MEDIDAS DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO
MEDIDA CAUTELAR
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
Sumário

I) A aplicação de medidas de promoção de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visa afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a sua recuperação física e psicológica de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34.º da LCPJP).
II) Conforme resulta do artigo 37.º da LPCJP, a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º (procedimento judicial urgente), ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
III) Nos termos do artigo 16.º do D.L. n.º 12/2008, de 17 de janeiro, a execução da medida de apoio junto dos pais deve ter em conta a situação de perigo que determinou a sua aplicação e o nível das competências parentais, reveladas quando da aplicação da medida, sendo a referida execução orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte destes das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de proteção e promoção da criança.
IV) Na operacionalização do plano de intervenção devem ser observados, nomeadamente, a capacidade dos pais para remover qualquer situação de perigo, a ausência de comportamentos que afetem a segurança ou o equilíbrio emocional da criança ou do jovem e a disponibilidade dos pais para colaborar nas ações constantes do plano.
V) Entre as obrigações particulares dos pais, para além das que forem fixadas na decisão judicial e de outras previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 27.º do D.L. n.º 12/2008, de 17 de janeiro, conta-se a de respeito e promoção dos direitos da criança ou do jovem, prosseguindo sempre o seu superior interesse.
VI) Assumindo o processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, a natureza de jurisdição voluntária, nas providências a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita e deve adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna, podendo as resoluções ser alteradas (sem prejuízo dos efeitos já produzidos) e tal alteração fundar-se em circunstâncias supervenientes que a justifiquem (cfr. artigos 100.º da LCPJP e 987.º e 988.º do CPC).
VII) Assim, se bem que não se tenha comprovado a situação que desencadeou os autos de promoção e proteção – invocado abuso sexual da criança por parte do progenitor – apurando-se, no prosseguimento dos autos, que o comportamento dos “adultos cuidadores” – aqui se incluindo os progenitores - não acautelou convenientemente a segurança e a proteção da criança, subsistindo perigo para a criança, embora com contornos diversos daqueles que impulsionaram os autos, mostra-se adequada e proporcional, na procura do restabelecimento da estabilidade das interações entre os progenitores e a criança, a manutenção da aplicação da medida provisória e cautelar de apoio junto dos pais, residindo a criança em exclusivo com a mãe, durante a duração da mesma e fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência ou outro meio similiar e com supervisão, não sendo benéfico para a criança que o retomar do relacionamento da criança com o pai/família paterna se opere, por ora, sem qualquer supervisão.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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Nos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais, referentes à criança SL…, em 16-05-2019 foi proferido acórdão pela ….ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, que alterou o regime de exercício das responsabilidades dos pais daquele – VP… e PI… - passando o mesmo a ser o seguinte:
“1º - O menor residirá com ambos os progenitores em semanas alternadas, iniciando-se a semana com um progenitor à segunda-feira, indo este buscar o menor à escola no final das actividades escolares do menor ou caso a escola esteja encerrada para férias ou interrupções escolares irá buscar o menor à residência dos avós maternos, neste caso até às 10 horas.
2º Na semana em que o menor está com um dos progenitores poderá conviver com o outro progenitor às quartas-feiras, jantando e pernoitando com o mesmo, indo buscá-lo à escola no final das actividades lectivas ou à residência dos avós maternos em caso de interrupção lectiva às 18h00m, e entregando-o na quinta-feira, na escola, no início das actividades lectivas, ou na casa dos avós maternos até às l0h00m, em caso de interrupção lectiva.
3º - O exercício das responsabilidades parentais referentes aos actos da vida corrente do menor será exercido pelo progenitor com quem o menor se encontrar a residir.
4º - Quanto ao exercício das responsabilidades parentais no que tange às questões de particular importância para a vida do menor estas serão exercidas em comum por ambos os progenitores, através dos respectivos mandatários judiciais;
5º - As férias escolares de Natal e Páscoa do menor serão repartidas de modo equitativo entre ambos os progenitores, a combinar entre ambos através dos respectivos mandatários judiciais, na falta de acordo vigorará o regime supra estabelecido quanto à residência do menor.
6º - O dia de véspera de Natal (24 de Dezembro), o dia de Natal (25 de Dezembro), o dia 31 de Dezembro, o dia 01 de Janeiro, a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa serão passados com ambos os progenitores de modo alternado.
7º - O menor passará com cada um dos progenitores o dia de aniversário do respectivo progenitor, bem como passará o dia do pai com o pai e o dia da mãe com a mãe, sem prejuízo dos períodos escolares e de descanso do menor.
8º - No dia de anos do menor um progenitor almoça e o outro janta com o menor alternando nos anos subsequentes e sempre que o menor não possa almoçar por força dos afazeres escolares, lanchará.
9º - O menor passará quinze dias de férias de verão com cada um dos progenitores, a combinar entre ambos os progenitores, até final de Abril e, em caso de sobreposição, tal período será rateado.
10º - Não havendo coincidência com outras datas aqui estabelecidas, o menor passará ainda os dias de aniversário com as pessoas com quem tenha relações afectivas profundas (avós paternos, avós maternos, irmã ou outros familiares), sem lugar a pernoita caso não seja a semana do progenitor respectivo.
11º - As despesas médicas e medicamentosas e escolares do menor serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de 50% para cada progenitor a pagar no prazo de quinze dias após a apresentação do respectivo documento comprovativo emitido em nome da menor e com o respectivo número de contribuinte do menor e a pagar por transferência bancária.
12º - No que tange à pensão de alimentos mensal não se fixa qualquer quantia a favor do menor, porquanto a alimentação (excepto almoço e lanche escolares que serão repartidos por ambos em partes iguais) e produtos de higiene diária serão suportados por cada um dos progenitores na semana que cabe a cada um e cada um dos progenitores terá na sua habitação vestuário e calçado, adquirido por cada um dos progenitores, para o menor usar na semana do respectivo progenitor”.
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Em 01-10-2019, a requerida PI… veio requerer a alteração das responsabilidades parentais, conforme petição inicial que então apresentou e que deu origem ao apenso D.
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Em 22-10-2019 teve lugar conferência de pais nos autos de incumprimento (apenso E), constando da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte:
“Iniciada a diligência pelas 14h21mns, pelo Mmº Juiz foi dada a palavra à requerida, para que dissesse o que tivesse por conveniente sobre o requerimento inicial, a qual por intermédio da sua ilustre mandatária referiu que dava por reproduzidos os factos e as razões invocadas nos autos de alteração que correm sob o apenso D, referindo ainda que de momento não entrega a criança ao pai porquanto tem receio que o mesmo a maltrate.
O progenitor manteve a posição já expressa nos autos.
Seguidamente foi pelo Mmo. Juiz feita uma exposição sobre o objecto dos autos, e transmitida aos progenitores informação centrada na gestão do conflito parental.
Após, ambos declararam transigir quanto ao objecto dos presentes autos nos seguintes termos:
- A mãe aceita a indicação dada pelo tribunal para a retoma do regime de exercício das responsabilidades parentais já fixado, e assume compromisso de honra em cumpri-lo, sendo a primeira entrega da criança ao pai efectuada no próximo dia 23-10-2019, para jantar e pernoitar, e a seguinte no próximo dia 28-10-2019, para com ele residir nessa semana até á próxima segunda-feira, e assim sucessivamente nos termos do regime em vigor.
- O pai declara que aceita a declaração da mãe e considera sanado o presente incidente de incumprimento.-
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, por esta foi dito nada ter a opor ao ora acordado.
De seguida, pelo Mmº Juiz foi proferida a seguinte SENTENÇA
"Homologo, pela presente sentença, o acordo que antecede por válido quer pelo seu objecto quer pela qualidade dos seus intervenientes, e por considerar salvaguardados os interesses do menor SL…, e, em consequência condeno ambos os pais a cumpri-lo nos precisos termos (…)."
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Em 18-03-2020, PI… veio expor no apenso D o seguinte:
“1º Como se encontra fixado judicialmente, o S… janta e pernoita à quarta-feira, com o progenitor com quem nessa semana não está a residir.
2º A mãe, apesar de toda a contingência do país e a recomendação da Direção Geral de Saúde, no início da presente semana (segunda-feira) entregou o S… à guarda e cuidados do pai ora requerido.
3º Ainda ontem falou, durante vários minutos, com o filho ao telefone e o mesmo encontrava-se bem, falador e bem-disposto, sem qualquer sintoma de gripe ou infecção respiratória.
4º Sendo hoje dia do seu jantar e pernoita, aguardava até às 18h a entrega do filho. Contudo,
5º Foi surpreendida com mensagem do pai, onde o mesmo se limita a comunicar, sem mais, à mãe, que o menino está com tosse, um pouco estranho e parado, mas sem febre - doc. n.º 1. E,
6º Ainda menciona que convém o menino ficar consigo, para acompanhamento da situação e, acintosamente, bem estar da mãe!!!! - cit. doc.. Mais,
7º Vai ao cúmulo de invocar os alertas da protecção civil e a existência de casos confirmados de Covid-19 no Barreiro, para não proceder à entrega do filho! - terá o requerido informação privilegiada, esquecendo-se que o hospital que serve a sua área de residência (bem, a que diz ter nos seus requerimentos de apoio judiciário, para assim o lograr obter) é o mesmo que serve a residência da mãe. No entanto,
8º Tem tanta preocupação com o filho S…, mas "esquece" a filha Sa…, para quem a mãe ora requerente ligou e a mesma afirmou não estar em casa, mas na residência da madrinha (baptizado que a mãe desconhece...). E,
9º Este é mais um dos comportamentos despostas do requerido, que põe e dispõe da vida do filho como bem entende, sem consultar a mãe e ainda procura justificar as suas acções para as camuflar.
10º Ainda nos primeiros dias de março levou o filho a consulta de oftalmologia, sem dar prévio conhecimento à mãe, e sabendo que esta o havia informado de todas as consultas que se encontravam agendadas -doc. n.º 2. Mais,
11.º Fê-lo consultando médico que não é o que acompanha o S…, e só informou a mãe porque a mesma o interpelou sobre a marcação da consulta – cit. doc..
12º A todos estes factos junta-se toda a conduta dilatória, não só com informações falsas nos seus requerimentos de apoio judiciário (que assim lhe permitem continuar a litigar sem fim e gratuitamente), como com os sucessivos recursos apresentados nos diferentes autos.
13º Reitera-se que a Convenção de Istambul impõe ao Estado Português obrigações, nomeadamente de se abster de praticar qualquer acto de violência contra as mulheres, e a diligência no sentido de serem adoptadas medidas necessárias a prevenir e punir os actos de violência – in casu, contra uma mulher e uma criança.
14º À mãe, reafirma-se, impõe-se proteger o filho, mas há muito que sente o seu poder a fugir-lhe por entre os dedos das mãos, sem que o Estado a proteja e lhe proteja o filho!
15º O pai sempre fez o que quis e isso ficou demonstrado nos autos de processo-crime, na decisão proferida em segunda instância e, certamente, numa decisão do Tribunal Constitucional a proferir - cujo fundamento de inconstitucionalidade se afirma não existir, mas cujo objectivo é apenas protelar o seu trânsito!
16º Com a sua conduta o pai faz o que quer, como quer e quando quer, sem que seja fiscalizado, demovido ou sancionado por quem quer que seja. Em face do exposto,
17º Não só se impõe a nomeação urgente, como requerido, de advogado à criança, direito que lhe assiste nos termos da lei, como se impõe a já requerida tomada de medida cautelar, nos termos do disposto peio art.º 28º n.º 2 e 3 do R.G.P.T.C., para salvaguarda do S…, nomeadamente ordenando-se a realização de todas as diligências necessárias e tidas por convenientes, reproduzindo-se o seu pedido inicial. Pois,
18º Não só a requerente mantém as suas suspeitas, como as mesmas se têm adensado, o que só será passível de confirmação por perícia médico-forense, sob pena de mais uma vez se lhe imputarem comportamentos de alienação parental (…)”.
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O requerido VP… pronunciou-se sobre o referido requerimento, conforme requerimento que apresentou em 22-03-2020 onde invocou, nomeadamente, que:
“1. Efetivamente, na passada 4 feira (18.03) era dia do menor S…, pernoitar com sua mãe, uma vez que foi assim o decretado por este tribunal e confirmado em instancias superiores. Ora,
2. Quando a requerente refere que" A mãe, apesar de toda a contingência do país e a recomendação da Direção Geral de Saúde, no início da presente semana (segunda-feira) entregou o S… à guarda e cuidados do pai ora requerido." Certamente por lapso, se "esqueceu" de salientar que a 18.03 foi decretado o Estado de Emergência nacional.
3. O Requerido, aliás como resulta do documento nº 1 junto pela requerente, informou a mesma que o menor ficaria consigo até 2ª feira, dia 23.03, dia da entrega do menor à mãe, esclarecendo que a requerente seria recompensada da anomalia.
4.Porquê? Será preciso esclarecer que, num momento peculiar e sensível como este que a nação atravessa, proteger o menor bem como as partes ao máximo, é um facto que se impõe.
5. Aliás, sabe perfeitamente a mãe, que aquando a entrega do menor ao pai na passada 2 feira, dia 16.03, o menor se encontrava um pouco constipado.
6. Assim, e por forma a evitar que o menor saísse para pernoita e regressasse no dia seguinte pela manhã, o requerido comunicou que o menor passaria a semana completa em sua casa, sendo que na próxima 2 feira, dia 23.03, o menor passará a semana completa com a requerente, sem pernoita do pai na 4.ª feira, dia 25.03, com o pai e assim sucessivamente enquanto durar o estado de emergência.
7. Bem sabemos que o país atravessa uma fase difícil, cujas contingências são necessárias para salvaguardar os cidadãos e aqui impõe-se de igual modo o bom senso para estas questões de particular importância.
8. Face à atual circunstância, entende-se ser de todo conveniente que as semanas entre os progenitores, se fixem seguidas, sem pernoitas a meio da semana, e sem entregas do menor aos avós maternos, pois estes são factor de risco como a própria OMS veio esclarecer. Porém deverão as partes proporcionar todos os dias, às 15h, a possibilidade de videoconferência com o menor, independentemente com quem eie esteja, extensível aos avós maternos e paternos.
9. Em suma, tudo para evitar que o menor se exponha desnecessariamente a algo que poderá pôr em causa a sua saúde bem como a de todas as partes, até porque a requerente se encontra grávida.
10. Agora, cumpre esclarecer o seguinte: mesmo na melhor das intenções, comunicando e previamente informando a requerente, eis que a mesma, entenda-se a "tal" que inibiu o requerido de ver e ou estar com o filho durante Um mês no passado ano, acompanhada por sua mãe e atual companheiro, deslocaram-se a casa da namorada do aqui requerido, dia 18.03 por volta das 19h15, fazendo um alarido, batendo na porta, gritando alto e bom som "Cobarde que Bates em mulheres seu cobarde".
11. A Requerente, NÃO PODE NEM DEVE ter este tipo de comportamento de deslocar-se a casa de terceiros, que aliás como refere ter sido "vitima de violência doméstica" por parte do Requerido, muito nos espantamos tal "soltura, a roçar o arrojo" para com um "consagrado agressor".
12. Quando à suposta consulta de oftalmologia, o Requerido NUNCA levou o filho ao oftalmologista sem o conhecimento da requerente, esclarecesse-se que o print junto pela requerente como doc 2, como se apura, a resposta do Requerido está a preto, e como facilmente se apura, trata-se dum reencaminhamento relativo à consulta dessa especialidade que o filho teve a 10.12.2019, com o intuito de respondera Requerente!, reencaminhamento esse de uma mensagem escrita pela Requerente cujo destinatário era o Requerido, tendo este usado a referida mensagem dela como resposta!!!
13. Quanto à filha Sa…, umas singelas palavras: a Sa… foi batizada a 16 de março de 2019 e a mãe, aqui requerente foi convidada (prinst em anexo). Portanto, a requerente mentiu nos presentes autos.
14. A Sa… está a passar a quarentena com a sua madrinha, que por mero acaso é a aqui mandatária, tendo inclusive a Sa… falado com a Requerente por telefone à frente da aqui signatária.
Termos em que, e face ao atual estado que impõe contingências,
• Entende-se ser de todo conveniente que as semanas entre os progenitores, se fixem seguidas, sem pernoitas a meio da semana, e sem entregas do menor aos avós maternos, pois estes são factor de risco como a própria OMS veio esclarecer. Porém,
• Deverão as partes proporcionar todos os dias, às 15h, a possibilidade de videoconferência com o menor, independentemente com quem ele esteja, extensível aos avós maternos e paternos.
Só assim impera o bom senso exigido numa altura tão conturbada que todos passamos! (…)”.
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Por requerimento apresentado em juízo em 01-04-2020, VP… veio expor o seguinte:
“Na semana de 30 de março do corrente, era a semana que competia ao aqui requerido no que concerne ao exercício da guarda partilhada do filho de ambos, SC….
À semelhança do que fez no ano transato ( de 30 de setembro a 24 de Outubro), a Requerente não procedeu à entrega do menor, como lhe era imposto.
Porque é prática reiterada da Requerente e, perante o estado do país, não é verosímil que haja qualquer decisão em tempo útil, por forma a que tal inibição se mantenha sine die,
E porque nos termos do disposto no:
Artigo 41.º Incumprimento
1- Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
Requer-se a Vª Ex.ª, D e A, a condenar a Requerente em Multa e Indemnização a favor do filho S…, bem como à entrega imediata do filho S… ao Requerido.”.
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Em 02-04-2020, PI… pronunciou-se sobre o referido requerimento, dizendo o seguinte:
“1. Os presentes autos encontram-se autuados como alteração ao exercício das responsabilidades parentais, suscitados pela mãe, e esse é o objecto do processo.
2. Logo, o requerimento apresentado nos autos por nele se pretender suscitar um incumprimento, deverá dos mesmos ser expurgado e, consequentemente, deverá ser apresentado em juízo por apenso aos autos principais de regulação.
3. Ainda assim, e sem conceder, sempre se dirá que o mesmo poderá, no limite, ser tido como mera comunicação de incidente a estes autos - e tão só -, pelo que nenhum pedido poderá ser objecto de decisão, sob pena de excesso de pronúncia por parte do Tribunal.
4. Aliás, não pode a requerente deixar de consignar que o fito do requerido é conduzi-la a situação de indigência: com custas atrás de custas pelos sucessivos processos; pela execução com penhora do seu salário (apenas da requerente) por dívida do condomínio da casa que foi morada de família (que o mesmo diz ocupar por lhe ter sido atribuído o seu uso); e, agora, com pedido de condenação em multa e indemnização!
5. Por outro lado e como já trouxe à colação, a requerente encontra-se grávida, gestação considerada de alto risco - o que já aqui documentou.
6. Toda a contingência do país, além desse circunstancialismo, impõe toda uma reserva, sua, do menor e do seu companheiro.
7. Acresce que, conforme sentença proferida nos autos crime de violência doméstica, nos quais o arguido foi condenado, o mesmo está proibido de contactos com a requerente, sendo que a regulação das responsabilidades parentais incumbem aos avós maternos (grupo de risco) que sejam eles a efectuar a entrega e recolha do neto.
8. Desta forma, não se mostram reunidas, por ora, as condições de exequibilidade da sentença de regulação das responsabilidades parentais.
9. Acresce ainda que, o S… foi sinalizado quer pela EMAT, quer pela CPCJ (entidade esta que já procurou por diversas vezes notificar o pai, mas sem sucesso).
10. Tais factos, presume, devem já ter sido trazidos a juízo e impõe-se deverão ser apreciados”.
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Em 30-03-2020, o Ministério Público apresentou o seguinte requerimento que, na sequência, de despacho proferido no apenso H em 02-04-2020 foi registado e autuado como processo de promoção e proteção, com natureza urgente, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, da LPCJP:
“1. Os pais do menor estão separados e foram reguladas as responsabilidades parentais no âmbito do Processo nº 3214/15.5T8BRR-D que correu termos neste 3º Juízo de família e menores do Barreiro.
2. Ficou determinado um sistema de residência alternada semanal, com pernoita da criança, à quarta-feira, em casa do progenitor a quem não se encontra confiado nessa semana.
3. O agregado familiar da progenitora é composto pelo companheiro e pelo menor S…, encontrando-se grávida de 17 semanas e de baixa médica devido a gravidez de risco.
4. O progenitor reside com a companheira, a filha SaC… e o S… na semana que lhe compete, encontrando-se igualmente de baixa médica devido a uma operação cirúrgica a que foi submetido.
5. No dia 16 de Março de 2020, o Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo sinalizou o S…, dando conta que o mesmo estivera presente no Serviço de Urgência daquele Hospital, no dia 12, levado pela mãe, e no dia 13 de Março de 2020, levado pela mãe e avó materna, por, alegadamente, ter sido vítima de abuso sexual por parte do progenitor.
6. O menor foi observado na Urgência Pediátrica, constando do relatório médico a informação de que existiam queixas de maus-tratos físicos por parte do pai, dado a criança apresentar hematomas no corpo quando regressa da casa deste, e de acordo com o verbalizado pelo S…, o pai “urina para cima do menor no banho e passa o pénis pelo seu corpo e por vezes sai uma gosma, para além de lhe introduzir os dedos no ânus, dando como desculpa que vai colocar pomada”.
7. Efectuada a observação clínica do ânus da criança, constatou-se a existência de um ligeiro eritema perianal, com vestígios de fezes, sem ferimentos ou fissuras visíveis, não tendo sido avaliado na urgência pelo médico de medicina legal por já terem decorrido mais de 24 horas desde o alegado episódio de manipulação.
8. De acordo com a informação do Agrupamento de Escolas dos Casquilhos onde o menor frequenta o ensino pré-escolar, o S… sempre foi uma criança assídua e pontual, apresentando-se limpo e com roupa adequada à época e apresentando um desenvolvimento global e aquisição de competências normais para a sua faixa etária.
9. Porém, o S…, a partir de determinada altura, começou a regredir nos seus comportamentos, evidenciando instabilidade, designadamente, nas idas à casa de banho, não sabendo esperar pela sua vez, querendo utilizar a sanita ao mesmo tempo que os colegas e criando situações desagradáveis, como urinar em cima das outras crianças.
10. Acresce que o S… começou a manifestar medo de ir à casa-de-banho, à área suja onde se encontram os cabides e à piscina, requerendo ainda a ajuda do adulto na hora da refeição, não conseguindo estar sentado de forma adequada, deitando-se no tapete ou sobre a mesa e revelando alguma alienação e apatia na realização das actividades.
11. A progenitora identificou outras alterações no comportamento do S…, como dificuldade em adormecer, episódios de enurese, recusa em ir à casa-de-banho e medo de dormir sozinho.
12. O S.. está inscrito na Unidade de Saúde de Santo André, apresentando o plano de vacinação actualizado, e tem sido acompanhado em consultas de Pediatria no Hospital dos Lusíadas com a Drª ML…, tendo beneficiado ainda de consultas de Psicologia no mesmo Hospital até Julho de 2019.
13. O progenitor mostrou-se surpreendido com as imputações que lhe são feitas referindo não ter detectado alterações de relevo no comportamento do menor e esclarecendo que o sistema de residência alternada nunca foi aceite pela progenitora que o impediu de ver o filho entre meados de Setembro e o dia 22 de Outubro de 2019.
14. Perante a factualidade acima descrita, é manifesto que o menor S… se encontra em manifesto perigo para a sua segurança, saúde, estabilidade emocional e integral desenvolvimento que urge remover mediante a tomada de medidas que garantam sua protecção.
Face ao exposto, requer-se a Vossa Excelência que:
1. Declare aberta a instrução do Processo de Promoção e Protecção relativamente ao menor SL…;
2. Designe dia para audição dos progenitores;
3. Solicite à EMAT a elaboração de relatório urgente sobre a situação do menor e seu agregado familiar;
4. Se determine, desde já, a aplicação ao menor de uma medida cautelar de apoio junto da mãe, pelo prazo de seis meses, em conformidade com o disposto nos artigos 35º nº 1 alínea a) e 37º, da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro (alterada pela Lei nº 31/2003 de 22/8 e pela Lei nº 142/2015 de 8/9), com vista a garantir, de imediato, a segurança do S… e até ao diagnóstico integral e rigoroso da situação e definição do seu projecto de vida”.
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Em 14-04-2020, no apenso H, na sequência das diligências realizadas, nos autos de promoção e proteção foi proferido o seguinte despacho:
“(…) Vem o Ministério Público requerer a aplicação cautelar de medida de promoção e protecção da criança SL… junto da mãe, pelo prazo de seis meses, “em conformidade com o disposto nos artigos 35° n° 1 alínea a) c 37°, 24 de 25 da Lei n° 147199, de 1 de Setembro (alterada pela Lei n° 31/2003 de 22/8 e pela Lei n° 142/2015 de 8/9), com vista a garantir, de imediato, a segurança do S… e até ao diagnóstico integral e rigoroso da situação e definição do seu projecto de vida”.
Sustenta a sua posição em duas ordens de razões:
a) “No dia 16 de Março de 2020, o Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo sinalizou o S…, dando conta que o mesmo estivera presente no Serviço de Urgência daquele Hospital, no dia 12, levado pela mãe, e no dia 13 de Março de 2020, levado pela mãe e avó materna, por, alegadamente, ter sido vítima de abuso sexual por parle do progenitor; O menor foi observado na Urgência Pediátrica, constando do relatório médico a informação de que existiam queixas de maus-tratos físicos por parte do pai, dado a criança apresentar hematomas no corpo quando regressa da casa deste, e de acordo com o verbalizado pelo S…, o pai “urina para cima do menor no banho e passa o pénis pelo seu corpo e por vezes sai uma gosma, para além de lhe introduzir os dedos no ânus, dando como desculpa que vai colocar pomada”. Efectuada a observação clínica do ânus da criança, constatou-se a existência de um ligeiro eritema perianal, com vestígios de fezes, sem ferimentos ou fissuras, não lendo sido avaliado na urgência peto médico de medicina legal já terem decorrido mais de 24 horas desde o alegado episódio de manipulação. ”
b) “De acordo com a informação do Agrupamento de Escolas dos Casquilhos onde o menor frequenta o ensino pré-escolar, o S… sempre foi uma criança assídua c pontuai, apresentando-se limpo e com roupa adequada à época e apresentando um desenvolvimento global e aquisição de competências normais para a sua faixa etária; Porém, o S…, a partir de determinada altura, começou a regredir nos seus comportamentos, evidenciando instabilidade, designadamente, nas idas à casa de banho, não sabendo esperar pela sua vez, querendo utilizar a sanita ao mesmo tempo que os colegas e criando situações desagradáveis, como urinar em cima das outras crianças; Acresce que o S… começou a manifestar medo de ir á casa-de-banho, á área suja onde se encontram os cabides e à piscina, requerendo ainda a ajuda do adulto na hora da refeição, não conseguindo estar sentado de forma adequada, deitando-se no tapete ou sobre a mesa e revelando alguma alienação e apatia na realização das actividades; A. progenitora identificou outras alterações no comportamento do S…, como dificuldade em adormecer, episódios de enurese, recusa cm ir á casa-de-banho e medo de dormir sozinho; O progenitor mostrou-se surpreendido com as imputações que lhe são feitas referindo não ter detectado alterações de relevo no comportamento do menor e esclarecendo que o sistema de residência alternada nunca foi aceite pela progenitora que o impediu de ver o filho entre meados de Setembro e o dia 22 de Outubro de 2019.”
Ou seja, temos duas situações motivadoras do perigo, por um lado, a possível existência de condutas sexualmente abusivas do pai perante a criança, por outro lado, a verificação de comportamentos desadequados da criança em ambiente escolar, que fazem suspeitar que a criança se encontra de alguma forma em sofrimento psicológico (evidenciado pela apatia, comportamentos de oposição e mesmo pautados por alguma violência relacional por vezes presenciados perante colegas e educadores).
A criança foi ouvida, com acompanhamento por técnico com formação na área da psicologia (artigo 84° da Lei número 147/99, de 1 de Setembro).
Até ao presente momento, não foi possível ouvir a médica pediatra subscritora do relatório junto aos autos.
Com interesse para a decisão a proferir, resultam provados com recurso aos elementos documentais presentes nestes autos, com recurso às informações prestadas cm sede de audição à criança já efectuada e com recurso às informações constantes dos autos em apenso, os seguintes factos:
1. SL…, nascido em …-8-2014, é filho de VP… e de PI….
2. Ambos os progenitores são funcionários judiciais, exercendo o pai funções como Oficial de justiça no Tribunal da Moita e a mãe como Técnica de Justiça neste Tribunal do Barreiro.
3. Os autos principais — processo tutelar cível para regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança - foram intentados pelo Ministério Público em 14-9-2015.
4. Desde o início da tramitação que se fez notar um grau invulgarmente elevado de conflito parental, com agressividade processual extrema por parte de ambos os progenitores, o que foi espelhado nos numerosos requerimentos apresentados nos autos, a suscitar as mais variadas questões, não raro, sem qualquer conexão com o objecto dos autos, o que motivou a que o tribunal tivesse que proferir despachos disciplinadores da marcha do processo.
5. Dos relatórios da audição técnica especializada (fls. 142 e ss.), resulta que a mãe declarou que não concordava com um regime de residência alternada, além do mais, porque receava que o pai apenas quisesse tal regime para não pagar alimentos, e entregar o filho ao cuidado dos avós.
6. O pai manifestou nos autos a sua opção por um regime de residência alternada, aceitando ainda assim pagar uma prestação de alimentos à criança, a receber pela mãe (requerimento de fixação de um regime provisório – fls. 315 e ss.).
7. O regime provisório veio a ser fixado em 7-7-2016 – fls. 315 e seguintes. E então, o tribunal fixou um regime mais em consonância com as pretensões da mãe, conferindo-lhe uma residência predominante, e com visitas ao pai em fins de semanas alternados.
8. Em Outubro desse mesmo ano, veio a mãe requerer que o pai fosse afastado do contacto do filho, sem aludir a qualquer abuso sexual — fls. 350-352. Requerimento este, indeferido pelo tribunal — fls. 368.
9. Aguardaram os autos resultados de perícias psicológicas entretanto ordenadas. No período que se seguiu foram numerosos os requerimentos apresentados suscitando incumprimentos, alterações, resolução de questões, todavia, sem nunca se aludir a qualquer abuso sexual (cfr. processado dos autos principais)
10. No relatório pericial psicológico referente à progenitora consta como resposta ao quesito 5º: “(...) o principal e único factor de risco para o S… parece ser a manifesta conflitualidade interparental e a incapacidade da figura materna para reconhecer a necessidade e o direito do seu filho em ter uma figura paterna, sendo que a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse o menos tempo possível com o pai, o que é explícito da problemática inerente a este processo judicial e do prejuízo psicológico que esta criança poderá vir a sofrer", (fls. 442 verso).
11. No relatório referente ao pai, nenhum fator negativo relevante para o exercício das responsabilidades parentais lhe é apontado — fls. 446-453.
12. Foram apresentadas reclamações contra os relatórios periciais, e pedidos e prestados esclarecimentos, mas não foi alterado o juízo inicialmente formulado— fls. 517-520.
13. Realizou-se a continuação da conferência de pais a que alude o artigo 39°, número 1 do regime jurídico anexo à Lei número 141/2015, de 8 de Setembro, em 22-1-2018, mostrando-se, mais uma vez, impossível o acordo.
14. Prosseguiram os autos a sua tramitação, apresentaram os progenitores alegações, arrolaram testemunhas, apresentaram outras provas, inclusive em sede de julgamento (fls. 906 e seguintes). Nunca acordaram no que quer que fosse.
15. Nas suas alegações, o progenitor pugna por um regime de residência progressivo: afim de permitir à progenitora “tratar-se” relativamente às dificuldades apontada aos relatórios periciais, a criança deveria viver consigo predominantemente durante um ano, sendo de seguida adoptado um regime de residência alternada igualitária.
16. Já a mãe vem alegar que o que o pai quer com a residência predominante é manter um ascendente sobre si, levantando a suspeita da separação não aceite. Apontava-lhe ainda insuficiências nas capacidades parentais.
17. Das informações que após foram recolhidas (designadamente através das informações a que alude o artigo 21°, al. d) do regime jurídico anexo á Lei número 141/2015, de 8 de Setembro) constata-se que o progenitor refez a sua vida conjugal e tem uma nova companheira.
18. Também resultava das referidas informações, que pelas cuidadoras externas da criança havia sido referido que a mesma se encontrava tão bem tratada quando estava só com a mãe (antes da instauração do regime provisório em 2016) como quando passou a estar com o pai em fins de semana alternados.
19. Das informações subsequentemente pedidas aos serviços de assessoria técnica ao tribunal (artigo 21° al. d) do regime jurídico anexo à Lei número 141/2015, de 8 de Setembro) resulta que ambos os progenitores dispunham de condições materiais para o bom exercício da parentalidade, c possuíam também competências parentais, sendo o elevado nível de conflitualidade apontado como factor detrimental a um bom exercício dessas funções.
20. Também aí é apontado o interesse mostrado pelo pai no acompanhamento escolar do filho, sublinhando-se que ambos os pais são preocupados, presentes e afectuosos. A criança falava afectuosamente do companheiro da mãe e da namorada do pai.
21. Como se retira de fls. 679, a mãe, perante a técnica que elaborou o relatório, veio posteriormente a reconhecer competências parentais ao pai, alterando a sua posição em sede de alegações (fls. 625°, artigo 11°).
22. Fez-se o julgamento, e o tribunal proferiu a decisão. Não se ignorou os sinais de alarme sobre a mãe, mas fez-se um juízo de prognose favorável no sentido de que a instauração de um regime que contemplasse tempos igualitários de residência iria permitir a todos uma evolução para fora da conflitualidade.
23. Considerou o tribunal que a mãe então não se constituía como figura de vinculação relativamente à criança (cfr. facto não provado na sentença, descrito sob a alínea d).
24. A mãe não se conformou. Recorreu para o tribunal superior, esgrimindo, além do mais, o argumento de que entretanto foi proferida decisão a condenar o pai pela prática de crimes de violência doméstica agravadas sobre si e sobre as pessoas dos filhos adotivos mais velhos. E pedindo a fixação de regime de residência predominante, com contactos quinzenais.
25. Nesses autos ficou então fixado o seguinte regime de exercício das responsabilidades parentais, por acórdão proferido em 16 de Maio de 2019, e já transitado em julgado:
a. 1º - O menor residirá com ambos os progenitores em semanas alternadas, iniciando-se a semana com um progenitor à segunda-feira, indo este buscar o menor à escola no final das actividades escolares do menor ou caso a escola esteja encerrada para férias ou interrupções escolares irá buscar o menor á residência dos avós maternos, neste caso até às 10 horas.
b. 2º - Na semana em que o menor está com um dos progenitores poderá conviver com o outro progenitor às quartas-feiras, jantando e pernoitando com o mesmo, indo busca-lo à escola no final das actividades lectivas ou à residência dos avós maternos em caso de interrupção lectiva às 18h00m, e entregando-o na quinta-feira, na escola, no início das actividades lectivas, ou na casa dos avós maternos até às 10h00m, em caso de interrupção lectiva.
c. 3º - O exercício das responsabilidades parentais referentes aos actos da vida corrente do menor será exercido pelo progenitor com quem o menor se encontrar a residir.
d. 4º - Quanto ao exercício das responsabilidades parentais no que tange às questões de particular importância para a vida do menor estas serão exercidas em comum por ambos os progenitores, através dos respectivos mandatários judiciais;
e. 5º - As férias escolares de Natal e Páscoa do menor serão repartidas de modo equitativo entre ambos os progenitores através dos respectivos mandatários judiciais, na falta de acordo vigorará o regime supra estabelecido quanto à residência do menor.
f. 6º - O dia de véspera de Natal (24 de Dezembro), o dia de Natal (25 de Dezembro), o dia 31 de Dezembro, o dia 01 de janeiro, a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa serão passados com ambos os progenitores de modo alternado.
g. 7º - A menor passará com cada um dos progenitores o dia de aniversário do respectivo progenitor, bem como passará o dia do pai com o pai e o dia da mãe com a mãe, sem prejuízo dos períodos escolares e de descanso do menor.
h. 8º - No dia de anos do menor um progenitor almoça e o outro janta com o menor alternando nos anos subsequentes e sempre que o menor não possa almoçar por força dos afazeres escolares, lanchará.
i. 9º - O menor passará quinze dias de férias de verão com cada um dos progenitores, a combinar entre ambos os progenitores, até final de Abril e, em caso de sobreposição, tal período será rateado.
j. 10º - Não havendo coincidência com outras datas aqui estabelecidas, o menor passará ainda os dias de aniversário com as pessoas com quem tenha relações afectivas profundas (avós paternos, avós maternos, irmã ou outros familiares), sem lugar a pernoita caso não seja a semana do progenitor respectivo.
k. 11º - As despesas médicas e medicamentosas e escolares do menor serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de 50% para cada progenitor a pagar no prazo de quinze dias após a apresentação do respectivo documento comprovativo emitido em nome da menor e com o respectivo número de contribuinte do menor e a pagar por transferência bancária.
l. 12° - No que tange à pensão de alimentos mensal não se fixa qualquer quantia a favor do menor, porquanto a alimentação (excepto almoço e lanche escolares que serão repartidos por ambos em partes iguais) e produtos de higiene diária serão suportados por cada um dos progenitores na semana que cabe a cada um e cada um dos progenitores terá na sua habitação vestuário e calçado, adquirido por cada um dos progenitores, para o menor usar na semana do respectivo progenitor.
26. Conforme resulta do acórdão proferido, o Tribunal da Relação de Lisboa levou em conta na decisão que proferiu, a condenação, ainda não transitada em julgado, do requerente, pela prática de um crime de violência doméstica agravada na pessoa da requerida e dois crimes de violência doméstica agravada na pessoa dos outros dois filhos do casal, Sa… e B…, ocorrida no âmbito do processo número …/…GASSB.
27. O Tribunal da Relação de Lisboa, porém, apontou que nenhum facto foi provado que traduzisse a prática de maus tratos sobre o S…. E adequou o regime fixado pela primeira instância para se coordenar com a pena acessória de proibição de contactos com a mãe aplicada ao pai (cfr. acórdão junto aos autos).
28. Passou o período estival do verão, e a progenitora decidiu que a partir de 30 de Setembro de 2019, o filho não mais contactasse fisicamente com o pai, nem lhe permitindo sequer ir à pré-escola.
29. Sustentava a sua posição (cfr. argumentação expendida no apenso D, c reproduzida no apenso E, em sede de conferencia de pais):
a. na condenação penal do pai posterior á sentença da primeira instancia pese embora a mesma tenha sido considerada pelo Tribunal da Relação de Lisboa na prolação da decisão final, transitada;
b. no facto de o menino (alegadamente) dizer que não quer ir para casa do pai, e verbalizar que não é para comentar o que se passa em casa do pai ou “descrever” episódios idênticos aos que se passaram com os irmãos e foram dados como provados no processo-crime;
c. no aparecimento de um vergão negro na perna direita da criança;
d. manifestação de “comportamentos desviantes aos padrões” na escola, sendo que “a própria educadora já alertou a mãe para o efeito”.
30. À data da realização da conferência de pais em sede do apenso K — incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais intentado pelo pai), em 22 de Outubro de 2019, a criança já não estava com o pai desde 30 de Setembro de 2019, todavia, foi possível obter transação e a progenitora passou, a partir dessa data, a cumprir o regime de contactos estabelecido.
31. Em 1 de Outubro de 2019, a progenitora havia intentado procedimento tutelar cível para alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais (apenso D) solicitando que desde. Ioga a. título provisório , fosse instituído, regime determinante de que o pai apenas estivesse com o filho em contactos supervisionados por terceiros. Embora refira como fundamentos para a sua pretensão os supra referenciados em 29., não alude a qualquer suspeita de abusos sexuais.
32. Nesses autos, foi proferido despacho, datado de 10 de Março de 2020, em que se negou provimento à pretensão à mãe no sentido precisamente de se alterar provisoriamente o regime de contactos em vigor (de residência alternada semanal) poise ter considerado que os comportamentos escolares em causa não eram ainda justificativos dessa alteração, mas tendo-se decidido ouvir a criança, a educadora da criança e assistente operacional de apoio à turma frequentada pela criança, e bem assim do/a psicólogo/a que seguia (ou segue) a criança.
33. No dia 12 de Março de 2020, a mãe dirigiu-se com a criança aos serviços de Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, tendo referido suspeita de maus tratos físicos à criança por parte do pai desde Outubro de 2019 (por apresentar hematomas no corpo quando vem de casa do pai) bem como queixas de que o pai urina para cima de si no banho e que passa o pénis pelo seu corpo. Referia também alterações do comportamento na escola, tais como micções no recreio e querer partilhar a sanita com os outros meninos porque “se os sujar não faz mal” (cfr. relatório médico junto a estes autos).
34. À observação destacava-se um bom estado geral, bons cuidados de higiene e comportamento adequado a idade, 1 equimose na face externa do braço direito, de cerca de 4mm de extensão e cm regressão, equimoses na face anterior da perna esquerda e eritema perianal, sendo visível pomada branca no ânus (que teria sido aplicada pelo pai no dia anterior). A criança não apresentava outras alterações ao exame objectivo. Foi contactada a Assistente Social que também avaliou a situação, tendo sido acordada a elaboração de relatório conjunto com a Pediatria para enviar para a CPCJ e Tribunal de Menores (cfr. relatório médico junto a estes autos).
35. No dia 13 de Março, a criança regressou à Urgência acompanhado pela avó c pela mãe, que referiram que na véspera, depois de ter estado na Urgência, o S… terá contado que o pai costuma levantar-lhe as pernas e introduzir-lhe os dedos no seu ânus (cfr. relatório médico junto a estes autos).
36. Consta igualmente de relatório junto aos autos, subscrito por médica pediatra (embora não assinado), a seguinte informação: “A. criança contou na minha presença que por vezes o pai introduz os dedos no seu ânus (referindo ser apenas os dedos), dando desculpa que vai colocar pomada. Confirmou também que o pai costuma esfregar o pénis pelo seu corpo e por vezes “sai uma gosma” (sic). Pareceu-me haver uma boa relação entre a avó e a mãe e a criança, tendo esta verbalizado que não gostava de estar em casa do pai (a quem se referiu sempre peio nome próprio) nem das brincadeiras que este tinha consigo (como cócegas e lutas). Foi repetida apenas observação do ânus, apresentando nesta data um ligeiro eritema perianal, com vestígios de fezes, sem ferimentos ou fissuras visíveis. Foi contactado o Médico de Medicina Legal de urgência, que referiu não existir indicação para avaliação em contexto de urgência, uma vez que o episódio de manipulação teria ocorrido há mais de 24 horas.”
37. Em Relatório elaborado pelo Agrupamento de escolas de Casquilhos, subscrito pela Educadora lF…, datado de 20/03/2020, constam, além do mais, as seguintes informações:
“(…) Ambos os progenitores são interessados e colaborativos na vida da escola. Participam nas solicitações feitas para a realização de atividades ou para o envio de materiais. Preocupam-se com o desenvolvimento e bem-estar da criança. Respondem presencialmente às convocatórias para as reuniões de Encarregados de educação. A mãe do S… é inclusive um dos elementos representante dos pais da saia. Tem sido um elemento muito presente e preocupada na resposta a algumas dificuldades económicas e sociais de outras crianças na sala.
No que se refere ao desenvolvimento global e a aquisição de competências, o S… durante estes três anos foi uma criança com um desenvolvimento adequado à sua faixa etária no âmbito dos domínios essenciais para a educação pré-escolar. Prova disso são todas as avaliações descritivas feitas trimestralmente c que o encarregado tem em seu poder.
Ao nível do comportamento e atitudes, foi notória uma grande evolução por parte do S…. Evidenciando-se por volta do 2.º período do anto transato, onde adquiriu uma grande maturidade na forma de estar e de se relacionar, tendo em conta a sua idade e contexto familiar que estava a viver. (Passar a regime de guarda partilhada).
No entanto, paralelamente a esta atitude mais assertiva há aturas em que o S… manifesta alguma instabilidade, fazendo regressões, como por exemplo:
»nas idas á casa de banho, não sabendo esperar pela sua vez, querendo utilizar a sanita ao mesmo tempo que os colegas, criando situações desagradáveis, como fazer xixi para cima dos outros;
»manifestação de medo em ir sozinho à casa de banho; à área suja onde se encontra os cabides; cm ir à piscina, solicitando a minha intervenção junto do pai para não ir ã actividade...
»à hora da refeição requerendo a ajuda do adulto para almoçar, sendo intransigente a qualquer tipo de negociação ou forma de dar a volta à situação.
»não conseguir estar sentado de forma adequada, cm Reunião de grande grupo deitando-se no tapete e em situação de atividade em mesa, deita-se sobre a mesa.
» Correr dentro da sala mesmo depois de ser chamado à atenção ara não o fazer.
» Mostrar dificuldade em se separar do familiar que o vem trazer à escola. Inicialmente verificava-se com os dois progenitores, agora habitualmente com a mãe e essencialmente à segunda-feira (quando se verifica a troca).
Neste período, o S… também tem mostrado algum desinteresse nas atividades desenvolvidas em sala, quer sejam atividades propostas pelo adulto, quer sejam no âmbito de algum projeto a decorrer em sala. Frequentemente deixa atividades por terminar e no período de execução tem momentos de alienação e apatia. Quanto a relatar informações ou vivências que experienciou, por vezes muito ricas (tive conhecimento através do feedback do pai ou da mãe) dificilmente partilha com os amigos e quando o faz não manifesta grande entusiasmo.
O s… é uma criança dócil e calma e convém salientar que estas situações em cima descritas não espelham o comportamento do S…, pois poderão acontecer em dois dias da semana e só voltar a acontecer na semana seguinte, sem que consiga identificar o porquê destes comportamentos.”
38. O pai decidiu de sua iniciativa não entregar a criança à mãe para jantar e pernoitar no dia 18 de Março de 2020, como deveria fazer nos termos do regime de contactos em vigor, alegando que o mesmo se encontrava com tosse, “parado e estranho”, tendo referido que iria ser compensada essa falta de pernoita, e tendo decidido, unilateralmente alterar o regime de contactos de forma a que não se contemplasse a pernoita que ocorre a meio da semana, por razões de protecção do menor e “das partes” (requerimentos juntos ao apenso D, ref. 35203918 e 35223488).
39. A mãe decidiu, unilateralmente, interromper o regime de contactos fixado, a partir de 30 de Março de 2020 (cfr. requerimentos juntos ao apenso D, ref. 35284859 e 35294934).
40. A criança foi ouvida cm tribunal, com acompanhamento por técnica com formação em psicologia designada pela EMAT (Ex.ma Sra. Dra. AL…). Dessa audição (registo integral em áudio), podem-se salientar, com relevância para a decisão a proferir nesta fase, os seguintes aspectos:
a. A criança mostrou-se com alguma agitação visível, mais evidente quando os temas de conversa se centram na figura paterna real (sendo que no seu imaginário, o companheiro da mãe é que é o seu verdadeiro pai), ainda assim, de modo geral, foi possível alcançar alguma descontração de sua parte no decurso da inquirição.
b. Logo no inicio da audição, e quando questionada sobre a sua composição familiar, referiu espontaneamente “Ele faz-me xixi para cima”;
c. Embora conseguisse com alguma precisão identificar as pessoas que residem em casa da mãe, referiu não se lembrar quando solicitada a fazer o mesmo relativamente às pessoas que vivem em casa do pai;
d. Referiu que joga regularmente jogos de consola - Microsoft Xbox - na casa da mãe, e por norma, com o companheiro desta (a quem se refere por “pai L…”), embora também o faça sozinha, tendo referido saber ligar tal aparelho. Também joga na casa do pai (aqui equipamento de Marca Sony modelo Playstation).
e. Na casa da mãe a criança referiu jogar jogos como o “Grand Theft Auto”, ao qual atribuiu o carácter de jogo de polícias e bandidos (o que não corresponde à realidade), “Fortnite”, e ainda outro cujo tema é o de corridas de automóveis em mundo aberto, que não soube identificar pelo nome, embora tenha esclarecido que o objectivo do jogo era competir em corridas para obter carros mais potentes. Estes momentos, segundo referiu, são passados na companhia do companheiro da mãe (conforme referiu, “E claro que jogo com o L…!”) que inclusive, teria ganho “uma corrida de um carro contra um avião”.
f. A criança referiu ainda adorar a personagem “Homem Aranha”, sendo que se mostrou em tribunal acompanhada por um boneco-miniatura de tal personagem.
g. Em casa do pai, a criança referiu jogar o “Buzz” e o Madagáscar”, na companhia da irmã Sa….
h. A criança referiu ainda “quando a Sa… e o B… (filhos adotivos do ex-casal) eram pequenos, o V… fazia mal a eles”; “O V… gritou com a minha mãe”; referindo-se a situações ocorridas quando tinha apenas um ano, “A avó R… (avó paterna) arranhou a minha mãe”; “a mãe pôs a gravar os gritos do V… com um telemóvel sem ele perceber e depois foi-se embora de casa”. E ainda “Depois eu nasci e fomos para uma casa, e depois cu nasci e mudei de casa”, “Não me lembro, foi a minha mãe que me disse”.
i. Questionada a criança sobre, a partir de determinado momento ter passado a viver semanalmente em casa do pai V…, a mesma exclamou “Não! Em casa do pai L…”. E esclarece, pouco depois, que chama o pai V… de pai ou de papá, mas só quando está com ele, porque o seu verdadeiro pai é o pai L…. Chamada a elaborar sobre essa resposta, refere que assim é porque a mãe casou primeiro com o pai L….
j. Quanto ao comportamento do pai biológico, a criança refere que ele está sempre irritado todos os dias, e “Diz que eu sou um papa-formigas”, adiantando também ser apelidado de “feio” e de “muitas outras coisas feias”, das quais refere não se lembrar.
k. Com a mãe, refere manter actividades como pintar, desenhar, e brincar com carrinhos.
l. Refere que o pai V… quase nunca está em casa. Refere ainda, após questionada, que tem medo do pai V…, que este lhe bata. “Ele bate-me, dá-me murros e pontapés”.
m. A criança referiu um jogo, a que chama “Jogo do Au”, que joga com o “pai V..”. “É bater e dar pontapés, quando magoa, eu digo Au e eu não gosto. Fico a sangrar – no joelho, na perna, na outra perna, nos braços, nas mãos, na cara, na barriguinha – Sai muito sangue”. Tal sucede “todos os dias”.
n. Questionada sobre se alguém já teve consigo uma conversa sobre partes do corpo que não se devem tocar, refere que sim, o pai. Mas não quer esclarecer sobre qual dos pais (sendo que no seu imaginário, tem dois).
o. Questionada sobre se há alguma coisa dolorosa que nos queira contar, para que possa ser ajudada, mostra-se evasiva, falando antes sobre personagens fictícias (Joker, Arlequina).
p. Refere “Todos os da casa do V… são maus, e os da casa da mãe são bons”.
q. Questionada sobre se esta afirmação tem algum relacionamento com a frase que havia dito inicialmente (“Ele faz-me xixi para cima”), refere “Isso não tem nada a ver”. Mas esclarece que “tem a ver com o pai e o banho também”. ”O pai V… toma banho comigo e quando ele toma banho comigo faz xixi para cima de mim”.
r. Questionada sobre se alguém mais cm casa do pai lhe fez mal, refere que a Sa… porque lhe tirou o comando da Playstation (a Sa… ficou aborrecida com essa situação). Todavia, gosta do cãozinho que lá está (o “Paxá).
s. Mais uma vez questionado o S… sobre se há alguma coisa mais que pai V… lhe faça que o deixe aborrecido, refere que ele grita consigo. Questionado sobre se o pai faz alguma coisa com outras partes do corpo que lhe desagradem, mostra-se evasivo, apenas referido que o pai o apelida de “porcalhão”.
t. Voltando-se ao tema do banho, refere “Eu tomo banho com ele no chuveiro ele manda xixi para cima”. Não consegue providenciar uma resposta sobre a frequência dessas situações.
u. A determinada altura parece referir a palavra “gosma”. Questionado sobre a que se refere, afirma que o pai “atira para cima dele”. “Isso é sempre — ele manda muita coisa para cima de mim e eu fico doente”. Refere que pai lhe “amanda” veneno para a barriga, e tenta “acertar-lhe”.
v. Ainda, a “gosma” a que se refere tem cor entre verde claro e verde escuro. Refere que esta provém de aranhas que o pai mata. A saliva das aranhas é a gosma.
w. Refere ainda “A pior coisa do mundo — ele anda com uma espada e uma lança atrás de mim — e é tudo verdade! (...)”
x. Explica ainda que o pai construiu dois “portais”, e tendo ele, S…, entrado num, “quase o matou”.
y. Ainda chamado a melhor contextualizar os episódios do banho, refere que o pai “se despe rápido”.
Nos termos do artigo 3º, número 1, da Lei de Protecção de Crianças e jovens em Perigo (Lei número 147/99 de 1 de Setembro), a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
No número 2 do preceito elencam-se, a título exemplificativo, algumas das situações que podem constituir perigo para a criança, consignando-se na alínea b) do preceito que tal situação se verifica quando a mesma “sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais”.
Temos assim que a intervenção só deverá ter lugar quando se verificar, em concreto, um perigo para a sua segurança, formação, educação e desenvolvimento do jovem, perigo este que resulta de acção e omissão, quer da criança ou jovem, quer dos seus pais. Não exige a lei a verificação de efetiva lesão da segurança, formação, educação e desenvolvimento do jovem, todavia, o perigo tem que ser actual, como decorre do disposto nos artigos 111° e 4°, al. e), da Lei número 147/99, de 1 de Setembro.
A finalidade da intervenção é o afastamento do perigo verificado, proporcionando-se A criança as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento - tal é o que decorre do artigo 34° do mesmo diploma.
Critério orientador de qualquer decisão referente à criança e objectivo a atingir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso, é o superior interesse da criança e do jovem, como preceitua o artigo 4°, alínea a), daquele diploma.
O interesse superior da criança é um dos princípios gerais da Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 (Resolução 44/25), assinada cm Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990, regularmente aprovada e ratificada, e publicada no Diário da República em 12 de Setembro de 1990, previsto no número 1 do seu artigo 3° e nos termos do qual “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Desta forma, tanto os pais, na sua especial responsabilidade de condução e educação da criança, como as instituições, ao assegurar a sua tutela, e ainda o Estado, ao adoptar as medidas tendentes a garantir o exercício dos direitos previstos pela Convenção Sobre os Direitos da Criança, devem prosseguir o objectivo da realização do superior interesse da criança.
De sublinhar que, o interesse superior da criança pode sobrepor-se à prioridade das relações pais-filhos, nos termos dos artigos 9º, números 1 e 3 e 20º, número 1, daquela convenção, devendo, por outro lado, os pais, na sua acção educativa e de desenvolvimento da criança, respeitar o interesse da criança, nos termos do seu artigo 18°, número 1.
Assenta a pretensão do Ministério Público, ao que se percebe, em dois indicadores de perigo, por um lado, a evidência determinados comportamentos por parte da criança em ambiente escolar e por outro lado, a verbalização por parte da mesma da existência de condutas de caráter sexual por parte do pai relativamente à sua pessoa.
No que toca aos comportamentos evidenciados em ambiente escolar, concorda-se que esta criança revela indicadores de que nem tudo está como seria desejável (salientando-se porém que a educadora, no relatório que elaborou, refere que “O S… é uma criança dócil e calma e convém salientar que estas situações em cima descritas não espelham o comportamento do S…, pois poderão acontecer em dois dias da semana e só voltar a acontecer na semana seguinte, sem que se consiga identificar o porquê de tais comportamentos”).
Crê-se ainda assim que não é possível, sem que se determine a origem, contexto e consequências de tais comportamentos para o desenvolvimento da criança, considerar que com base neles se pode concluir que a mesma esteja em situação de perigo, tal como a mesma é definida pela norma decorrente do artigo 3.º da Lei número 147/99, de 1 de Setembro.
De facto, e como refere a Ex.ma Sra Dra RA…, (psicóloga com amplo trabalho publicado na área da audição de crianças e perita forense pelo INLM), em parecer junto pelo pai em requerimento ref. 35329288, pronunciando-se sobre os comportamentos descritos, “A análise dos comportamentos mais regressivos descritos permite colocar a hipótese de baixa tolerância à frustração, alguma ansiedade, desafio e dependência face ao adulto. Não são comportamentos que possam indiciar que a criança possa estar a ser vitima de alguma forma de mau trato”.
Eram situações, aliás, já objecto de melhor apuramento no âmbito do apenso D.
Mas temos agora um elemento novo, i.e. a verbalização da criança perante médica pediatra (e em tribunal), de condutas de natureza sexual do pai perante si.
Em tribunal, a criança refere ainda outro tipo de condutas, que denotam eventual abuso psíquico (injúrias) e físico (agressões).
Há que aquiescer, porém que o seu relato não é coerente quanto à tipologia dos comportamentos relatados perante a médica psiquiatra e em tribunal, e nota-se claramente a ausência de separação clara entre a fantasia e a realidade, própria da sua idade (o pai é ficcionado na mente da criança como uma espécie de monstro de características sobrenaturais, que atira veneno que faz adoecer, cria portais mortais, e produz, diariamente, na criança, feridas sangrantes por todo o corpo).
Nota-se no sistema de crenças da criança uma clara diabolização quer do pai, quer da família paterna, e uma ideação favorável sobre o agregado familiar da mãe, sendo que atribui até ao companheiro desta a natureza de pai verdadeiro.
Não surpreende ainda, porque característico da idade, o achado também nesta criança de uma capacidade de mentir, de manipular, o que sucede perante a confissão espontânea sobre tratar o pai biológico por pai ou papá, mas apenas na frente deste.
A questão que logo surge é: toda esta ideação tem alguma raiz em comportamentos reais do pai, de natureza relacionada com os relatados pela criança à médica e em tribunal?
É questão que não é possível ao tribunal, nesta fase, responder.
O S… tem 5 anos. Segundo alguma da literatura facilmente acessível sobre audição de crianças em contexto de abuso sexual, sendo a idade pré-escolar uma idade comum para abuso físico e sexual, as crianças nesta fase tem vocabulário limitado c capacidade de serem testemunhas confiáveis, tendem a ser pensadores concretos, com um mundo egocêntrico e têm dificuldades com a conceptualização e com o pensamento abstrato. Durante uma entrevista, tendem a distrair-se facilmente e voltar á atividade física, proferindo frases como "não sei" ou "não me lembro". Tendem a contar pequenos trechos de seus abusos com o mínimo de detalhes, processos de pensamento desorganizados e fornecem detalhes relevantes e irrelevantes.
Tudo isso se verificou na audição do S…, pelo que se entende ser absolutamente necessária a realização de perícia psicológica à criança, com o fito de além do mais, aquilatar sobre a credibilidade do relato.
De facto, a criança foi ouvida, e reiterou a verbalização da ocorrência de condutas de natureza sexual por parte do pai.
Pode ser efabulação, ou mesmo resultado de instrumentalização, sendo a existência de memórias implantadas em crianças desta faixa etária achado muito frequente em situações como a presente, de elevado conflito parental, mas também pode não ser.
Não é possível para já afirmar com toda a certeza que a criança mente porque foi instrumentalizada pela mãe, embora a idade da mesma e o historial de conflitualidade intensa, conjugadas com a verificada utilização agressiva de estratégias processuais diversas por parte dos progenitores sejam precursores adequados de tal conclusão.
Impõe-se, como se referiu, a realização de perícia psicológica à criança, afim de, além do mais necessário ao diagnóstico desta situação, melhor aquilatar sobre a credibilidade do seu relato, o que se realizará enquanto diligência de instrução nesses autos de promoção e protecção. Seguindo-se assim também indicação dada em parecer junto aos autos da autoria da Ex.ma Sra. Dra. RA…, (perita forense pelo INLM), junto pelo pai em requerimento ref. 35329288, com a qual, ademais, se concorda,
E sobre a aplicação cautelar, nesta fase, de qualquer medida de promoção c protecção (artigo 37° da Lei número 147/99, de 1 de Setembro), conforme requerido pelo Ministério Público em sede de requerimento inicial?
Dispõe-se em tal preceito legal que a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.° 1 do artigo 35.°, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 92.°, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança c à definição do seu encaminhamento subsequente.
Tal aplicação terá que radicar na necessidade de fazer cessar a exposição da criança a um perigo para a sua segurança, física e psíquica, educação ou formação, enquanto se procede ao disgnóstico da situação da criança c se define a sua situação subsequente.
O perigo deve ser actual e eminente.
Vejamos.
Não se olvida que durante a longa vigência dos autos principais (regulação das responsabilidades parentais relativamente ao S…), que se iniciaram em 2015 e tendo apenas a decisão final sido proferida cm Maio de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (tendo sido fixada em termos definitivos a residência alternada do menor), nunca vieram aos autos quaisquer relatos de natureza sexual por parte do pai.
E por outro lado, em nenhuma das perícias já efetuadas ao progenitor foram detetados quaisquer indicadores de que este possua traços de personalidade que o levem a abusar sexualmente dos filhos, ou sequer que tenha características de personalidade que inviabilizem o exercício normal da parentalidade (e só assim se compreende que as instâncias de família e menores, primeira e segunda instância, tenham confiado a criança em residência alternada a ambos os pais).
Até à instauração deste processo, ao que se sabe, não foi pela criança verbalizado perante terceiros qualquer conduta por parte do pai do género das que agora relata.
E, nos autos principais, e no relatório psicológico referente à requerente é expressiva a resposta ao quesito 5°: “(...) o principal e único factor de risco para o S… parece ser a manifesta conflitualidade interparental e a incapacidade da figura materna para reconhecer a necessidade e o direito do sen filho em ter uma figura paterna, sendo que a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse o menos tempo possível com o pai, o que é explícito da problemática inerente a este processo judicia! e do prejuízo psicológico que esta criança poderá vir a sofrer” (fls. 442 verso).
Mas, também é inquestionável que a criança, após largos meses de convivência conjunta com ambos os progenitores, manifestou claro mau estar relativamente à figura paterna, e atenta a idade da criança e a natureza dos comportamentos imputados, em especial os de natureza sexual, não é por ora possível formular um juízo claro sobre se esse mau estar tem origem (pelo menos parcialmente) cm comportamentos do próprio do teor dos relatados ou se o comportamento da criança se deve exclusivamente a outro tipo de factores, designadamente, os apontados no relatório pericial supra mencionado.
Crê-se, então, estar verificado um perigo actual e eminente, cujas circunstâncias carecem de ser investigadas (diagnostico da situação).
Mas a medida não deve ser aplicada se não for adequada a remover o perigo, ou se causar mais danos que aqueles que visa evitar.
A aplicação cautelar da medida de apoio junto da mãe conforme requerido pelo Ministério Público em sede de requerimento inicial, determina o afastamento físico do pai.
A aplicação de tal tipo de medidas, como já referimos no despacho proferido no apenso D em 10 de Março de 2020, “quando infundadas, deixam marcas negativas indeléveis no relacionamento entre o progenitor “controlado” e a criança, e consequentemente, na psique desta a longo termo, e é difícil recuperar o relacionamento entre o progenitor e um filho, quando o mesmo se perdeu e o outro progenitor não é colaborante. Por vezes, pode mesmo ser impossível”.
Como factor de agravamento desses efeitos, a aplicação da medida neste momento implicará total afastamento físico do pai, pois como se refere no relatório que antecede, e foi prontamente comunicado a este tribunal, os diversos CAFAPS que dão apoio aos contactos familiares na área deste tribunal têm os seus serviços suspensos enquanto durar a pandemia por COVID-19, o que inviabilizará a realização de contactos acompanhados.
Qual o factor de decisão, então?
Por ora, e no que toca à aplicação cautelar da medida de promoção e protecção preconizada pelo Ministério Público, o tribunal utilizará o critério do menor prejuízo, posto que quer a aplicação, quer a não aplicação, poderão ser causadoras de prejuízo á criança.
Se se aplicar a medida, da mesma decorrerá uma interrupção de contactos presenciais com o pai, com todos os prejuízos inerentes à interrupção de um relacionamento, por ora, estável. Esses prejuízos são, todavia, minoráveis mediante o confinamento da interrupção (no caso de injustificada) ao mínimo tempo possível e também mediante a imposição de contactos via videoconferência (via Skype ou aplicação similar).
Por outro lado, e quanto ao imputado abuso sexual por parte do pai, a serem reais tais condutas, os danos psicológicos causados, a permitir-se o continuar das situações, serão de muito mais difícil recuperação, sendo esta, nalguns casos, impossível.
Tal leva-nos à conclusão de que, efetivamente, enquanto a situação da existência de condutas sexualmente abusivas do pai perante a criança não estiver esclarecida, é de aplicar a medida preconizada, considerando-se que os danos causados por esta medida à criança, se se vier a revelar injustificada, serão menos graves do que os causados pela continuação da exposição da criança a esse tipo de condutas, se elas realmente estiverem a acontecer.
Convém sublinhar por fim, que não pode o Tribunal ignorar os indícios de situações de perigo para o são desenvolvimento da criança, mesmo junto da mãe, materializado na relatada exposição da criança a videojogos de carácter extremamente violento (Grand Theft Auto, Fortnite e eventualmente outros, claramente desadequados para a sua idade e estágio de desenvolvimento, tendo sido já evidenciada pelo seu discurso a dificuldade que ainda tem de separar a realidade da fantasia) e bem assim exposição a outro tipo de violência psicológica materializada na desqualificação do pai e da família paterna por parte da mãe ou da família materna, com base em factos passados, reais ou fictícios, ou mesmo o fomentar ou simples permissão de substituição da figura paterna real por outra seleccionada pela mãe, situações estas que se impõe, durante a manutenção da medida, e mediante acompanhamento/investigação por parte da EMAT, serem melhor esclarecidas e eventualmente, colmatadas, pois para tal também serve a medida de apoio junto dos pais (cfr. artigo 39° da Lei número 147/99, de 1 de Setembro, na parte em que se menciona o apoio psicopedagógico).
E, pese embora a existência de tais indícios de perigo, a verdade é que por ora não se preconiza outra medida mais adequada a proteger a criança em face das múltiplas ameaças de que tem sido e continua a ser, alvo.
Em resumo e por tudo o que fica exposto, ao abrigo do previsto nos artigos 1º, 3º, números 1 e 2, alíneas b), 4º, alínea a), 34º, alíneas a) e b), 35º, número 1, alínea a), e 37º, todos da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, decide-se aplicar provisoriamente, pelo prazo máximo de seis meses, a favor de SL…, a medida de apoio junto da mãe, com quem passará a residir em exclusivo durante a duração da medida, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência, via Skype ou outro meio similar, a ocorrer em dias alternados e sempre entre as 18 horas e as 20 horas, com duração aconselhada de 30 minutos e mínima de 10 minutos, sendo ónus de ambos os progenitores criar as condições práticas para a realização de tais contactos.
Durante o cumprimento desta medida, os progenitores da criança conservarão o exercício do poder paternal em tudo o que com a mesma não se mostre inconciliável nos termos anteriormente fixados.
A medida ora decretada terá duração de seis meses – artigo 37.º do supra citado diploma.
Deverá, no prazo máximo de dois meses, ser remetido aos autos relatório tendente à apreciação do decurso da medida.
Notifique.
Pretende-se que a perícia a ordenar o seja tão rapidamente quanto possível, sendo que já há propostas de quesitos nos autos (por parte do Ministério Público e por parte do progenitor, através de parecer junto).
Todavia, entende-se (por ora) que só o deverá ser após ouvida a médica pediatra que elaborou o relatório junto aos autos, pois esta inquirição e os elementos que trará poderão revestir-se de relevância aquando da apreciação pericial.
Posto que se está a providenciar por tal inquirição, conforme despacho já proferido, disporão os progenitores e o Ministério Público de cinco dias adicionais para, querendo, sugerir novos quesitos, devendo nos requerimentos que apresentarem, e por razões sistemáticas, apresentar lista completa de todos os quesitos que entendam ser de levar à perícia (…)”.
*
Em 18-05-2020, no mesmo apenso H foi proferido o seguinte despacho:
“Comunicação ref. 26145621 e req. ref. 26182266: Nada mais a determinar por ora, mantendo-se o anteriormente decidido em despacho datado de 14/4/2020, sem prejuízo do que infra se acrescentará.
Comunicação ref. 26170848 e vista ref. 396150598: Vem a EMAT comunicar que, entretanto, se tornou possível a realização de convívios supervisionados entre a criança SL… e o seu pai.
A criança encontra-se, desde 14 de Abril de 2020, sujeita a medida de apoio junto da mãe, assente em verbalizações que conduziram a suspeitas da existência de condutas do pai que traduzem um perigo para a mesma, tendo-se na altura determinado que os contactos com o pai seriam efectuados por forma não presencial, em virtude da impossibilidade de realização dos mesmos de forma supervisionada, derivada da implementação de planos de contingência por parte das entidades que podem exercer tal supervisão.
Verificando-se agora possível essa realização, é de reatar o contacto pessoal da criança com o pai, por ora com supervisão, e na medida do razoável, tudo com vista a obviar aos efeitos negativos do afastamento e já mencionados em anteriores despachos (para os quais se remete).
Neste ensejo, parece adequada a forma promovida pelo Ministério Público na promoção que antecede.
Assim, determino o início imediato de contactos presenciais, supervisionados, entre o progenitor (e eventualmente, se tal for considerado favorável à criança pelos técnicos, outros familiares, designadamente os avós paternos, e a irmã) e o menor, com acompanhamento a efectuar pelo PEF da Fundação SR….
Tais contactos ocorrerão de preferência ao sábado (mas podendo ser consensualizada outra solução com os progenitores) e terão duração mínima de uma hora. Na falta de consenso, caberá a tal instituição ou à EMAT a fixação dos períodos concretos, com respeito ao aqui decidido.
Manter-se-ão os contactos entre o progenitor e o menor através de meios de comunicação à distância, nos termos anteriormente determinados (em dias alternados).
Notifique e demais d.n. (…)”.
*
Com data de 05-06-2020, o INML elaborou relatório de Perícia Médico-Legal em Psicologia – recebido em 15-06-2020 no apenso H - de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…).
1. INFORMAÇÃO
O Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz … solicitou a presente perícia psicológica, com os quesitos: “(…) 1. Avaliação do desenvolvimento global do menor nomeadamente a capacidade cognitiva (memória, noção espácio-temporal e se adquiriu já a distinção de conceitos como verdade/ mentira e realidade/fantasia, e suscetibilidade de fantasiar); 2. Avaliação da capacidade de preservação dos factos (compreender, avaliar e relatar) e capacidade de conservar memórias; 3. Avaliação da fauna, como a criança, se expressa, ou seja, tipo de vocabulário utilizado e se o mesmo é adequado para a sua faixa etária; 4. Avaliação do estado emocional da criança; 5. Tipo de vinculação que a criança apresenta no seu seio familiar, designadamente no que concerne à figura de cada um dos progenitores ou outros familiares; 6. Avaliação da forma como perceciona a relação com cada um dos seus progenitores, nomeadamente, o tipo de práticas educativas utilizadas e a expressão afetiva; 7. Avaliação sobre a forma de interpretação e vivência de eventual conflito parental/familiar; 8. Avaliação sobre se existe algum indicador de que a criança passa ter sido vítima ou estar a ser vítima de uma situação de abuso físico, psíquico ou sexual e, em caso afirmativo, especificar o relato da criança; 9. Caso a criança produza um relato espontâneo, avaliação sobre se o mesmo preenche os critérios que a melhor literatura relaciona com maior credibilidade do relato; 10. Relevância dos comportamentos descritos na informação escolar datada de 20 de Março de 2020 corno indicadores de uma situação de perigo para o desenvolvimento da criança; 11. Existem elementos que levem a poder-se concluir que a criança está ou foi sujeita a sindrome de Munchausen por procuração?; 12. A nível psicológico, a criança revela aversão ao contacto física, apatia ou avidez afetiva?; 13. Revela retardo psicomotor sem etiologia definida, com melhoria quando separado de algum dos progenitores? Se sim, qual?; 14. Apresenta transtornos do sono ou da alimentação?; 15. A criança revela condutas agressivas e de irritabilidade?; 16, Manifesta choro fácil sem motivo aparente?; 17. Revela comportamento depressivo, regressivo, autodestrutivo ou submisso? Quais?; 18. Desenha ou executa brincadeiras que sugerem violência?; 19. Em caso afirmativo: Quais? Que tipo de violência? Essa violência é assacável a algum dos progenitores ou outros familiares?"
2. ELEMENTOS EM QUE SE BASEIA O RELATÓRIO (…).
3. DADOS DOCUMENTAIS (…).
4. OBSERVAÇÃO E ENTREVISTA
4.1. Observação clinica
Observa-se no menor uma idade aparente coincidente com a real (5 anos e 9 meses). Após uma ligeira ansiedade de separação do adulto acompanhante (mãe), consegue estabelecer uma relação cooperante com o examinador, adotando um tom familiar e espontâneo no que se refere a assuntos neutros (assuntos que não a conflitualidade interparental, alegado abuso sexual e alegados maus-tratos). A atividade psicomotora é adequada, com vivacidade e curiosidade. O humor é alegre, com afetos congruentes, exceto quando se aborda a conflitualidade interparental, evidenciando sinais discretos de angústia. O discurso é fluente. O pensamento é criativo, por vezes confuso. O funcionamento cognitivo global é adequado à idade, com bom nível de linguagem, uso fácil do jogo simbólico, conhecimentos gerais e desenhos apropriados. Observa-se sugestionabilidade (propensão para ser influenciado por sugestões externas). O insight e o juízo critico são imaturos, como ocorre frequentemente nesta faixa etária.
4.2. Estrutura e dinâmicas familiares
Com o objetivo de estabelecer relação, foram colocadas ao menor perguntas sobre as suas brincadeiras preferidas e atividades quotidianas.
O menor refere que vive com a mãe, que se chama P…, e com "o pai” (padrasto). Perguntado o nome deste “pai” responde: “Deixa-me ver... L…. Mas já está tudo bem como meu pai”. Perguntando-se-lhe o que é que esteve mal, reage: “O quê?”. Numa linguagem acessível à compreensão do menor, é-lhe dito que ele próprio acabara de dizer que está tudo bem com o pai (padrasto), o que pressupõe que antes disso não estava bem, ao que responde: "Porque está tudo bem”.
Sobre o que mais gosta em casa, é que lhe façam “festinhas... e que não me deixam sozinho”.
Perguntado sobre outras pessoas da família, refere “o avô, outro avô, avó, outra avó”; informa que a mãe está grávida e que "o bebé vai-se chamar Diamantino”; quem faz as regras em casa são a mãe e “o pai” (padrasto); quando quebra as regras, fica de "castigo (…) não fazer as coisas e ir para a cama”.
Perguntado como se dão os pais entre si, fica uns momentos cm silêncio, posto o que diz: “Quando eu tinha 1 ano, acabei de nascer, há um pai que gritou muito com a minha mãe, e os pais dele fizeram mal à minha mãe”. Perguntado, refere que tal pai se chama V… (o progenitor). Sobre que mais fez este pai, refere: “Pediu para a mãe dele arranhar o pescoço da minha mãe... Isto é uma história que eu não sei o resto, vou perguntar à minha mãe”. Perguntando-se-lhe como sabe tais coisas, refere: “É fácil. A minha mãe é que me disse”. Sobre que mais faz o pai (V…), responde: “Não me lembro. Só sei que isso aconteceu há milhares de anos atrás! Acho que nem tu nasceste!”.
Perguntado há quanto tempo não vê o pai (V…), refere: “Há muito tempo. Ainda bem que sai daquela casa”. Perguntado porquê: “Porque é tão grande que eu até nem conseguia caber lá, e eles é que gostavam daquela casa, então ainda bem que saí de lá”.
Sobre o que mais pode dizer sobre o pai (V…), responde: "Sim, sim, sim! Algumas pessoas dizem, e eu estou a começar a acreditar, que ele também fez um pouquinho… não, muito mal”. Perguntado como, diz: “Já disse que ele é mau”. Perguntado, novamente, como é que ele é mau: “Bate à minha mãe…apertou o pescoço dela…, muitas coisas contra a minha mãe”. Sobre quem são essas pessoas que lhe dizem isto, refere: “Não sei quem são. Não as conheço”.
4.3. Relato dos factos segundo o menor
Aplicou-se o protocolo de entrevista estruturada NICHD (National Institute of Child Health and Human Development), desenvolvido por Michael Lamb e colaboradores, recomendado para entrevistadores forenses e com aceitação em vários países, que se baseia em questões preferencialmente abertas, a fim de reduzir o risco de contaminar o discurso da criança/vitima com sugestões e questões fechadas, as quais só são usadas, em fases posteriores da entrevista, quando não se recolhe a informação esperada, privilegiando-se assim a forma narrativa de um relato com o máximo de informações e o mais espontâneo possível.
O menor demonstra perceber a diferença entre afirmações verdadeiras e falsas.
Demonstra imaturidade na sua capacidade de memória livre e de relato de experiências vívidas, ao serem-lhe propostos temas neutros (por exemplo, o que fez no dia anterior; o que fez no dia da perícia até esta começar), sendo as suas respostas vagas, confusas, contraditórias (por exemplo, “0 meu pai (padrasto) acordou-me…por acaso foi a mãe…não, foi o pai...não me lembro”).
Colocando-se-lhe perguntas abertas e não sugestivas sobre o assunto em apreço (alegados abusos psicológicos, físicos e sexuais), o menor fica pensativo e perplexo e acaba por interpelar o entrevistador: “Mas tu não achas que já falámos muito?” Sendo-lhe perguntado o que quer dizer com isto, replica: “Mas tu sabes de alguma coisa?”
Avançando-se para perguntas fechadas, é relembrado ao menor o que ele próprio terá dito em ocasiões anteriores (Hospital; audição do menor em Tribunal), nomeadamente, que “alguém" fizera xixi em cima dele, não se dizendo que fora o progenitor; o menor replica: “O quê?” perguntando-se-lhe se se lembra, diz que sim; solicitando-se que diga como foi, responde: "Estou a ficar com sono...”.
É-lhe, então, reproduzida a sua própria declaração, segundo a qual o progenitor realizara aquele ato, ao que o menor reage: "Eu estava a tomar banho, ele veio para a banheira, fez xixi para cima e depois chamou-me nomes."Perguntado que nomes, responde: “Que nomes!? Já não me lembro. Só de um: ‘filhote feio’.”
Confrontado com a sua própria declaração anterior, segundo a qual o pai (V…) lhe passara a "pilinha” pelo seu corpo, o menor reage: “Nunca, mas... Acho que vou dormir nesta cadeira...".
Sendo-lhe lembrado que falara numa "gosma" o menor refere: “Saem das aranhas e de outros bichos, libélulas, morcegos...”.
Sobre a cor dessa substância, refere: “Verde. Mentira! A gosma verdadeira é verde com amarelo, de molho de tomate, tudo misturado faz um verde mesmo nojento! E já está, a cor da gosma..."
Estas frases são pronunciadas em tom de recitação de um conto infantil ou uma história de encantar.
Sendo-lhe então lembrado que ele dissera que o progenitor lhe mandava essa gosma para cima, o menor afirma: “Essa mesma gosma que estamos a falar." Perguntando-se-lhe como, o menor responde: “Como é que achas?”, não adiantando pormenores. Perguntando-se-lhe porque é que o pai o fazia, diz: “Porque sim.". Perguntado que partes do seu corpo eram atingidas por aquela gosma, refere: “Em quase todos os lados ”.
Perguntado sobre idas ao Hospital com a mãe, o menor refere que "só me lembro que tinha de usar óculos”.
Perguntado se a mãe ou o padrasto alguma vez lhe bateram, refere que "nunca"; se o progenitor alguma vez lhe bateu, responde que “sempre” perguntado como, responde: “Como é que achas?"; sendo-lhe dito para dizer, refere: “Tu sabes. Tu sabes como se bate”. Insistindo-se sobre como o progenitor lhe bateu, diz: "Essa é uma pergunta mais difícil”.
Sobre que coisas boas fazia com o pai, antes da suspensão dos convívios, refere: “Quase nenhuma”. Solicitando-se esclarecimento, refere: “Só me deixou jogar na Playstation uma vez”.
5. AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL (…).
6. INFORMAÇÃO COLATERAL (…).
7. DISCUSSÃO/CONCLUSÕES
7.1. Observa-se no menor, de 5 anos e 9 meses, capacidade para estabelecer uma relação cooperante com o examinador, adotando um tom espontâneo no que se refere a assuntos neutros. A atividade psicomotora é adequada, com vivacidade e curiosidade. O humor é, em geral, alegre, com afetos congruentes, exceto quando se aborda a conflitualidade interparental, evidenciando então sinais discretos de angústia. O discurso é fluente. O pensamento é criativo.
Segundo a nossa própria observação, as informações dos progenitores e os boletins pré-escolares constantes nos autos, o funcionamento cognitivo global do menor c adequado á idade, com bom nível de linguagem, uso fácil do jogo simbólico, conhecimentos gerais, desenhos apropriados, noção da diferença convencional entre afirmações verdadeiras e falsas, noções espado-temporais, sem perturbações de memória ou de atenção-concentração.
O juízo critico é imaturo, como ocorre frequentemente nesta faixa etária, o que o toma vulnerável a sugestionabilidade (caráter de quem sofre facilmente sugestões ou ideias e projetos de ação que lhe são propostos do exterior e que influenciam os seus sentimentos e conduta; propensão para ser influenciado por sugestões externas), registando-se ainda mistura de realidade e fantasia, estas duas dimensões não solidamente separadas.
Daqui resulta imaturidade na sua capacidade de compreensão, avaliação e relato de experiências vívidas (mesmo em relação a temas neutros, como, por exemplo, o que fez desde que acordou, no próprio dia da perícia, sendo as suas respostas confusas e contraditórias, dizendo: “O meu pai (padrasto) acordou-me... por acaso foi a mãe... não, foi o pai... não me lembro”), bem como tendência para fantasiar c descrever como reais conteúdos claramente fantasiosos e inverosímeis.
7.2. No que se refere a estrutura e dinâmicas familiares, o menor começa por descrever as pessoas do agregado materno, observando-se uma preocupação forçada em dizer bem do padrasto, que trata por “pai”; sem nada lhe ser perguntado sobre eventuais problemas, refere: “Mas já está tudo bem com o meu pai (padrasto)*; solicitado a esclarecer esta afirmação, diz apenas “Porque está tudo bem”.
Dada a já referida imaturidade da capacidade de relatar as suas vivências e experiências, o menor não descreve as dinâmicas familiares, respondendo apenas a perguntas diretas. Depreende-se, contudo, uma ligação afetiva à mãe e ao padrasto e uma adaptação funcional às rotinas e práticas educativas.
Os relatórios sociais e os boletins pré-escolares, constantes nos autos, referem competências parentais adequadas em ambos os progenitores, pressupondo-se assim adaptação funcional do menor às rotinas e práticas educativas cm ambos os agregados (materno e paterno).
Em relação ao progenitor, manifesta uma intenção estereotipada em descrevê-lo de modo negativo. Refere episódios de alegada violência física do pai contra a mãe, quando ele tinha 1 ano de idade, mas não se lembra, “é uma história que eu não sei o resto, vou perguntar á minha mãe (...) a minha mãe é que me disse” juntando de modo lúdico e fantasioso que “só sei que isso aconteceu há milhares de anos atrás! Acho que nem tu nasceste!” — tomando patente uma provável intervenção da mãe para manter na memória do menor motivos para este se indispor contra o pai.
É também de modo fantasioso que o menor justifica o não estar a conviver presentemente com o pai (suspensão dos convívios, há dois meses, no âmbito do presente processo), dizendo que não vê o pai “há muito tempo”, porque a casa deste é tão grande que eu até nem conseguia caber lá”.
Refere que “algumas pessoas dizem, e eu estou a começar a acreditar, que ele (o pai) também fez um pouquinho... não, muito mal (...) bate à minha mãe... apertou o pescoço dela... muitas coisas contra a minha mãe", não sabendo, contudo, identificar tais pessoas, “não sei quem são…, não as conheço”.
Este caráter forçado, estereotipado e inconsistente das declarações do menor, quando descreve negativamente o progenitor, e tendo em conta a imaturidade do seu juízo crítico e a sua sugestionabilidade, bem como o historial de indisposição e oposição da progenitora contra o progenitor, nomeadamente a oposição a uma residência partilhada, conforme relatado nos autos que nos foram enviados pelo TribunaJ, tornam muito provável uma influência manipulatória exercida pela progenitora para denegrir a imagem do pai e condicionar a relação pai-filho.
7.3. No desenho da família, que envolve uma projeção espontânea de conteúdos psíquicos, sem controlo pelo discurso consciente, manifestando indiretamente ligações afetivas e perceções sobre as figuras representadas, o menor ilustra um investimento afetivo ao agregado familiar paterno, o que contrasta com a entrevista, na qual descrevera de modo inteiramente negativo este agregado e de modo inteiraramente positivo o agregado materno.
7.4. Sobre o alegado abuso sexual e alegados maus tratos perpetrados pelo progenitor, foram colocadas ao menor perguntas abertas e não sugestivas, reagindo com perplexidade e interpelando o entrevistador: “Mas tu não achas que já falámos muito?” Sendo-lhe perguntado o que quer dizer com isto, replica: “Mas tu sofres de alguma coisa?” Nesta sequência, é visível na criança uma ansiedade ligeira e uma atitude de cautela, procurando certificar-se sobre o que é que o entrevistador já sabe – o que nos permite inferir que o menor aguarda perguntas fechadas e diretas, para se limitar a confirmar uma narrativa previamente ensaiada ou que lhe tenha sido incutida, e da qual não está seguro.
Avançando-se para perguntas fechadas, é relembrado ao menor aquilo que ele próprio disse no Hospital e na audição em Tribunal, que alguém fizera xixi em cima dele, não se lhe dizendo que fora o progenitor, ao que replica, perplexo: “O quê?”; perguntando-se-lhe se se lembra, diz que sim; solicitando-se que diga como foi, responde: “Estou a ficar com sono”- o que, aparentemente, envolve uma estratégia de evasão para se afastar de um assunto incómodo, do qual não tem qualquer recordação (por se ter esquecido dele ou porque ele nunca aconteceu), ou, ainda, que não sabe reproduzir por imaturidade.
É-lhe, então, reproduzida a sua própria declaração, segundo a qual o progenitor realizara aquele ato, ao que o menor reage: "Eu estava a tomar banho, ele veio para a banheira, fez xixi para cima e depois chamou-me nomes” Perguntado que nomes, responde: “Que nomes!? Já não me lembro. Só de um; ‘filhote feio”.”
Confrontado com a sua própria declaração feita no Hospital e na audiência em Tribunal, segundo a qual o pai (V…) lhe passara a “pilinha” pelo seu corpo, o menor reage: “Nunca, mas... Acho que vou dormir nesta cadeira..." - novamente procurando subtrair-se a questões que lhe são penosas, ou denotando não se recordar (por se ter esquecido ou porque o acontecimento aludido nunca aconteceu), ou ainda por não ter maturidade para relatar.
Sendo-lhe lembrado que falara numa “gosma” o menor refere: "Saem das aranhas e de outros bichos, libélulas, morcegos…”; a sua cor é “verde... mentira!... a gosma verdadeira é verde com amarelo, de molho de tomate, tudo misturado faz um verde mesmo nojento!... e já está, a cor da gosma...” - observando-se que, neste ponto, adota um tom de recitação de uma história de encantar, havendo, ainda, contradições quanto à cor e inverosimilhança quanto à sua produção.
Sendo-lhe lembrado que ele dissera que o progenitor lhe mandava essa gosma para cima, o menor confirma; perguntando-se-lhe como, responde: “Como é que achas!?", não adiantando pormenores. Perguntando-se-lhe porque é que o pai o fazia, diz: “Porque sim," Perguntado que partes do seu corpo eram atingidas por aquela gosma, refere: "Em quase lodos os lados".
Esta sequência ilustra uma atitude defensiva e justificações vagas que contribuem para a implausibilidade do que declara.
Perguntado se a mãe ou o padrasto alguma vez lhe bateram, refere que "nunca"; se o progenitor alguma vez lhe bateu, responde que "sempre"; perguntado como, responde: "Como é que achas?"; sendo-lhe dito para dizer, refere: "Tu sabes. Tu sabes como se bate.” Insistindo-se sobre como o progenitor lhe bateu, diz: "Essa é uma pergunta mais difícil”.
Novamente, esta sequência ilustra um estilo evasivo, vago, esquivo, de que resulta reforço da implausibilidade.
7.5. Dos registos áudio da audição do menor em Tribunal, destacamos:
- a não espontaneidade de um relato sobre abuso sexual e maus tratos, tendo as declarações do menor um caráter estereotipado, forçado e sugestionável;
- uma adesão passiva ao que lhe é contado pela progenitora, nomeadamente acerca de episódios de alegada violência paterna ocorridos quando o menor ainda não tinha nascido ou era muito pequeno;
-uma propensão para relatar peripécias fantasiosas e inverosímeis (a título de exemplo, o menor refere ter sido vítima de maus tratos físicos graves pelo progenitor, “murros e pontapés (...) todos os dias", que teriam provocado grande efusão de sangue, não havendo, contudo, qualquer base real assente em observações de familiares, educadoras do pré-escolar, clínicos);
- uma fórmula sintética fornecida pelo próprio menor, “Todos os da casa da V… são maus, e os da casa da mãe são bons", que envolve uma linguagem adultizada, incomum numa criança de 5 anos, indicando um pensamento estereotipado e rígido muito provavelmente induzido por alguém;
- uso de jogos violentos em casa da mãe e do padrasto, envolvendo destruição e mortes.
7.6. Para verificar a qualidade do relato ou declarações do menor, recorremos â Análise da Validade das Afirmações (State Validity Assessment ou SFA), método proposto por Undeutsch em 1983 e desde então aperfeiçoado e estudado por vários autores internacionais e aplicado no âmbito da Psicologia Forense. Este método engloba duas partes, os Critérios Baseados na Análise de Conteúdo (CBCA), que avalia o relato da alegada vítima, e a Lista de Verificação da Validade (VCL), que avalia as características da alegada vítima e de outros intervenientes na situação.
Observam-se, assim, fatores que diminuem a consistência, a plausibilidade e o realismo lógico das declarações do menor: juízo crítico imaturo e pensamento frequentemente incoerente e fantasioso; não fez um relato espontâneo, responde apenas a questões fechadas; elevada sugestionabilidade ou propensão para ser influenciado por sugestões externas, aproveitando as perguntas fechadas e diretas para anuir ao que nelas está implícito; há contradições internas que diminuem a coerência lógica; relato não detalhado, sem pormenores contextualizados que aumentem a compreensibilidade dos factos alegados; alegada revelação numa atmosfera sugestionável (feita à progenitora, ou no agregado familiar materno, em contexto de longa disputa ínterparental, persistindo na progenitora uma convicção sobre abuso sexual, o qual, na sua perspetiva, já teria sido praticado pelo progenitor do menor sobre os filhos adotivos, quando estes tinham a idade que o S… tem agora); divergência entre o conteúdo do relato e a expressão emocional concomitante (alegre, descontraído).
7.7. No que concerne ao estado emocional do menor, observamos que o seu humor ou estado anímico de base é, em geral, alegre, com afetos congruentes. O progenitor nega alterações psicopatológicas. A progenitora refere alterações semelhantes ás do relatório escolar datado de 20-03-2020. Este relatório regista uma evolução maturativa do menor, nos domínios da assertividade pessoal e relacionamento social, embora observe momentos de aparentes “regressões", com dependência do adulto, comportamentos desafiantes face aos adultos e competitivos face aos colegas, irrequietude motora, desinteresse por atividades, dificuldade de separação do adulto acompanhante, seja este a progenitora ou o progenitor.
Na nossa opinião, tais comportamentos disfuncionais são relativamente comuns nesta faixa etária, não se constituindo, por si sós, como indicadores de perigo para o desenvolvimento do menor. No que respeita a eventuais causas destes comportamentos, consideramos plausível que se inscrevam no contexto da conflitualidade interparental, em que tem relevo a oposição da progenitora ao regime da residência alternada e o levantamento de suspeitas, por parte da progenitora, de alegado abuso sexual e maus tratos realizados pelo progenitor, sendo, como acima referimos, observável uma angústia no menor associada a este fator de instabilidade na dinâmica familiar.
7.8. O progenitor nega qualquer forma de abuso sexual ou de maus tratos, refere que as declarações do menor a esse respeito foram incutidas pela progenitora e que esta tem como objetivo afastar o pai e o filho, tendo proporcionado ao menor uma figura parental, o padrasto, que o menor trata por pai; refere que a progenitora alegara suspeitas semelhantes em relação aos filhos mais velhos, adotivos, quando tinham a idade que o S… tem agora, originando um processo que foi arquivado ainda em fase de instrução. Refere que foi condenado a 5 anos de prisão, com pena suspensa, por violência doméstica sobre a progenitora e os filhos mais velhos, adotivos, embora negue ter praticado tal violência doméstica, e que a alegada campanha difamatória da progenitora contra ele se incrementou após ser estabelecida a residência alternada do S…, com a qual ela nunca concordou. Acha que a residência alternada poderia funcionar se a mãe não a obstaculizasse por princípio e constantemente. Fornece cópia de uma Ficha de Urgência do Centro Hospitalar do Barreiro/Montijo, datada de 25-05-2020, na qual consta que a progenitora, acompanhando o menor, aponta marcas de agressões na criança.
A progenitora do menor refere que o progenitor já tinha praticado atos abusivos semelhantes sobre os filhos mais velhos, adotivos, e foi condenado por violência doméstica a 5 anos de prisão com pena suspensa. Refere que em Setembro de 2019 observou no menor alterações no padrão de alimentação e de sono, com medo de dormir sozinho e recusas em ir para a casa do pai, pelo que incumpriu as entregas ao pai durante três semanas c retomou tais entregas por ordem do Tribunal. Refere que, em Março de 2020, o menor referiu factos mais graves do que os anteriores, nomeadamente, que o pai lhe tocava com a “pitinha" no corpo e “saía gosma”, pelo que o levou ao Hospital no dia 12-03-2020 e a médica observou que o menor tinha vestígios de pomada no rabo, sendo que o menor “disse que era a desculpa que o pai usava para lhe mexer no rabinho”. Perguntada se o menor usou esta mesma expressão (“a desculpa que o pai usava para lhe mexer no rabinho”), refere que “estas foram as palavras que eu usei mais tarde ao contar à minha mãe, as palavras exatas dele não sei dizer”.
Nesta sequência, destacamos uma tendência sugestionante na progenitora, ao atribuir à criança uma forma de expressão que, afinal, admite ser sua - o que, em articulação com a sugestionalidade da criança, tem o potencial de induzir declarações e relatos não espontâneos no menor.
A progenitora refere que fez queixa na PSP e interrompeu os convívios pai-filho, vindo o Tribunal a estabelecer contactos por videochamada e visitas supervisionadas no CAFAP, que começariam no dia seguinte ao da presente perícia.
Perguntada, acha que a residência alternada seria adequada se não existissem, problemas, acrescentando que “como lhe disse, ao início estava tudo bem” - sendo que, na verdade, a progenitora não nos dissera tal, mas baseara o seu relato na descrição do progenitor enquanto abusador e mal tratante. Refere que antes da residência alternada o menor estava bem, e que os alegados problemas e alterações do menor começaram após estabelecer-se a residência alternada.
Contudo, conforme se lê nos autos, a progenitora sempre se opôs a uma residência alternada, mesmo antes de esta ser estabelecida. A própria refere ter promovido sessões de Psicologia para o menor, em Janeiro de 2019, para- alegadamente ter um espaço de escuta e atenção a eventuais alterações futuras do menor - o que pressupõe uma predisposição para percecionar a residência alternada como causadora de mal-estar e sofrimento no menor.
Segundo a Ata de Declarações e Conclusões, de 14-04-2020, que nos foi enviada pelo Tribunal, as perícias psicológicas feitas a ambos os progenitores neste INMLCF, em 2017, destacaram como fator de risco para o menor “a conflitualidade interparental e a incapacidade da progenitora em reconhecer a necessidade e o direito do filho em ter uma figura paterna, sendo que a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse a menos tempo possível com o pai”.
7.9. Do cruzamento compreensivo de todos os elementos reunidos, destaca-se a não aceitação da progenitora face ao regime de residência alternada, a sua não preservação de uma relação estável pai-filho, o que constitui fator de risco para o saudável desenvolvimento do menor, e a influência sugestionante que a progenitora exerce sobre o menor, o que, associando-se à sugestionabilidade da criança, potência nesta relatos e declarações induzidos de fora sobre alegados abusos e maus-tratos realçados pelo progenitor. Daqui resulta um contágio mental, em que a mãe não separa os seus próprios pensamentos, perceções e necessidades emocionais dos do filho, projetando as suas emoções e influenciando deliberadamente a perceção que este faz do progenitor. Tal situação constitui uma forma de abuso emocional sobre o menor.
8. RESPOSTA A QUESITOS
“(…) 1. Avaliação do desenvolvimento global do menor, nomeadamente a capacidade cognitiva (memória, noção espácio-temporal e se adquiriu já a distinção de conceitos como verdade/mentira e realidade/fantasia, e suscetibilidade de fantasiar); 2. Avaliação da capacidade de preservação dos factos (compreender, avaliar e relatar) e capacidade de conservar memórias;
Veja-se parágrafo 7.1 da secção “Discussão/Conclusões”.
3. Avaliação da forma como a criança se expressa, ou seja, tipo de vocabulário utilizado e se o mesmo é adequado para a sua faixa etária;
Emprega, em geral, um vocabulário adequado à sua faixa etária, exceto quando se refere aos alegados abusos e maus tratos pelo progenitor, fazendo declarações com um caráter forçado, que culminam na expressão: "Todos os da casa do V… são maus, e os da casa da mãe são bons” - uma fórmula adultizada, incomum numa criança de 5 anos, indicando um pensamento estereotipado e rígido muito provavelmente induzido por alguém.
4. Avaliação do estado emocional da criança;
Veja-se parágrafo 7.7 da secção “Discussão/Conclusões".
5. Tipo de vinculação que a criança apresenta no seu seio familiar, designadamente no que concerne à figura de cada um dos progenitores ou outros familiares;
Numa dimensão livre da conflitualidade interparental e do contágio mental operado pela progenitora, o menor apresenta adaptação adequada a ambos os agregados (paterno e materno), com apego afetivo a ambos os progenitores.
6. Avaliação da forma como perceciona a relação com cada um dos seus progenitores, nomeadamente, o tipo de práticas educativas utilizadas e a expressão afetiva;
Veja-se parágrafo 7.2 da secção “Discussão/Conclusões”.
7. Avaliação sobre a forma de interpretação e vivência de eventual conflito parental/familiar;
O menor apresenta um juízo critico imaturo e sugestionabilidade, replicando a perspetiva da progenitora, num contexto de contágio mental e sugestionamento operados pela progenitora, vendo a mãe como inteiramente “boa" e o pai como inteiramente “mau”, uma classificação simplista e esquemática que, frequentemente, é indicador do referido sugestionamento. Tal situação provoca no menor uma angustia moderada,
8. Avaliação sobre se existe algum indicador de que a criança possa ter sido vítima ou estar a ser vítima de uma situação de abuso físico, psíquico ou sexual e, em caso afirmativo, especificar o relato da criança; 9, Caso a criança produza um relato espontâneo, avaliação sabre se O mesmo preenche as critérios que a melhor literatura relaciona com maior credibilidade do relato;
As declarações do menor apresentam reduzidos níveis de consistência, plausibilidade e realismo. Veja-se parágrafo 7.6 da secção “Discussão/Conclusões”.
10. Relevância dos comportamentos descritos na informação escolar datada de 20 de Março de 2020 como indicadores de uma situação de perigo para o desenvolvimento da criança;
Veja-se parágrafo 7.7 da secção “Discussão/Conclusões".
11. Existem elementos que levem a poder-se concluir que a criança está ou foi sujeita a síndrome de Munchausen por procuração?;
Não. A Síndrome de Munchausen por Procuração, ou, segundo a nova formulação proposta pela DSM-5, Perturbação Factícia Imposta no Outro, caracteriza-se pela falsificação de sinais e sintomas médicos ou psicológicos ou indução de lesão ou doença noutra pessoa, associada a uma fraude que se pode identificar, agindo-se sub-repticiamente para falsear, simular ou causar sinais ou sintomas de doença ou lesão na ausência de recompensas externas óbvias, sendo a situação típica a de uma mãe que provoca deliberadamente sinais ou marcas de doença no filho, o que constitui uma forma de abuso. Os benefícios procurados por este falseamento envolvem a necessidade de representar o papel de doente para receber atenção e cuidados dos profissionais de saúde, não havendo busca de ganhos ou incentivos externos. Ora, no caso vertente, tal não se verifica; como fundamentamos nos parágrafos 7.4, 7.5, 7.6, 7.8 e 7.9, a progenitora terá levado o menor ao Hospital duas vezes, em Março de 2020 (e, segundo o progenitor, uma terceira vez, já em Maio de 2020), alegando que este sofreu abuso sexual e maus tratos, não para obter atenção e cuidados médicos, mas, muito provavelmente, para obter um ganho externo, isto é, diminuir a presença do progenitor na vida do filho e fazer reverter a residência alternada do menor. Realce-se, contudo, que, a confirmar-se uma alegação deliberadamente falsa de abuso sexual e maus tratos sofridos pelo menor, tal constitui uma forma de abuso emocional sobre a criança.
12. A nível psicológico, a criança revela aversão ao contacto físico, apatia ou avidez afetiva?;
Não.
13. Revela retardo psicomotor sem etiologia definida, com melhoria quando separado de algum dos progenitores? Se sim, qual?;
Não.
14. Apresenta transtornos do sono ou da alimentação?;
Segundo a progenitora, sim: medo de dormir sozinho e exigência em que lhe deem de comer à boca, o que a progenitora associa com a frequência da casa do pai e a residência alternada. Segundo o relatório escolar de 20-03-2020, há ocasiões em que o menor exige a ajuda de um adulto para almoçar. Na nossa opinião, tal comportamento regressivo é relativamente comum nesta faixa etária, não sendo, por si só, indicador de que a criança esteja a ser vítima de abuso ou mau trato. À luz de todos os dados reunidos, em que ressalta como provável o contágio mental induzido pela progenitora para o menor descrever negativamente o progenitor, é mais verosímil que aquele comportamento regressivo se constitua como exigência de atenção do adulto e competição pelo afeto deste.
15. A criança revela condutas agressivas e de irritabilidade?;
Veja-se parágrafo 7.7 da secção “Discussão/Conclusões”.
16. Manifesta choro fácil sem motivo aparente?;
Não.
17. Revela comportamento depressivo, regressivo, autodestrutivo ou submisso? Quais?;
Alguns comportamentos regressivos pontuais. Veja-se parágrafo 7.7 da secção “Discussão/Conclusões”.
18. Desenha, ou executa brincadeiras que sugerem violência?;
19. Em caso afirmativo: Quais? Que tipo de violência? Essa violência é assacável a algum dos progenitores ou outros familiares?“
O progenitor refere que o menor tem, em casa da progenitora, acesso a brinquedos de cariz violento, referindo uma shotgun de brinquedo. No áudio da audiência do menor, este descreve jogos violentos a que tem acesso em casa da mãe e do padrasto, envolvendo destruição e mortes (…)”.
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Por requerimento de 23-06-2020, VP… requerer que “face aos maus tratos e abusos emocionais perpetrados pela progenitora sobre esta criança, deverá o SC… ser, de imediato entregue ao aqui requerido, sob pena de se comprometer irremediavelmente o seu saudável desenvolvimento, que atentos todos os elementos dos vários apensos dos autos principais, dúvidas não restam que o superior interesse desta criança está em risco”.
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Por requerimento de 26-06-2020, PI… solicitou esclarecimentos sobre a perícia do INML e requereu que “sem todos os elementos de prova requeridos e os determinados por V. Ex.§ no despacho de 23 de junho, não se proceda à alteração da medida cautelar determinada nos autos, porquanto de uma análise confrontativa dos diferentes relatórios já realizados, em vários momentos, as conclusões alcançadas não são coincidentes, não permitindo assim a este Douto Tribunal, no imediato, uma decisão diversa”.
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Em 01-07-2020 foi remetido pelo ISS ao apenso H relatório social atualizado elaborado pela Dra. AL… e relatório realizado pela Equipa do Ponto de Encontro Familiar, relativo a 3 momentos de convívio.
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Em 03-07-2020, conforme consta da respetiva ata, na impossibilidade de acordo sobre a aplicação de medida de promoção e proteção definitiva, teve lugar a prestação de declarações pelos progenitores da criança e a audição da Técnica da EMAT, Dra. AL… e nessa diligência foi proferido o seguinte despacho: “Considerando a proximidade da data de revisão da medida provisória em decurso, ficam as partes notificadas para se pronunciarem nos termos do disposto no art. 85.º da LPCJP, o que atendendo ao carácter urgente do processo deverão fazer de seguida, considerando o teor do relatório que antecede e do qual já têm conhecimento”, após o que, dada a palavra à Ilustre Mandatária do progenitor, a mesma pronunciou-se da seguinte forma:
“Requerimento da Ilustre Mandatária do Progenitor: Vem o requerido, no seu penúltimo requerimento e com base no relatório de peritagem elaborado pelo INML requerer a entrega do menor, seu filho, com os argumentos que aqui nos abstemos de indicar, mantendo na íntegra o pedido ali feito.
A requerente, veio a 26/6 exercer o contraditório relativamente ao requerimento supra indicado, indicando porém matéria que não havia sido alegada pelo requerido, o que lhe permite aqui exercer o contraditório quanto a essa mesma matéria.
Em 1° lugar, quanto à gravação feita pela requerente, em suposta conversa, que teve com a filha Sa… e não tendo esta autorizado, até porque nem parte é nos autos, nos termos do art° 26°, n° 1 da CRP a todos é reconhecido o direito à identidade pessoal e imagem, ã palavra, à reserva da vida privada, entre outros, culminando com a nulidade de todas as provas obtidas através de intromissão da vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art° 32°, n°8 da CRP),~ Assim, requer-se a não admissão da referida gravação bem como da junção dos documentos juntos pelo requerimento apresentado pela requerente que integrem este preceito legal.
Assim desde logo e reiteradamente a requerente insiste em trazer à colação o processo de violência doméstica que condenou o requerido e insiste mesmo quando o Tribunal da Relação ter dado como assente quer nos presentes autos quer no ali processo crime que esta criança nunca foi alvo de qualquer tipo de violência, aliás resulta da página 44 do referido acórdão junto a estes autos que esclareceu "nem consta nesse acórdão que algum tipo de violência física/psicológica tenha sido alguma vez infligida pelo arguido ao filho S… ou que haja perigo de tal suceder". Veio a requerente também com prints retirados da rede social Facebook supostamente de pessoas credenciadas na área da psicologia clínica que nada mais são que meras opiniões gerais que o subscritor retira de determinados assuntos e não, repito, não do caso em concreto dos autos o que irremediavelmente nem sequer pode ser aqui lido em conta. -
A requerente insiste no relatório social de avaliação da equipa de Reinserção Social junto ao processo crime n° … que inclusivé foi junto para análise dos peritos do INML aquando da realização do relatório e peritagem ao S…. Tal argumento não pode proceder porque desde logo quem redige esses relatórios sociais não são peritos mas Técnicos Superiores e por consequência nenhuma competência lhes poderá ser reconhecida no âmbito da presente perícia que foi feita. Aliás é do conhecimento oficioso que lais relatórios quando solicitados no âmbito de processos e que têm como objectivo avaliar tecnicamente o enquadramento sôcio-educativo/familiar e os elementos de caracterização pessoal com o objectivo de prevenir a reincidência criminal e promover a reinserção social só única e exclusivamente com base naquilo de que o arguido vem acusado, nada mais.
A própria requerente esclarece que "a carga que o seu passado representa não pode ser marginalizada”. Disse-o bem, do seu passado. Esta criança não sofreu qualquer tipo de mau trato ou abuso sexual. Esta criança motivada por mágoas e angústias mantém o propósito de querer incutir a este pai aqui requerido condutas que não são verdade prejudicando esta criança num verdadeiro acto de abuso emocional. Por último uma palavra quanto ao facto da requerente ter alegado que "porquanto duma análise comparativa dos diferentes relatórios já realizados as conclusões alcançadas não são coincidentes". Pois bem, o primeiro e único relatório feito aos progenitores no âmbito do processo principal já concluía na intenção/objectivo da requerente desta não reconhecer a figura paterna na vida desta criança bem como da sua importância para o seu desenvolvimento constando inclusive que tudo faria para afastar este pai do filho. Em suma, ambos os relatórios colidem no mesmo ponto. Quer o de 2017 quer o actual acabado de ser recepcionado nos presentes autos. Posto isto e porque esta criança se encontra em verdadeiro perigo no seu desenvolvimento emocional e social por ser vítima de graves abusos emocionais perpetados pela mãe não pode este tribunal com a sempre "sombra" da existência do processo de violência doméstica ignorar os elementos constantes nos autos e obrigatoriamente tem que tomar uma decisão que passará pela entrega desta criança ao pai sob pena de não se acautelar os superiores interesses desta criança, sonegando-se o que se pretende, a justiça e assim dando cumprimento ao art° 1906, n° 5 do Código Civil”.
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Após, na mesma diligência, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária da progenitora, no seu uso, a mesma requereu:
“Requerimento da Ilustre Mandatária da progenitora;
"A mãe dá por reproduzido o seu requerimento de 26 de Junho com os fundamentos aí explanados, recorrendo ainda à informação especializada junta no requerimento apresentado hoje dia 3, nomeadamente fazendo recurso das conclusões e considerações finais mencionadas nesse mesmo relatório, mencionar "que corre-se o risco de uma situação de perigo para a criança ser confundida com um conflito parental a resolver por medidas coercivas ou por conselhos moralistas aos pais. E ainda por referência ao facto de se referir a alienação parental sendo que relativamente a esta matéria tal fundamento não pode ser preponderante num contexto de violência doméstica. Não pode ser esquecido este contexto sobretudo porque a nível de avaliações médicas especializadas da área, o contexto de violência doméstica perpetua e isso de facto decorre dos estudos que vêm sendo realizados. Naturalmente que ponderando todos estes elementos de prova já constantes dos autos se reitera a posição assumida nesse mesmo requerimento e que vem ao encontro daquilo que é e que foi a proposta da EMA T e do próprio CAFAP”.
*
Em 08-07-2020 foi proferido, no apenso H, despacho judicial sobre a revisão da medida aplicada, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“Por decisão datada de 14 de Abril de 2020, a SL…, nascido em … de Agosto de 2014, foi, ao abrigo do previsto nos artigos 1.º, 3º, números 1 e 2, alíneas b), 4.º, alínea a), 34°, alíneas a) e b), 35°, número 1, alínea a), c 37°, todos da Lei n° 147/99, de 1 de Setembro, aplicada a título cautelar e provisório, pelo prazo máximo de seis meses, a favor de SL…, a medida de apoio junto dos pais - mãe, com quem passaria a residir em exclusivo durante a duração da medida, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência, via Skype ou outro meio similar.
Por despacho de 17 de Maio de 2020, decidiu-se alterar a forma de execução da medida, determinando-se o início imediato de contactos presenciais, supervisionados, entre o progenitor (e eventualmente, se tal fosse considerado favorável à criança pelos técnicos, outros familiares, designadamente os avós paternos, e a irmã) e o menor, com acompanhamento a efectuar pelo PEF da Fundação SR…. Tais contactos teriam a duração mínima de uma hora e ocorreriam uma vez por semana, mantendo-se os contactos por via não presencial (videochamada) em dias alternados.
A medida está prestes a atingir os três meses de duração desde o seu início, e por isso (além do mais) deve ser revista — artigo 37°, número 3, da Lei número 147/99, de 1 de Setembro.
A decisão de revisão determina a verificação das condições dc execução da medida e pode determinar, ainda, a cessação da medida, a sua substituição por outra mais adequada e a continuação da mesma (artigo 62°, números 1 e 3, do mesmo diploma).
O progenitor pugna pela substituição da medida por outra de apoio junto do pai, com imediata entrega ao requerido, por considerar que a criança é alvo de maus tratos e abusos emocionais perpetrados pela progenitora (rcq. ref. ,35858898 e req. presente em acta de 3-7-2020).
A progenitora pugna pela manutenção da medida, nos termos propostos pela KMAT (req. presente em acta de 3-7-2020).
Em relatório especificamente solicitado para efeitos de revisão de medida cautelar, relegou a JEMAT uma proposta de alteração da medida que se encontra em execução para momento posterior, em função da decisão que vier a ser proferida no âmbito do processo crime que corre termos contra o progenitor e, bem assim dos resultados que vierem a ser obtidos da observação da interacção pai-filho, da avaliação dos laços afectivos existentes e do estabelecimento de uma vinculação segura entre a criança e o pai. Neste sentido, propõe-se a manutenção da medida provisória em sede de revisão, pugnando pelo aumento dos contactos supervisionados de uma para três vezes por semana.
O Ministério Público, com vista nos autos, entende "ser de acolher nesta fase cautelar o teor do relatório apresentado pela EMAT enquanto se p/veede ao cabal apuramento da situação do menor e definição do encaminhamento subsequente (designadamente mediante avaliação dos laços afectivos existentes e do estabelecimento de uma vinculação segura entre a criança e o pai)” pronunciando-se pela manutenção da medida, com alargamento dos contactos para três vezes por semana - cfr. promoção que antecede.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos presentes autos já foi iniciada, mas ainda não finda a instrução.
E com base no que nela foi apurado, podem-se dar por provados todos os factos que foram descritos na decisão que aplicou a medida, e cuja descrição, por brevidade de exposição, se dá por reproduzida, e ainda os seguintes:
a) Foi realizada perícia médico-legal da especialidade de psicologia à criança, cujo relatório foi junto aos autos em 15 de Junho de 2020. De tal relatório contam, além do mais, as seguintes observações;
“7.6 (…)
7.7. (….)
7.9. (…).
b) Do relatório da EMAT junto aos autos em 1 de Julho de 2020, consta, além do mais o seguinte, a título de “Síntese/parecer”: (…).
A progenitora reclamou do relatório pericial, reclamação esta que como resulta do despacho supra, foi atendida, tendo sido pedidos esclarecimentos ao Sr. Perito, pelo que não se pode considerar o mesmo como a versão final da apreciação pericial.
Referiu-se na decisão em que se aplicou a medida, enquanto a situação da existência de condutas sexualmente abusivas do pai perante a criança não estiver esclarecida, é de aplicar a medida preconizada, considerando-se que os danos causados por esta medida à criança, se se vier a revelar injustificada, serão menos graves do que os causados pela continuação da exposição da criança a esse tipo de condutas, se elas realmente estiverem a acontecer. ”.
Entende-se que para que se possa considerar esclarecida tal situação, deve estar presente nos autos versão final do relatório da apreciação pericial.
Acresce nesta fase que, pese embora ainda em curso a pandemia de COVID-19, é possível já minorar os efeitos negativos decorrentes do afastamento físico do pai, efeito da aplicação da medida de apoio junto da mãe, pela introdução de contactos supervisionados pelo CAFAP PEF.
Ksta forma de execução da medida tem ainda a virtualidade de permitir avaliar, por especialistas, de uma forma continuada, e num período de tempo significativo, os laços de vinculação da criança ao pai e o tipo de interação que se estabelece entre ambos, e carrear para o processo elementos factuais sobre a origem do mal-estar da criança relativamente ao mesmo, já anteriormente notado no início deste processo, permitindo formular uma convicção cada vez mais sustentada sobre a sua origem.
E pois, de fomentar uma maior frequência deste tipo de contactos, quer como forma de manter o relacionamento entre a criança e a família paterna (recorda-se que foi, desde o início, permitida a participação de outros familiares, segundo o bom critério da EMAT e do CAFAP, o que se manterá), quer como forma de consolidar o conhecimento das dinâmicas relacionais da criança com os dois progenitores.
Não deixa de causar alguma perplexidade o facto de a EMAT, apesar de reconhecer uma situação de perigo da criança junto da progenitora, acabar por defender a manutenção da situação existente, com a predominância do tempo da criança junto da mãe. E fá-lo, por considerar não se encontrar ainda esclarecida sobre as situações que deram origem aos presentes autos (situações relatadas pela criança) e entender haver necessidade de observação da interação pai-filho, da avaliação dos laços afectivos existentes e do estabelecimento de uma vinculação segura entre a criança e o pai.
Concorda-se por ora com tal juízo (como o faz o Ministério Público), embora nos pressupostos de que:
a) o esclarecimento da situação que deu origem à aplicação da medida será feito em tempo compatível com a preservação do bem-estar da criança face às condutas da mãe que a própria EMAT reconhece existirem, o que não se compadece com a espera por uma decisão final do processo crime, excepto se a mesma for proferida a muito breve trecho, sendo que este tribunal valorará preferencialmente os elementos carreados para estes autos e respectivos apensos;
b) mostra-se deveras útil ao conhecimento sustentado das dinâmicas familiares, como já se apontou, a obtenção de dados por via dos contactos supervisionados;
c) o evoluir da situação será objeto da melhor atenção por parte da EMAT, que estará certamente atenta aos indicadores de perigo que aponta no seu relatório referentes ao abuso emocional que reconhece ser perpetrado pela mãe relativamente ao S…, e alertando de imediato caso se verifique uma deterioração significativa no relacionamento da criança com o pai ou família paterna, como se indicia ter acontecido entre a segunda e a terceira visitas (cfr. factos relatados no relatório que antecede), afim de se equacionar uma possível alteração ou cessação imediata da medida cautelar.
Outro elemento milita em favor da manutenção da medida: por seu intermédio, tem-se assegurado a manutenção do relacionamento entre a criança e o progenitor (anteriormente interrompido por mais que uma vez); esse relacionamento, ainda que com as óbvias condicionantes, pode ser reforçado por via do acompanhamento técnico prestado pelo CAFAP, e a cessação da medida neste momento, deixaria o relacionamento entre a criança e as famílias materna e paterna dependente do efectivo cumprimento (sem acompanhamento técnico) do regime de contactos definido pelo regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor. A aproximação do período de férias estivais e o historial de conflitos do casal parental na área dos contactos, conduz a que se considere haver significativa possibilidade de conflitos/incumprimentos, o que sem qualquer dúvida, seria nesta fase prejudicial â criança, pela instabilidade relacional que, uma vez mais, lhe traria.
Em suma, a decisão de 14 de Abril de 2020 fundou-se, como resulta da sua fundamentação, na constatação da existência de um perigo actual e eminente, e na necessidade de fazer cessar a exposição da criança a esse perigo, enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e se define a sua situação subsequente.
Por ainda estarem em curso diligências tendentes ao diagnóstico da situação da criança, não se pode considerar o mesmo completo. Ainda, como resulta do relatório da EMAT que antecede, essa definição ainda não está feita.
Mas como também se deixou exposto na decisão de aplicação da medida, o critério determinante para a aplicação foi o do menor prejuízo, pelo que, esclarecida a situação que deu origem aos presentes autos, e caso se permita concluir pela não verificação das condutas relatadas pela criança, e logo, ausência dessa fonte de perigo, será de equacionar como lógica a cessação da medida cautelar, sendo que como refere o Ministério Público, a presente medida provisória terminará por decurso do prazo de duração máxima, o mais tardar em 14 de Outubro de 2020, pelo que o projecto de vida da criança poderá vir a ser discutido nos apensos de alteração do exercício das responsabilidades parentais em curso (para tal mais vocacionados, já que os presentes se destinam a acautelar situações de perigo), e desde logo, como objecto de decisão provisória ao abrigo do disposto no artigo 28° do regime jurídico anexo á Lei número 141/2015, de 8 de Setembro (anotando-se existir já requerimento nesse sentido no apenso I).
Pelo exposto, tendo presente o interesse supremo desta criança, decido manter a medida de promoção e protecção aplicada, devendo o respectivo acompanhamento ter lugar nos termos já definidos (artigo 62°, números 1 e 3, al. c), da Lei número 147/99 de 1 de Setembro).
A medida executar-se-á com a existência de contactos presenciais, supervisionados, entre o progenitor (e eventualmente, se tal for considerado favorável à criança pelos técnicos, outros familiares, designadamente os avós paternos, e a irmã) e o menor, com acompanhamento a efectuar pelo PEF da Fundação SR….
Tais contactos ocorrerão três vezes por semana, em datas a consensualizar, podendo ser estendidos para quatro vezes por semana se tal for considerado favorável á criança pelos técnicos, e terão duração mínima de uma hora, e na data de aniversário da criança, duas horas. Na falta de consenso, caberá a tal instituição ou à EMAT a fixação dos períodos concretos, com respeito ao aqui decidido e a inviabilização dos contactos ou falta da criança, se não justificada nos três dias imediatos, deve ser comunicada aos autos para efeitos de se ponderar a imediata cessação ou alteração da medida cautelar.
Manter-se-ão os contactos entre o progenitor/família paterna e o menor através de meios de comunicação à distância, nos termos anteriormente determinados (em dias alternados, que não colidam com os contactos presenciais).
Ainda, deverá ser diligenciado pela EMAT no sentido de, quanto antes, ser proporcionado à progenitora apoio psicoterapêutico, conforme sugerido no relatório que antecede (fls. 445), podendo tal apoio ser estendido à criança e ao progenitor”.
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Por requerimentos de 05-08-2020 e de 10-08-2020 – entre outros – VP…, veio reiterar o pedido de alteração imediato da medida provisória em vigor, decidindo-se pela entrega do filho ao pai.
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Em 21-09-2020, no apenso H, autos de promoção e proteção foi proferido o seguinte despacho:
“Diligências instrutórias ainda por realizar (reqs. ref. 36001302, ref. 36019582 – Prova testemunhal):
Para inquirição das testemunhas, designo o dia 9 de Outubro de 2020, pelas 9.30 (testemunhas indicadas pelo pai) e pelas 13.40 (testemunhas indicadas pela mãe).
Notifique.
Reatamento de contactos (supervisionados) entre a criança e o pai e alteração da medida (provisória) de promoção e protecção em curso (reqs. ref. 36224108, 36245598, 26936472, 36308629, 36317464, 36419833):
Vem o progenitor suscitar a alteração da medida de promoção e protecção provisória em curso, pugnando que por intermédio da mesma, a criança passe a estar-lhe confiada.
A progenitora opõe-se.
Foi agora junto aos autos relatório oportunamente solicitado à EMAT com pronúncia sobre esta questão.
O Ministério Público em promoção que antecede, pugna pela manutenção da medida, com reatamento dos contactos, interrompidos desde 24 de Agosto de 2020.
Cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos relevantes para a decisão em causa, que se podem considerar provados com base nos elementos que, até à presente data, foram carreados para os autos, salientando-se que o presente juízo é efectuado de acordo com os elementos presentes neste momento nos autos (anotando-se que a instrução ainda não se encontra encerrada, e menos o debate judicial, se vier a existir), e apenas para efeitos de aferição do perigo actual a que a criança se encontra sujeita, e melhor forma e o colmatar:
1. Todos os factos que foram descritos na decisão que aplicou a medida em 14-4-2020, e cuja descrição, por brevidade de exposição, se dá por reproduzida.
2. Por decisão deste tribunal de 14-4-2020, foi aplicada, provisoriamente, pelo prazo máximo de seis meses, a favor do SL…, a medida de apoio junto da mãe, com quem passaria a residir em exclusivo durante a duração da medida, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência, via Skype ou outro meio similar, a ocorrer em dias alternados e sempre entre as 18 horas e as 20 horas, com duração aconselhada de 30 minutos e mínima de 10 minutos, sendo ónus de ambos os progenitores criar as condições práticas para a realização de tais contactos.
3. Foi realizada perícia médico-legal da especialidade de psicologia à criança, cujo relatório foi junto aos autos em 15 de Junho de 2020. De tal relatório contam, além do mais, as seguintes observações: “7.6 Para verificar a qualidade do relato ou declarações do menor, à Análise da Validade das Afirmações (Sale Validitg Assessment ou SUA), método proposto por Undeutsch em 1983 e desde então aperfeiçoado e estudado por vários autores internacionais e aplicado no åmbito da Psicologia Forense. Este método engoba duas partes, os Critérios Baseados na Análise de Conteúdo (CBCA), que avalia o relato da alegada vitima, e a Lista de Verificação da Validade (VCL), que avalia as características da alegada vítima e de outros intervenientes da situação.
Observam-se, assim, fatores que diminuem a consistência, a plausibilidade e o realismo lógico das declarações do menor: juízo imaturo e pensamento frequentemente incoerente e fantasioso; não faz um relato espontâneo, responde apenas a questões fechadas; elevada sugestionabilidade ou propensão para ser influenciado por sugestões externas, aproveitando as perguntas fechadas e diretas para anuir ao que nelas está implícito; há contradições internas que diminuem a coerência llógica; relato não detalhado, sem pormenores contextualizados que aumentem a compreensibilidade dos factos alegados; alegada revelação numa atmosfera sugestionável (feita à progenitora, ou no agregado familiar materno, em contexto de longa disputa interparental, persistindo na progenitora uma convicção sobre abuso sexual, o qual, na sua perspetiva, já teria sido praticado pelo progenitor do menor sobre os filhos adotivos, quando estes tinham a idade que o S… tem agora); divergência entre o conteúdo do relato e a expressão emocional concomitante (alegre, descontraído) (…)
7.7. No que concerne ao estado emocional do menor, observamos que o seu humor ou estado anímico de base é, em geral. alegre, com afetos congruentes. O progenitor nega alterações psicopatológicas. A progenitora refere alterações semelhantes às do relatório escolar datado de 20-03-2020. Este relatório regista uma evolução maturativa do menor, nos domínios da assertividade pessoal e relacionamento social, embora observe momentos de aparentes “regressões”, com dependência do adulto, comportamentos desafiantes face aos adultos e competitivos face aos colegas, irrequietude motora, desinteresse por actividades, dificuldade de separação do adulto acompanhante, seja este a progenitora ou o progenitor.
Na nossa opinião, tais comportamentos disfuncionais são relativamente comuns nesta faixa etária, não se constituindo, por si sós, como indicadores de perigo para o desenvolvimento do menor. No que respeita a eventuais causas destes comportamentos, consideramos plausível que se inscrevam no contexto da conflitualidade interparental, em que tem relevo a oposição da progenitora ao regime da residência alternada e o levantamento de suspeitas, por parte da progenitora, de alegado abuso sexual e maus tratos realizados pelo progenitor, sendo, como acima referimos. observável uma angústia no menor associada a este fator de instabilidade na dinâmica familiar. (…)
7.9 Do cruzamento compreensivo de todos os elementos reunidos, destaca-se a não aceitação da progenitora face ao regime de residência alternada, a sua não preservação de uma relação estável paifilho, o que constitui fator de risco para o saudável desenvolvimento do menor, e a influência sugestionante que a progenitora exerce sobre o menor, o que, associando-se à sugestionabilidade da criança, potencia nesta relatos e declarações induzidos de fora sobre alegados abusos e maus-tratos realizados pelo progenitor. Daqui resulta um contágio mental, em que a mãe não separa os seus próprios pensamentos, perceções e necessidades emocionais dos do filho, projetando as suas emoções e influenciando deliberadamente a perceção que este faz do progenitor. Tal situação constitui numa situação de abuso emocional sobre o menor.”
4. Foram suscitados esclarecimentos à perícia, e a medida subsistiu enquanto se aguardava por tais esclarecimentos (cfr. despacho de 8-7-2020).
5. Durante o decurso da medida foram implementados contactos presenciais supervisionados pela equipa técnica do PEF da Fundação de SM…, entre a criança e o pai e família paterna.
6. No decurso desses convívios verificou-se que o S… manifestava momentos de cumplicidade e diálogo com o pai, momentos onde era possível observar algum entusiasmo e a boa disposição da criança que alternavam com momentos de maior ambivalência, alguma agitação/ansiedade e resistência aos contactos físicos (evitando os momentos de abraço por parte do pai).
7. No que concerne à dinâmica relacional, a equipa observou que o S… muitas vezes tentava testar os limites do progenitor, recorrendo, por exemplo, à “batota” nos jogos. O pai, inicialmente, revelou alguma passividade mas, no decurso dos convívios, o S… também se revelou menos desafiador e mais disponível para a interação.
Também o progenitor se mostrou mais à vontade na imposição de limites com o decorrer dos convívios.
8. Estas mudanças determinaram o aumento do número de convívios para uma frequência semanal de 2 vezes, com a duração de 1 hora.
9. Nos convívios realizados nas datas de 9 e 14 de julho de 2020, observou-se uma maior inquietação e ansiedade por parte do S…, procurando testar os limites do pai. A criança verbalizou uma situação relacionada com um relógio, assunto que segundo opinião das técnicas, parece ter sido transmitido à criança por parte dos adultos cuidadores do agregado materno, que, aparentemente, não terão evitado comentar o assunto na presença da criança.
10. No convívio realizado no dia 14 de julho a criança tornou a expressar alguma agitação e evitar qualquer contacto com o pai. O progenitor procurou acalmar o S… evitando a criança qualquer contacto. Esta reação da criança motivou as técnicas a conversarem individualmente com o S… para o procurarem tranquilizar.
11. Nessa altura, o S… verbalizou aspetos negativos relativos ao pai, repetindo uma história que envolve a entrega de um relógio. A equipa ao tentar acalmar a criança percebeu que a criança tinha conhecimento sobre várias situações de alegados maus tratos do pai à mãe, verbalizando às técnicas que teve conhecimento das mesmas pela mãe, acrescentando ainda que a mãe não queria que ficasse nos convívios. Do que a Equipa conseguiu apurar junto da criança, não encontraram coerência para a narrativa do S… tão centrada nos adjetivos qualificativos que atribui ao pai “mentiroso” ou “mau”.
12. A equipa do PEF abordou com a mãe, na data de 15.07.2020, em relação às alterações de comportamento do S…. A mãe não encontrou uma justificação para as alterações observadas, embora referisse que o S… questionava porque tinha de ir aos convívios. Quanto a assuntos que a criança tem conhecimento que são do domínio das vivências do pai e da mãe, a progenitora referiu que não tem conversas com o filho sobre o que viveu com o pai, e que nem sempre os avós maternos têm esse cuidado, ocorrendo, na sua opinião, de forma não intencional.
13. Nesta data os convívios foram incrementados para 3 vezes por semana.
14. No convívio de 16 de julho, a criança mostrou-se mais tranquila na relação com o pai, embora continuasse a expressar evitamento ao contacto físico.
15. De uma forma geral, verificou-se que a dinâmica relacional observada entre a criança e o pai aparentava ser pautada pela ambivalência e alguma inconstância.
Observaram-se períodos de maior satisfação da criança, de cumplicidade e diálogo, diálogo que é sobretudo centrado nas atividades que eram desenvolvidas no momento. Em outros períodos, a criança parecia manifestar alguma resistência/evitamento a momentos de maior proximidade física/toque e de expressão afetiva (abraços) por parte do pai, sobretudo numa fase inicial e final dos convívios. Na presença da madrasta, estes gestos mais afetivos aparentaram ser mais espontâneos.
16. A dinâmica assentou, sobretudo, sobre o recurso a materiais lúdicos levados pelo pai para a sessão, ou brincadeiras já pensadas pelo pai, parecendo ser uma forma mais “controlada” e “planeada” de gerir a interação com o filho, o que poderá ter limitado uma postura mais espontânea por parte da criança.
17. O diálogo assentou, sobretudo, sobre as atividades que estavam a ser realizadas no momento, tentando o pai “agradar” ao S…, tolerando, inicialmente, com alguma passividade, alguns comportamentos mais desafiantes e provocadores por parte da criança. O progenitor tomou a iniciativa de, em vários convívios, falar sobre os avós, a irmã, apresentar vídeos e mensagens dos familiares, todavia, verificou-se que a criança, por vezes, evitou a conversa ou, por exemplo, recusou-se a participar numa mensagem de resposta.
18. Com a madrasta, o S… parece ter revelado um maior à vontade, observando-se gestos mais espontâneos e afetuosos.
19. No convívio de 30 de julho verificou-se a reação da criança de querer impor a sua vontade, decidindo pela brincadeira a realizar. Apesar de se verificar o cumprimento habitual ao pai, “mais cinco”, o contacto físico no início e no fim do convívio continuou a ser evitado, por parte da criança.
20. No convívio de 31 de julho verificou-se uma atitude mais desafiadora do S…, e uma postura mais exigente do pai.
21. No convívio de 4 de agosto, a criança mostrou-se mais agitada e permaneceu no sofá. Não respondeu ao pai quando este o questionou se gosta de estar na sua companhia, remetendo a resposta para a mãe. Neste convívio o S… mostrou-se mais agitado, “ansioso” e “zangado”, parecendo querer testar os limites do pai.
22. No convívio de 5 de agosto verificaram-se algumas situações de discórdia entre o pai e o filho, nomeadamente, com assuntos que dizem respeito a preferências clubísticas e ao pedido da criança para que escrevesse “S…”, como sendo o seu nome, situação que o pai recusou, justificando que apenas escreveria o seu nome correto “S…”.
23. No convívio de 11 de agosto o pai não valorizou o corte de cabelo do S…, situação que, aparentemente, pareceria ser importante para a criança, verificando-se, posteriormente, uma reação de “zanga” no comportamento do S…. Nesse convívio, o pai denotou uma maior impaciência em lidar com o evitamento da criança, em falar de assuntos sugeridos pelo pai, relativos aos familiares paternos. O progenitor assumiu uma postura de “exaltação” e decidiu terminar o convívio.
24. No convívio do dia 18 de agosto, com a presença da madrasta (D. A…), parece ter havido mais espaço para uma interação mais espontânea, tendo a companheira do pai conseguido desbloquear o constrangimento inicial expresso pelo S….
25. Nos convívios de 20 e 21 de agosto assistiu-se a dois convívios que decorreram de forma marcadamente positiva. A criança no dia 20 estava descontraída e tomou a iniciativa de chamar o pai e cumprimentá-lo. O S… esteve conversador, deu gargalhadas e tratou sempre o progenitor por pai. No dia 21 de agosto, igualmente, destacam-se aspetos positivos na interação, conforme descrito no relatório da equipa do PEF.
26. Nos convívios realizados nas datas de 14 e 20 de agosto verificou-se uma antecipação da presença do progenitor nas instalações do PEF, face à hora que estava prevista, tendo existido cruzamento com os membros do agregado materno.
27. Nos momentos de entrega do S… a mãe e o padrasto, mostraram-se, por norma, calmos e colaborantes.
28. No dia de aniversário da criança (24 de agosto), optou-se por se realizar um convívio mais alargado, a título excecional, a ocorrer no exterior das instalações do CAFAP SR…. A mãe entregou o S… à hora marcada tendo a criança aguardado pela chegada do pai. Estiveram presentes o pai, a madrasta, os avós paternos, os irmãos (Sa… e B…) e o cão da família. O S… foi de imediato ter com os elementos da família, mostrando-se carinhoso e abraçando-os. Estava visivelmente entusiasmado e feliz. O pai trouxe um bolo tendo sido cantado os parabéns à criança. Quanto ao presente de aniversário, o pai ofereceu-lhe um porta-moedas do Benfica, tendo a criança reagido com alguma “desilusão” referindo não ser do Benfica. A dinâmica e o diálogo centraram-se nas atividades e nos jogos realizados.
A técnica observou envolvimento e alguma cumplicidade, e o S… esteve, no geral, calmo e bem-disposto. No final do período de convívio, a criança revelou alguma “inquietação” e “ansiedade”, dirigindo-se para o local de entrega à mãe. O progenitor tentou dissuadi-lo, impondo-lhe alguns limites, encaminhando a criança para junto dos familiares para que deles se despedisse.
29. O pai questionou se o S… queria levar a prenda para casa ao que a criança respondeu que não, justificando que a mãe e o padrasto ficariam “chateados”, recusando despedir-se dos familiares paternos. O pai insistiu para que se despedisse dele, tendo a criança recusado.
30. O padrasto do S… dirigiu-se ao local de entrega da criança, à hora combinada, tendo a criança sido estregue a este. O pai continuou a insistir com o S… para que se despedisse de forma conveniente, insistência que continuou a não ser correspondida pela criança, que na companhia do padrasto se dirigiu para o carro de família, onde se encontrava a mãe.
31. Nessa sequência, o pai deslocou-se na direção do filho e do padrasto da criança, que já se encontravam a alguns metros de distância, iniciando-se um confronto físico entre o pai e o padrasto. Perante esta situação a técnica do CAFAP/PEF, efetuou de imediato o pedido de deslocação das autoridades ao local.
32. Com os ânimos exaltados houve troca de acusações verbais entre a mãe, o padrasto, o pai, os avós paternos e a filha Sa… e agressões físicas, entre o pai e o padrasto, que acabou por ser assistido no local pelo INEM. A determinada altura, o pai pontapeou o espelho retrovisor do carro de família da mãe, danificando o mesmo.
33. A Guarda Nacional Republicana deslocou-se ao local.
34. Toda esta situação foi presenciada pelo menor S…, que permaneceu dentro do carro de família da progenitora até à chegada da avó materna, que o retirou do local.
35. Atendendo aos factos ocorridos, e em particular, por ter considerado haver um incumprimento por parte do progenitor do Regulamento Interno do CAFAP/PEF da Fundação SR…, esta equipa informou o tribunal dos fatos ocorridos, e decidiu suspender os convívios, considerando não se encontrarem reunidas as condições necessárias para a continuidade dos mesmos.
36. Em esclarecimentos à perícia recebidos em tribunal em 24-8-2020 (ref. 26958934), o Sr. Perito confirmou na íntegra o teor do relatório anteriormente apresentado, e justificou cientificamente os métodos utilizados na realização da perícia.
37. Algumas das verbalizações descritas pela criança em Março de 2020 em que esta imputa ao pai os comportamentos descritos em 1. (por remissão) não têm correspondência com situações realmente ocorridas, isto é, não ocorreram episódios em que o pai tenha urinado para o corpo da criança (no banho ou em qualquer outro local), em que este lhe tenha introduzido os dedos no ânus para qualquer outro efeito que prestar-lhe cuidados próprios da idade, ou em que o tenha agredido fisicamente por qualquer forma.
38. Os convívios encontram-se suspensos tendo a Equipa do PEF/CAFAP SR… avaliado a situação em articulação com a técnica da EMAT, e apresentado um novo plano de convívios com o objectivo de reparar os danos emocionais sofridos pela criança e restabelecer os laços de confiança que estavam a ser construídos entre o pai e o filho, até à data do incidente.
A convicção do tribunal foi assente em todos os elementos constantes dos autos criticamente analisados, com base em regras de experiência comum.
Quanto à dinâmica dos contactos, foi dada credibilidade a todas as descrições feitas pelas técnicas que a eles assistiram, cuja isenção e objetividade não está posta em causa (não existindo nenhum elemento nos autos que permita ajuizar em contrário).
Centremos-mos num dos factos nucleares deste processo e que por isso merece especial atenção: o descrito sob o número 37.
Quanto ao mesmo, e como refere o Ministério Público, os elementos em presença nos autos são suficientes para que se formule uma convicção segura, sem prejuízo de se poder vir a considerar futuramente elementos diferentes carreados para o processo-crime.
E o que resulta até ao momento é que a criança apresentou um discurso fantasioso, sendo de notar que a primeira coisa que disse quando inquirida em tribunal, é “o pai faz-me xixi para cima”, o que denota desde logo que havia firmado como seu objectivo primário ao falar em tribunal fornecer tal informação.
Quando mais tarde instado o S… a desenvolver tais episódios, torna-se vago, e fantasia mais.
Tendo em conta a idade da criança (inerente pouca maturidade e propensão a fantasiar) optou-se por suscitar a análise pericial do seu discurso e atuação.
O juízo pericial é claro: tais factos provavelmente não aconteceram e a criança mostra sinais de ter sido sugestionada pela mãe ou família materna. O tribunal neste momento deve acolher esse juízo pericial, sendo que o parecer apresentado pela mãe não tem a virtualidade, também no entender do tribunal, e após os esclarecimentos apresentados pelo perito, de colocar em causa tal juízo.
O parecer apresentado pela mãe põe em causa o relatório pericial inicialmente apresentado em várias vertentes donde se destacam as principais: não terá sido levada em conta a anterior condenação do pai por factos conduzíveis a violência doméstica e os métodos usados pelo Sr. Perito não foram os adequados.
Ora quanto à primeira vertente, que já foi por várias vezes abordada nos apensos, é de salientar (mais uma vez) que a decisão de entrega da criança ao pai em residência alternada, foi validada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com conhecimento e consideração de tal condenação (cfr. acórdão proferido nos autos principais).
Quanto á segunda vertente, o Sr. Perito fundamentou tecnicamente as suas opções, em resposta aos esclarecimentos solicitados.
Entende-se ser de dar prevalência ao seu juízo técnico em detrimento dos juízos técnicos formulados no parecer junto pela mãe, pois o perito do tribunal é aquele que beneficia de melhores garantias de imparcialidade, sendo a sua idoneidade técnica certificada pelo instituto oficial em que presta funções (INML), isto, obviamente, sem colocar em causa a idoneidade técnica e pessoal dos técnicos subscritores do parecer apresentado pela mãe (sendo a sua opinião obviamente respeitada, mas não, nesta particular sede, acolhida).
E quanto a estes factos, a convicção do tribunal não assenta apenas no juízo pericial e no discurso da criança: é de importância fundamental a observação das interações da criança com o pai no decurso dos últimos meses de contactos supervisionados. De um modo geral, nota-se que a criança conseguia descontrair na presença do pai, sendo acometida de constrangimento e nervosismo no início dos períodos de visita e no final das mesmas.
Tais constrangimentos são compatíveis com os efeitos de um conflito de lealdade, que a criança desde sempre evidenciou e que também é referenciado na apreciação pericial.
De resto, foi a própria criança a verbalizar às técnicas que teve conhecimento das alegadas situações de maus tratos do pai à mãe por esta última, acrescentando que esta não queria que ficasse nos convívios, e não havendo coerência na narrativa da criança quanto à qualificação negativa do pai (cfr. facto supra descrito sob o número 11.), e quando questionada pelo pai sobre se gostava de estar na sua companhia, remete a resposta para a mãe (cfr. facto supra descrito sob o número 21.).
Indicia-se assim que esta criança avalia tudo o que faz sob a perspectiva do que considera que a mãe aprovaria, o que leva a concluir que a versões factuais sobre acontecimentos em que o pai participe se tenha que atribuir uma credibilidade condicionada.
Mas acima de tudo crê-se, neste momento, que se a criança tivesse realmente sido abusada e maltratada, não conseguiria alcançar o à vontade com o pai que por vezes conseguiu atingir no decurso dos contactos supervisionados.
Tais contactos, todavia, evidenciaram alguns aspectos a melhorar no relacionamento entre pai e filho: como se refere no relatório da EMAT que antecede “Parece importante que o progenitor se tivesse assumido mais “paciente” e “flexível” nestas situações, aceitando as reações da criança evitando pressioná-la ou insistir com algo que a mesma evitava no momento.”
E no decurso de tais contactos veio a verificar-se a ocorrência de uma situação negativa, de contornos graves, concretamente, o confronto físico e verbal das famílias materna e paterna, precisamente, no dia em que a criança perfez seis anos de idade.
Como refere a EMAT no relatório que antecede, o S… “foi sujeito a um episódio de violência extrema, no dia do seu aniversário”.
Na realidade concorda-se e corroboram-se (quase na íntegra), as conclusões vertidas no relatório que antecede, designadamente na seguinte parte (com sublinhados nossos):
“Da avaliação global dos convívios realizados, poder-se-á inferir que se estava a estabelecer uma relação de confiança e aproximação do S… ao pai, embora, com as oscilações descritas, que podem pressupor a vivencia de alguma ambivalência por parte do S….
A criança revelou preocupação com a reação da mãe e do padrasto aos momentos de convívio com o pai, situação que já tinha sido referida em relatórios anteriores, sendo necessário todo um trabalho assente na desconstrução de eventuais medos e crenças da criança e na construção de uma relação de maior confiança da criança com o pai, intervenção que se antevê longa no tempo e requer uma participação positiva e ativa de ambos os pais, centrada no superior interesse do filho. Uma intervenção psicoterapêutica com a criança será de todo benéfica para se harmonizar todo este processo.
Considera-se que no dia 24 de agosto ocorreram factos graves que colocaram o S… numa situação de desproteção e exposição a comportamentos que afetam a sua segurança e equilíbrio emocional, atendendo ao grau de violência a que a criança foi exposta e presenciou, envolvendo os vários familiares paternos e maternos, com particular agravante por terem ocorrido numa data para si significativa, o dia do seu aniversário.
Verifica-se que os adultos cuidadores não garantiram a devida segurança e proteção do S… expondo-a a uma situação de conflito e confronto extremo, o que pode pressupor uma intensificação do conflito parental existente e que já era referido na avaliação psicológica efetuada à criança em 2019.
Identifica-se, na atualidade, fatores de perigo para o bem-estar psíquico do S… que assentam, predominantemente no conflito inter-parental, tornando-se o S… um “instrumento”, utilizado por ambos, com a finalidade de destruir o outro, sem a devida perceção do impacto deste comportamento na realidade psicológica e emocional da criança e no assegurar do cumprimento dos seus direitos.
A dinâmica da relação da criança com o pai aparenta ser pautada pela ambivalência e por alguma insegurança na interação, oscilando o S…, entre momentos de aparente calma e tranquilidade, e de inquietação e ansiedade, com algum evitamento e resistência ao toque e ao contacto físico mais afetuoso.
O progenitor ao longo dos convívios manteve-se, regra geral, tolerante na resposta aos episódios de maior provocação e desafio protagonizados pelo S….
Considera-se, que o episódio vivenciado pela criança no dia do seu aniversário, poderá reforçar a ambivalência na relação com o pai, parecendo necessário que possam ser retomados os convívios com o progenitor, nos moldes acima descritos (páginas 9 e 10 do presente relatório) para que se possa avaliar o dano causado e restaurar a relação de maior proximidade e confiança que estava a ser construída.
Trata-se de uma situação familiar complexa, cujo conflito parental aparenta ter-se intensificado, nos meios e no nível de agressividade extrema com que se manifestou, com todas as consequências para o desenvolvimento psicoafectivo do S….
Propõe-se que os convívios no PEF sejam retomados, com a maior brevidade, nos moldes sugeridos e que os mesmos sejam alvo de avaliação no decorrer do período considerado (90 dias), pela equipa técnica do PEF.
Reforça-se a necessidade de serem trabalhadas competências parentais e familiares bem como a prevenção do conflito/violência junto do pai e da mãe, por equipa multidisciplinar especializada (Ex: CAFAP ou técnicas que trabalhão as “Constelações Familiares”) em articulação com a equipa do PEF SR…”.
É o superior interesse do S… que está em causa. Este, traduz-se no seu bemestar físico e psicológico.
Este bem-estar depende da pacificação da sua família pela diminuição do conflito, nas vertentes materna e paterna. É essa pacificação, por corresponder ao superior interesse da criança, que este tribunal sempre procurou e procurará fomentar.
Essa pacificação passará pelo trabalhar das competências parentais do pai e da mãe,
bem como a prevenção do conflito/violência junto do pai e da mãe, por equipa multidisciplinar especializada (que a EMAT indicará, aceitando-se sugestões por parte dos progenitores).
É, pois, necessária a continuação da medida, com vista a poder desde logo providenciar-se por apoio psicopedagógico a esta família.
E quanto ao modo de execução da medida, designadamente, quando ao tipo de contactos do S… com o pai/família paterna?
Este processo iniciou-se com a verbalização por parte do S…, de condutas extremamente graves por parte do pai. Estas condutas não corresponderão a actuações reais, como já neste despacho se demonstrou entender (com base nos elementos até agora presentes).
Mas evidenciam, pelo menos, que a criança está a manifestar exteriorizações derivadas a conflito de lealdade, sendo claramente conhecedora do antagonismo que a mãe e família materna nutrem pelo pai, sendo necessário, para preservar o seu bem-estar, “desconstruir os seus medos e eventuais crenças, e construir uma relação de maior confiança com o pai.” (cfr. relatório da EMAT que antecede).
Como também se refere no mesmo relatório, esta intervenção antevê-se longa no tempo e requer uma participação positiva e ativa de ambos os pais, centrada no superior interesse do filho, e uma intervenção psicoterapêutica com a criança será de todo benéfica para se harmonizar todo este processo.
De todo não se considera benéfico para a criança um reatamento imediato do relacionamento com o pai/família paterna da criança, sem qualquer supervisão, embora se equacione tal como objectivo futuro. Mas para isso, esta parte da família tem que se mostrar, aos olhos da criança, protetora, securizante, e merecedora de confiança, pois só esse estado de coisas permitirá que o tempo que virá a passar com ela lhe seja realmente benéfico.
Essa ligação, refira-se, já é evidenciada pelo à vontade que o S… mostrou nalguns convívios (não só perante o pai, mas também perante a madrasta, e os irmãos), mas como se refere no relatório que antecede, provavelmente sofreu um revés com os acontecimentos de 24 de Agosto de 2020, e carece de ser restaurada.
Assim, e tendo em conta tudo o que acima se consignou, entende-se não haver condições para neste momento se alterar a medida em curso e quanto ao seu modo de execução, e acolhe-se a proposta da EMAT e do Ministério Público, determinando-se o imediato reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos), a ocorrer nos seguintes moldes:
1. Os convívios passarão a ter uma periodicidade de 1 vez por semana, com a duração de 60 minutos (podendo ser alargado até 90m, consoante a avaliação das técnicas do PEF sobre a forma como os mesmos forem decorrendo), a decorrerem por um período de 90 dias, findo o qual, serão reavaliados pela equipa do PEF;
2. Realizar-se-ão a partir de duas entradas distintas no PEF, para que não haja qualquer possibilidade de cruzamento entre os pais;
3. Centrar-se-ão, exclusivamente, na relação criança-pai, restringindo-se a participação de outros familiares nos convívios, excepto juízo em contrário das técnicas responsáveis;
4. Decorrerão, exclusivamente, dentro das instalações do CAFAP;
5. Serão sempre acompanhados e supervisionados por duas técnicas, como condição essencial para a sua realização.
Quanto à advertência sugerida pelo CAFAP em relatório oportunamente junto aos autos, desde logo é de salientar que tal diligência não se encontra contemplada na lei, apenas se entendendo de frisar aos progenitores e todos os seus familiares que episódios de agressão física são evidentemente de evitar, não só na ausência da criança, mas acima de tudo em sua presença, e a ocorrência dos mesmos, pelos danos causados à criança e ao relacionamento pacífico entre as pessoas que são importantes para a mesma, acarreta disrupções relevantes na dinâmica familiar.
Os contactos deverão iniciar-se tão brevemente quanto possível, devendo ocorrer ainda antes de 23 do corrente se tal não causar prejuízo à criança.
Oficie de imediato à EMAT e ao CAFAP, devendo, conforme promovido, ser apresentado de relatório de acompanhamento de tais convívios decorrido um mês do seu início.
Req. ref. 36001302:
Como já se referiu em anteriores decisões, só devem ser abordadas nestes autos questões relacionadas com a protecção e bem-estar do menor, sendo as demais motivo potencial de distração e perda de foco naquilo que é o essencial.
A disparidade de permissões de acesso aos autos entre as ilustres mandatárias, que os autos de todo o modo não indiciam, devem ser pelas mesmas, se assim o entenderem de fazer, invocadas.
Ainda assim e para que não restem quaisquer dúvidas sobre a imparcialidade deste tribunal, determina-se se oficie o IGFEJ para que assegure que o acesso das ilustres mandatárias de ambos os progenitores aos autos através do sistema CITIUS/HABILUS seja feito em condições absolutamente idênticas.
No mais, e conforme promovido (398730815):
a) solicite, com nota de urgente, ao Inquérito número …/…T9BRR informação actualizada quanto ao respectivo estado e a remessa de certidão de despacho final, caso já proferido;
b) comunique aos intervenientes a posição do Ministério Público e advertência constante do último parágrafo.
Notifique (quando aplicável) e demais D.N.”.
*
Não se conformando com a referida decisão, dela apela o requerido, pugnando pela revogação da decisão provisória que “estipulou o reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos)” e “que seja decidido pela entrega do filho SC… ao aqui Recorrente” tendo formulado as seguintes conclusões:
“46. Vem o Recorrente, aqui progenitor, recorrer do despacho que fixou provisoriamente o que aqui se transcreve: ”(…) Assim, e tendo em conta tudo o que acima se consignou, entende-se não haver condições para neste momento se alterar a medida em curso e quanto ao seu modo de execução, e acolhe-se a proposta da EMAT e do Ministério Público, determinando-se o imediato reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos), a ocorrer nos seguintes moldes:
1. Os convívios passarão a ter uma periodicidade de 1 vez por semana, com a duração de 60 minutos (podendo ser alargado até 90m, consoante a avaliação das técnicas do PEF sobre a forma como os mesmos forem decorrendo), a decorrerem por um período de 90 dias, findo o qual, serão reavaliados pela equipa do PEF;
2. Realizar-se-ão a partir de duas entradas distintas no PEF, para que não haja qualquer possibilidade de cruzamento entre os pais;
3. Centrar-se-ão, exclusivamente, na relação criança-pai, restringindo-se a participação de outros familiares nos convívios, excepto juízo em contrário das técnicas responsáveis;
4. Decorrerão, exclusivamente, dentro das instalações do CAFAP;
5. Serão sempre acompanhados e supervisionados por duas técnicas, como condição essencial para a sua realização.(…)”
47. Desde 16 de maio de 2019 que este Tribunal da Relação, decidiu, por meio de acórdão, no sentido da guarda partilhada do menor SC…,
48. Nunca a progenitora esteve de acordo com tal decisão transitada em julgado.
49. Aliás, das perícias feitas no âmbito dos autos principais a ambos os progenitores junto do IML, matéria de igual modo fixada quer na Sentença da 1ª instância, quer no Tribunal da Relação por meio de Acórdão, consta que: “(…)Efectivamente, a característica mais preocupante do funcionamento psicológico da requerida no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais do filho, reside essencialmente na sua incapacidade para reconhecer a necessidade e o direito do seu filho em ter uma figura paterna, sendo que, a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse o menos tempo possível com o pai.(…)”
50. Consta do apenso E dos autos principais, que o aqui Recorrente esteve entre 30 de Setembro de 2019 e 23 de Outubro de 2019, sem ver/estar e privar com o filho de ambos, por iniciativa unilateral da progenitora, facto esse que só cessou com o pedido do aqui Recorrente, ao tribunal, para que aquela fosse obrigada a cumprir o Acordão que impunha a guarda partilhada.
51. Eis que, uma falsa denúncia feita pela progenitora do menor SC…, a 12 de março de 2020, deu origem aos presentes autos de promoção e protecção. Aliás,
52. No dia 12 e 13 de março de 2020, a progenitora levou o menor às urgências do Hospital do Barreiro, para que o menor fosse visto, sob o pretexto de que o menor S… teria sido vítima de abusos sexuais e de maus tratos praticados por parte do aqui Recorrente Pai.
53. Nesse dia 12 de março de 2020, a progenitora apresentou denúncia na polícia contra o Recorrente, pelo crime de abuso sexual e de maus tratos ao filho de ambos, SC…a.
54. No dia 16 de março de 2020, a progenitora entregou o menor ao aqui recorrente, uma vez que seria a semana do progenitor passar com o filho S… essa semana.
55. Desde o dia 23 de março de 2020, não mais o Recorrente pode estar livremente com o seu filho e vice versa, no exercício pleno das suas responsabilidades parentais.
56. De imediato a esta criança e pai, aqui recorrente, foi-lhes vedado estarem juntos, como “ medida provisória” decretada pelo Sr Dr Juiz a quo.
57. A extremo e muito custo, o recorrente anuiu, pois em face de tal denúncia gravosa, o mais importante era clarificar nos presentes autos, com técnicos, médicos e peritos, que tal nunca tinha acontecido.
58. A 27 de Abril de 2020 foram as médicas que assistiram o menor S… a 12 e 13 de março de 2020, convocadas para inquirição pois tinham sido quem assistiu o S… nos episódios de urgência, as quais relataram como tudo aconteceu, a destacar :
A médica FR…: "Observou o menor S… no passado dia 13-03-2020, ao início da tarde, quando o mesmo foi levado à urgência pela progenitora e pela avó materna.
O S… não verbalizou nada mais além do que já havia sido versado pela avó. No entanto, houve uma afirmação em concreto que foi apenas proferida pelo menor.
Chamou-lhe a atenção o facto do menor se referir ao progenitor pelo nome próprio e não por "pai". FR…s referiu que enquanto tentava ouvir a criança, a avó, que esteve sempre presente, dirigindo-se à mesma, proferiu as seguintes expressões “conta lá tu” e “conta tudo o que o pai fez”, entre outras do mesmo género.
Ainda, a avó, em frente à criança, verbalizou: a) Que já tinham estado na urgência no dia anterior; b) Que a criança se queixava que o pai fazia xixi para cima dela; c) Que já tinham feito queixa e nada tinha sido feito; d) Que o pai biológico havia sido condenado pela prática de crime de violência doméstica.
Médica: PC… Observou o menor S… em conjunto com a Drª. FR… no dia 13-03-2020, mas só na fase inicial pois, no decurso da observação do menor, retirou-se do gabinete para contactar os técnicos da medicina legal.
Do que observou, causou-lhe estranheza o facto do menor se referir ao progenitor como "V…" e não como "pai".( Ata de 27.04.2020 Refª 395844239)
59. A criança SC… foi também ouvido no tribunal família e menores do Barreiro, tendo relatado ser agredida pelo pai (de forma, pelo menos, exagerada), e que este, no banho, lhe urinava para cima, entre outras condutas de contornos menos claros (melhor referenciadas em despacho datado de 14/4/2020). ( Refª 395855984)
60. Da audição, resultou que a idade da criança (5 anos) e a sua natural propensão para efabular, factores estes aliados a uma situação de intenso conflito parental relativamente à residência da criança, levaram a que não se podia, naquela fase, formular sem melhor apreciação técnica (pericial) um juízo definitivo sobre a existência de uma situação de perigo com base nestas verbalizações/condutas, sendo que se decidiu, nessa fase, por cautela, interromper os contactos presenciais da criança com o pai.
61. Paralelamente, o aqui Recorrente contratou técnica especializada, como consultora externa para proceder à avaliação das declarações prestadas pelo menor, a Drª RA…, cujo seu parecer técnico juntou aos autos, e no qual se destaca a inexistência do que vinha o Recorrente “denunciado”. ( exposto nas motivações supra)
62. Foi então também ordenada pelo Sr Dr Juiz a quo, a realização de avaliação psicológica à criança S…, para uma melhor compreensão da sua narrativa e funcionamento psicológico, o que se faz, ao abrigo do disposto no artigo 87º da Lei número 147/99, de 1 de Setembro.( Refª 395855984)
63. Foram, entretanto, mandados elaborar relatórios sociais e periciais.
64. Diversos e extensos relatórios, pareceres técnicos bem como resultou da prova testemunhal já realizada nos presentes autos, tal nunca sucedeu, ou seja, este PAI não abusou sexualmente nem mal tratou o filho SL….
65. Aliás, o próprio IML (relatório e esclarecimentos) ,o parecer da consultora externa SRª Drª RA…, os relatórios do CAFAP e EMAT, são unânimes: “(…) Esta criança é alvo efectivamente de abuso emocional, onde sobressai o contágio mental em que a mãe não separa os seus próprios pensamentos, percepções e necessidades emocionais do filho, projectando as suas emoções e influenciando deliberadamente a percepção que a criança faz do progenitor, constituindo-se uma forma de abuso emocional sobre o S…,(…)” conforme resulta do relatório pericial realizado pelo IML constante dos autos.
66. Dos relatórios da audição técnica especializada (fls. 142 e ss.), resulta que a mãe declarou que não concordava com um regime de residência alternada, além do mais, porque receava que o pai apenas quisesse tal regime para não pagar alimentos, e entregar o filho ao cuidado dos avós, facto esse descabido pois os avós paternos têm a sua residência em Lisboa.
67. Tal como é descabido o facto da progenitora alegar que a vontade deste pai é escapulir-se ao pagamento de pensão de alimentos, quando é aquela que não paga pensão de alimentos há quase Um ano, à filha SaC… que vive com o Pai, aqui Recorrente!, tendo inclusive vindo com um pedido de cessação de pensão de alimentos contra a própria filha, nos autos nº …/…T8BRR, que correm ainda no Juízo de Família e Menores do Barreiro – Juiz …!!
68. Aliás, dos relatórios periciais levados a cabo pelo IML a ambos os progenitores nos autos principais, já resultava que : “(…)Efectivamente, a característica mais preocupante do funcionamento psicológico da requerida no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais do filho, reside essencialmente na sua incapacidade para reconhecer a necessidade e o direito do seu filho em ter uma figura paterna, sendo que, a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse o menos tempo possível com o pai.(…)”
69. E acrescenta: “(…) Tal característica da progenitora é já patente nos factos dados como provados em 20) e 21), referentes ao baptismo do menor sem que o requerido pudesse assistir ao mesmo, por a requerida não lhe ter comunicado a hora em que o evento se realizou, alegando temer a sua presença, e a tomada de decisões referentes ao percurso escolar do menor S… sem auscultar a opinião do requerido.
Ora, demonstrando a requerida propensão para não fomentar e até obstaculizar a promoção de relações habituais do filho com o pai, critério que a lei aponta como importante na fixação da residência dos menores, conforme artigo 1906º nº. 5 do Código Civil, facilmente se vislumbra que, através do aumento dos períodos de estadia do menor S… no agregado familiar do pai, será possível mitigar essa propensão da requerida, fomentando-se a relação pai/filho e diminuindo-se o ascendente que a progenitora pudesse vir a ter junto do filho e colocando ambos os progenitores em relação de igualdade relativamente ao filho.(…)”
70. Entretanto, o actual companheiro da progenitora do menor, despoletou um incidente no aniversário do menor, no passado dia 24 de agosto de 2020, enquanto Recorrente e sua família festejavam na companhia da criança SC…, dando origem a que as visitas entre pai e filho cessassem por completo a pedido do CAFAP.
71. A questão que subjaz e que tem de ter resposta é: Face a todos os elementos constantes nos presentes autos, porque razão se mantém as visitas supervisionadas?
72. Porque razão não é dado a este pai o DIREITO de estar com o seu filho?
73. Quando efectivamente e, mais uma vez todos os relatórios juntos, vão no sentido que esta criança está a ser sugestionada/ alienada por uma mãe que não aceita que o S… tenha um Pai e que tem o DIREITO a crescer com ele(?)
74. Onde reside o superior interesse desta criança? Que se vê constrangida em ver e estar com o pai, impondo-se visitas supervionadas!?
75. Desde que os presentes autos deram início, várias foram as queixas de violência doméstica apresentadas pela requerente que, possível e estrategicamente vê nelas a possibilidade de inibir o contacto do progenitor com o seu filho.
76. Urge tomar medidas de protecção a esta criança, e face a tudo, a solução passa por aplicação de medida de acompanhamento psicológico junto desta mãe e, resultante do supra exposto, a entrega da guarda desta criança ao aqui Recorrente, o Pai.
77. A progenitora lançou mão de declarações falsas, gravíssimas, caluniosas que TODOS os relatórios e depoimentos constantes dos autos já provaram o Recorrente nada fez ao seu filho .
78. Face a tudo provado nos autos, mantém-se a medida provisória deste pai e filho só poderem estar juntos com supervisão?? Como se fosse um criminoso!!
79. Partir, neste caso da premissa que qualquer progenitor/a que queira ter a guarda de seu filho e inibir o outro/a progenitor/a de conviver com o filho, bastará fazer uma queixa de abuso sexual e ou maus tratos, que seu desejo se concretiza! Ao que estamos a chegar!!!
80. A 1ª instância, a 21 de Setembro de 2020, resolveu manter esta absoluta e inadequada medida provisória a este Pai, sendo que dos autos já resulta, como supra se expôs, provado que esta criança sofre sim abusos, mas por parte da progenitora na vertente de abuso emocional, porque sugestiona a criança, porque nunca aceitou que pai e filho pudessem conviver.
81. Aliás, o despacho que ora se recorre inclusive dá como assente que : “(…) Mas evidenciam, pelo menos, que a criança está a manifestar exteriorizações derivadas a conflito de lealdade, sendo claramente conhecedora do antagonismo que a mãe e família materna nutrem pelo pai, sendo necessário, para preservar o seu bem-estar, “desconstruir os seus medos e eventuais crenças, e construir uma relação de maior confiança com o pai.” (cfr. relatório da EMAT que antecede).(…) “ página 13 do Referido despacho de 21 de Setembro que se recorre.
82. O processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária (art.100º, da Lei nº147/99, de 1/9, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), pelo que não há, propriamente, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, muito embora possa haver um conflito de representações ou opiniões acerca do mesmo interesse.
83. Os presentes autos, tiveram origem na denúncia por parte da progenitora do menor SC…, de alegados abusos sexuais e maus tratos perpetrados pelo aqui recorrente sobre o filho de ambos, SC….
84. Os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo, encontram-se previstos no art.4º, destacando-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança. (cfr. a al.a)).
85. Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada.
86. Tem de existir uma situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al.e)).
87. E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência.
88. As medidas que integrem a criança na sua família (cfr. as als.f) e g) são o foco, não acontecendo no caso vertente, na medida em que mesmo após todas as diligências feitas que concluem no sentido de que este Pai nada fez, praticou ou prevaricou contra seu filho SC…, continua a não puder conviver/viver com o seu filho!!!
89. As medidas de promoção e protecção devem ser executadas no meio natural de vida da criança, como acontece, por exemplo, com a de apoio junto dos pais (cfr. o art.35º, nºs1, als.a) e f), 2 e 3).
90. Tendo a decisão recorrida, pese embora todos os relatórios quer sociais quer periciais, ter considerado de manter a medida de apoio junto da mãe, estando o Pai, aqui Recorrente, sujeito a visitas supervisionadas e agendadas ao seu filho Uma vez por semana com a duração de 60 minutos e, sobretudo face a todos os elementos probatórios juntos aos autos e inquirições, a decisão provisória que ora se recorre não é, de todo adequada nem proporcional!
91. Mantendo-se a medida provisória supra mencionada, estamos claramente a violar o princípio da actualidade e da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado”.
*
O Ministério Público apresentou resposta concluindo pela improcedência do recurso interposto dizendo que “a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não violou nem interpretou incorrectamente qualquer norma ou princípio jurídico, designadamente os princípios da proporcionalidade e da actualidade e atendeu àquele que era o superior interesse do menor S…”.
*
O recurso foi admitido, como apelação, em separado e com efeito devolutivo, nos termos de despacho judicial proferido em 28-10-2020.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir, relativamente ao recurso interposto, é a de saber:
A) Se a decisão provisória de 21-09-2020, que entendeu não haver condições para alterar a medida cautelar em curso – de apoio junto da mãe, com quem a criança está em exclusivo - e estipulou o reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos), proferida nos autos de promoção e proteção (apenso H), não é adequada, nem proporcional e viola o princípio da actualidade?
*
3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
*
4. Fundamentação de Direito:
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A) Se a decisão provisória de 21-09-2020, que entendeu não haver condições para alterar a medida cautelar em curso – de apoio junto da mãe, com quem a criança está em exclusivo - e estipulou o reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos), proferida nos autos de promoção e proteção (apenso H), não é adequada, nem proporcional e viola o princípio da actualidade?
Vem o recorrente impugnar a decisão provisória tomada em 21-09-2020, nos autos de promoção e proteção, que, manteve a medida provisória – decretada em 14-04-2020, e mantida em 18-05-2020 e 08-07-2020 - de apoio junto da mãe, com quem a criança está em exclusivo, mais se tendo determinado, no que concerne à execução de tal medida, “o imediato reatar dos convívios supervisionados entre o pai e o S… (podendo incluir, sob orientação técnica, a presença de outros familiares paternos), a ocorrer nos seguintes moldes:
1. Os convívios passarão a ter uma periodicidade de 1 vez por semana, com a duração de 60 minutos (podendo ser alargado até 90m, consoante a avaliação das técnicas do PEF sobre a forma como os mesmos forem decorrendo), a decorrerem por um período de 90 dias, findo o qual, serão reavaliados pela equipa do PEF;
2. Realizar-se-ão a partir de duas entradas distintas no PEF, para que não haja qualquer possibilidade de cruzamento entre os pais;
3. Centrar-se-ão, exclusivamente, na relação criança-pai, restringindo-se a participação de outros familiares nos convívios, excepto juízo em contrário das técnicas responsáveis;
4. Decorrerão, exclusivamente, dentro das instalações do CAFAP;
5. Serão sempre acompanhados e supervisionados por duas técnicas, como condição essencial para a sua realização.
Quanto à advertência sugerida pelo CAFAP em relatório oportunamente junto aos autos, desde logo é de salientar que tal diligência não se encontra contemplada na lei, apenas se entendendo de frisar aos progenitores e todos os seus familiares que episódios de agressão física são evidentemente de evitar, não só na ausência da criança, mas acima de tudo em sua presença, e a ocorrência dos mesmos, pelos danos causados à criança e ao relacionamento pacífico entre as pessoas que são importantes para a mesma, acarreta disrupções relevantes na dinâmica familiar.
Os contactos deverão iniciar-se tão brevemente quanto possível, devendo ocorrer ainda antes de 23 do corrente se tal não causar prejuízo à criança.
Oficie de imediato à EMAT e ao CAFAP, devendo, conforme promovido, ser apresentado de relatório de acompanhamento de tais convívios decorrido um mês do seu início”.
É contra esta supervisão de contactos que o ora recorrente se insurge, considerando que a medida adequada para a promoção e proteção da criança é a acompanhamento psicológico junto da mãe e a entrega da guarda da criança ao pai (cfr. conclusão n.º 76 da alegação de recurso).
Fundamenta a sua discordância no facto de o presente processo de promoção e proteção se ter iniciado com referência a uma queixa/suspeita de uma situação de abuso sexual e maus tratos por parte do progenitor e sendo possível concluir, com base nos relatórios, pareceres técnicos, perícia psicológica e testemunhas inquiridas, que isso nunca acontecera, a medida não poderia manter-se, por ausência de fundamento para esse efeito. Acrescenta que a manutenção da medida provisória nos termos decididos encerra violação dos princípios da actualidade e proporcionalidade.
Vejamos:
A intervenção para a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo visa garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (cfr. artigo 1.º da LPCJP).
A intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em perigo a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento (cfr. artigo 3.º da LPCJP).
De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação;
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
A situação de perigo a debelar tem de ser atual, constituindo, aliás, essa atualidade um dos princípios norteadores da intervenção, como resulta do que dispõe a alínea e) do art. 4º da LPCJP.
Como resulta do artigo 34º da LPCJP, o objetivo das medidas de promoção - enunciadas no art. 35º da mesma lei - é afastar esse perigo, proporcionando à criança ou ao jovem as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, “ou seja, a sua finalidade é consequência lógica dos fundamentos substantivos da intervenção.” (assim, Tomé de Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7.ª ed., p. 65).
Para a aferição da subsistência da atualidade do perigo que ditou anterior medida de promoção e proteção “basta (…) a história pessoal passada dos pais (…) e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, para que esta alínea (a alínea d) do nº 1 do art. 1978º do Código Civil) possa funcionar (…)” (assim, Helena Boliero e Paulo Guerra; A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s), 2ª edição, p. 362).
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC, os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos aí consignados.
Ou seja: “Quanto ao critério da decisão e ao seu conteúdo, o Juiz fará um juízo assente em critérios de conveniência, critérios esses que assentam, necessariamente, na convocação dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis” (cfr. Anabela Pedroso; “O regime provisório: processualismo a seguir e vantagens e desvantagens do regime”, in II Jornadas de Direito da Família e da Criança ‒ O direito e a prática forense – Caderno Especial; CEJ, 2018, p. 54).
No artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) enunciam-se os vários princípios que devem orientar a intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens, a saber:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Espelham estes princípios a concepção do legislador constitucional acerca do papel da criança e do jovem na família e os deveres recíprocos desta para com a criança, na promoção do seu desenvolvimento integral.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos – nº 5 do artigo 36º da CRP –, não podendo estes ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e, neste caso, sempre mediante decisão judicial (cfr. artigo 36.º, n.º 6, da CRP).
Pela proteção da maternidade e paternidade, consagrada no art. 68.º da CRP, os pais têm direito à “protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)”.
Mas as crianças, também elas sujeitos de direitos fundamentais, têm, por seu lado, direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Como se salientou no Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO), “é na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surge, entre outros diplomas legais, a já citada Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo, onde se erige como primeiro princípio por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o seu art. 4º, alínea a) que “a intervenção deve atentar prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. artigo 3.º, n.º 1).
E, conforme resulta do artigo 9.º da mesma Convenção, à semelhança do que consta do nº 6 do artigo 36.º da CRP, a criança não deve ser separada dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, decisão que pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.
Ou seja: “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, impondo ao Estado, no artigo 69.º, um dever de protecção das crianças e admitindo inclusivamente, no artigo 36.º, n.º 6, como ultima ratio, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 833).
O interesse superior da criança constitui “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (assim, Almiro Rodrigues; “Interesse do menor, contributo para uma definição”, in Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, pp. 18-19).
“O conceito interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização e confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2019, Processo: 1/16.7T1VFC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE).
Este conceito “só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças” (assim, Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed., p. 42).
“O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última” (assim, o Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO).
Pode dizer-se que: “Nos processos de promoção e proteção os direitos dos pais devem ser tidos em atenção, mas os que devem prevalecer são os direitos e interesses das crianças” (assim, Inês Isabel Rodrigues Pinhal; Abusos Sexuais Contra Menores e os Exercícios das Responsabilidades Parentais, FDUC, Janeiro 2019, p. 26, consultado em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/86704/1/In%C3%AAs%20Pinhal.pdf).
Para este fim, se se mostra necessária uma adequada aferição da existência de situação de risco ou de perigo para uma criança, mais imprescindível é ainda que ocorra uma devida intervenção protetiva e debeladora desse risco ou perigo.
Como refere Maria do Rosário Ataíde (“Medidas de Proteção e Projeto de Vida da Criança – Do meio natural de vida ao regime de colocação”, in A criança em perigo e a promoção e proteção dos seus direitos-multiplicidade na intervenção; CEJ, Julho de 2020, p. 127, em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_CriancaEmPerigo2020.pdf):  “Sabe-se atualmente que a duração e intensidade de exposição da criança a fatores de risco ou perigo têm um efeito e uma influência no processo de desenvolvimento e que essa exposição repetida e acumulada agrava as consequências. Também quanto mais cedo (idade) a criança estiver exposta a estes fatores, piores serão as consequências para o seu bemestar bio-psico-social.
Se a avaliação do risco é particularmente difícil e complexa, mais difícil ainda é a intervenção de modo a proteger pessoas e grupos, especialmente crianças em situação de vulnerabilidade, devido à multiplicidade de fatores que estão direta e indiretamente relacionados no contexto em que estas situações ocorrem”.
Como resulta do artigo 34.º da LPCJP, a aplicação de medidas de promoção de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; e
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP as medidas de promoção e proteção passíveis de aplicação são as seguintes:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
De acordo com o disposto no artigo 4.º, al. h) da LPCJP, um dos princípios orientadores da intervenção com vista à promoção dos direitos e proteção da criança ou do jovem em perigo é o de dar prevalência a medidas que integrem aqueles na sua família.
Assim, por princípio a aplicação das medidas deve privilegiar a possibilidade de manutenção da integração da criança na família.
Aquela prevalência deixará de ocorrer, quando, através de juízo de prognose, formulado com base nos factos conhecidos, se concluir pela impossibilidade de alcançar esse fim com recurso a medida em que ainda ocorra a integração da criança no seio da sua família.
Ou seja: “O princípio da prevalência da família, constante do artigo 4.º, alínea g) da LPPCJP, deve ser interpretado no sentido de o interesse da criança reclamar uma resposta de inserção da criança numa família estruturada e funcional, seja ela biológica ou adotiva.” (assim, Beatriz Marques Borges; “Promoção e proteção de crianças e jovens em perigo: perspetivas futuras do modelo judicial”, in Julgar, n.º 24, 2014, p. 169).
A aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia, pelo que, não se verificando tal comprometimento sério, as medidas a aplicar serão ainda medidas de natureza e âmbito familiar.
Nessa medida, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º da LPCJP, as medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, conforme especificado no n.º 3 do mesmo artigo, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g).
Nos termos do artigo 60.º da LPCJP, as medidas de promoção e proteção previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 35.º da mesma Lei, têm a duração estabelecida no acordo ou decisão judicial, tendo esta a duração máxima de 12 meses para as medidas em meio natural de vida, prorrogável por mais 6 meses, se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e, bem assim, excecionalmente, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo artigo 60.º, relativamente à medida de apoio para a autonomia de vida, que pode ser prorrogada até aos 25 anos de idade.
São obrigatoriamente revistas no prazo indicado no acordo ou decisão judicial, ou, até serem decorridos 6 meses da sua aplicação, podendo ser revistas antes de ter lugar o decurso do prazo inicial, desde que ocorram factos que a justifiquem. A decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar ainda a cessação da medida – caso se mostre desnecessária a sua continuação - , a sua substituição por outra mais adequada, a continuação ou a prorrogação da sua execução, sendo fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem. As decisões de revisão constituem parte integrante dos acordos de promoção e proteção ou da decisão judicial (cfr. artigo 61.º da LPCJP).
Conforme resulta do artigo 37.º da LPCJP, a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º (procedimento judicial urgente), ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. As medidas aplicadas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.
A Lei n.º 147/99 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 332-B/2000, de 30 de dezembro e o regime de execução das medidas consta de legislação própria, conforme a medida em questão:
- À execução da medida de acolhimento familiar são aplicáveis disposições constantes do D.L. n.º 190/92, de 3 de setembro, do D.L. n.º 11/2008, de 17 de janeiro e do D.L. n.º 139/2019, de 16 de setembro;
- À execução das medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo, respeitantes ao apoio junto dos pais e apoio junto de outro familiar, à confiança a pessoa idónea e ao apoio para a autonomia de vida é aplicável o D.L. n.º 12/2008, de 17 de janeiro (alterado pela Lei n.º 108/2009, de 14 de setembro, pelo D.L. n.º 63/2010, de 9 de junho e pelo D.L. n.º 139/2019, de 16 de setembro).
Nos termos do artigo 16.º do D.L. n.º 12/2008, a execução da medida de apoio junto dos pais deve ter em conta a situação de perigo que determinou a sua aplicação e o nível das competências parentais ou da capacidade protectora do outro familiar ou da pessoa idónea, reveladas quando da aplicação da medida, consoante os casos. A sua execução deve ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte destes das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de protecção e promoção da criança.
Tendo presentes estes objectivos devem ser considerados na operacionalização do plano de intervenção, entre outros: a capacidade dos pais para remover qualquer situação de perigo; a ausência de comportamentos que afectem a segurança ou o equilíbrio emocional da criança ou do jovem; e a disponibilidade dos pais para colaborar nas acções constantes do plano de intervenção.
O processo de acompanhamento é efectuado mediante a monitorização da situação da criança ou do jovem bem como da prestação e utilização dos apoios definidos no âmbito da execução do plano de intervenção, tendo a monitorização em conta a promoção dos direitos e a proteção da criança, compreendendo, designadamente: a) A avaliação das relações entre a criança ou o jovem, os pais e o respectivo agregado familiar ou, consoante o tipo de medida, o familiar acolhedor ou a pessoa idónea; b) A actualização permanente do diagnóstico da situação da criança ou do jovem; c) O acompanhamento de acções de formação, no âmbito do conteúdo da medida, nomeadamente de formação parental  (cfr. artigo 20.º, n.ºs. 1 e 2, do D.L. n.º 12/2008).
No âmbito da avaliação da execução da medida, com vista à proposta da sua prorrogação, alteração, substituição ou cessação, a equipa técnica deve ouvir e ter em conta as posições da criança ou do jovem, dos pais e, consoante os casos, do familiar acolhedor ou da pessoa idónea (cfr. artigo 20.º, n.º 3, do D.L. n.º 12/2008).
Nos termos do n.º 1 do artigo 27.º do D.L. n.º 12/2008, para além do fixado no acordo de promoção e protecção ou na decisão judicial, são ainda obrigações dos pais: a) Respeitar e promover os direitos da criança ou do jovem, prosseguindo sempre o seu superior interesse; b) Orientar, assistir e educar a criança ou o jovem; c) Participar nos programas e acções de formação e sensibilização que decorram da medida aplicada, salvo pedido expresso de escusa; d) Garantir permanente informação à equipa técnica sobre a situação e os aspectos relevantes do desenvolvimento da criança ou do jovem, bem como de factos supervenientes que possam alterar as condições do apoio; e e) Comunicar à equipa técnica alteração de residência e, quando entendido conveniente por aquela, o período e local de férias.
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que, o Ministério Público promoveu a aplicação de medida de promoção e proteção em 30 de março de 2020, promovendo a abertura da instrução do respetivo processo e a aplicação provisória de medida cautelar de apoio junto da mãe, pelo prazo de seis meses, em conformidade com o disposto nos artigos 35º nº 1 alínea a) e 37º da LPCJP, “com vista a garantir, de imediato, a segurança do S… e até ao diagnóstico integral e rigoroso da situação e definição do seu projecto de vida”.
Sustentou a sua posição em duas ordens de razões:
a) “No dia 16 de Março de 2020, o Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo sinalizou o S…, dando conta que o mesmo estivera presente no Serviço de Urgência daquele Hospital, no dia 12, levado pela mãe, e no dia 13 de Março de 2020, levado pela mãe e avó materna, por, alegadamente, ter sido vítima de abuso sexual por parte do progenitor; O menor foi observado na Urgência Pediátrica, constando do relatório médico a informação de que existiam queixas de maus-tratos físicos por parte do pai, dado a criança apresentar hematomas no corpo quando regressa da casa deste, e de acordo com o verbalizado pelo S…, o pai “urina para cima do menor no banho e passa o pénis pelo seu corpo e por vezes sai uma gosma, para além de lhe introduzir os dedos no ânus, dando como desculpa que vai colocar pomada”. Efectuada a observação clínica do ânus da criança, constatou-se a existência de um ligeiro eritema perianal, com vestígios de fezes, sem ferimentos ou fissuras, não lendo sido avaliado na urgência peto médico de medicina legal já terem decorrido mais de 24 horas desde o alegado episódio de manipulação. ”
b) “De acordo com a informação do Agrupamento de Escolas dos Casquilhos onde o menor frequenta o ensino pré-escolar, o S… sempre foi uma criança assídua e pontual, apresentando-se limpo e com roupa adequada à época e apresentando um desenvolvimento global e aquisição de competências normais para a sua faixa etária; Porém, o S…, a partir de determinada altura, começou a regredir nos seus comportamentos, evidenciando instabilidade, designadamente, nas idas à casa de banho, não sabendo esperar pela sua vez, querendo utilizar a sanita ao mesmo tempo que os colegas e criando situações desagradáveis, como urinar em cima das outras crianças; Acresce que o S… começou a manifestar medo de ir á casa-de-banho, á área suja onde se encontram os cabides e à piscina, requerendo ainda a ajuda do adulto na hora da refeição, não conseguindo estar sentado de forma adequada, deitando-se no tapete ou sobre a mesa e revelando alguma alienação e apatia na realização das actividades; A. progenitora identificou outras alterações no comportamento do S…, como dificuldade em adormecer, episódios de enurese, recusa cm ir á casa-de-banho e medo de dormir sozinho; O progenitor mostrou-se surpreendido com as imputações que lhe são feitas referindo não ter detectado alterações de relevo no comportamento do menor e esclarecendo que o sistema de residência alternada nunca foi aceite pela progenitora que o impediu de ver o filho entre meados de Setembro e o dia 22 de Outubro de 2019.”
O Tribunal, não obstante as diligências instrutórias entretanto desenvolvidas, em 14-04-2020, aplicou “ao abrigo do previsto nos artigos 1º, 3º, números 1 e 2, alíneas b), 4º, alínea a), 34º, alíneas a) e b), 35º, número 1, alínea a), e 37º, todos da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, decide-se aplicar provisoriamente, pelo prazo máximo de seis meses, a favor de SL…, a medida de apoio junto da mãe, com quem passará a residir em exclusivo durante a duração da medida, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência, via Skype ou outro meio similar, a ocorrer em dias alternados e sempre entre as 18 horas e as 20 horas, com duração aconselhada de 30 minutos e mínima de 10 minutos, sendo ónus de ambos os progenitores criar as condições práticas para a realização de tais contactos”.
E na fundamentação desenvolvida em tal decisão, depois de apurar factualidade enunciada em 40 factos e de efetuar um enquadramento jurídico geral das temáticas em análise, apreciou a situação concreta relativamente à verificação ou não duas situações de perigo mencionadas, expendendo o seguinte (sublinhando-se os aspetos mais relevantes):
“(…) No que toca aos comportamentos evidenciados em ambiente escolar, concorda-se que esta criança revela indicadores de que nem tudo está como seria desejável (salientando-se porém que a educadora, no relatório que elaborou, refere que “O S… é uma criança dócil e calma e convém salientar que estas situações em cima descritas não espelham o comportamento do S…, pois poderão acontecer em dois dias da semana e só voltar a acontecer na semana seguinte, sem que se consiga identificar o porquê de tais comportamentos”).
Crê-se ainda assim que não é possível, sem que se determine a origem, contexto e consequências de tais comportamentos para o desenvolvimento da criança, considerar que com base neles se pode concluir que a mesma esteja em situação de perigo, tal como a mesma é definida pela norma decorrente do artigo 3.º da Lei número 147/99, de 1 de Setembro (…).
Mas temos agora um elemento novo, i.e. a verbalização da criança perante médica pediatra (e em tribunal), de condutas de natureza sexual do pai perante si.
Em tribunal, a criança refere ainda outro tipo de condutas, que denotam eventual abuso psíquico (injúrias) e físico (agressões).
Há que aquiescer, porém que o seu relato não é coerente quanto à tipologia dos comportamentos relatados perante a médica psiquiatra e em tribunal, e nota-se claramente a ausência de separação clara entre a fantasia e a realidade, própria da sua idade (o pai é ficcionado na mente da criança como uma espécie de monstro de características sobrenaturais, que atira veneno que faz adoecer, cria portais mortais, e produz, diariamente, na criança, feridas sangrantes por todo o corpo).
Nota-se no sistema de crenças da criança uma clara diabolização quer do pai, quer da família paterna, e uma ideação favorável sobre o agregado familiar da mãe, sendo que atribui até ao companheiro desta a natureza de pai verdadeiro.
Não surpreende ainda, porque característico da idade, o achado também nesta criança de uma capacidade de mentir, de manipular, o que sucede perante a confissão espontânea sobre tratar o pai biológico por pai ou papá, mas apenas na frente deste.
A questão que logo surge é: toda esta ideação tem alguma raiz em comportamentos reais do pai, de natureza relacionada com os relatados pela criança à médica e em tribunal?
É questão que não é possível ao tribunal, nesta fase, responder.
O S… tem 5 anos. Segundo alguma da literatura facilmente acessível sobre audição de crianças em contexto de abuso sexual, sendo a idade pré-escolar uma idade comum para abuso físico e sexual, as crianças nesta fase tem vocabulário limitado e capacidade de serem testemunhas confiáveis, tendem a ser pensadores concretos, com um mundo egocêntrico e têm dificuldades com a conceptualização e com o pensamento abstrato. Durante uma entrevista, tendem a distrair-se facilmente e voltar á atividade física, proferindo frases como "não sei" ou "não me lembro". Tendem a contar pequenos trechos de seus abusos com o mínimo de detalhes, processos de pensamento desorganizados e fornecem detalhes relevantes e irrelevantes.
Tudo isso se verificou na audição do S…, pelo que se entende ser absolutamente necessária a realização de perícia psicológica à criança, com o fito de além do mais, aquilatar sobre a credibilidade do relato.
De facto, a criança foi ouvida, e reiterou a verbalização da ocorrência de condutas de natureza sexual por parte do pai.
Pode ser efabulação, ou mesmo resultado de instrumentalização, sendo a existência de memórias implantadas em crianças desta faixa etária achado muito frequente em situações como a presente, de elevado conflito parental, mas também pode não ser.
Não é possível para já afirmar com toda a certeza que a criança mente porque foi instrumentalizada pela mãe, embora a idade da mesma e o historial de conflitualidade intensa, conjugadas com a verificada utilização agressiva de estratégias processuais diversas por parte dos progenitores sejam precursores adequados de tal conclusão.
Impõe-se, como se referiu, a realização de perícia psicológica à criança, afim de, além do mais necessário ao diagnóstico desta situação, melhor aquilatar sobre a credibilidade do seu relato, o que se realizará enquanto diligência de instrução nesses autos de promoção e protecção. Seguindo-se assim também indicação dada em parecer junto aos autos da autoria da Ex.ma Sra. Dra. RA…, (perita forense pelo INLM), junto pelo pai em requerimento ref. 35329288, com a qual, ademais, se concorda”.
Foi neste contexto que o Tribunal passou, em seguida, a decidir sobre a aplicação de medida de proteção, questionando o seguinte (sublinhando-se as considerações de fundamentação mais significativas da ratio decidendi):
“E sobre a aplicação cautelar, nesta fase, de qualquer medida de promoção e protecção (artigo 37° da Lei número 147/99, de 1 de Setembro), conforme requerido pelo Ministério Público em sede de requerimento inicial?
Dispõe-se em tal preceito legal que a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.° 1 do artigo 35.°, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 92.°, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança c à definição do seu encaminhamento subsequente.
Tal aplicação terá que radicar na necessidade de fazer cessar a exposição da criança a um perigo para a sua segurança, física e psíquica, educação ou formação, enquanto se procede ao disgnóstico da situação da criança c se define a sua situação subsequente.
O perigo deve ser actual e eminente.
Vejamos.
Não se olvida que durante a longa vigência dos autos principais (regulação das responsabilidades parentais relativamente ao S…), que se iniciaram em 2015 e tendo apenas a decisão final sido proferida em Maio de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (tendo sido fixada em termos definitivos a residência alternada do menor), nunca vieram aos autos quaisquer relatos de natureza sexual por parte do pai.
E por outro lado, em nenhuma das perícias já efetuadas ao progenitor foram detetados quaisquer indicadores de que este possua traços de personalidade que o levem a abusar sexualmente dos filhos, ou sequer que tenha características de personalidade que inviabilizem o exercício normal da parentalidade (e só assim se compreende que as instâncias de família e menores, primeira e segunda instância, tenham confiado a criança em residência alternada a ambos os pais).
Até à instauração deste processo, ao que se sabe, não foi pela criança verbalizado perante terceiros qualquer conduta por parte do pai do género das que agora relata.
E, nos autos principais, e no relatório psicológico referente à requerente é expressiva a resposta ao quesito 5°: “(...) o principal e único factor de risco para o S… parece ser a manifesta conflitualidade interparental e a incapacidade da figura materna para reconhecer a necessidade e o direito do sen filho em ter uma figura paterna, sendo que a própria progenitora afirma que o que gostaria era que o S… tivesse o menos tempo possível com o pai, o que é explícito da problemática inerente a este processo judicia! e do prejuízo psicológico que esta criança poderá vir a sofrer” (fls. 442 verso).
Mas, também é inquestionável que a criança, após largos meses de convivência conjunta com ambos os progenitores, manifestou claro mau estar relativamente à figura paterna, e atenta a idade da criança e a natureza dos comportamentos imputados, em especial os de natureza sexual, não é por ora possível formular um juízo claro sobre se esse mau estar tem origem (pelo menos parcialmente) em comportamentos do próprio do teor dos relatados ou se o comportamento da criança se deve exclusivamente a outro tipo de factores, designadamente, os apontados no relatório pericial supra mencionado.
Crê-se, então, estar verificado um perigo actual e eminente, cujas circunstâncias carecem de ser investigadas (diagnostico da situação).
Mas a medida não deve ser aplicada se não for adequada a remover o perigo, ou se causar mais danos que aqueles que visa evitar.
A aplicação cautelar da medida de apoio junto da mãe conforme requerido pelo Ministério Público em sede de requerimento inicial, determina o afastamento físico do pai.
A aplicação de tal tipo de medidas, como já referimos no despacho proferido no apenso D em 10 de Março de 2020, “quando infundadas, deixam marcas negativas indeléveis no relacionamento entre o progenitor “controlado” e a criança, e consequentemente, na psique desta a longo termo, e é difícil recuperar o relacionamento entre o progenitor e um filho, quando o mesmo se perdeu e o outro progenitor não é colaborante. Por vezes, pode mesmo ser impossível”.
Como factor de agravamento desses efeitos, a aplicação da medida neste momento implicará total afastamento físico do pai, pois como se refere no relatório que antecede, e foi prontamente comunicado a este tribunal, os diversos CAFAPS que dão apoio aos contactos familiares na área deste tribunal têm os seus serviços suspensos enquanto durar a pandemia por COVID-19, o que inviabilizará a realização de contactos acompanhados.
Qual o factor de decisão, então?
Por ora, e no que toca à aplicação cautelar da medida de promoção e protecção preconizada pelo Ministério Público, o tribunal utilizará o critério do menor prejuízo, posto que quer a aplicação, quer a não aplicação, poderão ser causadoras de prejuízo á criança.
Se se aplicar a medida, da mesma decorrerá uma interrupção de contactos presenciais com o pai, com todos os prejuízos inerentes à interrupção de um relacionamento, por ora, estável. Esses prejuízos são, todavia, minoráveis mediante o confinamento da interrupção (no caso de injustificada) ao mínimo tempo possível e também mediante a imposição de contactos via videoconferência (via Skype ou aplicação similar).
Por outro lado, e quanto ao imputado abuso sexual por parte do pai, a serem reais tais condutas, os danos psicológicos causados, a permitir-se o continuar das situações, serão de muito mais difícil recuperação, sendo esta, nalguns casos, impossível.
Tal leva-nos à conclusão de que, efetivamente, enquanto a situação da existência de condutas sexualmente abusivas do pai perante a criança não estiver esclarecida, é de aplicar a medida preconizada, considerando-se que os danos causados por esta medida à criança, se se vier a revelar injustificada, serão menos graves do que os causados pela continuação da exposição da criança a esse tipo de condutas, se elas realmente estiverem a acontecer.
Convém sublinhar por fim, que não pode o Tribunal ignorar os índicios de situações de perigo para o são desenvolvimento da criança, mesmo junto da mãe, materializado na relatada exposição da criança a videojogos de carácter extremamente violento (Grand Theft Auto, Fortnite e eventualmente outros, claramente desadequados para a sua idade e estágio de desenvolvimento, tendo sido já evidenciada pelo seu discurso a dificuldade que ainda tem de separar a realidade da fantasia) e bem assim exposição a outro tipo de violência psicológica materializada na desqualificação do pai e da família paterna por parte da mãe ou da família materna, com base em factos passados, reais ou fictícios, ou mesmo o fomentar ou simples permissão de substituição da figura paterna real por outra seleccionada pela mãe, situações estas que se impõe, durante a manutenção da medida, e mediante acompanhamento/investigação por parte da EMAT, serem melhor esclarecidas e eventualmente, colmatadas, pois para tal também serve a medida de apoio junto dos pais (cfr. artigo 39° da Lei número 147/99, de 1 de Setembro, na parte em que se menciona o apoio psicopedagógico).
E, pese embora a existência de tais indícios de perigo, a verdade é que por ora não se preconiza outra medida mais adequada a proteger a criança em face das múltiplas ameaças de que tem sido e continua a ser, alvo (…)”.
Entretanto, em 18-05-2020, o Tribunal recorrido, mantendo o juízo formulado em 14-04-2020, alterou o modo de execução da medida aplicada provisoriamente, perante a comunicação da EMAT no sentido de ser possível (ao invés do que até aí sucedia) a realização de convívios supervisionados entre a criança e o pai, no sentido de serem iniciados, de imediato, os contactos presenciais (e mantidos os à distância), supervisionados, entre o progenitor (e eventualmente, se tal for considerado favorável à criança pelos técnicos, outros familiares, designadamente os avós paternos, e a irmã) e a criança, com acompanhamento a efectuar pelo PEF da Fundação SR….
Entretanto, prosseguiu a instrução dos autos, nomeadamente, com a junção de perícia médico-legal e com relatório sobre a execução da medida, vindo a medida a ser revista por decisão de 08-07-2020, decidindo-se manter a medida aplicada, assinalando-se que, embora iniciada, a instrução ainda não se encontrava finda, mas também que:
“E com base no que nela [instrução] foi apurado, podem-se dar por provados todos os factos que foram descritos na decisão que aplicou a medida, e cuja descrição, por brevidade de exposição, se dá por reproduzida, e ainda os seguintes:
a) Foi realizada perícia médico-legal da especialidade de psicologia à criança, cujo relatório foi junto aos autos em 15 de Junho de 2020. De tal relatório contam, além do mais, as seguintes observações:
“7.6 (…)
7.7. (…).
7.9 (…).
b) Do relatório da EMAT junto aos autos em 1 de Julho de 2020, consta, além do mais o seguinte, a título de “Síntese/parecer”: “Do acompanhamento efetuado à medida cautelar de promoção e proteção que se encontra em execução parece-nos existirem evidências que existe um conflito parental entre os adultos cuidadores.
Sobressai um contágio mental em que a mãe não separa os seus próprios pensamentos, perceções e necessidades emocionais do filho, projetando as suas emoções e influenciando deliberadamente a perceção que a criança faz do progenitor, constituindo-se uma forma de abuso emocional sobre o S…, conforme consta no relatório pericial realizado ao S….
Parece-nos que a criança poderá sentir-se num aparente conflito de lealdade o que poderá comprometer a forma como se relaciona com o pai e os familiares paternos. Esta situação parece acarretar sofrimento psicológico (angústia) e causar alguma desarmonia no desenvolvimento psicoafectivo do S….
Da narrativa da criança e da avaliação efetuada, verifica-se que o S… apresenta um juízo crítico imaturo e sugestionabilidade, replicando a perspetiva da mãe, num contexto de contágio mental e sugestionamento operados pela progenitora, vendo a mãe como inteiramente "boa" e o pai como inteiramente "mau", uma classificação simplista e esquemática que, frequentemente, é indicador do referido sugestionamento.
Da avaliação efetuada e dos resultados obtidos na Perícia Psicológica da criança parece-nos que a residência alternada não se afigura o esquema mais adequado às necessidades do S…, no que concerne às responsabilidades parentais, dada a situação de conflito parental tão evidente e marcado que coloca a criança numa situação de risco/perigo.
Surgem evidências no que concerne à possibilidade de sugestionabilidade por parte da mãe, que poderá potenciar na criança relatos e declarações induzidos sobre alegados maus tratos e abusos realizados pelo pai, constituindo-se uma forma de abuso emocional sobre a criança.
A pronunciarmo-nos sobre uma proposta de alteração da medida cautelar que se encontra em execução e por não estar concluída a investigação no âmbito do Processo Crime (Processo …/…T9BRR que corre termos na …a Secção do DIAP de Lisboa), parece-nos pertinente que a Polícia Judiciária encarregue da investigação tenha acesso ao Exame Pericial da criança e possa pronunciar-se sobre os factos, nomeadamente se estamos perante um crime de alegados maus tratos e abuso sexual realizados pelo pai. Parece-nos necessária a conclusão do Processo Crime para que esta EMAT se pronuncie de forma objetiva.
Parece-nos necessário que os convívios supervisionados entre o S… e o pai, pelo Ponto de Encontro Familiar da Fundação SR… possam manter-se, propondo-se o aumento da frequência dos mesmos para 3x/semana para uma melhor observação da interação pai-filho, permitindo uma consolidação de laços afetivos e o estabelecimento de uma vinculação segura entre a criança e o pai, caso seja esse o entendimento de V/Exa.”
A progenitora reclamou do relatório pericial, reclamação esta que como resulta do despacho supra, foi atendida, tendo sido pedidos esclarecimentos ao Sr. Perito, pelo que não se pode considerar o mesmo como a versão final da apreciação pericial.
Referiu-se na decisão em que se aplicou a medida, “enquanto a situação da existência de condutas sexualmente abusivas do pai perante a criança não estiver esclarecida, é de aplicar a medida preconizada, considerando-se que os danos causados por esta medida à criança, se se vier a revelar injustificada, serão menos graves do que os causados pela continuação da exposição da criança a esse tipo de condutas, se elas realmente estiverem a acontecer.”.
Entende-se que para que se possa considerar esclarecida tal situação, deve estar presente nos autos versão final do relatório da apreciação pericial.
Acresce nesta fase que, pese embora ainda em curso a pandemia de COVID-19, é possível já minorar os efeitos negativos decorrentes do afastamento físico do pai, efeito da aplicação da medida de apoio junto da mãe, pela introdução de contactos supervisionados pelo CAFAP PEF (…).
Concorda-se por ora com tal juízo (como o faz o Ministério Público), embora nos pressupostos de que:
a) o esclarecimento da situação que deu origem à aplicação da medida será feito em tempo compatível com a preservação do bem-estar da criança face às condutas da mãe que a própria EMAT reconhece existirem, o que não se compadece com a espera por uma decisão final do processo crime, excepto se a mesma for proferida a muito breve trecho, sendo que este tribunal valorará preferencialmente os elementos carreados para estes autos e respectivos apensos;
b) mostra-se deveras útil ao conhecimento sustentado das dinâmicas familiares, como já se apontou, a obtenção de dados por via dos contactos supervisionados;
c) o evoluir da situação será objeto da melhor atenção por parte da EMAT, que estará certamente atenta aos indicadores de perigo que aponta no seu relatório referentes ao abuso emocional que reconhece ser perpetrado pela mãe relativamente ao S…, e alertando de imediato caso se verifique uma deterioração significativa no relacionamento da criança com o pai ou família paterna, como se indicia ter acontecido entre a segunda e a terceira visitas (cfr. factos relatados no relatório que antecede), afim de se equacionar uma possível alteração ou cessação imediata da medida cautelar.
Outro elemento milita em favor da manutenção da medida: por seu intermédio, tem-se assegurado a manutenção do relacionamento entre a criança e o progenitor (anteriormente interrompido por mais que uma vez); esse relacionamento, ainda que com as óbvias condicionantes, pode ser reforçado por via do acompanhamento técnico prestado pelo CAFAP, e a cessação da medida neste momento, deixaria o relacionamento entre a criança e as famílias materna e paterna dependente do efectivo cumprimento (sem acompanhamento técnico) do regime de contactos definido pelo regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor.
A aproximação do período de férias estivais e o historial de conflitos do casal parental na área dos contactos, conduz a que se considere haver significativa possibilidade de conflitos/incumprimentos, o que sem qualquer dúvida, seria nesta fase prejudicial à criança, pela instabilidade relacional que, uma vez mais, lhe traria.
Em suma, a decisão de 14 de Abril de 2020 fundou-se, como resulta da sua fundamentação, na constatação da existência de um perigo actual e eminente, e na necessidade de fazer cessar a exposição da criança a esse perigo, enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e se define a sua situação subsequente.
Por ainda estarem em curso diligências tendentes ao diagnóstico da situação da criança, não se pode considerar o mesmo completo. Ainda, como resulta do relatório da EMAT que antecede, essa definição ainda não está feita.
Mas como também se deixou exposto na decisão de aplicação da medida, o critério determinante para a aplicação foi o do menor prejuízo, pelo que, esclarecida a situação que deu origem aos presentes autos, e caso se permita concluir pela não verificação das condutas relatadas pela criança, e logo, ausência dessa fonte de perigo, será de equacionar como lógica a cessação da medida cautelar, sendo que como refere o Ministério Público, a presente medida provisória terminará por decurso do prazo de duração máxima, o mais tardar em 14 de Outubro de 2020, pelo que o projecto de vida da criança poderá vir a ser discutido nos apensos de alteração do exercício das responsabilidades parentais em curso (para tal mais vocacionados, já que os presentes se destinam a acautelar situações de perigo), e desde logo, como objecto de decisão provisória ao abrigo do disposto no artigo 28º do regime jurídico anexo à Lei número 141/2015, de 8 de Setembro (anotando-se existir já requerimento nesse sentido no apenso I) (…)”.
Assim, como bem reporta o Ministério Público, pelas razões assinaladas e mantendo o critério do menor prejuízo que presidira à aplicação inicial da medida, o tribunal entendeu ser a mesma de manter. Mas, permanecendo também fiel ao entendimento de minorar as consequências do distanciamento entre o progenitor e a criança, impôs a intensificação dos convívios supervisionados, “os quais permitiriam, em face dos elementos que viessem a ser reunidos e trabalhados, preparar e abrir caminho a uma futura e possível alteração da medida”.
E, assim, não sem sobressalto e após vários requerimentos do progenitor no sentido de alteração da medida provisória de promoção e proteção, chega-se à decisão recorrida de 21-09-2020 que, apreciando a pretensão de alteração, conclui não ser de alterar a medida em curso, mesmo quanto ao seu modo de execução, muito embora se tenha determinado o imediato reatamento de convívios supervisionados (que tinham cessado desde 24-08-2020).
Considera o recorrente que esta decisão deve ser revogada, entendendo que a mesma não é adequada, nem proporcional e viola o princípio da actualidade, em suma, porque o Tribunal manteve a medida aplicada, sem que se tenha comprovado o perigo que motivou a sua aplicação provisória, não tendo, concomitantemente, tomado a medida que considerava adequada - de acompanhamento psicológico junto da mãe e a entrega da guarda da criança ao pai – sendo que – refere – “a progenitora lançou mão de declarações falsas, gravíssimas, caluniosas que TODOS os relatórios e depoimentos constantes dos autos já provaram o Recorrente nada fez ao seu filho” e que “já resulta (…) provado que esta criança sofre sim abusos, mas por parte da progenitora na vertente de abuso emocional, porque sugestiona a criança, porque nunca aceitou que pai e filho pudessem conviver”.
Ora, não obstante a invocação do recorrente, não se divisa que a decisão recorrida se mostre violadora dos princípios da adequação, da proporcionalidade e da atualidade, como passaremos a concretizar.
Como bem referiu o Ministério Público –em sede de resposta – “o recorrente analisa apenas parcialmente o contexto vivencial do menor e as situações de perigo que desse contexto vivencial decorrem, omitindo parte importante do contexto actual de vida do S…, o qual não poderá ser esquecido e que, de resto, terá ditado a decisão recorrida.
Na verdade, desde que os presentes autos se iniciaram em 30 de Março de 2020 muito se terá passado na vida do S… e, pese embora a medida de promoção e protecção em vigor seja a mesma (apoio junto da mãe), os fundamentos que têm vindo a justificar a manutenção da medida e os termos da respectiva execução têm registado evolução.
Aliás, o Tribunal a quo tem vindo a ser um observador atento da situação do menor e a expressar claramente a sua convicção no que concerne à situação de perigo por este vivenciada, sendo que, no que em concreto respeita às suspeitas inicialmente noticiadas, quanto a alegadas condutas abusivas por parte do progenitor, as diligências até ao momento realizadas ter-lhe-ão permitido afastar a verosimilhança das mesmas, o que consignou na decisão datada de 21 de Setembro de 2020, que, nessa parte, se apresenta concordante com a fundamentação agora apresentada pelo progenitor (que não com a respectiva conclusão)”.
É que, na realidade, o Tribunal recorrido enunciou, com toda a clareza a factualidade em que se fundamentou a decisão, que não se cingiu apenas à factualidade apurada nas decisões precedentes, mas incluiu o apuramento de outros factos que, como refere o Ministério Público, parece terem sido, senão “esquecidos”, pelo menos, “desvalorizados” pelo recorrente.
Tais factos não foram, de qualquer modo, postos em questão pelo ora recorrente e como o Tribunal recorrido salientou, os mesmos foram elencados, no momento da decisão proferida “e apenas para efeitos de aferição do perigo actual a que a criança se encontra sujeita, e melhor forma de o colmatar”, aspeto que é sintomático da atualidade do juízo que está subjacente à referida decisão.
São eles:
“1. Todos os factos que foram descritos na decisão que aplicou a medida em 14-4-2020, e cuja descrição, por brevidade de exposição, se dá por reproduzida.
2. Por decisão deste tribunal de 14-4-2020, foi aplicada, provisoriamente, pelo prazo máximo de seis meses, a favor do SL…, a medida de apoio junto da mãe, com quem passaria a residir em exclusivo durante a duração da medida, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família paterna por videoconferência, via Skype ou outro meio similar, a ocorrer em dias alternados e sempre entre as 18 horas e as 20 horas, com duração aconselhada de 30 minutos e mínima de 10 minutos, sendo ónus de ambos os progenitores criar as condições práticas para a realização de tais contactos.
3. Foi realizada perícia médico-legal da especialidade de psicologia à criança, cujo relatório foi junto aos autos em 15 de Junho de 2020. De tal relatório contam, além do mais, as seguintes observações: “7.6 Para verificar a qualidade do relato ou declarações do menor, à Análise da Validade das Afirmações (Sale Validitg Assessment ou SUA), método proposto por Undeutsch em 1983 e desde então aperfeiçoado e estudado por vários autores internacionais e aplicado no åmbito da Psicologia Forense. Este método engoba duas partes, os Critérios Baseados na Análise de Conteúdo (CBCA), que avalia o relato da alegada vitima, e a Lista de Verificação da Validade (VCL), que avalia as características da alegada vítima e de outros intervenientes da situação.
Observam-se, assim, fatores que diminuem a consistência, a plausibilidade e o realismo lógico das declarações do menor: juízo imaturo e pensamento frequentemente incoerente e fantasioso; não faz um relato espontâneo, responde apenas a questões fechadas; elevada sugestionabilidade ou propensão para ser influenciado por sugestões externas, aproveitando as perguntas fechadas e diretas para anuir ao que nelas está implícito; há contradições internas que diminuem a coerência llógica; relato não detalhado, sem pormenores contextualizados que aumentem a compreensibilidade dos factos alegados; alegada revelação numa atmosfera sugestionável (feita à progenitora, ou no agregado familiar materno, em contexto de longa disputa interparental, persistindo na progenitora uma convicção sobre abuso sexual, o qual, na sua perspetiva, já teria sido praticado pelo progenitor do menor sobre os filhos adotivos, quando estes tinham a idade que o S… tem agora); divergência entre o conteúdo do relato e a expressão emocional concomitante (alegre, descontraído) (…)
7.7. No que concerne ao estado emocional do menor, observamos que o seu humor ou estado anímico de base é, em geral. alegre, com afetos congruentes. O progenitor nega alterações psicopatológicas. A progenitora refere alterações semelhantes às do relatório escolar datado de 20-03-2020. Este relatório regista uma evolução maturativa do menor, nos domínios da assertividade pessoal e relacionamento social, embora observe momentos de aparentes “regressões”, com dependência do adulto, comportamentos desafiantes face aos adultos e competitivos face aos colegas, irrequietude motora, desinteresse por actividades, dificuldade de separação do adulto acompanhante, seja este a progenitora ou o progenitor.
Na nossa opinião, tais comportamentos disfuncionais são relativamente comuns nesta faixa etária, não se constituindo, por si sós, como indicadores de perigo para o desenvolvimento do menor. No que respeita a eventuais causas destes comportamentos, consideramos plausível que se inscrevam no contexto da conflitualidade interparental, em que tem relevo a oposição da progenitora ao regime da residência alternada e o levantamento de suspeitas, por parte da progenitora, de alegado abuso sexual e maus tratos realizados pelo progenitor, sendo, como acima referimos. observável uma angústia no menor associada a este fator de instabilidade na dinâmica familiar. (…)
7.9 Do cruzamento compreensivo de todos os elementos reunidos, destaca-se a não aceitação da progenitora face ao regime de residência alternada, a sua não preservação de uma relação estável paifilho, o que constitui fator de risco para o saudável desenvolvimento do menor, e a influência sugestionante que a progenitora exerce sobre o menor, o que, associando-se à sugestionabilidade da criança, potencia nesta relatos e declarações induzidos de fora sobre alegados abusos e maus-tratos realizados pelo progenitor. Daqui resulta um contágio mental, em que a mãe não separa os seus próprios pensamentos, perceções e necessidades emocionais dos do filho, projetando as suas emoções e influenciando deliberadamente a perceção que este faz do progenitor. Tal situação constitui numa situação de abuso emocional sobre o menor.”
4. Foram suscitados esclarecimentos à perícia, e a medida subsistiu enquanto se aguardava por tais esclarecimentos (cfr. despacho de 8-7-2020).
5. Durante o decurso da medida foram implementados contactos presenciais supervisionados pela equipa técnica do PEF da Fundação de SM…, entre a criança e o pai e família paterna.
6. No decurso desses convívios verificou-se que o S… manifestava momentos de cumplicidade e diálogo com o pai, momentos onde era possível observar algum entusiasmo e a boa disposição da criança que alternavam com momentos de maior ambivalência, alguma agitação/ansiedade e resistência aos contactos físicos (evitando os momentos de abraço por parte do pai).
7. No que concerne à dinâmica relacional, a equipa observou que o S… muitas vezes tentava testar os limites do progenitor, recorrendo, por exemplo, à “batota” nos jogos. O pai, inicialmente, revelou alguma passividade mas, no decurso dos convívios, o S… também se revelou menos desafiador e mais disponível para a interação.
Também o progenitor se mostrou mais à vontade na imposição de limites com o decorrer dos convívios.
8. Estas mudanças determinaram o aumento do número de convívios para uma frequência semanal de 2 vezes, com a duração de 1 hora.
9. Nos convívios realizados nas datas de 9 e 14 de julho de 2020, observou-se uma maior inquietação e ansiedade por parte do S…, procurando testar os limites do pai. A criança verbalizou uma situação relacionada com um relógio, assunto que segundo opinião das técnicas, parece ter sido transmitido à criança por parte dos adultos cuidadores do agregado materno, que, aparentemente, não terão evitado comentar o assunto na presença da criança.
10. No convívio realizado no dia 14 de julho a criança tornou a expressar alguma agitação e evitar qualquer contacto com o pai. O progenitor procurou acalmar o S… evitando a criança qualquer contacto. Esta reação da criança motivou as técnicas a conversarem individualmente com o S… para o procurarem tranquilizar.
11. Nessa altura, o S… verbalizou aspetos negativos relativos ao pai, repetindo uma história que envolve a entrega de um relógio. A equipa ao tentar acalmar a criança percebeu que a criança tinha conhecimento sobre várias situações de alegados maus tratos do pai à mãe, verbalizando às técnicas que teve conhecimento das mesmas pela mãe, acrescentando ainda que a mãe não queria que ficasse nos convívios. Do que a Equipa conseguiu apurar junto da criança, não encontraram coerência para a narrativa do S… tão centrada nos adjetivos qualificativos que atribui ao pai “mentiroso” ou “mau”.
12. A equipa do PEF abordou com a mãe, na data de 15.07.2020, em relação às alterações de comportamento do S…. A mãe não encontrou uma justificação para as alterações observadas, embora referisse que o S… questionava porque tinha de ir aos convívios. Quanto a assuntos que a criança tem conhecimento que são do domínio das vivências do pai e da mãe, a progenitora referiu que não tem conversas com o filho sobre o que viveu com o pai, e que nem sempre os avós maternos têm esse cuidado, ocorrendo, na sua opinião, de forma não intencional.
13. Nesta data os convívios foram incrementados para 3 vezes por semana.
14. No convívio de 16 de julho, a criança mostrou-se mais tranquila na relação com o pai, embora continuasse a expressar evitamento ao contacto físico.
15. De uma forma geral, verificou-se que a dinâmica relacional observada entre a criança e o pai aparentava ser pautada pela ambivalência e alguma inconstância.
Observaram-se períodos de maior satisfação da criança, de cumplicidade e diálogo, diálogo que é sobretudo centrado nas atividades que eram desenvolvidas no momento. Em outros períodos, a criança parecia manifestar alguma resistência/evitamento a momentos de maior proximidade física/toque e de expressão afetiva (abraços) por parte do pai, sobretudo numa fase inicial e final dos convívios. Na presença da madrasta, estes gestos mais afetivos aparentaram ser mais espontâneos.
16. A dinâmica assentou, sobretudo, sobre o recurso a materiais lúdicos levados pelo pai para a sessão, ou brincadeiras já pensadas pelo pai, parecendo ser uma forma mais “controlada” e “planeada” de gerir a interação com o filho, o que poderá ter limitado uma postura mais espontânea por parte da criança.
17. O diálogo assentou, sobretudo, sobre as atividades que estavam a ser realizadas no momento, tentando o pai “agradar” ao S…, tolerando, inicialmente, com alguma passividade, alguns comportamentos mais desafiantes e provocadores por parte da criança. O progenitor tomou a iniciativa de, em vários convívios, falar sobre os avós, a irmã, apresentar vídeos e mensagens dos familiares, todavia, verificou-se que a criança, por vezes, evitou a conversa ou, por exemplo, recusou-se a participar numa mensagem de resposta.
18. Com a madrasta, o S… parece ter revelado um maior à vontade, observando-se gestos mais espontâneos e afetuosos.
19. No convívio de 30 de julho verificou-se a reação da criança de querer impor a sua vontade, decidindo pela brincadeira a realizar. Apesar de se verificar o cumprimento habitual ao pai, “mais cinco”, o contacto físico no início e no fim do convívio continuou a ser evitado, por parte da criança.
20. No convívio de 31 de julho verificou-se uma atitude mais desafiadora do S…, e uma postura mais exigente do pai.
21. No convívio de 4 de agosto, a criança mostrou-se mais agitada e permaneceu no sofá. Não respondeu ao pai quando este o questionou se gosta de estar na sua companhia, remetendo a resposta para a mãe. Neste convívio o S… mostrou-se mais agitado, “ansioso” e “zangado”, parecendo querer testar os limites do pai.
22. No convívio de 5 de agosto verificaram-se algumas situações de discórdia entre o pai e o filho, nomeadamente, com assuntos que dizem respeito a preferências clubísticas e ao pedido da criança para que escrevesse “S…”, como sendo o seu nome, situação que o pai recusou, justificando que apenas escreveria o seu nome correto “S…”.
23. No convívio de 11 de agosto o pai não valorizou o corte de cabelo do S…, situação que, aparentemente, pareceria ser importante para a criança, verificando-se, posteriormente, uma reação de “zanga” no comportamento do S…. Nesse convívio, o pai denotou uma maior impaciência em lidar com o evitamento da criança, em falar de assuntos sugeridos pelo pai, relativos aos familiares paternos. O progenitor assumiu uma postura de “exaltação” e decidiu terminar o convívio.
24. No convívio do dia 18 de agosto, com a presença da madrasta (D. Ana), parece ter havido mais espaço para uma interação mais espontânea, tendo a companheira do pai conseguido desbloquear o constrangimento inicial expresso pelo S….
25. Nos convívios de 20 e 21 de agosto assistiu-se a dois convívios que decorreram de forma marcadamente positiva. A criança no dia 20 estava descontraída e tomou a iniciativa de chamar o pai e cumprimentá-lo. O S… esteve conversador, deu gargalhadas e tratou sempre o progenitor por pai. No dia 21 de agosto, igualmente, destacam-se aspetos positivos na interação, conforme descrito no relatório da equipa do PEF.
26. Nos convívios realizados nas datas de 14 e 20 de agosto verificou-se uma antecipação da presença do progenitor nas instalações do PEF, face à hora que estava prevista, tendo existido cruzamento com os membros do agregado materno.
27. Nos momentos de entrega do S… a mãe e o padrasto, mostraram-se, por norma, calmos e colaborantes.
28. No dia de aniversário da criança (24 de agosto), optou-se por se realizar um convívio mais alargado, a título excecional, a ocorrer no exterior das instalações do CAFAP SR…. A mãe entregou o S… à hora marcada tendo a criança aguardado pela chegada do pai. Estiveram presentes o pai, a madrasta, os avós paternos, os irmãos (Sa… e B…) e o cão da família. O S… foi de imediato ter com os elementos da família, mostrando-se carinhoso e abraçando-os. Estava visivelmente entusiasmado e feliz. O pai trouxe um bolo tendo sido cantado os parabéns à criança. Quanto ao presente de aniversário, o pai ofereceu-lhe um porta-moedas do Benfica, tendo a criança reagido com alguma “desilusão” referindo não ser do Benfica. A dinâmica e o diálogo centraram-se nas atividades e nos jogos realizados.
A técnica observou envolvimento e alguma cumplicidade, e o S… esteve, no geral, calmo e bem-disposto. No final do período de convívio, a criança revelou alguma “inquietação” e “ansiedade”, dirigindo-se para o local de entrega à mãe. O progenitor tentou dissuadi-lo, impondo-lhe alguns limites, encaminhando a criança para junto dos familiares para que deles se despedisse.
29. O pai questionou se o S… queria levar a prenda para casa ao que a criança respondeu que não, justificando que a mãe e o padrasto ficariam “chateados”, recusando despedir-se dos familiares paternos. O pai insistiu para que se despedisse dele, tendo a criança recusado.
30. O padrasto do S… dirigiu-se ao local de entrega da criança, à hora combinada, tendo a criança sido estregue a este. O pai continuou a insistir com o S… para que se despedisse de forma conveniente, insistência que continuou a não ser correspondida pela criança, que na companhia do padrasto se dirigiu para o carro de família, onde se encontrava a mãe.
31. Nessa sequência, o pai deslocou-se na direção do filho e do padrasto da criança, que já se encontravam a alguns metros de distância, iniciando-se um confronto físico entre o pai e o padrasto. Perante esta situação a técnica do CAFAP/PEF, efetuou de imediato o pedido de deslocação das autoridades ao local.
32. Com os ânimos exaltados houve troca de acusações verbais entre a mãe, o padrasto, o pai, os avós paternos e a filha Sa… e agressões físicas, entre o pai e o padrasto, que acabou por ser assistido no local pelo INEM. A determinada altura, o pai pontapeou o espelho retrovisor do carro de família da mãe, danificando o mesmo.
33. A Guarda Nacional Republicana deslocou-se ao local.
34. Toda esta situação foi presenciada pelo menor S…, que permaneceu dentro do carro de família da progenitora até à chegada da avó materna, que o retirou do local.
35. Atendendo aos factos ocorridos, e em particular, por ter considerado haver um incumprimento por parte do progenitor do Regulamento Interno do CAFAP/PEF da Fundação SR…, esta equipa informou o tribunal dos fatos ocorridos, e decidiu suspender os convívios, considerando não se encontrarem reunidas as condições necessárias para a continuidade dos mesmos.
36. Em esclarecimentos à perícia recebidos em tribunal em 24-8-2020 (ref. 26958934), o Sr. Perito confirmou na íntegra o teor do relatório anteriormente apresentado, e justificou cientificamente os métodos utilizados na realização da perícia.
37. Algumas das verbalizações descritas pela criança em Março de 2020 em que esta imputa ao pai os comportamentos descritos em 1. (por remissão) não têm correspondência com situações realmente ocorridas, isto é, não ocorreram episódios em que o pai tenha urinado para o corpo da criança (no banho ou em qualquer outro local), em que este lhe tenha introduzido os dedos no ânus para qualquer outro efeito que prestar-lhe cuidados próprios da idade, ou em que o tenha agredido fisicamente por qualquer forma.
38. Os convívios encontram-se suspensos tendo a Equipa do PEF/CAFAP SR… avaliado a situação em articulação com a técnica da EMAT, e apresentado um novo plano de convívios com o objectivo de reparar os danos emocionais sofridos pela criança e restabelecer os laços de confiança que estavam a ser construídos entre o pai e o filho, até à data do incidente”.
Ora, como bem sinaliza o Ministério Público, terá sido o apuramento da factualidade em questão, superveniente à revisão da medida (operada em Julho) – a que não será alheia a circunstância de a medida dever ser reponderada até 14-10-2020 - que terá levado o Tribunal recorrido a se pronunciar sobre a medida cautelar ainda em curso e respectivo regime de execução.
De tais factos são preponderantes aqueles que ocorreram em sede de convívios supervisionados entre a criança e o progenitor, nomeadamente, o convívio ocorrido no dia de aniversário do menor (24-08-2020), a que se faz expressa alusão nos factos provados sob os nºs 28 a 35 da decisão recorrida e foram esses que justificaram a manutenção – ainda que com a alteração nela inserta – da medida em curso.
E, note-se que, aliás, na decisão de 08-07-2020, o Tribunal tinha assinalado – com total frontalidade e clareza - que, para cabal decisão sobre a medida provisoriamente aplicada, seria importante, não só “o esclarecimento da situação que deu origem à aplicação da medida”, mas também, o que o Tribunal recorrido designou, com toda a acutilância, “conhecimento sustentado das dinâmicas familiares” (para o que relevariam os dados obtidos “por via dos contactos supervisionados”) e, bem assim, “o evoluir da situação” (“objeto da melhor atenção por parte da EMAT, que estará certamente atenta aos indicadores de perigo que aponta no seu relatório referentes ao abuso emocional que reconhece ser perpetrado pela mãe relativamente ao S…, e alertando de imediato caso se verifique uma deterioração significativa no relacionamento da criança com o pai ou família paterna, como se indicia ter acontecido entre a segunda e a terceira visitas (…)”).
É que, na realidade, o Tribunal recorrido começa por afastar a relevância factual do facto descrito sob o n.º 37, dizendo:
“Centremos-mos num dos factos nucleares deste processo e que por isso merece especial atenção: o descrito sob o número 37.
Quanto ao mesmo, e como refere o Ministério Público, os elementos em presença nos autos são suficientes para que se formule uma convicção segura, sem prejuízo de se poder vir a considerar futuramente elementos diferentes carreados para o processo-crime.
E o que resulta até ao momento é que a criança apresentou um discurso fantasioso, sendo de notar que a primeira coisa que disse quando inquirida em tribunal, é “o pai faz-me xixi para cima”, o que denota desde logo que havia firmado como seu objectivo primário ao falar em tribunal fornecer tal informação.
Quando mais tarde instado o S… a desenvolver tais episódios, torna-se vago, e fantasia mais.
Tendo em conta a idade da criança (inerente pouca maturidade e propensão a fantasiar) optou-se por suscitar a análise pericial do seu discurso e atuação.
O juízo pericial é claro: tais factos provavelmente não aconteceram e a criança mostra sinais de ter sido sugestionada pela mãe ou família materna. O tribunal neste momento deve acolher esse juízo pericial, sendo que o parecer apresentado pela mãe não tem a virtualidade, também no entender do tribunal, e após os esclarecimentos apresentados pelo perito, de colocar em causa tal juízo.
O parecer apresentado pela mãe põe em causa o relatório pericial inicialmente apresentado em várias vertentes donde se destacam as principais: não terá sido levada em conta a anterior condenação do pai por factos conduzíveis a violência doméstica e os métodos usados pelo Sr. Perito não foram os adequados.
Ora quanto à primeira vertente, que já foi por várias vezes abordada nos apensos, é de salientar (mais uma vez) que a decisão de entrega da criança ao pai em residência alternada, foi validada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com conhecimento e consideração de tal condenação (cfr. acórdão proferido nos autos principais).
Quanto á segunda vertente, o Sr. Perito fundamentou tecnicamente as suas opções, em resposta aos esclarecimentos solicitados.
Entende-se ser de dar prevalência ao seu juízo técnico em detrimento dos juízos técnicos formulados no parecer junto pela mãe, pois o perito do tribunal é aquele que beneficia de melhores garantias de imparcialidade, sendo a sua idoneidade técnica certificada pelo instituto oficial em que presta funções (INML), isto, obviamente, sem colocar em causa a idoneidade técnica e pessoal dos técnicos subscritores do parecer apresentado pela mãe (sendo a sua opinião obviamente respeitada, mas não, nesta particular sede, acolhida).
E quanto a estes factos, a convicção do tribunal não assenta apenas no juízo pericial e no discurso da criança: é de importância fundamental a observação das interações da criança com o pai no decurso dos últimos meses de contactos supervisionados. De um modo geral, nota-se que a criança conseguia descontrair na presença do pai, sendo acometida de constrangimento e nervosismo no início dos períodos de visita e no final das mesmas.
Tais constrangimentos são compatíveis com os efeitos de um conflito de lealdade, que a criança desde sempre evidenciou e que também é referenciado na apreciação pericial.
De resto, foi a própria criança a verbalizar às técnicas que teve conhecimento das alegadas situações de maus tratos do pai à mãe por esta última, acrescentando que esta não queria que ficasse nos convívios, e não havendo coerência na narrativa da criança quanto à qualificação negativa do pai (cfr. facto supra descrito sob o número 11.), e quando questionada pelo pai sobre se gostava de estar na sua companhia, remete a resposta para a mãe (cfr. facto supra descrito sob o número 21.).
Indicia-se assim que esta criança avalia tudo o que faz sob a perspectiva do que considera que a mãe aprovaria, o que leva a concluir que a versões factuais sobre acontecimentos em que o pai participe se tenha que atribuir uma credibilidade condicionada.
Mas acima de tudo crê-se, neste momento, que se a criança tivesse realmente sido abusada e maltratada, não conseguiria alcançar o à vontade com o pai que por vezes conseguiu atingir no decurso dos contactos supervisionados”.
Como conclui o Ministério Público na resposta- em face do exposto e para a manutenção da medida antes tomada, “é manifesto que o Tribunal a quo não se fundou nas condutas inicialmente imputadas ao pai, cuja verosimilhança, aliás, afastou, para proferir a decisão recorrida”.
De todo o modo, o Tribunal recorrido não se ficou – e com inteira adequação e legalidade – na refutação dos factos que, inicialmente, basearam o desencadear deste processo (referentes a invocadas situações de abuso sexual da criança).
Conforme resulta do disposto no artigo 100.º da LPCJP, “o processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo (…) é de jurisdição voluntária”.
Nessa medida, “ao assumir a natureza de jurisdição voluntária (livre investigação dos factos e da prova; critério de julgamento de conveniência e oportunidade; alteração superveniente das resoluções judiciais) visa uma preponderância de tramitação e de decisão que não é de natureza estritamente legal, conferindo uma ampla margem de iniciativa jurisdicional ao tribunal, mas que continua a ter princípios e regras específicas, nomeadamente a observância de um processo justo e equitativo, afastando-se de uma jurisdição arbitrária” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2020, Pº 497/17.0T8OBR.P1, rel. JOAQUIM CORREIA GOMES).
É que, conforme decorre do disposto nos artigos 987.º e 988.º do CPC, nas providências a tomar no âmbito de processos de jurisdição voluntária, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna, podendo as resoluções ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos. Tal alteração pode fundar-se em circunstâncias supervenientes que a justifiquem, tanto ocorridas posteriormente à decisão, como anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
Pode dizer-se que, “nos processos de jurisdição voluntária (como é o caso dos autos, de Alteração das Responsabilidades Parentais) o princípio do dispositivo cede perante o princípio do inquisitório” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2014, Pº 191/08.2TMMTS-D.P1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS).
Conforme se sublinhou, em semelhantes moldes, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-2017 (Pº 12010/14.6T2SNT-K.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna (artigo 100º LPCJP e artigos 986º, 2,e 987º do Código de Processo Civil)”.
Em total e fiel observância com os princípios que subjazem à aplicação de medidas tutelares – e já antes assinalados - e à natureza de jurisdição voluntária do processo de promoção e proteção e sem olvidar os cânones que determinam a observância de um processo justo e equitativo, o Tribunal recorrido, não deixou de considerar os factos apurados, com inteira contraditoriedade e escrutínio das partes, desde o momento da revisão da medida, designadamente, decorrentes dos contactos supervisionados e dos relatórios apresentados nos autos e sobre eles ponderou, decidindo em conformidade.
A decisão recorrida é, em si mesma, clara e precisa sobre este ponto e evidencia, de modo pleno, as razões em que se louvou:
“Tais contactos, todavia, evidenciaram alguns aspectos a melhorar no relacionamento entre pai e filho: como se refere no relatório da EMAT que antecede “Parece importante que o progenitor se tivesse assumido mais “paciente” e “flexível” nestas situações, aceitando as reações da criança evitando pressioná-la ou insistir com algo que a mesma evitava no momento.”
E no decurso de tais contactos veio a verificar-se a ocorrência de uma situação negativa, de contornos graves, concretamente, o confronto físico e verbal das famílias materna e paterna, precisamente, no dia em que a criança perfez seis anos de idade.
Como refere a EMAT no relatório que antecede, o S… “foi sujeito a um episódio de violência extrema, no dia do seu aniversário”.
Na realidade concorda-se e corroboram-se (quase na íntegra), as conclusões vertidas no relatório que antecede, designadamente na seguinte parte (com sublinhados nossos):
“Da avaliação global dos convívios realizados, poder-se-á inferir que se estava a estabelecer uma relação de confiança e aproximação do S… ao pai, embora, com as oscilações descritas, que podem pressupor a vivencia de alguma ambivalência por parte do S….
A criança revelou preocupação com a reação da mãe e do padrasto aos momentos de convívio com o pai, situação que já tinha sido referida em relatórios anteriores, sendo necessário todo um trabalho assente na desconstrução de eventuais medos e crenças da criança e na construção de uma relação de maior confiança da criança com o pai, intervenção que se antevê longa no tempo e requer uma participação positiva e ativa de ambos os pais, centrada no superior interesse do filho. Uma intervenção psicoterapêutica com a criança será de todo benéfica para se harmonizar todo este processo.
Considera-se que no dia 24 de agosto ocorreram factos graves que colocaram o S… numa situação de desproteção e exposição a comportamentos que afetam a sua segurança e equilíbrio emocional, atendendo ao grau de violência a que a criança foi exposta e presenciou, envolvendo os vários familiares paternos e maternos, com particular agravante por terem ocorrido numa data para si significativa, o dia do seu aniversário.
Verifica-se que os adultos cuidadores não garantiram a devida segurança e proteção do S… expondo-a a uma situação de conflito e confronto extremo, o que pode pressupor uma intensificação do conflito parental existente e que já era referido na avaliação psicológica efetuada à criança em 2019.
Identifica-se, na atualidade, fatores de perigo para o bem-estar psíquico do S… que assentam, predominantemente no conflito inter-parental, tornando-se o S… um “instrumento”, utilizado por ambos, com a finalidade de destruir o outro, sem a devida perceção do impacto deste comportamento na realidade psicológica e emocional da criança e no assegurar do cumprimento dos seus direitos.”
Assim, pode concluir-se, de facto, que se bem que não se tenha comprovado a situação que desencadeou os presentes autos – designadamente a atinente ao invocado abuso sexual da criança por parte do progenitor – certo é que, o prosseguimento dos autos veio a sinalizar que o comportamento dos “adultos cuidadores” não acautelou convenientemente a segurança e a proteção da criança, culminando na conclusão – que o recorrente também não refuta (muito embora lhe dê contornos de causa e imputabilidade no comportamento da progenitora) – de que o perigo para a criança SC… ainda existe, muito embora com contornos diversos daqueles que impulsionaram os autos de promoção e proteção.
Importa sublinhar que, ao contrário do que parece resultar da invocação do recorrente (cfr. conclusão constante do ponto 47 da sua alegação), não se verifica qualquer ofensa, na decisão recorrida, ao estabelecido na regulação das responsabilidades parentais, pela medida implementada, pois, por um lado, a medida de proteção é provisória e cautelar e, por outro lado, tal regulação não prejudica que se estabeleça a intervenção protetiva do Tribunal, aliás, atualizada no processