º do CPC, a taxa de justiça só é devida, incluindo a remanescente, em função do impulso processual da parte que demande na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou requerido, de recorrente ou recorrido.
É que, “correspondendo o impulso processual, grosso modo, à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, acaba o nº2, do artº 529º, do CPC, por inserir no sistema de custas a mais significativa alteração, correspondendo a mesma à “autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte”. Ou seja, o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido, podendo acontecer que o vencedor, por virtude da dinâmica da evolução do valor da causa para efeito de custas ou da sua complexidade, tenha de proceder a final ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-07-2018, Processo: 28852/15.2T8LSB-A.L1-6, Relator ANTÓNIO SANTOS).
“O direito de acesso aos tribunais não compreende um direito à gratuitidade do serviço de justiça, sendo, pois, legítima a exigência do pagamento do serviço de justiça. Todos os processos, salvo se beneficiarem de isenção legal, estão sujeitos a custas (que em rigor são a única fonte de financiamento do sistema judicial que se encontra directamente relacionada com os seus utilizadores). Embora não em termos não absolutos, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e as taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/05/2013, processo: 412/11.4TCGMR.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO).
De facto, o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar de forma gratuita (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 227/2007), nem tem que existir rigorosa equivalência entre o custo do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço (cfr. Ac. TC n.º 349/02).
“Todavia, ainda que assim se entenda, é preciso que o critério adoptado não seja desproporcionado (Acs. N.ºs. 495/96 e 247/99 (…)). Concretamente, se é certo que nada impede que o montante das custas seja variável – e possa tomar em consideração o valor dos interesses globais solucionados no processo ou a utilidade económica final da acção (Ac. n.º 708/05) - , a verdade é que um sistema de custas cujo montante aumente directamente e sem limite na proporção do valor da acção coloca dois tipos de problemas.
Por um lado, não está excluído que, rompida a proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração da justiça prestado, se deixe de estar perante verdadeiras taxas e se entre, pelo contrário, no domínio dos impostos.
Por outro lado, no plano estritamente material, a solução em causa pode, na prática, consubstanciar-se na imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do artigo 20.º (…)” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição da República Portuguesa, anotada, Tomo I, 2.ª ed., Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 431).
Ou seja: O custo do recurso ao sistema de Justiça deverá ser proporcionado ao dispêndio de meios exigidos a este mesmo sistema.
O cálculo da taxa de justiça faz-se em função do valor da causa. É esta a pauta regra pela qual se contabiliza a taxa de justiça.
Só, marginalmente, ou seja, por via que não é de regra, é que interferirão no cálculo da taxa de justiça outros factores que contribuirão para o seu aumento, diminuição ou isenção.
Assim, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-12-2016 (Processo 1459/12.9TBMGR.C2, relator CARLOS MOREIRA), “o critério primeiro e basilar para o cálculo do montante da taxa de justiça é o valor da causa - artº 6º nº1 e 11º do RCP”.
Como ali também se referiu “tal critério apenas pode ser complementado, para o seu aumento, diminuição ou isenção, se se provar, naquele caso, a especial complexidade do processo; e, nestes, a especial simplicidade do mesmo com economia de meios e custos, maxime se tal decorrer do contributo das partes – artº 6º, nºs 5 e 7 RCP”.
No caso, como se viu, o valor atribuído à causa – e fixado pelo Tribunal – foi o de € 9.379.722,20, correspondente ao valor do pedido inicial formulado.
É, pois, em função deste valor que têm de ser considerados, prima facie, os pagamentos a ter lugar nos autos.
De facto, a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo (cfr. artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais).
Se o n.º 1 do artigo 6.º do RCP consagra o primeiro princípio, o n.º 7 do mesmo normativo permite adequá-lo ao caso concreto.
De facto, prescreve o artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por seu turno, o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais prescreve que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Trata-se de uma faculdade que, aliás, pode ser apreciada oficiosamente em sede de recurso (assim, o Acórdão do S.T.J. de 19/09/2013, processo n.º 738/08.4TVLSB.L1.S1, relatado por ABRANTES GERALDES).
Os n.ºs. 1 e 7 do artigo 6.º do RCP mostram a preocupação do legislador em procurar alcançar algum equilíbrio entre a natureza e características do pleito e a actividade jurisdicional a que dá lugar, por um lado, e o montante a que estará sujeita a parte, a título de taxa de justiça, por outro lado.
Uma adequação perfeita é impossível, naturalmente, e daí que a lei confira ao juiz a faculdade de, criteriosa e fundadamente, procurar evitar discrepâncias gritantes entre os serviços de justiça prestados no pleito e por causa deste e a taxa de justiça. Taxa de justiça que pode, por vezes, alcançar valores extraordinariamente elevados.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013 (publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de 2013, p. 31098), citando diversa jurisprudência sobre a matéria, “a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar -se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007).
Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito”.
E concluiu tal Acórdão do TC n.º 421/2003 em julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Ou seja: “os critérios de cálculo da taxa de justiça devem pressupor e garantir um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado”, observando-se, assim, os princípios constitucionais aludidos no mencionado acórdão do TC n.º 421/2013. (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-04-2015, P.º 2339/05.0TCSNT.L1-7, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO).
A taxa de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado, não podendo ser acolhido um valor desproporcionado.
Como se assinalou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018 (P.º 1200/17, rel. MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS), “o princípio da proporcionalidade ocupa um lugar central no nosso ordenamento jurídico-constitucional, no que diz respeito ao controlo dos atos do poder público, nomeadamente como limite à liberdade de conformação do legislador, onde se inclui o estabelecimento da taxa de justiça”.
De todo o modo, como se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2016 (Processo 3258/05.5TVLSB.L1-7, relatora CARLA CÂMARA): “A regra é a de que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.» ( 6º, nº 7, do RCP) (…). A dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correcção a efectuar, em obediência à aplicação de princípios constitucionais, só deverá ocorrer em situações de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça”.
Note-se que, na configuração normativa, pode dar-se o caso de uma das partes ficar integralmente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente – se houver decisão fundamentada nesse sentido – e a outra parte, ter de o satisfazer, sem que, de tal situação, advenha qualquer violação do princípio da igualdade.
A taxa de justiça, enquanto parte integrante das custas processuais, corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, como contrapartida tendencial do concreto funcionamento do sistema judiciário, devendo o interessado pagá-la no momento em que desencadeie a sua actividade processual, por meio de autoliquidação (cf. art.ºs 529º e 530º do Código de Processo Civil e art.º 6º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).
A responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, diversamente do que sucede quanto à responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte, decorre automaticamente do respectivo impulso processual, não dependendo do critério de vencimento ou decaimento da causa, muito embora, à luz do actual artigo 14.º, n.º 9, do RCP (na redação conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março), o vencedor fique dispensado, desde logo, do respectivo pagamento: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
Ora, tendo presentes estas considerações e aplicando-as ao caso em apreço, vemos que, ao contrário do invocado pela recorrente, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha aplicado ou interpretado as normas dos artigos 6.º e 11.º do RCP, em conjugação com a tabela I-A anexa em termos irredutíveis, inflexíveis, no sentido de não ser possível a adequação dos valores de taxa de justiça ao caso concreto, sem se proceder à automática consideração dos valores que resultam da operação aritmética derivada da conjugação desses normativos com a aludida tabela.
Extrata-se, a este propósito, da decisão recorrida, o seguinte trecho:
“(…) A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com tal regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante desse mesmo regulamento.
Perante o estipulado nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual da parte interessada. Portanto, a taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida pela prestação de serviços de justiça.
De entre o conjunto dos tributos legalmente previstos, a taxa caracteriza-se pela sua bilateralidade, assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
A final, tendo em conta que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual, no caso de haver apenas uma parte responsável por custas, esta pagará o remanescente de taxa de justiça através da imputação do valor remanescente na conta de custas. Assim, a taxa de justiça remanescente é incluída na conta (…).
Dispõe o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, que, “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A finalidade deste preceito legal, inspirado em critérios de proporcionalidade, é não onerar excessivamente a parte que impulsiona o processo, quando este atinge valores muito elevados, muitas vezes sem reflexo significativo na atividade judicial, para não comprometer o acesso à justiça. Ocorre, assim, um diferimento do pagamento da taxa de justiça: em vez de avançar a totalidade da taxa de justiça, a parte paga a taxa de justiça correspondente ao valor de € 275 000,00, pagando a diferença entre este valor e o valor do processo a final.
O pagamento do remanescente é independente da responsabilidade pelas custas.
Por outras palavras, aquele remanescente tem de ser pago pela parte que impulsionou o processo, ainda que seja a parte vencedora. Trata-se, no fundo, de se complementar a taxa de justiça que deveria ter sido paga no início do processo.
Uma coisa é a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual; outra, diversa, é a responsabilidade pelas custas. O que está em causa nas contas reclamadas é a responsabilidade pela taxa de justiça devida pelo impulso, a que é alheia a repartição proporcional das custas por força da condenação final.
Contrariamente ao que sucedia no âmbito do (pregresso) Código das Custas Judiciais, em que a conta era elaborada de acordo com o vencimento, agora é elaborada em função do impulso em si. Nessa conformidade, a conta do processo já não determina nem espelha o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou efetivamente, apurando o saldo dessa relação, numa pura lógica de deve/haver.
Isso não significa que se esteja a subverter a responsabilidade pelas custas, já que a lei estabelece um mecanismo de compensação no artigo 26.º, n.º 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais. E, de acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito, as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Reiteramos que a condenação em custas – total ou parcial – se reflete nas custas de parte, e não na conta elaborada pela secretaria judicial.
Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou (desde que não se haja prescindido das custas de parte). As contas foram, pois, elaboradas de acordo com os normativos aplicáveis, não se verificando qualquer violação das decisões que repartiram a responsabilidade pelas custas. As contas foram elaboradas pela secretaria do Tribunal que funcionou em 1.ª Instância, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação e dos recursos, sendo feita uma só conta por cada sujeito processual (cfr. artigos 29.º e 30.º, n.ºs 1 e 2, do dito regulamento), através de recurso ao sistema informático que, nos termos do mesmo regulamento, produziu toda a informação relevante para identificação do processo, das partes ou sujeitos processuais (…).
Não se vislumbra como contornar a norma ínsita no artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a base tributável, para efeitos de taxa de justiça, corresponde ao valor da causa e se fixa de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
Por seu turno, a taxa de justiça é fixada com absoluto respeito pelo princípio da igualdade, sem distinguir a qualidade em que a parte responsável pelo seu pagamento intervém no processo (cfr. artigos 529.º e 530.º do Código de Processo Civil; e artigos 6.º, 7.º, 12.º, 13.º e 14.º, todos do Regulamento das Custas Processuais). Ademais, como se viu, os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora são reembolsados a título de custas de parte, a suportar pela parte vencida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 26.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais (…)”.
Ao contrário do preconizado pela recorrente, não se vislumbra que no despacho recorrido se tenha afirmado uma aplicação automática do montante da taxa de justiça, sem qualquer limite máximo, tendo ao invés, o Tribunal recorrido, afirmado uma interpretação em plena concordância com as regras legais aplicáveis, apenas sucedendo que, pelos motivos que expôs, não considerou ser de dispensar, em concreto, às recorrentes o pagamento do montante da taxa de justiça ainda remanescente.
Ora, de acordo com o estabelecido nos mencionados preceitos legais, na falta de oficiosa intervenção, que o Tribunal não assinalou, à parte nisso interessada incumbirá requerer a dispensa do remanescente em questão, invocando a existência das condições que poderão justificar a sua dispensa.
Entre elas encontra-se, como decorre expressamente do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, a especificidade da situação, a consideração da complexidade do processo e a conduta processual das partes.
Sucede que, o Tribunal recorrido, apreciando a pretensão expressa a esse propósito, por um lado, considerou dever atender ao valor da causa como valor tributável e, por outro, não considerou ser tempestiva a pretensão de dispensa.
Não se afigura que a interpretação e aplicação levada a efeito pelo Tribunal recorrido, relativamente às normas supra consideradas, se possa considerar ofensiva do direito constitucional de acesso aos tribunais, nem violadora do princípio fundamental da proporcionalidade.
Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2019 (Pº 942/06.0TBCSC.L3-7, rel. PEDRO BRIGHTON), que, “o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artº 20º nº1 da Constituição da República Portuguesa, consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. No entanto, este normativo constitucional (artº 20º nº1 da Constituição da República Portuguesa) não contém nenhum imperativo de gratuitidade dos serviços de justiça”.
No caso, foi a autora que indicou o valor da pretensão que expressou e o mesmo é relevante para a consideração do valor tributável, situação que a autora não poderia desconhecer, não tendo, sobre ele incidido os fatores de correção que poderiam atenuar o valor da taxa de justiça devida. Não se afigura que, por esta simples circunstância, o decidido pelo Tribunal recorrido se possa reputar contrário aos princípios constitucionais. Note-se, aliás, que a autora satisfez o primeiro pagamento da taxa de justiça calculada de harmonia com os mesmos critérios que, agora, em sede de conta final, vieram a ser considerados.
Improcedem, pois, as conclusões em contrário expressas pela recorrente.
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5) Se o despacho recorrido interpretou o artigo 6.º, n.ºs. 1 e 2, do RCP e Tabela anexa, no sentido de que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada ato ou intervenção processual e se tal interpretação é inconstitucional, violando o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) - por importar um ónus injustificado face ao interesse público em presença, obrigando a pedir o montante pago em custas de parte - e por comprimir excessivamente o direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP)?
Considerou também a autora que é inconstitucional a norma extraída do artigo 6.º, n.ºs. 1 e 2 e Tabela anexa, do RCP, segundo a qual a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada parte processual, entendendo que a norma supra referida, padece de inconstitucionalidade material por violar o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e do direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
Entende a recorrente que apenas deve ser considerada uma taxa de justiça, pelo conjunto do processo, como sinalagma do serviço de Justiça prestado, “não sendo admissível uma multiplicação da taxa de justiça pelo número de partes ou sujeitos processuais”.
Decorre do artigo 6.º, n.º. 1, do RCP que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo “impulso processual do interessado”, sendo fixada em função do valor – por consideração da Tabela anexa – e da complexidade da causa – por intervenção da possibilidade de dispensa, aumento ou redução do valor da taxa (cfr. n.ºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do mesmo preceito).
Esse duplo critério de determinação da taxa permite colmatar alguma injustiça ou desproporção que adviria da consideração exclusiva do critério quantitativo.
Mas, dado que, como se viu, é outro o paradigma de responsabilidade tributária em matéria de custas, compreende-se que se não houver impulso processual não é devida taxa de justiça (cfr. José António Coelho Carreira; Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 129) e, ao invés, por cada impulso processual relevante será devido um pagamento de taxa de justiça.
Compreende-se que assim seja, pois, o que está na base da configuração do sistema de exigência da taxa de justiça é precisamente o desencadear da intervenção do Tribunal e de se “pôr em marcha” a “máquina da Justiça”, responsabilizando-se, tributariamente, o interessado em tal atuação, com o pagamento da taxa de justiça.
Seria iníquo que, mesmo saindo vencedora, a parte não pudesse obter aquilo que satisfez para dar “impulso processual” ao sistema de Justiça e, nessa medida, se compreende que, poderá obter, inter partes, aquilo que satisfez, junto da parte que decaiu ou ficou vencida na causa, mas, para tanto, deverá actuar o mecanismo de “custas de parte”.
O impulso processual do interessado –v.g., a petição inicial, no que respeita ao autor, ou a apresentação de contestação, por parte do réu – constitui o factor que, nos termos da lei, desencadeia a obrigação de pagamento da taxa de justiça.
A taxa de justiça caracteriza-se pela prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido. Representa, pois, tendencialmente o custo ou preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido.
Nessa medida, a obrigação de pagamento da taxa de justiça não é exclusiva da parte vencida. A parte vencedora também estará, em princípio (salvo dispensa nesse sentido) obrigada ao pagamento da taxa de justiça que constitui a contrapartida da prestação de um serviço público. Simplesmente, obtendo vencimento na ação, tem o direito a ser ressarcida pela parte vencida das custas que teve de suportar. Este ressarcimento ocorre, porém, já no quadro do regime das custas de parte (cf. artigo 533.º, do CPC) a serem pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2019 (Pº 2100/07.7TAOER-A.L1-5, rel. ANA SEBASTIÃO): “O Regulamento das Custas Processuais alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio do impulso: paga taxa de justiça quem impulsiona o processo. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com tal Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante desse mesmo presente Regulamento. A conta do processo já não determina o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou, apurando o saldo dessa relação. A condenação em custas reflecte-se nas custas de parte, e não na conta. Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou”.
Neste mesmo sentido, referia Salvador da Costa (cf. “Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21 de novembro”, pág. 3, in Blog do IPPC, acessível a partir do endereço https://blogippc.blogspot.com/2018/12/comentario-ao-acordao-do-tribunal.html) que: “O regime da responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça nas espécies processuais da área civilística consta essencialmente da parte geral do Código de Processo Civil de 2013 e do Regulamento das Custas Processuais de 2008.
O artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado Código estabelece, em tanto quanto aqui releva, no sentido de que a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que lhes houver dado causa, bem como a presunção de que lhes dá causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Decorrentemente, a responsabilidade pelo pagamento das custas em geral assenta, primacialmente, no princípio da causalidade, por referência ao resultado envolvente do decaimento na causa.
Mas a responsabilidade pelo pagamento de custas lato sensu, apesar do disposto no citado artigo 527.º nem sempre assenta no princípio da causalidade, conforme resulta da última parte do seu n.º 1 e do artigo 529.º daquele diploma.
Com efeito, decorre deste último artigo, por um lado, um conceito de custas em sentido lato, envolvente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um conceito de custas de sentido restrito, apenas abrangente dos encargos e das custas de parte.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 529.º e do n.º 1 do artigo 530.º, do Código de Processo Civil, a taxa de justiça é devida, não em função [do] decaimento das partes na causa, mas por virtude do respetivo impulso processual, por exemplo, o ajuizamento da petição inicial ou da contestação.
Assim, a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não assenta atualmente no princípio da causalidade consubstanciado no decaimento na causa, mas no facto de as partes terem processualmente impulsionado os seus termos por via de petição inicial, contestação, requerimento executivo, embargos, requerimento de recurso ou instrumento de contra-alegação, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 530.º daquele Código e no confronto dos casos ajuizados”.
Assim, tal como delineado, não se afigura que o sistema normativo que resulta da consideração dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 6.º do RCP, conjugado com a respetiva tabela anexa, seja incongruente ou desproporcional, nem que imponha algum ónus inarredável às partes, nem que se mostre coartado, de algum modo, ou comprimido, o direito de acesso aos Tribunais.
Ou seja: A definição do pagamento da taxa de justiça – não em termos do seu montante, mas do número de taxas devidas - em função do critério do impulso processual e da atuação do sistema de Justiça não configura alguma desproporção inconstitucional, nem inviabiliza o recurso aos Tribunais, mas antes, racionaliza o uso dos meios jurisdicionais.
Não pode dizer-se, como pretende a autora que um processo judicial constitua um só serviço de Justiça, no sentido de pretender ver nele campo para uma só tributação desse serviço.
De facto, as inúmeras vicissitudes processuais não se compadecem com essa singela apreciação, nem com a aludida consideração automática de critérios puramente quantitativos na definição dos valores a pagar.
Pense-se, por exemplo, na intervenção principal espontânea ou no incidente de oposição, onde se delineia, para além do litigio inicial entre as partes primitivas, uma configuração de questões e de sujeitos processuais que, implicando uma sensível modificação da instância, determinam a necessidade de consideração, para efeitos de incidência tributária, desses outros sujeitos, não sendo para tal suficiente a exclusiva atendibilidade da taxa inicial. Esses incidentes e outros, dando azo a “impulso” na configuração da lide, determinam o pagamento de taxa.
Não se encontra, pois, motivo para concluir do modo como o fez a recorrente.
Conclui-se, pois, que a interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido não é contrária aos aludidos princípios constitucionais.
*
6) Se o despacho recorrido, ao considerar não aplicável à elaboração da conta de custas dos autos a norma do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, violou esta norma e art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC?
A ré AMORIM veio invocar que a decisão recorrida fez uma errada aplicação do disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março.
Alegou, para tanto, que a decisão recorrida ignorou a norma do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na aludida redação, “(…), que é do seguinte teor: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.
A decisão recorrida considera igualmente que “não obstante a Lei n.º 27/2019, de 28 de março (cuja vigência se iniciou em 27 de abril de 2019, à luz do seu artigo 11.º) ter modificado o estatuído no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, passando a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a nova versão daquele normativo legal não é de aplicar às relações já constituídas, como acontece no caso que apreciamos, com relações jurídicas há muito sedimentadas na lide, em definitivo”.
Nos termos do art.º 11 da Lei n.º 27/2019, de 28.03, a mesma Lei entrou em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação – ou seja, entrou em vigor no dia 27 de Abril de 2019 - dispondo a segunda parte da norma em apreço que a mesma Lei se aplica “apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data”.
Ora, o disposto na segunda parte do art.º 11.º da Lei n.º 27/2019, de 28.03, respeita apenas às normas da Lei em matéria de acção executiva, e não à alteração do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, referente a taxa de justiça remanescente, o que é óbvio porque não existe taxa de justiça remanescente nas acções executivas (cfr. Tabela II anexa ao RCP).
Assim, o actual art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, entrou em vigor no dia 27/04/2019 e é aplicável ao presente processo, sendo certo que a conta de custas dos autos foi elaborada em 9 de Dezembro de 2019, isto é, na vigência da referida Lei.
Acresce que – tal como aliás assinalado na decisão recorrida, sem que, porém, se tenham retirado as devidas consequências! – a segunda parte do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil determina que, quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
É exactamente o que sucede com a alteração do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, introduzida pela Lei n.º 27/2019, que veio dispor sobre o conteúdo das relações jurídico-processuais em matéria de custas, mais precisamente, em matéria de responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça apurada a final, dispensando desse pagamento a parte que não seja condenada a final e imputando-o à parte vencida.
Pelo que, à luz do disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, a norma constante do actual art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, é aplicável ao presente processo e à contagem de custas efectuada no mesmo.
Acresce ainda que, tendo a conta de custas sido elaborada depois da entrada em vigor da Lei n.º 27/2019 e tendo sido deduzida reclamação pela Recorrente, é evidente, salvo o devido respeito, que a correspondente situação jurídica não se consolidou na ordem jurídica, impondo-se que o Tribunal da Relação, no julgamento do presente recurso, tenha em atenção o novo diploma, em ordem a aplicar a solução normativa que do mesmo decorre, à luz do disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil.
Tal orientação é aliás acolhida na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-10-2019, processo n.º 994/12.3TBCSR.L2-1 (disponível na Internet, em “www.dgsi.pt”), em cujo sumário se pode ler o seguinte: “2. Esse novo regime [da Lei n.º 27/2019, de 28.03] é aplicável às acções declarativas em que, pese embora o acto processual de elaboração da conta tenha sido praticado ao abrigo da lei antiga, foi deduzido incidente de reclamação, que o tribunal de primeira [instância] indeferiu, por despacho que não transitou em julgado”.
O despacho recorrido, ao considerar não aplicável à elaboração da conta de custas dos autos a norma do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, viola a referida norma, bem como o disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil”.
Na decisão recorrida entendeu-se não ser aplicável ao caso dos autos, o artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, aí se fundamentando nos termos seguintes:
“Conforme decorre do artigo 11.º da citada lei [27/2019, de 28 de março], a referida alteração entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, o que significa que entrou em vigor no dia 27 de abril de 2019, sem prever nenhum regime transitório (ao invés do que se fez, por exemplo, no anterior Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro).
As contas de custas colocadas em crise datam de 9 de dezembro de 2019, ou seja, de uma altura em que já vigorava a nova versão do citado artigo 14.º, n.º 9.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro.
O seu n.º 2, primeira parte, reza que, quando a lei nova dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. Por seu lado, na segunda parte desse n.º 2 determina-se que, quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abarca as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor (…).
Ora, e seguindo com proximidade o deliberado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 2019 (relatado por Maria do Rosário Morgado e com texto disponível em www.dgsi.pt), perfilhamos o entendimento jurisprudencial, aí adotado, de que, não obstante a Lei n.º 27/2019, de 28 de março (cuja vigência se iniciou em 27 de abril de 2019, à luz do seu artigo 11.º), ter modificado o estatuído no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, passando a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a nova versão daquele normativo legal não é de aplicar às relações já constituídas, como acontece no caso que apreciamos, com relações jurídicas há muito sedimentadas na lide, em definitivo.
Com efeito, o último douto Aresto proferido no âmbito destes autos data de 24 de maio de 2018 e transitou em julgado em 11 de junho de 2018 (cfr. fls. 2484), tratando-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (sem tributação) que deferiu parcialmente o pedido de reforma da aqui 3.ª Ré, dispensando-a do pagamento de 60 % do valor das taxas de justiça remanescentes, devidas pela ação e pelos recursos, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275 000,00, atento o elevado grau de complexidade substancial das questões decididas, o comportamento processual da 3.ª Ré e a utilidade económica dos interesses das partes envolvidos (cfr. fls. 2466 a 2476).
Aliás, a mencionada dispensa mostra-se espelhada na conta de custas da 3.ª Ré, tanto no processo da 1.ª Instância como nos recursos (cfr. fls. 2570 e 2571).
A simples circunstância de as contas de custas colocadas em crise datarem de 9 de dezembro de 2019, numa altura em que já vigorava a nova versão do sobredito artigo 14.º, n.º 9, não tem a virtualidade de afetar todo o anteriormente decidido, com trânsito em julgado, no âmbito destes autos, seja na 1.ª Instância, seja nas Instâncias Superiores.
Assim, há que concluir que aquela nova versão do preceito não se aplica in casu, o que significa que a imposição do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos constantes da normatividade acima referida, quer do Código de Processo Civil, quer do Regulamento das Custas Processuais, não compromete os princípios e direitos constitucionais consagrados, designadamente, nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.”.
Vejamos:
O artigo 14º, n.º 9 do RCP (na redação anterior à da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, ou seja, dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro) estatuía o seguinte: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”
Todavia, o mencionado artigo 14.º, n.º 9, do RCP, veio a ser objecto de alteração pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, passando o preceito a dispor do seguinte modo: “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
De facto, “na sequência, provavelmente, do acórdão do Tribunal Constitucional de 21 de novembro de 2018, veio o legislador dar nova redação ao artigo 14º., nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, passando a dispensar a parte, que não seja condenada a final, de pagar o remanescente da taxa de justiça, decorrente do seu impulso processual, que é imputado à parte vencida e considerado, como tal, na conta final” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-09-2019, Processo: 575/12.1 TBLGS-U.E1, relator SÍLVIO SOUSA).
Salvador da Costa, em recente anotação (“ALTERAÇÃO DO REGIME DAS CUSTAS PELA LEI N.º 27/2019, DE 28 DE MARÇO”, Abril 2019, disponível em https://drive.google.com/open?id=1rBagyGN1ZLMvaWaUUA7tFzSGc4CR99BK) a este preceito refere o seguinte: “Este normativo substituiu a sua redação anterior, segundo a qual, nas situações em que devia ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não fosse condenado a final, era notificado pela secretaria para efetuar o pagamento no decêndio posterior à notificação da decisão que pusesse termo ao processo.
A referida decisão que pusesse termo ao processo era a constante da sentença final, ainda que esta fosse suscetível de recurso, e discutiam-se as consequências da omissão pela secretaria da referida notificação, entendendo uns que o vício era de nulidade e outros que inexistia esse vício.
Ressalta daquele normativo de pretérito que não versava sobre a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça decorrente do impulso processual, mas tão só sobre a obrigação da secretaria de notificar o vencedor da causa, a fim de, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Assim, ao invés do regime de pretérito, o atual normativo rege sobre a própria responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça da parte vencedora da causa, na medida em que a dispensa da obrigação do seu pagamento.
Todavia, pela própria natureza das coisas, a condenação a final a que este novo normativo se reporta não pode deixar de ser a decorrente do trânsito em julgado da decisão final.
A expressão normativa “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final” significa que a parte vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça de cujo pagamento a parte vencedora foi dispensada, e que o respetivo valor é inserido na conta final do processo sob averbamento de débito no confronto da primeira.
Esta nova solução legal conforma-se com o princípio tendencial da justiça gratuita para o vencedor, na medida em que o dispensa de exigir o referido remanescente à parte vencida a título de custas de parte, evitando-lhe o risco da impossibilidade da sua cobrança”.
Na nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, a notificação antes prevista deixou de ali estar consignada.
Decorre do artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 que a referida lei entrou em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação (27-04-2019).
No caso, importa verificar que o último acórdão do STJ data de 24-05-2018, momento temporal em que a referida Lei n.º 27/2019 ainda não tinha existência.
Por seu turno, as contas de custas apenas foram elaboradas em 09-12-2019, data em que a referida Lei n.º 27/2019 já vigorava.
Questiona-se, pois, se a nova lei é aplicável à situação dos autos, ou se tal não sucede?
O princípio geral, em matéria de aplicação das leis no tempo, consta do artigo 12º, nº 1, do CC, ao estatuir que “a lei só dispõe para o futuro, e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
Assim, em regra, quando é publicada uma lei nova, esta dispõe para o futuro, a menos que o legislador tenha atribuído efeitos retroactivos à nova regulamentação.
A nova lei não deve aplicar-se, em princípio, a factos passados, nem aos seus efeitos, sendo certo que a definição do que são ou não são os factos passados e os respectivos efeitos dos factos pretéritos, deve encontrar-se, no artigo 12º, nº 2, do CC, que desenvolve o princípio da não retroactividade, nos termos da teoria do facto passado.
O n.º 2, do artigo 12.º do CC prescreve que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
“Seguindo para o efeito a teoria do facto passado, segundo a formulação de ENNECCERUS-NIPPERDEY, o legislador ordena a delimitação do âmbito temporal das leis com base numa contraposição que atende, em termos fundamentais, ao objeto das leis. E distingue: por uma parte, as leis que dispõem sobre os requisitos de validade substancial ou formal de quaisquer factos, assim como as leis que dispõem sobre os efeitos de quaisquer fatos; por outra, as leis que dispõem diretamente sobre o conteúdo das relações, abstraindo dos factos que lhes deram origem” (Maria João Matias Fernandes em anotação ao artigo 12.º do CC, no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, 2014, p. 61).
Estando em causa uma nova lei que regule apenas o conteúdo das situações jurídicas já constituídas, abstraindo dos factos que as originaram, a mesma não é, verdadeiramente, retroactiva, porquanto não visa atingir os factos anteriores à sua entrada em vigor, verificando-se uma «retroconexão» ou uma «referência pressuponente» (assim, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, 13 ª reimpressão, pp. 234 a 236), tratando-se antes de uma aplicação imediata, no futuro, às relações constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor.
Deste modo, se há normas que dispõem sobre a validade ou invalidade ou os efeitos de certos factos e que, simultaneamente, são normas relativas ao conteúdo de uma situação jurídica, como aquelas que respeitam à legitimidade ou ilegitimidade para a pratica de um certo acto, quando essa legitimidade ou ilegitimidade se filiem na existência de uma situação jurídica anterior, outras há que respeitam, directamente, ao conteúdo legal de uma situação jurídica, que se referem a factos ou às consequências dos mesmos sobre aquele conteúdo legal, abstraindo dos factos que lhes deram origem (cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, pp. 353-355).
Assim, das duas regras enunciadas no nº 2, do artigo 12º, do CC, resulta que a aplicabilidade da lei nova aos requisitos, conteúdo e efeitos dos contratos e às relações jurídicas anteriores que subsistam à data da sua entrada em vigor, varia conforme ela abstrair, ou não, dos factos que dão origem às situações jurídicas em causa (assim, Vaz Serra, in R.L.J. 110º, p. 272).
A lei nova abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual antecedente quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se acham ou possam vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual (cfr. Acórdão do STJ de 5-5-1994, in BMJ nº 437, p. 477).
Quando uma lei nova passa a disciplinar para o futuro, de forma diversa, o conteúdo de certa relação jurídica, abstraindo do respectivo facto gerador, deve entender-se, em conformidade com o estipulado pelo artigo 12º, nº 2, que “…abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Na realidade, o interesse público de política legislativa na unidade e homogeneidade do ordenamento, movido por factores de segurança e de igualdade jurídica, aponta, decisivamente, no sentido da aplicação imediata da lei nova (assim, Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, p. 96), sob pena de, adoptando-se o princípio contrário, daí resultar, inevitavelmente, que, para situações jurídicas da mesma natureza, leis diferentes se tornariam, concorrentemente, competentes, no interior do mesmo país.
Aliás, uma lei pode ser inconstitucional, não por ser uma lei retroactiva, propriamente dita, mas antes por contrariar normas ou princípios constitucionais, designadamente, o princípio da protecção da confiança, “ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, especificamente acolhido no artigo 2º, da CRP”, o que sucederá quando a aplicação retroactiva de um preceito legal se revelar “ostensivamente irrazoável”, quando a norma retroactiva violar “de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que os cidadãos e a comunidade hão-de depositar na ordem jurídica que os rege, confiança materialmente justificada no reconhecimento da situação jurídica ou das suas consequências” (cfr. Acórdãos do T.C. de 17-03-1992, in BMJ nº 415, p. 190 e de 24-02-1992, in BMJ nº 414º, p. 130).
Assim, sempre que a nova lei se prenda, directamente, com qualquer facto que tenha servido de fonte ou sirva de causa extintiva ou modificativa do direito (referente à sua constituição), só podem servir de pressuposto à aplicação da nova lei os factos posteriores à sua entrada em vigor, enquanto que, pelo contrário, se a nova lei se refere, imediatamente, ao direito, sem qualquer conexão directa com o facto que lhe serviu de fonte ou de termo (conteúdo) aplica-se, imediatamente, a todas as situações ou direitos existentes, constituídos ou a constituir, que se mantenham no futuro.
Quanto às leis processuais, como a que temos em presença, “a aplicação no tempo das leis processuais, na falta de regulamentação especial no Código de Processo Civil, deve basear-se nos princípios consignados no artigo 12.º do Código Civil” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-1988, Pº 077837, rel. MARTINS DA COSTA. No mesmo sentido, entre outros, vd., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2011, Pº 0384/11, rel. DULCE NETO; do STJ de 03-07-2014, proferido no processo 11119/02.3TVPRT.P1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA; do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, Pº 9323/14.0T8PRT-A.P1, rel. JOÃO VENADE; Cfr. também, Antunes Varela et al; Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 49).
Só assim não será se a nova lei for acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial.
Normas especiais em matéria de direito transitório constituem (cfr. Miguel Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 14), por exemplo:
- A que prescreve que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe (princípio da “perpetuatio iurisdictionis”, previsto no art.º 37.º da LOSJ – cfr. artigo 60.º, n.º 1, do CPC);
- A que estatui que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (artigo 44.º, n.º 3, da LOSJ);
- A que determina a lei aplicável em matéria de alteração de prazos (artigo 297.º do CC).
- A que determina que a forma dos actos processuais se rege pela lei que vigora no momento em que são praticados (princípio do “tempus regit actum”, constante do n.º 1 do artigo 136.º do CPC);
- A que estabelece que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta (artigo 136.º, n.º 2, do CPC).
A questão que se coloca é, pois, a de saber se o artigo 14.º, n.º 9, da Lei n.º 27/2019, de 28 de março contém uma disposição legal inovadora ou traduz-se numa norma legal interpretativa?
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2011 (Pº 1029/10.6T2AVR.S1, rel. HELDER ROQUE): “Por lei interpretativa deve entender-se aquela que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado, assim se enfatizando, naquela lei, dois aspectos marcantes, ou seja, a sua intervenção para decidir uma questão de direito, cuja solução era controvertida ou incerta, no domínio de vigência da lei antiga, por um lado, e a obrigação de a lei interpretativa consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado, no domínio da legislação anterior, por outro lado”.
Ou seja: Se a regra de direito era certa, na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial lhe havia, de há muito, atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, em virtude de, nesta hipótese, inexistir matéria para interpretar, a lei nova será uma lei inovadora e já não uma lei interpretativa, pela sua natureza.
Do mesmo modo, se a lei nova resolve um problema, cuja solução constituía, até então, matéria em debate, mas fora do âmbito da controvérsia, anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o interprete não estavam autorizados a conferir-lhe, está-se perante uma lei inovadora, e não já de uma lei interpretativa (assim, Baptista Machado; Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, 1968, p. 285 e ss.).
Considerando o que se vem referindo, verifica-se que o artigo 14º, n.º 9 do RCP, resultante da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, regulando sobre o mesmo objeto – as situações em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça (nos termos do n.º 7 do artigo 6.º) e em que o responsável pelo impulso processual não tenha sido condenado a final – que a pretérita lei, dispõe que o mesmo fica dispensado do respetivo pagamento (que é imputado à parte vencida e atendido na conta final) ao invés do que sucedia na pretérita lei, em que tal sujeito processual não ficava dispensado do pagamento de tal remanescente e deveria ser notificado para efetuar o pagamento do mesmo, em 10 dias a conta da notificação da decisão que pusesse termo ao processo.
A nova disposição legal não é, pois, de ter como interpretativa, na medida em que a regra adotada foi diametralmente diversa da aplicável às precedentes relações jurídicas e, nessa medida, não é de aplicar às situações que, à data da sua entrada em vigor, já se encontrassem decididas, por decisão transitada em julgado, mas nas quais ainda não tivesse sido efetuada a contagem do processo, nem elaborada a conta de custas.
Aliás, tem-se entendido uniformemente que, em matéria de custas, o factor determinante da génese da obrigação de pagamento da respetiva responsabilidade tributária e que, nessa medida, constitui também o momento relevante para a definição da respetiva e específica relação jurídico-processual, se encontra na decisão que assim fixou a responsabilidade, “de harmonia com o julgado em última instância” - cfr. artigo 30.º, n.º 1, do RCP.
É no momento do trânsito da condenação – ou no trânsito da apreciação da decisão de reforma quanto a custas (cfr. artigo 616.º do CPC) - que se define a obrigação do pagamento das custas, o que tem pleno assento e harmonização com o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC (cfr., nesta linha, Salvador da Costa; Regulamento das Custas Processuais, 4.ª ed., p. 45; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-09-2014, Pº 5394/09.0TVLSB-B.L1-6, rel. CARLOS MARINHO; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-03-2019, Pº 18335/16.9T8LSB.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES).
Como sublinha Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, 6.ª Edição, Almedina, pág. 243): “Feita a conta de harmonia com a decisão judicial concernente, ainda que esta não respeite a lei de processo ou de custas, o juiz não pode modificá-la, visto que isso importaria alteração do caso julgado…”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verificamos líquido que a condenação que determinou a responsabilização tributária das partes se consolidou ainda em 2018, ou seja, em data anterior à da Lei n.º 27/2019, pelo que, esta – não dispondo de qualquer disposição em contrário – não tem aplicação ao caso dos autos.
A circunstância de a conta de custas apenas ser elaborada em dezembro de 2019 em nada influi nesta conclusão, pois, a elaboração da conta faz-se de harmonia, ou seja, nos precisos termos, do julgado em última instância.
Em sentido contrário, porém, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-10-2019 (Pº 994/12.3TBCSR.L2-1, rel. ISABEL FONSECA) veio pronunciar-se no sentido de que, “com as alterações introduzidas pela Lei 27/2019 de 28-03 ao art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, o legislador eliminou a regra que obrigava a parte vencedora a suportar, ainda assim, solidariamente com a parte vencida, o remanescente da taxa de justiça devida, nas ações de valor superior a 275.000,00€”, considerando que esse novo regime “é aplicável às ações declarativas em que, pese embora o ato processual de elaboração da conta tenha sido praticado ao abrigo da lei antiga, foi deduzido incidente de reclamação, que o tribunal de primeira indeferiu, por despacho que não transitou em julgado”.
Contém o referido aresto os seguintes 2 argumentos:
- Que muito “embora a conta tenha sido elaborada antes da entrada em vigor do referido diploma, o certo é que, tendo sido apresentada reclamação da conta, deve entender-se que a situação jurídica do reclamante não se consolidou na ordem jurídica, impondo-se que esta Relação, na decisão do recurso, tenha já em atenção o novo diploma, em ordem a aplicar essa solução normativa (art. 12º do Cód. Civil)”; e
- Que o artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 tem norma específica reguladora da entrada em vigor e da aplicação no tempo.
Vejamos os dois argumentos:
Quanto à questão da consolidação da decisão, o elemento determinante para a consideração da lei aplicável é, como se disse, o do trânsito da decisão condenatória que julgou em última instância, sendo por essa pauta que o contador elaborará a conta de custas, ainda que uma nova lei, de diverso teor, entre, entretanto, em vigor. O argumento não é, pois, procedente.
Quanto à invocação do artigo 11.º da Lei n.º 27/2019, dispõe este preceito – com a epígrafe “Entrada em vigor” – que: “A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias a contar da sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data”.
Segundo o mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-10-2019 “daqui decorre que o diploma entrou em vigor em 27 de abril de 2019, aplicando-se o regime resultante das alterações a todos os processos pendentes, à exceção das ações executivas; quanto a estas, a LN só se aplica aos processos que se iniciem depois de 27 de abril de 2019.
Como se sabe, usualmente, as normas alusivas à entrada em vigor e à aplicação no tempo (cfr. os arts. 5º e 12º do Cód. Civil) são formalizadas em artigos diferentes, ou em números diferentes ainda que do mesmo artigo, o que aqui não aconteceu; sem prejuízo da incorreção da técnica legislativa, é nesses termos que se impõe a interpretação, salientando-se que o referido Dec. Lei 27/2019 contém alterações à Lei de Organização do Sistema Judiciário, ao Cód. de Procedimento Administrativo e de Processo Tributário, ao Cód. de Processo Civil, ao Cód. de Processo Penal, ao Cód. da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade e ao regime de custas no T. Constitucional - cfr. o art. 1º ([o]bjeto)”.
Ora, muito embora se reconheça alguma incorreção legislativa no citado artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 - dado que no mesmo se regula, conjunta e indistintamente, sobre a vigência da lei e sobre a aplicação da lei no tempo, certo é que, quanto a este último aspeto, a lei apenas regulou em termos muito limitados sobre o seu campo de aplicação: “aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data”.
Contudo, como é bom de ver, a lei em questão não regulou, nem no referido preceito, nem nos restantes que a compõem, todos os demais aspetos de direito intertemporal que decorrem da sua entrada em vigor, designadamente, não resolveu a questão de saber se os seus comandos têm, ou não, aplicação imediata aos processos pendentes – de natureza não executiva - à data da sua entrada em vigor. Conforme se sublinhou, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020 (Pº 502/14.1T8PTG-A.E1, rel. MÁRIO SILVA), “esta Lei nº 27/2019 não tem uma norma transitória sobre a aplicação do artigo 26º-A, do R.C.P. em relação a todos ou determinados processos”.
Recorde-se que, de facto, conforme decorre do n.º 2 do seu artigo 1.º, a Lei n.º 27/2019, de 28 de março introduziu alterações à:
“a) (…) Lei da Organização do Sistema Judiciário (…);
b) (…) ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (…);
c) (…) ao Código de Processo Civil (…);
d) (…) ao Regulamento das Custas Processuais (…);
e) (…) ao Código de Processo Penal (…);
f) (…) ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (…);
g) (…) ao Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, que regula o regime de custas no Tribunal Constitucional (…)”.
Assim, não parece que do artigo 11.º resulte qualquer comando ou prescrição que tenha utilidade para uma tal questão.
Ou seja: Não se poderá invocar a norma do artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 para afastar a aplicação do regime geral, que decorre do artigo 12.º, n.º 2, do CC.
Em suma, considerando as precedentes considerações não se vislumbra que exista motivo que determine a aplicação imediata da nova lei à situação dos autos, pelo que, se conclui que o despacho recorrido não violou as normas do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, nem do artigo 12.º, n.º 2, do CC, sendo que, o primeiro, não tem aplicação ao caso, enquanto que, o segundo, foi adequadamente considerado em tal decisão.
Improcede, neste conspecto, a apelação da recorrente AMORIM.
*
7) Se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, no todo ou em parte, a requerimento de alguma das partes ou oficiosamente, aproveita a todas as partes, à luz do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, podendo a aplicação do disposto no artigo 6º, n.º 7 do RCP ser oficiosa quando se verificarem os pressupostos de que depende, devendo a redução do remanescente da taxa de justiça determinada pelo STJ a pedido da ré Amorim, aproveitar aos demais réus?
Concluiu ainda a ré FUNDO que:
“11. Estando o Tribunal vinculado aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, e ainda porque a aplicação do disposto no artigo 6º, n.º 7 do RCP pode e deve ser oficiosa quando se verificarem os pressupostos de que depende, deveria a redução do remanescente da taxa de justiça determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça a pedido da Ré Amorim Global aproveitar aos restantes Réus.
12. A dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça pode ser pedido após a elaboração da conta de custas que torna líquida a quantia a pagar por cada parte. A interpretação contrária suprime garantias constitucionais e viola os princípios vertidos nos artigos 13º, 18º e 22º da CRP”.
Apreciemos:
Como se referiu no Acórdão n.º 96/2005 do TC, de 23-02-2005 (rel. PAULO MOTA PINTO) “muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio [da igualdade] postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)  -  cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de março de 1988, e II Série, de 12 de setembro de 1990, 30 de julho de 1993, 6 de outubro do mesmo ano, e 19 de janeiro e 30 de agosto de 1994, respetivamente”.
“A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” (assim, o Acórdão do TC n.º 159/2019, de 13-03-2019, rel. CATARINA SARMENTO E CASTRO).
E, conforme se sublinhou no acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458 (Apêndice ao Diário da República, de 23 de agosto de 1983, p. 120): “Aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete verdadeiramente «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” e “oportuna” (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente”
Em conclusão, a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.
Está colocada em crise a compatibilidade material constitucional do artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
O artigo 6.º, n.º 7, do RCP foi aditado ao RCP pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na sequência da já citada decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de julho de 2013 (que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, das normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título).
Na verdade, o legislador, procurando adequar o RCP àquelas exigências constitucionais, veio estabelecer que para além do valor de € 275.000,00 – considerado em termos iniciais – acrescerá a contabilização, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, de três UC, no caso da coluna A; de 1,5 UC, no caso da coluna B; e de 4,5 UC, no caso da coluna C (vide parte final da tabela I-A anexa ao RCP), atribuindo ao juiz o poder-dever de, oficiosamente ou a requerimento das partes, dispensar, por despacho fundamentado, o pagamento da taxa de justiça remanescente, quando a especificidade da situação o justifique, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Com o aditamento deste n.º 7 ao artigo 6.º do RCP, “o legislador introduziu no RCP um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite (275.000,00 euros), e por outro, mecanismos de graduação prudencial do montante das custas devidas a partir desse limite. Ao assim proceder, o legislador mitigou no RCP o valor das custas processuais decorrentes do valor da causa a partir de determinado limite, lendo-se no preâmbulo daquele Regulamento que a reforma do regime das custas processuais “pretende instituir um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais (…)” “ (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-04-2018, Pº 899/08.2TBFAF-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS).
Contudo, o legislador não deixou de estatuir, nos termos do já referenciado n.º 9 do artigo 14.º do RCP – na redação aplicável, ou seja, anterior à conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março – que, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deveria ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que pusesse termo ao processo.
Conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-01-2018 (Pº 258/10.7TCGMR-A.G1, rel. JOSÉ AMARAL), “a aparente incongruência entre o texto do nº 7, do artº 6º, e o do nº 9, do artº 14º, resultante de, no primeiro, constar, sem qualquer distinção, que a taxa de justiça remanescente (não dispensada) deve ser considerada na conta final (respeitante apenas ao responsável condenado nas custas) (…) e de, no segundo, diversamente, se mandar notificar para a pagar o sujeito activo do acto gerador do impulso processual (também não dispensado e, portanto, devedor dela), apesar de não condenado nem alvo daquela liquidação (conta final), inculca a ideia de que tal dispensa, como acima se entendeu, pode ser subjectivamente diferenciada até pela razão simples de que a maior ou menor complexidade exigente de uma maior ou menor prestação de serviço por parte da administração da justiça está, não raras vezes, ligada à conduta processual, mais ou menos dele consumista e nem sempre balizada pelos normais padrões implicados pela defesa dos seus interesses.
Por isso é que o nº 7, do artº 6º, entre os aspectos específicos da situação a ponderar para o efeito e paralelamente à complexidade da causa, manda designadamente atender à “conduta processual das partes” que, por variados motivos, poderá ter peso diverso nos dispêndios ou custos do correspectivo serviço pelo aparelho judiciário”.
Nos mesmos moldes, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014 (Pº 7198/12.3TBBRG-A.G1, rel. ANTÓNIO SOBRINHO) refutou-se a tese de que a dispensa, em função da conduta processual das partes, só pode ser feita conjuntamente em relação a ambas as partes e não em relação a cada uma: “(…) os requisitos legais previstos no citado nº7, do artº 6º do RCP, para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, assentam na especificidade da situação que a justifique, por um lado, e no grau de complexidade da causa e conduta processual das partes (qualquer delas) que a fundamentem, por outro lado.
Assim, salvo o devido respeito, não se perfilha a argumentação de que a interpretação (restritiva) da supracitada disposição legal não deve ser apreciada isoladamente, em relação apenas a uma das partes (desde logo, não deve o intérprete distinguir o que lei não distingue), e de que o deferimento da pretensão do apelante beneficiaria os AA.
Na verdade, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente – artº 529º, nº1, do CPC – e é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu – artº 530º, nº1, do CPC.
É, portanto, individual e depende do impulso processual de cada parte.
Já as custas de parte compreendem o que cada parte haja dispendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária – nº4 do assinalado artº 529º.
Ora, não obstante os AA. terem sido condenados nas custas processuais na decisão final, [independentemente do efectivo embolso das custas de parte pelo apelante (a receber daqueles) ou da dispensa do remanescente da taxa de justiça a conceder], o que é certo é que, por via desta dispensa stricto sensu ao requerente/apelante, os AA. em nada beneficiam com tal, relativamente à taxa de justiça uma vez que sempre terão de a pagar em função do seu próprio impulso processual, enquanto demandantes.
E a circunstância de as custas processuais (taxa de justiça) a receber globalmente pelo Estado virem a ser menores, pelo facto de ser concedida a referida dispensa do remanescente ao réu/recorrente, está directamente conexa com a natureza desse instituto de dispensa do remanescente previsto no apontado preceito do nº 7, do artº 6º - o que constitui uma opção legislativa.
De outro modo, nem esta fazia sentido, já que tal dispensa constitui qua tale uma diminuição da receita tributária.
Aliás, se se tivesse apenas em conta uma conduta processual conjunta de ambas as partes, nos casos de litigância de má-fé de uma delas, como aqui sucede, estar-se-ia a cercear a aplicação deste instituto à contraparte (com boa-fé processual) e a premiar quem do processo faz um uso indevido e reprovável.”.
Assim, prevendo o legislador específicos mecanismos de modulação do critério geral de determinação da taxa de justiça (primeiramente determinado com base no valor da causa), desde logo, os contidos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, verifica-se que a responsabilidade tributária e os montantes a pagar por cada sujeito processual poderão variar, não tendo que ser precisamente idênticos entre eles.
Do mesmo modo, a isenção tributária que seja reconhecida a um dos sujeitos processuais (cfr., artigo 4.º do RCP) não se estende, ipso facto, aos demais sujeitos processuais, o que permite reconhecer a individualidade no estabelecimento da obrigação tributária de pagamento de custas e no reconhecimento de tal isenção.
Nos mesmos moldes, não é a circunstância de ser reconhecido a um dos sujeitos processuais a dispensa no pagamento do remanescente da taxa de justiça que determina, sem mais e de forma automática, que a mesma dispensa se deva estender aos demais sujeitos processuais, ainda que, porventura, integrando a mesma parte processual.
Ou seja: Inexiste qualquer disposição normativa que determine que, formulado requerimento por um dos sujeitos processuais, de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa de pagamento do remanescente atribuída a esse sujeito, seja extensível aos demais.
E o mesmo sucede relativamente à apreciação oficiosa que o tribunal realize sobre o artigo 6.º, n.º 7, do CPC, podendo dizer-se que é precisamente a especificidade da situação concreta que determina que, nuns casos e relativamente a determinado sujeito processual, se reconheça a pertinência na dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, enquanto que, noutro casos, tal cabimento ou adequação, não é – ainda que oficiosamente - reconhecido.
Não se vislumbra, perante o que ficou dito, que esta situação, conduzindo a um diverso resultado, comporte alguma ofensa ao princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP – pois, desde logo, se verifica que as situações concretas dos diversos sujeitos terão diferentes cambiantes, mas representarão uma maior adequação da taxa de justiça devida ao custo gerado ao sistema de Justiça por cada um dos diferentes sujeitos em presença.
Quanto à questão da possibilidade de conhecimento oficioso pelo Tribunal recorrido relativamente ao reconhecimento da referida dispensa de pagamento do remanescente quanto a outros sujeitos processuais, que a não requereram, valem as considerações precedentemente efetuadas e concorda-se com o entendimento expresso pela 1.ª instância.
Consta da decisão recorrida, em particular, o seguinte (sublinhando-se os trechos mais inequívocos):
“Conforme se deliberou no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22 de novembro de 2016 (relatado por Carla Câmara e com texto disponível em www.dgsi.pt), “Os critérios de cálculo da taxa de justiça, constituem zona constitucionalmente sensível; apelam a critérios de proporcionalidade, entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado, tendo presente evitar uma justiça de tal modo onerosa que impeçam o recurso à mesma”.
No mesmo Aresto se acrescentou no sumário, com assertividade, que a dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correção a efetuar, em obediência a aplicação de princípios constitucionais, só deverá ocorrer em casos de manifesta injustiça, de um intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a atividade desenvolvida pelo sistema de justiça.
Não apenas o pagamento do remanescente da taxa de justiça se torna devido com a prolação da decisão que ponha termo ao processo (pressupondo o seu trânsito em julgado, evidentemente), como a eventual decisão de dispensa terá sempre carácter excecional, só se justificando em face da menor complexidade, ou mesmo da simplicidade, da lide, bem como da atitude cooperante das próprias partes envolvidas nos autos.
No caso em apreço, constatamos, porém, que o ora solicitado pelas duas indicadas Rés se revela manifestamente extemporâneo.
Com efeito, é na decisão final da ação (1.ª Instância) e no(s) recurso(s) que o Tribunal deverá proferir decisão em matéria de custas, não só quanto à proporção da responsabilidade das partes, mas também, se for o caso, quanto à qualificação do processo como especialmente complexo (cfr. artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil). E deflui da redação do citado artigo 6.º, n.º 7, que a dispensa do pagamento terá de ser declarada em fase anterior ao da elaboração da conta. A decisão que dispensa o respetivo pagamento tem de preceder o ato da contagem, à luz do sentido e alcance dessa norma, não faz nenhum sentido que o seja a jusante.
Veja-se, em sentido idêntico ao supra exposto, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22 de junho de 2016 (relatado por Carla Mendes e com texto disponível em www.dgsi.pt): “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulado pelas partes até à elaboração da conta final”.
Ou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2017 (relatado por José Rainho e com texto disponível em www.dgsi.pt): “II – A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efetuada a conta final. III – A lei, assim interpretada, não padece de qualquer inconstitucionalidade”.
Ou, ainda, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 12 de abril de 2018 (relatado por António Valente e com texto disponível em www.dgsi.pt), sumariado nos termos seguintes:
“I. – As partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP até ao trânsito em julgado da decisão final ou, pelo menos, até ao momento de elaboração da conta.
II. – Sendo assim extemporânea, a apresentação de tal requerimento após a elaboração da conta.
III. – Não existe violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o direito fundamental de acesso aos tribunais, na medida que não foi impedida a parte de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, foi simplesmente fixado um limite na sequência processual para que tal requerimento possa ter lugar”.
Na situação dos autos, o requerimento foi apresentado por ambas as Rés, como se viu, na sequência da notificação das contas de custas, sob a veste e a incorporar as correspondentes reclamações. Porém, as contas visadas tiveram de ser elaboradas em conformidade com o já decidido a montante, ou seja, a realização das contas de custas configurou o “fim da linha” até ao qual as partes deveriam ter suscitado o seu pedido de redução ou dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Tendo a questão da dispensa ou da redução do remanescente da taxa de justiça de ser apreciada pelo Tribunal e carecendo a conta de ser elaborada em função dessa decisão, o incidente da reclamação da conta não é o meio adequado para se decidir daquela questão, até porque a conta tem de ser elaborada em função dessa decisão.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, os interessados podem reclamar da conta ou pedir a sua reforma, sendo os únicos fundamentos para impugnar a conta a sua desconformidade com a decisão que fixou a responsabilidade pelo respetivo pagamento, ou a desconformidade da sua elaboração com as normas legais, sem prejuízo da correção dos erros materiais.
A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não cabe ao contador, sendo sim uma decisão judicial prévia à elaboração da conta, que é proferida na sentença ou na decisão que condene em custas, podendo oficiosamente nessa decisão ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa, ou podendo os interessados requerer tal dispensa, quer antes da decisão, quer depois, desde que até à elaboração da conta final.
Não constando da decisão que fixa a responsabilidade das custas a dispensa do pagamento do remanescente às duas Rés e nada tendo sido requerido nesse sentido antes da realização da conta, para além da indicada iniciativa isolada da 3.ª Ré, revela-se como extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, neste sentido se vindo a pronunciar a maioria da nossa jurisprudência (do Supremo Tribunal de Justiça, cfr., ainda, Acórdão de 11.12.2018, relatado por Pinto de Almeida; e do Tribunal da Relação de Lisboa, cfr., ainda, Acórdão de 28.02.2019, relatado por Eduardo Petersen Silva; ambos com textos disponíveis em www.dgsi.pt).
De acordo com o sumariado no primeiro douto Aresto, “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, pressupõe que o processo já se mostre transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas” (Supremo Tribunal de Justiça).
Ora, não tendo ambas as Rés sido dispensadas do remanescente da taxa aquando da prolação da decisão final da causa (oficiosamente), ou no recurso para a 2.ª Instância, aquelas são responsáveis pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Estas Rés podiam ter requerido a redução ou a dispensa do remanescente da taxa, mas teriam de o fazer, não através do incidente de reclamação das contas, mas solicitando a reforma da decisão proferida quanto a custas (cfr. artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil). Esse requerimento de reforma só podia ser apresentado, quando muito, até à elaboração da conta de custas, pelo que já não se mostra legalmente viável convolar o requerimento de reclamação da conta numa reforma da sentença quanto a custas.
O doutamente deliberado pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24 de maio de 2018 (cfr. fls. 2466 a 2476), no âmbito dos presentes autos (relatado por Maria Rosa Oliveira Tching), não deixa dúvidas quanto à destinatária da dispensa de pagamento aí decidida, apenas a 3.ª Ré, não obstante esta afirmar (na sua reclamação) que a decisão de dispensa aproveita a todas as partes (interpretação “extensiva” de que frontalmente dissentimos).
Para tanto, basta ler o dispositivo final do douto Acórdão, que não estende tal decisão a mais nenhuma das partes intervenientes (cfr. fls. 2475 e 2476).
Vem a propósito, também, atentar no sumariado a fls. 2466, no ponto I: “O pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado pelas partes antes da conclusão do processo ao juiz da 1.ª instância para prolação da sentença, ou do início do prazo para o relator, nos tribunais superiores, elaborar o projeto do acórdão, podendo ainda ser exercitado pelas partes por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas lato sensu que não tenham conhecido da questão”; bem como o desenvolvimento constante de fls. 2468 e 2469:
“Considerando que o requerimento da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente apresentado pela recorrente consubstancia um pedido de reforma do acórdão quanto a custas e foi formulado no prazo de 10 dias, em face do disposto nos art. 616º, nº 1, aplicáveis por força dos arts. 666º e 685º, todos do CPC, nenhum impedimento legal existe ao seu conhecimento, na medida em que se adere ao entendimento expendido no Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 669/10.8TBGRD-B.C1.S1), no sentido de que «o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser (…) exercitado durante o processo, nomeadamente mediante o pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa», porquanto «tal incidente destina-se a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (art.º 31º nº 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3».
De resto, é também este o entendimento defendido por Salvador da Costa, que, pronunciando-se quanto à oportunidade de formulação do requerimento em questão, refere no seu comentário intitulado «Algumas questões sobre a taxa de justiça, as custas processuais e a conta», que «o requerimento por qualquer das partes da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser apresentado em juízo antes da conclusão do processo ao juiz da 1ª instância para prolação da sentença, ou do início do prazo para o relator, nos tribunais superiores, elaborar o projecto do acórdão. Não requerida pelas partes a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, mas verificados os seus pressupostos, elas ainda podem obtê-la por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas lato sensu que não tenham conhecido da questão»”.
Destarte, e sem necessidade de considerandos acrescidos, por serem despiciendos, o Tribunal sufraga que, tendo a 2.ª Ré e a 5.ª Ré tido a oportunidade (com autonomia) de formularem um requerimento idêntico ao da 3.ª Ré na altura própria, e não o havendo feito, não é curial virem a beneficiar da mencionada redução em 60 %, porquanto não foi esse o sentido e alcance do douto Acórdão de 24 de maio de 2018 – cingido à 3.ª Ré, transitado em julgado no dia 11 de junho de 2018 – e, em sede de reclamação das contas de custas, mostra-se claramente precludido o momento temporal para tal efeito.”.
Em face do exposto, conclui-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça reconhecida, no todo ou em parte, a requerimento de alguma das partes ou oficiosamente, não aproveita aos demais sujeitos processuais, sem que tal determine qualquer violação da igualdade devida, não se mostrando desconforme à referida prescrição, o entendimento de que, no caso, a referida questão, quando suscitada, não era já passível de ser oficiosamente conhecida.
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8) Se o despacho recorrido interpretou o art. 6.º, n.º 7, do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, conjugado com o artigo 31.º do RCP, no sentido de que é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após o trânsito em julgado da decisão final, ou, no limite, após a elaboração da conta de custas, e de que o juiz não pode dispensar oficiosamente tal remanescente e se tal interpretação é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo (artigo 20.º da CRP), o princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e o artigo 22.º da CRP?
A autora BIC, a ré AMORIM e a ré FUNDO vieram invocar que é inconstitucional a interpretação do despacho recorrido no sentido de ser extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça após o trânsito em julgado da decisão final ou após a elaboração da conta de custas, não podendo o juiz dispensar oficiosamente tal remanescente, nessa situação.
Para além disso, a autora invocou que é inconstitucional a norma do artigo 14.º, n.º 9, do RCP que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, na medida em que se comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença, em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Relativamente ao artigo 14.º, n.º 9, do RCP, nele consagra-se previsão atinente aos casos em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Na redação da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final, fica dispensado de efetuar o pagamento de tal remanescente, que é imputado à parte vencida na conta final.
Por seu turno, na redação anterior do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final, seria notificado para pagar o remanescente, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.
Vejamos:
O Tribunal Constitucional tem apreciado, por diversas vezes, a compatibilidade constitucional de interpretações normativas efetuadas com base no artigo 14.º, n.º 9, do RCP.
Assim, com referência à redação do referido preceito, anterior à da Lei n.º 27/2019, no Acórdão do TC n.º 615/2018 (de 21-11-2018, rel. MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS) considerou-se “inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP”.
Consta da fundamentação desse acórdão, a propósito da proporcionalidade da exigência do pagamento ao réu que venceu totalmente o processo e que não lhe deu azo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, o seguinte:
“(…) 16. A Constituição não consagra um direito de acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito, mas apenas assegura que a ninguém pode ser negado tal acesso por insuficiência de meios económicos. O n.º 1 do artigo 20.° da Constituição «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» , como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional e é também, de há muito, salientado na doutrina (v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 20.°, n.º VI, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artigo 20.°, n.º VI), constitui uma garantia com dimensão prestacional que encontra o seu limite objetivo precisamente nos custos económicos que vão implicados na administração da justiça. É, assim, legítimo, que o legislador encontre um equilíbrio entre a responsabilidade individual dos sujeitos processuais e a responsabilidade coletiva da comunidade pelo pagamento desses encargos. No entanto, esse espaço de liberdade do legislador tem como limite a ideia de equivalência nos encargos, bem como o princípio da proporcionalidade na atuação geral do legislador (decorrente do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º), em especial relativamente à restrição do direito fundamental de acesso à justiça que está contida na exigência de uma taxa de justiça (artigos 18.º e 20.º da Constituição).
É neste contexto, que importa aferir se é conforme ao princípio constitucional da proporcionalidade a exigência de pagamento do remanescente da taxa de justiça a quem é réu que por ser absolvido do pedido venceu totalmente a ação civil que contra si foi interposta, e por isso não foi condenado em custas, obrigando-o a pedir o reembolso daquele montante em sede de custas de parte.
17. O princípio da proporcionalidade ocupa um lugar central no nosso ordenamento jurídico-constitucional, no que diz respeito ao controlo dos atos do poder público, nomeadamente como limite à liberdade de conformação do legislador, onde se inclui o estabelecimento da taxa de justiça.
O ponto de partida da análise é a identificação do interesse público prosseguido pela solução legislativa em apreciação.
A solução legislativa adotada no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, foi introduzida pela Lei n.º 7/2012. Apesar de a exposição de motivos da iniciativa que esteve na sua base, a Proposta de Lei n.º 29/XII (1.ª), publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 54, de 26 de outubro de 2011, e de os debates parlamentares e os pareceres emitidos no decurso do procedimento legislativo não esclarecerem as razões que sustentam aquele diploma, é de crer que ela visa «garantir e obter, com um maior grau de eficácia, o pagamento das taxas de justiça devidas pela utilização da máquina judiciária». Neste sentido se pronunciou o Parecer n.º 40/2011 da PGR, referente à interpretação da norma contida no artigo 15.º, n.º 2 (por via da qual, a parte dispensada do prévio pagamento da taxa de justiça, ainda que obtenha ganho de causa, passa a ter de liquidar a taxa de justiça que, nos termos legais, corresponda à ação, procedimento ou incidente) que replica idêntica solução. Como se explica no aludido Parecer: «No regime anterior à apontada alteração, podia suceder que o sujeito processual condenado nas custas, onde, como se disse, se deveriam incluir tanto a sua própria taxa de justiça, como a taxa relativa à outra parte (vencedora), que fora dispensada do seu pagamento prévio, não procedesse ao seu pagamento voluntário, havendo necessidade da sua cobrança coerciva, através do Ministério Público. Nesta situação poderia acontecer que não se conseguisse arrecadar qualquer importância por inexistência de bens penhoráveis do devedor/executado. O risco do não pagamento da taxa de justiça relativa à parte vencedora que fora dispensada do seu prévio pagamento, era assumido, em exclusivo, pela entidade pública credora das custas.
De certa forma, deparamo-nos com uma situação que apresenta alguma semelhança com a que se descreve no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, a que já se aludiu, para justificar o abandono do sistema da restituição da taxa de justiça.
Também na situação agora em apreço pode suceder que não se consiga, no final do processo arrecadar «qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal».
Não obstante a efetiva prestação do serviço público de justiça, sucede, nesta situação, que nem a parte que dele beneficiou a paga, nem o pagamento se consegue obter do sujeito processual vencido e, enquanto tal, condenado nas custas».
Com efeito, foi também com o objetivo de impedir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade que o legislador norteou as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, na parte em que se traduziram na eliminação da «restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da ação», transferindo, assim, para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através do mecanismo de custas de parte. Pode ler-se no preâmbulo do diploma:
«[...] com o atual sistema de restituição de taxa de justiça são frequentes os casos em que, no final do processo, não é arrecadada qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal.
Desta forma, e sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, o que se pretende é que o mesmo não opere à custa da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à ação».
A mesma explicação pode ser deduzida dos fins de sustentabilidade financeira que estiveram na origem das alterações introduzidas no Regulamento das Custas Processuais pela Lei n.º 7/2012 que procuravam corresponder às medidas constantes do Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional (padronizar as custas judiciais e desincentivar a litigância de má-fé). Entre as alterações registadas nas custas processuais, uma medida de grande impacto consistiu precisamente na revogação da conversão da taxa de justiça paga em pagamento antecipado de encargos, «mecanismo, altamente complexo e que acaba por ser um obstáculo à capacidade de previsão e gestão das receitas geradas pelo sistema de Justiça», como foi salientado na nota preambular à Proposta de Lei n.º 29/XII (1.ª).
Diante de um tal fim de interesse público, e como decorre do acima já referido é inquestionável que a medida contida no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, não encontra impedimento jurídico-constitucional por a Constituição não consagrar um princípio geral de gratuitidade da justiça. Sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, visa-se evitar que o mesmo opere à custa da comunidade e do Estado, quando pode limitar-se a onerar quem foi parte na ação.
18. Importa, desde logo, notar que estamos perante uma situação diferente da objeto do Acórdão n.º 375/2008, citado pela recorrida nas alegações, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da proporcionalidade, da norma que, no caso de transação judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida serão suportadas a meias, incumbia ao autor, que já suportou integralmente a taxa de justiça a seu cargo, de garantir, ainda, o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, retirada do artigo 13.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na redação introduzida pelo Decreto Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro. Efetivamente, nessa situação, era exigido ao autor, que já suportou integralmente a taxa de justiça a seu cargo, que garantisse ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça em dívida, da responsabilidade do réu, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do mesmo, a título de custas de parte. Trata-se de uma situação naturalmente diferente daquela sob análise. Por um lado, por se inserir num quadro normativo totalmente inovador relativamente àquele desde logo, em face da autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte. Mas principalmente porque a norma ora em análise se reporta à parcela da taxa que, apesar de já se saber ser a vencedora da lide, a parte ainda não pagou.
Efetivamente, independentemente dos motivos que subjazem à dispensa do pagamento prévio de parte da taxa de justiça contemplado no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, ela não equivale a um caso de isenção de pagamento (previstos no artigo 4.º do RCP). A dispensa do pagamento prévio não desonera o sujeito processual beneficiário da liquidação da taxa devida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo tão-somente um diferimento ou protelamento do pagamento. A taxa de justiça, enquanto contrapartida relativa ao custo do serviço judiciário prestado, há de ser exigível e paga oportunamente. Complementarmente, deverá sublinhar-se também que a exigência de pagamento do remanescente da taxa de justiça exprime, na plenitude, a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, a que acima já se aludiu e segundo a qual, as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica.
Assim, neste caso, estamos perante a exigência de pagamento, na íntegra, da taxa que é por si devida pela utilização da máquina judiciária situação diferente da exigência de que suporte o pagamento da taxa devida à partida por outrem.
19. Ora, uma tal solução legislativa não se apresenta como desadequada ou desnecessária.
Desde logo a medida em causa é apta para alcançar este objetivo, uma vez que garante o pagamento da taxa de justiça pelos seus utentes. Para além disso, se respeitada a equivalência dos encargos, não são vislumbráveis outras medidas menos onerosas, que permitam atingir os mesmos fins de eficácia na cobrança das taxas de justiça. Efetivamente, outras opções aumentariam o risco de não cobrança da taxa de justiça. De qualquer modo, a parte vencedora pode subsequentemente reaver a quantia despendida a título de custas de parte. 
Importa referir que a parte vencedora da ação dispõe de variadas vias para obter a compensação dos valores que despendeu a título de taxas de justiça: a remessa à parte responsável da respetiva nota discriminativa e justificativa para que esta proceda ao pagamento (artigo 25.º, n.º 1, do RCP) e a cobrança em execução de sentença (artigo 25.º, n.º 3, do RCP) ou a instauração de execução por custas que será apensada à execução por custas intentada pelo Ministério Público, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do RCP, configurando todas estas vias de obtenção da compensação, procedimentos ainda incluídos no âmbito do processo, por contraposição à necessidade de instauração de uma ação autónoma.
É verdade que este ónus que a parte que venceu a ação tem de subsequentemente reaver da parte contrária a quantia paga, a título de custas de parte não acautela os interesses da parte vencedora perante uma eventual insolvência da parte vencida, a menos que esta litigue com o benefício do apoio judiciário e a obrigação de reembolso recaia sobre o Cofre Geral dos Tribunais. No entanto, o pagamento da taxa configura um encargo que é conatural ao dever que a parte tem de garantir o pagamento do remanescente da taxa de justiça, tributo este que é da sua exclusiva responsabilidade.
Atente-se, de todo o modo, que ficam ressalvados os casos de insuficiência económica da parte a quem tivesse sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou em que a parte vencida seja o Ministério Público, casos para os quais o legislador estabeleceu que «(...) o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, I.P» (artigo 26.º, n.º 6, do RCP).
20. Mais complexa se afigura, porém, a resposta referente à análise sobre a proporcionalidade stricto sensu desta solução legislativa. Desde logo por não dever ignorar-se as especificidades que caracterizam a situação do réu que, no final do processo, vem a ser absolvido do pedido.
A sua posição é diferente da assumida pelo autor da ação. Na verdade, não traduzindo a dispensa do pagamento prévio de parte da taxa de justiça qualquer forma de isenção, mas antes um mero adiamento do momento em que a parte será obrigada a liquidá-la, como contrapartida do serviço de justiça por si impulsionado, não oferece dificuldade de maior aceitar que o autor, mesmo tendo tido ganho de causa, total ou parcialmente, deverá proceder, no final da ação, após a elaboração da conta, ao pagamento da sua própria taxa, ou seja, do remanescente de que foi previamente dispensado. Quando se exige do autor que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, do que se trata é de prevenir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade. Nesta situação, a taxa de justiça que o autor como parte vencedora pagar deverá poder ser-lhe reembolsada pelo réu, parte vencida, a título de custas de parte.
Com efeito, e abstraindo do respetivo montante, segmento normativo que não cumpre aqui analisar, assente que está a garantia genérica que nenhum cidadão pode ser privado do acesso ao direito e aos tribunais por razões de ordem financeira, designadamente através da concessão da proteção judiciária aos que dela necessitam, aceita-se que uma parte dos custos da justiça atinente a interesses patrimoniais e de natureza económica possa ser suportada por quem a ela recorre e dela retira benefícios e não pela generalidade dos cidadãos. Haverá razões que justifiquem a opção no sentido de ser a parte que litigou na ação que desencadeou a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a comunidade. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça (i.e., ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.
Idêntica justificação já não é possível, porém, utilizar no que respeita a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa. O réu é chamado à demanda, ficando designadamente sob o ónus de apresentação da contestação indispensável a prevenir a condenação no pedido. Se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça. Ora, quando se exige a quem não recorreu à justiça nem dela procurou retirar qualquer benefício , tendo sido absolvido da pretensão do autor, o pagamento de parte substancial dos seus custos, surge um problema de justificação ao nível do custo-benefício. Numa tal ponderação a desproporção torna-se evidente na exigência do pagamento da taxa na dimensão que excede a taxa de justiça inicialmente paga cujo pagamento é sempre legalmente exigido por necessariamente corresponder a uma ideia do custo básico inerente a uma litigância normal. Esta ideia de normal litigância está aliás pressuposta na dispensa de pagamento do remanescente da taxa prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Com efeito, é precisamente com base em critérios como a complexidade da causa e a conduta processual das partes que o juiz pode fundamentar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275 000.
O réu, neste caso, não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça. Nestas circunstâncias fazer depender da apreciação judicial a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui remédio suficiente para prevenir o excesso da medida porque apenas fornece uma solução casuística ao problema, continuando a existir a possibilidade de se exigir do réu, que foi absolvido do pedido contra si apresentado e que se limitou a contestar, que suporte o pagamento do remanescente da taxa independentemente da utilização concreta que o réu fez do sistema de Justiça. Por outro lado, impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo.
A exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição.”.
Por seu turno, no Ac. n.º 116/2020 (de 12-02-2020, rel. PEDRO MACHETE) o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a norma decorrente do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, na redação dada pela da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, segundo a qual o réu que foi absolvido da instância e deduziu pedido reconvencional, que veio a ser julgado parcialmente procedente, é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça”.
Trata-se, pois, da situação em que o réu, que deduziu reconvenção, não teve ganho total de causa -diversa da apreciada no Acórdão n.º 615/2018 – e da fundamentação do referido Ac. n.º 116/2020 extratam-se, com relevo, as seguintes passagens:
“10. Na situação dos autos (…), os réus, ora recorridos, tendo contestado a ação declarativa cível de processo comum contra eles intentada pelos autores, e tendo deduzido pedido reconvencional contra aqueles (pedido que veio a ser admitido), ficaram vinculados ao pagamento da taxa de justiça pela prática de tais atos processuais, com base no valor atribuído à causa, nos termos do artigo 11.º do RCP. O valor definitivo da taxa de justiça devida é o que resulta do valor da causa fixado no despacho saneador, tendo em conta o valor do pedido do autor e o valor do pedido reconvencional (cf. artigos 299.º, n.ºs 1 a 3, 306.º, n.ºs 1 e 2, e 530.º, n.ºs 1 a 3, do CPC).
Nessa medida, tendo sido fixado à ação um valor superior a €275.000,00 (concretamente, o valor de €574.900,00, resultante da soma do valor do pedido formulado pelos autores com o valor do pedido reconvencional), o que decorre do regime acima descrito é que, embora tenham sido absolvidos da instância no que respeita ao pedido formulado pelos autores e tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional que deduziram, deverá ser incluído na conta final o valor do remanescente da taxa de justiça, posto que não tinha havido dispensa de pagamento do mesmo, nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Assim, tendo sido a taxa de justiça fixada apenas com base no valor processual da causa, nos termos expostos, o valor da taxa de justiça é resultante da aplicação das regras gerais estabelecidas no artigo 529.º, nº 2, do CPC e artigo 6.º, n.º 1, do RCP, em conjugação com a Tabela I-A anexa a este último. Nessa medida, os réus pagaram inicialmente, a título de taxa de justiça, o valor de €1.632,00 (isto é, o valor de 16UC x €102,00), correspondente ao valor processual de €275.000,00. No entanto, uma vez que o valor da causa era superior a este último, foi diferido para final e considerado na conta de custas o remanescente da taxa de justiça (cf. o artigo 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do RCP). Pelo que, sendo o valor total de taxa de justiça devida, atento o valor da causa, €5.304,00, foi considerado na conta, a esse título, o valor remanescente em dívida de €3.672,00.
Por outro lado, o pagamento do remanescente da taxa de justiça poderá ser dispensado, conforme mencionado, nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, caso o juiz, de forma fundamentada, entenda que a especificidade da situação o justifica, «atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes». No entanto, não tendo os réus, anteriormente à sentença final, requerido tal dispensa, nem tendo o juiz oficiosamente dispensado o pagamento em causa, foi o referido montante considerado na conta final, elaborada nos termos dos artigos artigo 29.º, n.º 1, e 30.º do RCP (cf. o artigo 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do mesmo normativo) (…).
Com efeito, (…) o diferimento do pagamento do remanescente da taxa de justiça resultante do artigo 6.º, n.º 7, do RCP não corresponde a uma isenção de tal pagamento, nem corresponde a uma desoneração do sujeito processual em causa da liquidação da taxa devida pela utilização e prestação do serviço judiciário. Por essa razão, o pagamento de tal valor, que é considerado na conta final, não está dependente, nem condicionado pela circunstância de o responsável ter ou não obtido vencimento na causa. Estando-se perante uma taxa (cf., neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 421/2013), o respetivo pagamento é exigível enquanto contrapartida do custo de utilização dos serviços de administração da justiça, sendo uma consequência da regra da não gratuitidade da atividade judiciária (para uma análise mais detalhada da evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas processuais, v. o Acórdão n.º 155/2017, nele se afirmando que a Constituição não consagra, no artigo 20.º, um direito de acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou sequer tendencialmente gratuito, sendo constitucionalmente justificado o estabelecimento da exigência de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça; v. ainda, entre outros, os Acórdãos n.ºs 307/90, 214/2000 e 422/2000, bem como o ponto 14 do Acórdão n.º 615/18).
Nessa medida, o regime em causa, tendo em vista garantir o pagamento da taxa de justiça pelos seus utentes, revela-se adequando a tal finalidade, não sendo o mesmo alcançável mediante outras medidas menos onerosas, conforme se salienta no Acórdão n.º 615/18, na fundamentação acima transcrita.
13. É certo que, neste aresto, o Tribunal Constitucional veio a concluir que a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, se revela uma solução inconstitucional, na medida em que comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença.
Contudo, para a formulação de tal juízo foram determinantes as especificidades do caso então analisado, salientadas no ponto 20 de tal Acórdão (…).
Conforme decorre desta fundamentação, que ora se reafirma, não é constitucionalmente desconforme uma solução legislativa que, diferindo para momento posterior o pagamento de parte da taxa de justiça, adiando, assim, o momento em que a parte será obrigada a liquidá-la, enquanto contrapartida do serviço de justiça por si impulsionado, sendo por isso de aceitar que o autor, mesmo tendo tido ganho de causa, total ou parcialmente, deva proceder, após a elaboração da conta, ao pagamento da taxa por si devida, no que respeita ao remanescente cujo pagamento foi diferido para esse momento.
Daí que o regime em análise, visando impedir a transferência, para a comunidade, da responsabilidade individual dos sujeitos processuais pelo pagamento dos custos da administração da justiça, assenta em fundadas razões no sentido tal pagamento ser exigido à parte que litigou na ação em causa que suporte a contrapartida desse serviço público prestado.
Por isso se compreende, conforme se salientou no referido Acórdão n.º 615/2018, que quem recorre à justiça, ou seja, o autor, garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.
Contudo, conforme se entendeu ainda, estas razões não valem em relação a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa, na medida em que, «se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido – o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais –, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça».
Na verdade, é a este tipo específico de situações que se dirigiu o juízo de censura deste Tribunal, sendo a desproporção censurada a resultante da exigência do pagamento de parte substancial dos seus custos, «a quem não recorreu à justiça – nem dela procurou retirar qualquer benefício –, tendo sido absolvido da pretensão do autor».
E é justamente a desproporção evidenciada nesta relação custo-benefício, que levou o Tribunal Constitucional a concluir que, naquele tipo de situações, em que o réu «não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça [...], fazer depender da apreciação judicial a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui remédio suficiente para prevenir o excesso da medida porque apenas fornece uma solução casuística ao problema, continuando a existir a possibilidade de se exigir do réu, que foi absolvido do pedido contra si apresentado e que se limitou a contestar, que suporte o pagamento do remanescente da taxa – independentemente da utilização concreta que o réu fez do sistema de Justiça».
E foi também nessas situações que se considerou que «impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo», concluindo-se, por isso, que tal solução comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição.
14. Tal não se verifica, todavia, nas situações, como a dos autos, em que o réu na ação não se limita a responder ao impulso processual do autor, através da chamada “contestação-defesa”, mas formula também ele um pedido – o pedido reconvencional.
Nestes casos, verifica-se, com referência a tal pedido, como que uma inversão de papéis. Sendo a reconvenção uma “contra-ação”, na qual o réu assume a posição de autor (e cuja admissão pode ter – como sucedeu in casu – efeitos na fixação do valor da causa), o prosseguimento dos autos tem em vista, também, apreciar um pedido formulado pelo primitivo réu. Desse modo, o diferimento para momento posterior do pagamento de parte da taxa de justiça devida pelo réu-reconvinte, e a sua consequente exigibilidade após a elaboração da conta, enquanto contrapartida do serviço de justiça (também) por si impulsionado, não se revela uma solução que deva merecer censura no plano constitucional.
Com efeito, nos casos ora considerados, a atividade judiciária desenvolvida destina-se igualmente à apreciação do pedido reconvencional. Nessa medida, embora o réu não tenha sido quem, inicialmente, recorreu à justiça, com a formulação de pedido reconvencional acaba por dela retirar também um benefício, pelo que não se verifica em tal situação a referida desproporção.
Conclui-se, por isso, que a norma ora em análise não viola qualquer dos parâmetros com base nos quais a sua aplicação foi recusada, nem qualquer outra norma ou princípio constitucional”.
Cite-se, ainda, a decisão sumária n.º 421/2020, do TC, de 03-09-2020 (PEDRO MACHETE) onde se concluiu em “julgar inconstitucional, por compressão excessiva do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, quando interpretado no sentido de que impõe a obrigatoriedade de pagamento de remanescente da taxa de justiça ao arguido que, tendo apresentado contestação quando notificado do despacho que recebeu a acusação e o pedido de indemnização civil, vem a ser absolvido, quer da parte criminal, quer da parte civil”, considerando que, impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo, concluindo, por isso, que tal solução comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição.
Ora, concluiu, de facto, o despacho recorrido no sentido de que “podem as partes requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa (cfr. artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais) até ao trânsito em julgado da decisão final ou, no limite, até à elaboração da conta; mas não na reclamação desta conta”.
Em nosso entender é, de facto, este o regime legal que melhor se compatibiliza com as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 7 e 31.º do RCP.
O requerimento para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem de ser efetuado até ao momento em que seja elaborada a conta final.
De facto, a jurisprudência maioritária tem decidido neste sentido, como dão nota os seguintes arestos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017 (Pº 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, rel. LOPES DO REGO): “A dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6º, nº7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que ao pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa. O direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa: na verdade, tal incidente destina se a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (art.º 31º nº 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3. Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017 (Pº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, rel. JOSÉ RAINHO): “A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efetuada a conta final”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2018 (Pº 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2, rel. PINTO DE ALMEIDA): “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, pressupõe que o processo já se mostre transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019 (Pº 1712/11.9TVLSB-B.L1.S2, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada. O requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-02-2020 (rel. BERNARDO DOMINGOS, consultado em: http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:598.17.4YRLSB.A.S1): “I - É intempestiva a apresentação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, formulado após o trânsito em julgado do acórdão que condenou a parte requerente em custas.II - Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do art. 6.º do RCP, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-05-2016 (Pº 670/14.2T8CSC.L1.-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “(…) se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016 (Pº 4774/10.2PTM-A.E1, rel. FRANCISCO MATOS): “I – A lei não prevê nenhum momento processual para as partes influenciarem a decisão (oficiosa) do juiz sobre a dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00. II – É tempestivo o requerimento do responsável pelo pagamento das custas, visando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado no prazo que a lei lhe concede para reclamar da conta, quando só com a notificação desta ficou a conhecer a inexistência de pronúncia do juiz quanto à dispensa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2018 (Pº 3791/14.8TBMTS-Q.P1, rel. FILIPE CAROÇO): “Salvo situações excecionais e anómalas em que a parte seja surpreendida com a conta de custas e a quantia a pagar, sem que antes pudesse, razoavelmente, exigir-se-lhe que avaliasse os efeitos da condenação em custas, com desrespeito pela regra da proporcionalidade no acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e com consequência intolerável para ela, a regra, na aplicação do mecanismo do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais é a de que,não se pronunciando o juiz oficiosamente sobre a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça no momento da condenação ou mesmo posteriormente, as partes, invocando os respetivos pressupostos, podem requerer aquela dispensa de pagamento, contanto que o façam antes da elaboração da conta de custas”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2019 (Pº 942/06.0TBCSC.L3-7, rel. PEDRO BRIGHTON): “O direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser exercido durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o Juiz da causa a justificabilidade da dispensa. A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do artº 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais. Não é inconstitucional a norma extraída do artº 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-09-2019 (Pº 1245/14.1TVLSB.L3-4, rel. ALVES DUARTE, ECLI:PT:TRL:2019:1245.14.1TVLSB.L3.4.3D): “A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final. Se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas, no prazo de 10 dias ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação. Não é inconstitucional a norma extraída daquela norma, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-12-2019 (Pº 7591/04.5TBCSC.L1.L1-A-2, rel. LAURINDA GEMAS): “Após o trânsito em julgado da sentença e depois de elaborada a conta de custas, não é tempestivo o pedido da parte, ainda que sob a capa de uma reclamação da conta, de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP. Admitir a possibilidade de o juiz se pronunciar sobre um tal requerimento atenta contra a regra de que após o trânsito em julgado da decisão se esgota o poder jurisdicional do tribunal, nos termos do art. 613.º n.º 1 do CPC, pois que não se está perante uma retificação de erros materiais ou uma reforma da sentença, nem uma verdadeira reclamação da conta”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-04-2020 (Pº 664/14.8TVLSB-B.E2, rel. SILVA RATO): “A interpretação de que o n.º 7 do artigo 6.º do RCP impõe que o requerimento de parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-04-2020 (Pº 13200/19.0T8FNC.L1-4, rel. FILOMENA MANSO): “A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, prevista no art. 6º, nº7 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento de qualquer das partes. Neste último caso, o requerimento deve ser apresentado antes da elaboração da conta de custas, uma vez que a responsabilidade pelas custas fica definida antes do processo ser contado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-05-2020 (Pº 637/16.6T8VCT-E.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO): “O requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2020 (Pº 630/19.7T8LRA.C2-A, rel. MOREIRA DO CARMO): “Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada. Assim, o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta. A interpretação de que o nº 7 do artigo 6º do RCP impõe que o requerimento da parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade”.
Neste sentido se pronuncia, também, Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6ª ed., p. 135).
Especificamente apreciando a compatibilidade constitucional deste regime, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-02-2019 (Pº 1712/11.9TVLSB-B.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA) que: “Nas acções de valor superior a €275.000,00 e relativamente ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a parte que, não sendo evidente a simplicidade da actividade desenvolvida pelo sistema de justiça na sua acção, queira pedir a dispensa desse pagamento, deverá fazê-lo antes da decisão que põe termo ao processo ou quando notificada da mesma, se a decisão não tiver oficiosamente dispensado o pagamento, mas já não, por extemporaneidade, quando notificada da conta de custas e mediante reclamação desta. A interpretação que considera extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, quando deduzido após a notificação da conta de custas e em reclamação desta, não é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça”.
Conforme resulta da fundamentação deste acórdão, a qual se acolhe, as razões para a conclusão alcançada assentaram na consideração do princípio da economia e utilidade dos actos processuais: “transitada a decisão que põe termo ao processo, segue-se, em regra, a fase de elaboração da conta, a qual nos temos do artº 30 nº 1 do RCP “é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.” (negrito nosso)
Este acto de contagem, é um acto material, sem conteúdo decisório, nos termos e limites definidos e impostos por lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Elaborada a conta e notificada esta, nos termos do disposto no artº 31 nº1 do RCP, podem as partes no prazo de 10 dias, pedir a sua reforma, ou reclamarem da mesma.
A reclamação ou reforma da conta, tem por base erros na sua elaboração, quer de cálculo dos valores das taxas e multas devidas, quer de indicação dos responsáveis pelo seu pagamento, por referência ao disposto no artº 30 nº 3 do RCP.
Assim, no caso de não ter sido dispensada a taxa de justiça devida, notificadas as partes para pagamento, a reclamação destas partes apenas pode ter lugar no caso de erro de cálculo ou na determinação da pessoa dos responsáveis, mas já não pode incidir sobre a sua não dispensa, pois que não constitui este um erro do contador a ser dirimido pelo juiz.
Denote-se que a tramitação desta reclamação, prevista no artº 31 nº 4 do RCP, não comporta a pronúncia do juiz, que neste caso é constitutiva, de dispensa de uma taxa que a lei prevê e que, por não dispensada, foi e bem, levada à conta.
Sobre esta matéria nem o contador nem o Ministério Público têm de se pronunciar.
Diga-se que igualmente não colhe o argumento de que “Só quando as partes são notificadas da conta de custas é que sabem, efectivamente, o valor de custas que lhes é atribuído pelo Tribunal” (…).
Este valor é logo fixado e determinado com a fixação do valor da causa e com a decisão transitada em julgado que determinou a responsabilidade pelas custas. No demais, a taxa devida também não é atribuída ou decidida na conta, consta de tabela anexa ao RCP e é de simples cálculo aritmético (nos termos da Tabela Anexa, por cada fracção de €25.000 acima dos € 275.000, são devidos 3 U.Cs.).
A parte sabe pois com meridiana clareza e certeza que, não sendo dispensado o remanescente da taxa e fixado o valor da acção em valor superior a € 275.000, terá de pagar o remanescente da taxa de justiça (quer ganhe quer perca a acção, conforme decorre do artº 14 nº 9 do RCP), de acordo com esta tabela, sendo que a questão da recuperação a título de custas de parte, não interfere com esta realidade e é-lhe lateral.
Como refere a nível doutrinário, Salvador da Costa (In “Regulamento das Custas Processuais”, anotado, 2013, 5ª edição, a págs. 201 e a págs. 354 e 355.), «O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas»; mais referindo que «Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.”
É esta a opinião mais conforme com os princípios legais acima enunciados, sendo certo que as partes, desde o momento de prolação da sentença até elaboração da conta sabiam ou deveriam saber que era devido o remanescente da taxa por força do disposto nestes preceitos legais e por aplicação da tabela anexa ao RCP.
Se por incúria ou desconhecimento, omitiram o requerimento que agora formulam, sibi imputet.
Não podem é pretender, após a elaboração da conta final do processo, retroceder à fase de determinação de custas, com dispensa de pagamento do remanescente devido.
É este também o entendimento maioritário na jurisdição administrativa e no contencioso tributário.
Conforme referido no Ac. do STA (pleno da secção do Contencioso Tributário de 03/05/17, proc. nº 0472/16 , “Tal posição é, salvo o devido respeito por contrária opinião, a que melhor se harmoniza com o quadro legal aplicável e para a qual o texto da norma (ponto de partida da actividade interpretativa) mais fortemente aponta, já que, como bem se deixou explicitado naquele primeiro acórdão desta Secção, a decisão sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça “deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do art. 527º, nº 1 do CPC”, apenas podendo “ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene em custas, (...) mas sempre antes da elaboração da conta”, até porque a reclamação da conta constitui, tão só, e como o próprio nome indica, uma reacção contra um erro de contagem, com vista a que esta seja alterada em conformidade com a lei, não constituindo meio processualmente adequado para a formulação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida ou para a obtenção desse benefício.
Tem assim de se considerar como manifestamente extemporâneo o requerimento formulado pelas partes, após a notificação da conta, para dispensa de pagamento da taxa, como o considerou o tribunal recorrido”. (…).
Já posteriormente a estes acórdãos e no mesmo sentido se anota o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2018, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.07.2018 (…).
No mesmo sentido, o Acórdão desta Relação de Lisboa de 20.09.2018, onde se referencia a jurisprudência constitucional no sentido da não inconstitucionalidade, e citamos: “Por outro lado, e como também se refere nesse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional desta interpretação, tendo decidido, no seu acórdão 527/2016, de 4/10/2016 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”.
Sendo certo que os fundamentos aí exaustivamente elencados, e que se mostram renovados no mais recente acórdão de 2/5/2018 do mesmo Tribunal Constitucional (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que confirmou decisão sumária do seu relator, no mesmo sentido do já referido acórdão de 4/10/2016, apontam para a correcção da decisão ora recorrida (…).
(…) fazendo apelo à jurisprudência constitucional acima referida, logo se conclui pela conformidade da interpretação acima mencionada da norma do art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais com os princípios constitucionais convocados pela A.
Ou seja, não se pode afirmar que só após o apuramento do valor remanescente de taxa de justiça a pagar (liquidado na conta a final), e sua subsequente notificação à parte, é que assiste à mesma o direito a requerer a dispensa do pagamento em questão, invocando as circunstâncias que conduzem à aplicação do disposto no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais, antes se devendo afirmar que o exercício do mesmo está limitado temporalmente, devendo ser exercido até ao momento da elaboração da conta (…)”.
Ainda mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 15.1.2019, vai no mesmo sentido, e sumaria, citamos: “I – Segundo o disposto no artº 6º, nº 7 do RCP: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
II - Regra geral, as partes, mais a mais estando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o artº 6º, nº 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta.
III - Se sendo caso de dispensar o pagamento do remanescente, o juiz deve, oficiosamente, declarar essa dispensa em decisão anterior à remessa dos autos à conta, o que faz sentido é que as partes também requeiram essa dispensa antes dessa remessa, designadamente quando confrontadas com uma decisão que, tendo-se pronunciado quanto às custas, nada referiu quanto a essa dispensa.
IV - O que terão de fazer as partes, então, é requerer a reforma da decisão quanto a custas, pedindo que, na decisão reformada, se as dispense do pagamento do remanescente de taxa de justiça.
V - Portanto, ou as partes suscitam a questão da aludida dispensa em requerimento precedendo a decisão que vai por termo ao processo e proferir decisão sobre custas, ou, não o tendo feito, resta-lhes a possibilidade de requererem essa dispensa quando forem notificados dessa decisão e constatarem que nela não foi referida aquela.
VI - O requerimento da parte solicitando uma tal dispensa, após ser notificada da conta de custas, em reclamação desta, não só é extemporâneo, como é desajustado, pois que tal reclamação, que é dirigida ao juiz, há-de reportar-se a acto ou omissão que não seja imputável a este, mas antes ao funcionário judicial contador e de que resulte uma desarmonia da conta com as disposições legais (nº 2 do artº 31º do RCP).
VII - Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por estar em causa um valor desproporcionado, por esta possibilidade do art. 6º, nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final”. (fim de citação).
Por nossa parte, propendemos a concordar com a posição maioritária, sendo que o caminho processual delineado no sumário que acabamos de citar é linear.
Sem dúvida o nº 7 do artigo 6º do RCP veio introduzido para garantia da proporcionalidade, posta em crise pela aplicação duma regra abstracta de ligação entre o valor da causa e os escalões de taxa de justiça, fazendo intervir o tribunal, oficiosamente ou a pedido, a corrigir essa correspondência de modo a adequar o custo a pagar, ainda que pensado em termos de contribuição para o pagamento dos custos gerais do funcionamento do sistema de justiça, a valores mais ajustados ao serviço concretamente realizado.
O cálculo do remanescente a pagar – e estamos a falar de taxa de justiça, e não de outras componentes das custas – nas acções de valor superior a €275.000,00, pode ser feito antecipadamente, a partir do momento em que seja definitivamente fixado o valor da acção e em vista dos montantes já pagos a esse título, por mera consulta tabelar.
Depois, a questão da responsabilidade concreta, a questão da decisão judicial que reparte ou define a responsabilidade concreta pelas custas, não interfere com a possibilidade deste cálculo prévio, pois a taxa de justiça é devida, para com o tribunal, por ambas as partes, sendo que o mecanismo de correcção é feito pela possibilidade legal que tem a parte vencedora de pedir à parte vencida o reembolso do que pagou a mais, segundo a proporção de custas que o tribunal tenha fixado.
Por outro lado, o patrocínio judiciário é obrigatório para as causas que estejam em condições de integrar o nº 7 do artigo 6º do RCP, como resulta do artigo 40º do CPC.
Significa isto que quem litiga em causas de valor superior a €275.000,00 pode sempre antecipadamente à decisão final, saber qual é o valor do remanescente de taxa de justiça a pagar. Pode, por isso, em face da actividade que se desenvolveu no processo, que fica conhecida, senão no encerramento da discussão ou com a decisão final em cada instância, pelo menos até ao momento anterior àquele em que é devida a elaboração da conta, fazer uma previsão sobre se os critérios que justificam a redução ou dispensa do pagamento do remanescente, além do próprio valor, estarão ou não manifestamente preenchidos, ou seja, se é ou não evidente que a situação concreta do processo é específica no sentido da simplicidade que implica a aplicação de um correctivo de proporcionalidade. Se, por via dos critérios outros que o valor da acção, designadamente pela duração do processo, pelo volume do processo, pelo número de recursos, não é evidente a desproporção, deve a parte interessada – desde logo porque, com o devido respeito por outras posições, o poder-dever do juiz não isentar a parte da sua própria responsabilidade na condução da sua melhor defesa – requerer a dispensa do pagamento do remanescente, concordando-se igualmente que o juízo de inconstitucionalidade por desproporção e impedimento de acesso à justiça não se estende à definição legal do momento até ao qual o pedido pode ser feito, e sobretudo não implica, de modo algum, que o pedido possa ser feito a todo o tempo, sem qualquer limite.
Entendemos assim que a resposta à primeira questão do recurso é a de que os pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida por ambos os Réus, foram extemporâneos (…)”.
Assim, conforme sintetizou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08-05-2019 (Pº 746/10.5BELRS, rel. JORGE CORTÊS), “discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas (incluindo a taxa de justiça remanescente), constante da sentença, deverão dele recorrer ou requerer a sua reforma. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, na reclamação do acto de contagem, impugnar algum vício daquela decisão. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça (i.e., ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte”.
No caso em apreço, na ausência de diversa decisão do Tribunal, estando transitada a decisão final proferida – e esgotado o respetivo poder jurisdicional – tendo-se formado caso julgado ou decidido, relativamente à responsabilização tributária das partes e verificando-se que as partes suscitaram a questão da dispensa do remanescente apenas em momento posterior ao da elaboração da conta de custas, em sede de reclamação da referida conta, quando o deveriam ter feito até ao trânsito em julgado da referida decisão final ou, quando muito, até ao momento em que fosse elaborada a conta de custas, conclui-se que não merece censura a decisão recorrida que considerou intempestiva, por extemporânea, a apreciação de uma tal questão.
O reconhecimento do acerto do decidido, neste segmento decisório, não se afigura contrário ao texto constitucional.
A interpretação alcançada pelo tribunal recorrido, que inviabilizou o conhecimento do mérito da questão de dispensa do remanescente, não se mostra violadora da igualdade, uma vez que as partes requerentes de dispensa até ao momento em que tal apreciação é admissível não se encontram no mesmo plano daquelas que apenas vierem requerer a dispensa do pagamento do remanescente após tal momento, observando-se o princípio da igualdade, que demanda o tratamento igualitário de situações igualitárias, mas o tratamento diferenciado de situações onde tal diferença se apresente.
Também não se mostram postergados, pelo decidido, os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo (artigo 20.º da CRP) ou do princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e o artigo 22.º da CRP.
Desde logo, conforme se evidenciou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-10-2015 (Pº 0468/15, rel. ANA PAULA PORTELA): esta interpretação “não é inconstitucional por a mesma não contender com a tutela efetiva de um direito mas antes com o momento e meio adequado ao seu exercício”.
Por outro lado, como se referiu, não se afigura desproporcional o sistema que estabelece o pagamento da taxa de justiça em função do valor da causa, adequando-o, em concreto, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos casos em que o valor assim encontrado se mostre desproporcionado. Contudo, isso não significa que a questão possa ser sempre suscitada, sem qualquer preclusão ou limite temporal, manifestando-se razoável ao exercício de posições de um sujeito num processo judicial que sejam estabelecidos determinados ónus processuais, desde que tal ocorra de forma razoável.
Tal como evidenciam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada; Tomo I, 2.ª ed., 2010, pp. 438-439) “o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modulação do processo, cabendo-lhe designadamente, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes- incluindo o próprio interesse de ambas as partes (e não apenas do autor) – e, em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução. Não é, por isso, incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes”.
Assim, conclui-se que inexiste qualquer inconstitucionalidade material na definição legal do momento até ao qual o pedido de dispensa de pagamento do remanescente pode ser efetuado.
Quanto aos poderes de cognição do tribunal, considerando o referido, não se mostra também ser inconstitucional a interpretação da decisão recorrida, no sentido de que se mostra inviabilizado tal conhecimento, considerando que a conta de custas foi já elaborada.
Questão diversa que, contudo, extravasa do âmbito do presente recurso, é a de saber se determinada que seja, porventura, a anulação ou reforma da conta, se não poderão as partes considerar-se, ainda em tempo, para requererem (de novo) a dispensa do pagamento do remanescente, claro está, desde que tal pretensão seja formulada até ao momento de elaboração da conta de custas reformada.
Conclui-se, pois, que a interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido não é contrária aos aludidos princípios constitucionais.
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9) Se o despacho recorrido violou as normas do artigo 204.º da CRP, dos artigos 281.º e 607.º do CPC, dos artigos 7º, 11º, 12º, 13º, 22º, 25º, 26º, e as Tabelas Anexas do RCP, dos artigos 5.º, 8.º e 77.º da Lei Geral Tributária e dos artigos 152.º e 153.º do CPA?
Importa sublinhar, ainda, que a autora elencou no termo das suas alegações de recurso – conclusão 36.ª – que a decisão recorrida violou diversas normas jurídicas.
Quanto a parte dos normativos aí elencados, não aduziu a recorrente qualquer concretização sobre em que termos terá ocorrido, na sua perspetiva, a violação normativa. É o que sucede com a alusão ao artigo 204.º da CRP, aos artigos 281.º e 607.º do CPC, aos artigos 7º, 11º, 12º, 13º, 22º, 25º, 26º, às Tabelas Anexas do RCP (que não referidas supra), aos artigos 5.º, 8.º e 77.º da Lei Geral Tributária e aos artigos 152.º e 153.º do CPA.
Ora, no que respeita ao artigo 204.º da CRP, não se afigura, atento o que ficou precedentemente expresso, que tenha ocorrido a inobservância da aludida prescrição constitucional.
Quanto aos demais preceitos, não se alcança nenhum fundamento que permita concluir pela respetiva violação.
Sem outras considerações, conclui-se, pois, por uma resposta negativa à questão formulada.
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10) Se foi erradamente calculada a base tributável, em virtude do decidido sobre as duas sentenças homologatórias de transação, sendo autonomizada parte do pedido de modo a ser reduzida a base tributária (€ 9.379.722,20) para o valor proporcional da transação, no total de € 78.789,66, ao valor de €9.300.932,54, tendo o despacho recorrido violado o artigo 6.º, n.º 7 e 8 do RCP e o caso julgado?
Alegou ainda a autora que foi erradamente calculada a base tributável, em virtude do que foi decidido em relação às duas sentenças homologatórias de transação, sendo autonomizado parte do pedido, de modo a ser reduzida a base tributária para o valor proporcional da transação.
Vejamos:
Conforme já se referiu, nos termos do disposto no artigo 11.º do RCP, “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.”
Por seu turno, determina o artigo 12º nº2 do RCP que: “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.”
Ora, conforme resulta do despacho recorrido, no segmento que não foi colocado em crise, foi determinada a reforma da conta de custas da 4.ª ré e do 6.º réu.
Tal sucedeu por não se ter atendido a que, no decurso do processo, foi celebrada transação entre os referidos réus e a autora.
Como então se escreveu na decisão proferida pelo Tribunal recorrido, “basicamente, a 4.ª Ré chamou à colação a circunstância de, mediante transação lavrada a 17 de julho de 2015, a Autora e a referida Ré terem chegado a acordo, pondo fim ao presente litígio entre ambas.
Segundo a mencionada transação, a 4.ª Ré confessou o pedido, tendo a Autora renunciado à solidariedade relativamente à indicada parte.
Mais fixaram, no âmbito do mesmo acordo, que a responsabilidade da 4.ª Ré, em resultado da renúncia à solidariedade, ascenderia a € 60 030,22.
Finalmente, consensualizaram que as custas judiciais correriam por conta dela, 4.ª Ré, na parte relativa à proporção da sua responsabilidade, não solidária, qual seja, 0,64 % do valor do pedido, sendo que o decaimento da 4.ª Ré ascende a € 60 030,22 – montante sobre o qual devem ser calculadas as custas, e não sobre o valor de € 9 379 722,20.
Ademais – concluiu –, a transação em apreço foi judicialmente homologada por sentença datada de 2 de setembro de 2015, inclusive no que às custas concerne. Ou seja, tendo as partes acordado sobre a distribuição das custas, deverão as mesmas ser calculadas e suportadas nos exatos termos objeto de transação, tal como estatui o n.º 2 do artigo 537.º do Código de Processo Civil – preceito que regula: “No caso de transação, as custas são pagas a meio, salvo acordo em contrário, mas quando a transação se faça entre uma parte isenta ou dispensada do pagamento de custas e outra não isenta nem dispensada, o juiz, ouvido o Ministério Público, determinará a proporção em que as custas devem ser pagas”.
Ora, consideramos que assiste razão à 4.ª Ré.
Com efeito, na pendência da presente lide, a Autora outorgou transações com a 4.ª Ré e com o 6.º Réu, as quais foram judicialmente homologadas. A transação com a 4.ª Ré consta de fls. 1576 e 1577, dando-se aqui como integralmente reproduzida. A sentença homologatória está a fls. 1595, transitou em julgado e fixou as custas “na forma acordada”, depois de fazer alusão aos dispositivos dos artigos 32.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, e 290.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.
Na cláusula sexta do acordo alcançado, as partes estipularam que as custas correm a cargo da 4.ª Ré, na parte atinente à proporção da sua responsabilidade, prescindindo ambas, relativamente uma à outra, das correspondentes custas de parte e procuradoria, se a elas houver lugar.
É que, no caso de transação sobre o objeto da causa (cfr. artigo 283.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a qual comporta cedências recíprocas de parte a parte (cfr. artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil), a aplicação da regra geral da causalidade em matéria tributária, e inerente proporcionalidade, constante do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), perde sentido e levaria a que a condenação em custas fosse proporcional ao vencimento de cada uma.
No entanto, até por motivos que têm que ver com a possibilidade de a transação implicar a eventual constituição, modificação ou extinção de direitos diversos dos controvertidos (cfr. artigo 1248.º, n.º 2, do Código Civil), a regra é a repartição das custas igualitariamente entre autor e réu, sem prejuízo de outra distribuição ser acordada entre as partes no negócio de transação (solução idêntica sucede no caso de compromisso arbitral – cfr. artigo 280.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Na situação concreta, à luz do sentido e alcance normais da declaração negocial emitida pelas partes envolvidas no acordo (cfr. artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), é hoje predominante o entendimento de que este artigo consagra uma orientação objetivista da interpretação negocial, afastando-se da busca da reconstituição da vontade do declarante. O intérprete não procurará esta vontade, mas o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, retiraria da declaração. A prevalência, no citado artigo 236.º do Código Civil, por um sentido que proteja o declaratário, ainda que possa resultar contrário à vontade do declarante, parece-nos evidente (cfr., no mesmo trilho, José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, Coimbra Editora, 2009, pág. 43).
Por isso também se prevê, no âmbito do artigo 288.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que no caso de litisconsórcio voluntário (cfr. artigo 32.º, n.º 1, do mesmo código), a transação individual é livre, mas “(…) limitada ao interesse de cada um na causa”.
Nessa medida, na cláusula sexta do acordo alcançado, quando ambas as partes estipularam que as custas correm a cargo da 4.ª Ré, na parte atinente à proporção da sua responsabilidade, prescindindo, relativamente uma à outra, das correspondentes custas de parte e procuradoria, se a elas houver lugar, pretenderam preterir qualquer acréscimo tributário, mormente o relacionado com o remanescente da taxa de justiça tipicamente previsto para as situações litigiosas (cfr. artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais; tanto assim é que, mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro, consagrou-se a inexistência de pagamento do remanescente quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, no n.º 8 do preceito).
Pelas razões expostas, e sem necessidade de considerandos acrescidos, tendo em conta o conteúdo da transação alcançada por Autora e 4.ª Ré, inclusive em matéria de custas judiciais, entende o Tribunal que a reclamação apresentada merece provimento, sendo procedente nos seus termos – o que se declara.
Em consequência, ordena-se a reforma da conta com o número 920400173222019, de modo a que, no seu cálculo, considere a base tributável de € 60 030,22, em detrimento da base tributável de € 9 379 722,20 (cfr. fls. 2569) (…).
Como se viu, a Autora também chegou a uma solução conciliatória com o 6.º Réu, de forma idêntica à da 4.ª Ré, mas sendo o montante da responsabilidade de € 18 759,44 (cfr. fls. 503 e 504).
A sua cláusula sexta, respeitante às custas judiciais, é de igual teor.
Transitou em julgado a sentença judicial que a homologou (cfr. fls. 643).
Contudo, a conta correspondente não se mostra elaborada no âmbito dos presentes autos, ao invés do sucedido com a 4.ª Ré.
Assim sendo, em coerência com o supra exposto, e ao abrigo do preceituado no artigo 31.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, também deverá ser elaborada a conta de custas, em idênticos moldes, quanto à transação obtida entre a Autora e o 6.º Réu, documentada a fls. 503 e 504 e judicialmente homologada a fls. 643, de modo a que, no seu cômputo, considere a base tributável de € 18 759,44, em detrimento da base tributável de € 9 379 722,20 – o que se determina oficiosamente”.
Ora, a consequência lógica da atendibilidade da reforma da conta de custas da 4.ª ré e do 6.º réu, para a contabilização da responsabilidade tributária dos demais réus é a de que o valor da base tributável, a considerar como base para todas as contas de custas elaboradas nos autos em 09-12-2019, não corresponde ao singelo valor da causa, mas sim, ao valor da ação, deduzido do valor do decaimento contabilizado relativamente à 4.ª ré e ao 6.º ré (o qual foi apurado e determinou uma responsabilidade tributária autonomamente fixada).
Assim, a base tributável a considerar para cálculo da responsabilidade tributária remanescente relativamente à autora e às rés recorrentes, no âmbito da ação (1.ª instância), cifra-se no total de € 9.300.932,54 (€ 9.379.722,20 - € 78.789,66), correspondendo a esse valor – diverso do valor da ação – o valor dos interesses prosseguidos na demanda.
Tendo em conta o decidido – e transitado em julgado – relativamente à 4.ª ré e ao 6.º réu, concorda-se que a aferição da base tributável a considerar para fixação da taxa de justiça do processo, com referência ao singelo valor da causa não atende ao caso julgado formado relativamente a tais réus, ou, com maior rigor, aos pressupostos em que se fundou a decisão tomada a esse respeito, contraditando com ela.
Tal determinará a necessidade de reformar as contas da autora e das demais rés recorrentes, bem como, das rés que aderiram aos recursos interpostos por estas.
Contudo, ao invés do pretendido pela autora, não se vislumbra que tenha ocorrido violação do disposto no artigo 6.º, n.ºs. 7 e 8, do RCP, dado que esse preceito respeita ao remanescente da taxa e, não, à questão da base tributável que se situa a montante do cálculo desse remanescente, muito embora, claro está, a diversa base tributária vá impactar no montante final calculado, determinando a reforma dos cálculos antes efetuados.
Assim, considerando que não foi atendido no cálculo da base tributável do processo, o apuramento resultante das transações precedentemente homologadas nos autos, deverá atender-se ao valor devido de € 9.300.932,54 para tal base, devendo proceder-se à reforma das contas da autora e das rés recorrentes em conformidade.
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11) Se o despacho recorrido interpretou os artigos 529.º, n.º 2, do CPC e 6.º, n.º 1, do RCP de forma ilegal e inconstitucional, no sentido que sempre que uma parte pratica um ato sujeito a taxa fica obrigada ao pagamento da totalidade da taxa de justiça do processo, designadamente em caso de pluralidade de partes em litisconsórcio, ao arrepio do artigo 530º, n.º 4 do CPC, sendo aplicável ao conjunto dos réus, ainda que a sentença venha a condenar em regime de conjunção, uma única taxa de justiça, a pagar pelo Réu indicado em primeiro lugar na petição inicial, tendo sido erradamente aplicado, na decisão recorrida, o n.º 3 do artigo 527.º do CPC?
Por fim, a ré FUNDO veio invocar ser ilegal e inconstitucional a interpretação dos aludidos normativos (529.º, n.º 2, do CPC e 6.º, n.º 1, do RCP) no sentido de que sempre que uma parte pratica um acto sujeito a taxa fica obrigada ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, designadamente em caso de pluralidade de partes em litisconsórcio, em contrário com o artigo 530.º, n.º 4, do CPC.
Paralelamente, a autora BIC concluiu que se foi formulado um pedido solidário contra o conjunto dos réus em litisconsórcio voluntário, é aplicável o artigo 530º, nº 4, do CPC e não o artigo 527º, nº 3 do CPC, mesmo que a sentença venha a condenar os Réus em regime de conjunção, sendo aplicável ao conjunto dos réus apenas uma única taxa de justiça, a pagar pelo Réu indicado em primeiro lugar na petição inicial, nos termos do artigo 530º, 4, do CPC, entendendo que o Tribunal, ao decidir como o fez, violou este preceito legal.
Vejamos:
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 24-03-2011 (Pº 891/09.0TBLNH.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES), “a lei faz referência, simultaneamente, à parte e aos sujeitos processuais, visto que tais conceitos não se equivalem. A parte processual é a pessoa ou cada uma das pessoas que pede a composição do litígio, ou contra quem ela é pedida. Os sujeitos processuais são, ao invés, as pessoas que podem integrar uma parte ou uma pluralidade de partes”.
Não existe no actual RCP um preceito semelhante ao antigo artigo 13.º, n.º 3, do CCJ de 1996, onde se previa, em caso de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, que cada conjunto composto por mais de um autor, requerente ou mais de um réu, requerido ou recorrido constituía uma única parte para efeitos de cálculo da taxa de justiça.
De todo o modo, a lei vigente efetua uma distinção em caso de pluralidade de partes, regulando o artigo 528.º do CPC de modo diverso, consoante estamos perante uma situação de litisconsórcio ou de coligação.
É conhecida a distinção entre estes dois institutos.
O litisconsórcio – cfr. arts. 32.º, 33.º e 35.º do CPC - distingue-se da coligação – arts. 36.º a 38.º do CPC - pela relação material controvertida. No primeiro caso é uma só a relação material controvertida, ao passo que na coligação, são duas ou mais relações materiais controvertidas, e reporta-se, necessariamente, a pretensões objectivamente diferentes (cfr. Eurico Lopes Cardoso; Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3ª ed., p. 105 e Salvador da Costa; Os incidentes da Instância, 3.ª ed., p. 78).
O litisconsórcio e a coligação distinguem-se porque nesta, há pedidos diferentes dirigidos por cada um dos autores discriminadamente contra uma pluralidade de partes; e naquele ocorre a unidade de pedido dirigido contra mais de uma parte, ou pluralidade de pedidos não discriminadamente dirigidos ou dirigidos discriminadamente se idênticos no seu conteúdo e fundamentos (cfr. Castro Mendes; Direito Processual Civil, vol. II, p. 256 e ss.).
A coligação pressupõe, pois, uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de pedidos que são formulados diferentemente por cada um dos autores ou contra cada um dos réus (cfr. Miguel Teixeira de Sousa; As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, pp. 87-88).
“No litisconsórcio stricto sensu os pedidos são subjetivamente indiferenciados relativamente aos sujeitos que integram a parte litisconsorcial. Esta indiferenciação subjetiva tem razão material: o objeto do processo diz respeito a uma única relação material controvertida, i.e., fundada num único título constitutivo – máxime, o contrato - , mesmo que haja diferentes pretensões. Por ex., na ação de condenação de uma pluralidade de devedores solidários há um único pedido dirigido ao grupo litisconsorcial.
Na coligação os pedidos são subjetivamente diferenciados relativamente aos sujeitos que integram a parte litisconsorcial: a cada sujeito corresponde um objeto processual. Também esta diferenciação subjetiva tem razão material: há uma mera cumulação de objetos processuais respeitantes a diferentes relações materiais controvertidas, i.e., fundadas em diferentes títulos constitutivos; cada situação jurídica funda-se num facto constitutivo ou num conjunto de factos constitutivos diferentes. Por ex., na ação de condenação de uma pluralidade de condóminos por falta de pagamento de quotas, há tantos pedidos quantos os réus” (assim, Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 168).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2018 (Pº 360/14.6TBVFX.L2-6, rel. CARLOS MARINHO): “Existindo, na acção, pluralidade de partes, pluralidade de causas de pedir e um só conjunto de pedidos dirigidos a todas as partes, estamos perante uma situação de litisconsórcio; Na caracterização do litisconsórcio necessário ou voluntário sempre se deverá atender ao desenho da acção feito pelos Autores e não a hipóteses laterais e adicionais sobre o que poderia ser o processo noutros contextos de alegação; Há litisconsórcio necessário quando a relação jurídica surge desenhada em segmentos de responsabilidade atribuídos a diversos sujeitos, que confluem para uma responsabilidade comum, final, em termos que imponham o concurso e intervenção de todos os interessados, ou seja, de todos os Demandados para que «a decisão a obter produza o seu efeito útil normal»”.
Os artigos 528.º e 530.º do CPC, bem como os artigos 6.º, n.º 1 e 13.º, n.º 7, do RCP tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto à respetiva base de cálculo.
De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 530.º do CPC, “havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes”.
Já no caso da coligação, expressamente decorre do nº 5 do citado artigo 530.º do CPC que, “cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.
“Daí se considerar que não será exigível, numa situação de litisconsórcio inicial, o pagamento de tantas taxas de justiça quantos os autores, aplicando-se a Tabela I-A. E, tratando-se de partes coligadas, cada um dos autores haja de pagar a sua taxa de justiça, mas fixada nos termos da Tabela 1-B, que é metade da Tabela I-A” (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 24-03-2011 (Pº 891/09.0TBLNH.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES).
Ou seja: “Estando em causa uma situação litisconsorcial que pressupõe uma única relação material controvertida e quando todos os litisconsortes impulsionam os autos na mesma peça processual não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte ativa/passiva da relação processual” (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-03-2019, Pº 378/18.0T8FAR-A.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA. Cfr., no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-11-2011, Pº 825/09.1TBLNH-A.L1-6, rel. AGUIAR PEREIRA).
No caso em apreço, a autora invocou na petição inicial, designadamente, o seguinte:
“- 1. A Autora é um Banco autorizado a exercer o comércio bancário em Portugal, tendo resultado da fusão por incorporação do Banco BIC Português, S.A. no Banco Português de Negócios, S.A., tendo este alterado a sua firma para Banco BIC Português, S.A. (doc. 1).
2. Os Réus eram em 30 de Novembro de 2012 sócios da sociedade denominada Finpro, SCR, SA (…).
16. A Autora negociou com a FINPRO o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, tendo exigido que os ora Réus prestassem garantias e apenas tendo aceite celebrar o referido contrato, e tomar o papel comercial, porque os ora Réus aceitaram prestar as garantias acordadas, o que era do conhecimento da FINPRO e dos ora Réus (…).
18. No contrato de 30 de Novembro de 2012 consta uma cláusula 16ª com o seguinte teor: CLAUSULA 16ª – Garantias
1 – Em garantia do cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato, designadamente capital, juros, despesas judiciais e extrajudiciais que o AGENTE tiver de fazer para se ressarcir do seu crédito, o EMITENTE entrega ao BANCO BPN uma livrança por si subscrita que se anexa ao presente contrato dele ficando a fazer parte integrante.
2 – Esta livrança, devidamente subscrita, encontra-se em branco, podendo ser livremente preenchida pelo BANCO BPN, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que seja titular por força da referida operação, a fim de que possam ser exercidos todos os direitos que emergem desse título de crédito.
3 – Declaração de Compromisso datada de 30 de Novembro de 2012, subscrita por RENTICAPITAL-Investimentos Financeiros, S.A., em nome próprio e em nome e representação dos accionistas Banif Capital Infrastructure Fund, Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A., Banif-Banco de Investimento, S.A. Infra Invest-FEI, Infrastructure Fund-FCR e BANIF Securities Holding Ltd; COMPANHIA DE SEGUROS AÇOREANA, S.A.; AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.; AFSA, SGPS, SA; CAIXA CAPITAL-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. na qualidade de sociedade gestora do acionista FCR-Grupo CGDCaixa Capital e Dr. MC…, na qualidade de acionistas da sociedade FINPRO, SCR, S.A., titulares e representantes, respectivamente, de participações representativas de 32,59% (titular de 3,68% e representante de 28,91%), de 3,12% de 25,38%, de 0,64%, de 17,17% e de 0,20% do capital social, de procederem à subscrição e realização do aumento de capital social da FINPRO, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas e representadas. Este compromisso será suportado na percentagem da participação e representação indicadas (no total de 79,1% do capital social da FINPRO, SCR, S.A.) afectando tal montante ao pagamento do presente contrato, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.
19. Em 30 de Novembro de 2012, e com essa data, por documento escrito, foi outorgada uma declaração denominada “Declaração de Compromisso”, que foi subscrita pelos ora Réus, com assinaturas reconhecidas, com o seguinte teor (doc. 3):
«RENTICAPITAL-Investimentos Financeiros, S.A., representada por Dr. FJ… e Dra. TR…, COMPANHIA DE SEGUROS AÇOREANA, S.A. representada por Dr. JC… e Engº DA…, AMORIM GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A. representada por Comendador AF… e Dra. CR…, AFSA, SGPS, S.A. representada por Dr. MCa…, Administrador único, CAIXA CAPITAL-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. na qualidade de sociedade gestora do accionista FCR-Grupo CGD-Caixa Capital representada por Dr. JM… e Dr. JCa… e Dr. MC…, na qualidade de accionistas da sociedade FINPRO, SCR, S.A., titulares e representantes, respectivamente, de participações representativas de 32,59% (titular de 3,68% e representante de 28,91%), de 3,12% de 25,38%, de 0,64%, de 17,17% e de 0,20% do capital social, cientes do financiamento que a referida sociedade vai contrair junto do BPN – Banco Português de Negócios, SA, com sede na Avenida da António Augusto de Aguiar, n.º132, São Sebastião da Pedreira, Lisboa, sob a forma de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial no montante de 8.500.000,00 Euros, de apoio à tesouraria, vêm pela presente assumir formalmente e sem quaisquer reservas, perante o BPN, o compromisso de procederem à subscrição e realização do aumento do capital social da FINPRO, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas pelos acionistas signatários desta Declaração. Este compromisso será suportado na percentagem da participação que cada um dos atrás referidos acionistas detém no capital social da FINPRO, SCR, S.A.com excepção da Renticapital – Investimentos Financeiros S.A., cujo compromisso de subscrição e realização abrange os direitos e obrigações de subscrição, além da quota-parte que lhe corresponderá, também dos accionistas, Banif Capital Infrastrucutre Fund, Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., Banif – Banco de Investimento S.A., Infra Invest – FEI, Infrastructure Fund – FCR e Banif Securities Holdings Ltd, titulares, respectivamente, de 16,20%, de 6,90%, de 1,48%, de 3,12% e 1,21% do capital social, afetando tal montante ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.»
20. A Autora apenas aceitou celebrar o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial” e aceitou tomar o papel comercial porque os Réus outorgaram a “Declaração de Compromisso” de 30 de Novembro de 2012 (doc. 25).
21. E porque os Réus são pessoas (singulares e coletivas) que davam boas garantias comerciais de solvabilidade e honestidade, baixando o risco do crédito para níveis aceitáveis pela Autora (doc. 25)(…).
40. Nos termos dos arts. 224º, 777º, 779º, 804º e 805º do Código Civil, em 04 de Dezembro de 2013 todos os Réus se encontravam já em mora.
41. Porquanto não cumpriram a sua obrigação na data acordada, nem a cumpriram após terem sido interpelados para o efeito (…).
98. Os RR. não subscreveram o aumento de capital; nem o realizaram; nem determinaram que essa quantia fosse usada para pagar à Autora o papel comercial.
99. Os Réus não purgaram tempestivamente a mora e prolongaram-na até que se tornou impossível o cumprimento.
100. Houve, pois, incumprimento definitivo culposo (artigo 808º, nº 1 do Código Civil).
101. A impossibilidade de cumprimento ocorreu em consequência de ter sido requerido e instaurado o processo especial de revitalização (PER) da FINPRO que frustrou o efeito útil da garantia atípica titulada pela “Declaração de Compromisso”.
102. Porquanto não é mais possível afetar o montante resultante das entradas ao pagamento da dívida à Autora – em virtude do regime de paridade de credores em vigor no PER.
103. Este incumprimento tem o regime jurídico e as consequências normais do incumprimento das obrigações.
104. A obrigação dos Réus de realizarem as entradas de capital de €9.000.000,00 e destinarem essa quantia ao pagamento da dívida da FINPRO à Autora venceu-se em 4 de Dezembro de 2013.
105. O dano indemnizável é de cálculo muito fácil.
106. Corresponde ao valor da totalidade do montante em dívida que resulta do papel comercial, acrescido de juros vencidos a 4 de Dezembro de 2013 e ainda da cláusula penal, tudo limitado ao valor máximo garantido de €9.000.000,00 (nove milhões de euros).
107. Em 4 de Dezembro de 2013, os juros remuneratórios vencidos eram no valor de €120.155,35 (cento e vinte mil, cento e cinquenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos), aos quais acresciam juros moratórios (à taxa de 4%) no valor de €4.784,85 (quatro mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
108. A cláusula penal resultante do contrato de 30 de novembro de 2012 é no valor de €340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros) – 4% do capital em dívida.
109. Pelo que o valor da dívida em 4 de Dezembro de 2013 era de €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos).
110. Se em Dezembro de 2013 os RR. tivessem procedido à subscrição do aumento de capital já deliberado, procedido às respetivas entradas e assegurado que essa quantia era usada para pagamento do papel comercial à Autora, esta teria recebido a quantia de €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos).
111. Os RR. violaram as obrigações que para si resultam da garantia atípica que prestaram, porquanto não a cumpriram no momento devido.
112. Os RR. agiram culposamente, o que – aliás – se presume.
113. A atuação dos RR. foi causa adequada – e causou efetivamente – o dano da Autora; se os RR. tivessem cumprido pontualmente as suas obrigações em 4 de Dezembro de 2013, a Autora não teria sofrido o dano que sofreu.
114. A Autora sofreu um dano que consiste em não ter €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos) em dinheiro resultante do pagamento do papel comercial.
115. Pelo que devem os RR. ser condenados no pagamento à Autora de uma indemnização.
116. No caso concreto, não se trata de uma indemnização em sucedâneo pecuniário, mas antes de uma indemnização através da reconstituição natural.
117. Sucede apenas que a reconstituição natural é feita em dinheiro, uma vez que o dano foi sofrido em dinheiro.
118. Os RR. devem ser condenados a pagar à Autora a quantia em dinheiro que corresponde ao dano por esta sofrido.
119. E poderão os RR. – se quiserem – exigir, no ato do pagamento ou em momento posterior, que a Autora lhe ceda o papel comercial - art. 568º do CC.
120. Por cautela, sempre se dirá que como os RR. não procederam à subscrição do aumento de capital já deliberado, nem procederam às respetivas entradas nem asseguraram que essa quantia era usada para pagamento do papel comercial à Autora, esta não recebeu a quantia de €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos).
121. A diferença entre a esfera patrimonial atual da Autora e a esfera patrimonial hipotética da Autora que existiria se os RR. houvessem cumprido a sua obrigação é no valor €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos).
122. À quantia devida pelos RR. acrescem juros de mora à taxa legal comercial desde a data da mora (4 de Dezembro de 2013) e até integral pagamento vencidos no valor de €414.782,00 (quatrocentos e catorze mil setecentos e oitenta e dois euros).
123. Os RR. são solidariamente devedores desta quantia, nos termos dos arts. 2º e 100º, respetivamente, do Código Comercial e Decreto-Lei nº 69/2004, de 25 de Março.
124. Devem, em consequência, ser os RR. condenados solidariamente no pagamento à Autora da quantia €8.964.940,20 (oito milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, novecentos e quarente euros e vinte cêntimos), a que  acrescem €414.782,00 (quatrocentos e catorze mil setecentos e oitenta e dois euros de juros vencidos e vincendos até integral pagamento (…)”.
Ora, resulta evidente da configuração da ação efetuada pelo autor, que o mesmo demandou os réus em situação de litisconsórcio, assentando a causa de pedir numa mesma relação material controvertida, na qual se fundou uma só pretensão, ainda que relativamente a vários réus.
A circunstância de na condenação dos réus não ter sido reconhecida a solidariedade na responsabilidade peticionada, não é, para efeitos tributários, relevante.
Verifica-se, pois, que no caso em apreço, em que estamos perante uma situação de litisconsórcio passivo, ainda que voluntário, não há lugar ao pagamento de uma taxa de justiça por cada um os sujeito processuais que compõem a parte passiva da relação processual, atenta a unicidade da relação material controvertida em presença, muito embora o seu cálculo se faça de harmonia com a tabela I-A, atenta precisamente a circunstância de se estar perante um litisconsórcio e, não, numa situação de coligação (em que, por força do disposto no artigo 13.º, n.º 7, do RCP seria aplicável a tabela I-B).
Sobre a questão em apreço, a decisão recorrida expressou-se nos seguintes termos:
“A 2.ª Ré pretende ser esclarecida se o pagamento da conta reclamada é solidário, ou seja, quanto à natureza do pagamento solicitado às partes, visto que no ofício expedido pela Secção consta a expressão, sob a epígrafe “Responsabilidade solidária”: ”Sendo solidária a responsabilidade do pagamento, o responsável que primeiro efectuar o pagamento da quantia em dívida fica com direito de regresso relativamente aos demais responsáveis solidários”.
Não se tratando, em sentido próprio, de matéria de reclamação de conta de custas, fica, porém, o esclarecimento de o pagamento não ser solidário: só isso se compatibiliza com o entendimento plasmado no despacho de 10 de julho de 2018, sobre custas de parte.
Passamos a transcrever o trecho do despacho que aqui interessa (a fls. 2522):
“Conforme o que ficou decidido pela 1ª instância, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e tendo o recurso de revista sido julgado improcedente, as RR. não foram condenadas em termos de solidariedade, tendo tido lugar a condenação de cada uma das RR. em termos diferenciados, pelo que terá que ser apresentada uma nota discriminativa de custas de parte relativamente a cada uma das RR., de acordo com o que supra ficou referido e não uma única nota”.
Na confirmada sentença proferida em 1.ª Instância pode ler-se, a tal propósito, que, “Ao contrário do que pretende a Autora, não se aplica o regime da solidariedade (artigo 100.º do Código Comercial) porquanto as partes dispuseram diversamente.
(…) Os Réus não respondem pela totalidade do dano da Autora mas apenas parcialmente nos termos em que se obrigaram individualmente (…)” (cfr. fls. 1759v e 1760).
Por seu lado, o artigo 527.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, vem postular o seguinte: “No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas”.
Ou seja, se a decisão proferida na ação importar a responsabilidade solidária de diversos devedores, também essa característica se transmite automaticamente à obrigação de pagamento de custas.
A expressão textual ínsita no ofício expedido pela Secção traduz, por conseguinte, o conteúdo deste dispositivo legal, e equaciona-se em puros termos hipotéticos, como se tivesse o segmento inicial: ”Se for solidária a responsabilidade do pagamento, (…)”; nada mais.
Ora, como se viu, as Rés não foram condenadas em termos de solidariedade, e sim de uma forma diferenciada. Numa palavra, a peticionada solidariedade da obrigação, porque não existe na presente situação concreta, não se estende às custas, por força do preceituado no artigo 527.º, n.º 3, a contrario sensu, do Código de Processo Civil.
Tal nos leva, de igual sorte, a consignar que não existe uma taxa de justiça única a repartir pelas Rés condenadas na confirmada sentença da 1.ª Instância; e que não pode ter qualquer cabimento e/ou razoabilidade a aplicação casuística do disposto no artigo 530.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (ao invés do defendido pela 5.ª Ré).
Basta dizer, para além do exposto, que foram apresentadas contestações separadas nos autos, a cada um desses articulados correspondendo o pagamento da taxa de justiça (cfr., no mesmo sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Almedina, 2018, pág. 583).”.
Considera a ré FUNDO que “as consequências que o Tribunal a quo retirou do disposto no artigo 537.º, n.º 3, do CPC, e aplicou ao caso dos autos, estão erradas” (conclusão 10.ª).
Cumpre referir, liminarmente, que a invocação desta ré se deve considerar realizada por referência ao normativo do artigo 527.º, n.º 3, do CPC, uma vez que o artigo 537.º não contém um número 3, sendo que, o primeiro preceito foi o aplicado na decisão recorrida, pelo que, certamente, esta alusão se deveu a mero lapso de escrita.
Ora, não nos parece que a singela circunstância de terem sido apresentadas contestações separadas nos autos seja de molde a infirmar a conclusão de que estamos perante uma situação de litisconsórcio, nem isso resulta da circunstância de as partes terem apresentado várias notas de custas de parte.
Do mesmo modo, não se parece poder inferir do mero facto de a condenação não ter sido solidária que se deva aplicar a norma do artigo 530.º, n.º 3, do CPC, sendo que, os campos de aplicação e de consideração desses preceitos não são coincidentes.
Aliás, como se viu, o artigo 530.º, n.º 3, do CPC constitui uma disposição especial aplicável, prioritária e de forma prevalente, em matéria de taxa de justiça, quanto haja litisconsórcio, ficando afastada a aplicação da regra geral (cfr. artigo 7.º, n.º 3, do CC), pelo que, não há que lançar mão do n.º 3 do artigo 527.º do CPC.
Ou seja: A situação de pluralidade de partes apurada – existência de litisconsórcio – é que determina a aplicação do artigo 530.º, n.º 3, do CPC e, não, a circunstância de a condenação ter sido ou não solidária.
Assim, conclui-se que o despacho recorrido, ao reconhecer a validade na exigibilidade de uma taxa de justiça por cada um dos réus, quando nos encontramos numa situação de litisconsórcio, não se poderá manter, antes se devendo dar o devido cumprimento ao disposto no artigo 530.º, n.º 4, do CPC.
*
As apelações deduzidas deverão, em consequência, ser julgadas procedentes e, em consequência, deverá determinar-se a revogação do despacho recorrido, em conformidade.
A responsabilidade tributária inerente, nesta instância, incidirá sobre os apelantes, atento o proveio obtido – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar procedentes as apelações e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, proferida em 21-04-2020, que se substitui pela presente, determinando-se a reforma das contas de custas da autora, das rés recorrentes e das aderentes aos recursos destas, em conformidade com o exposto, ou seja:
a) Considerando no cálculo da base tributável do processo, as transações precedentemente homologadas nos autos, referenciando para aquele o valor de € 9.300.932,54; e
b) Atendendo ao litisconsórcio existente entre os réus, aplicando relativamente aos mesmos, o disposto no artigo 530.º, n.º 3, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos.
Custas pelos recorrentes.
Notifique e registe.

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Lisboa, 19 de novembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes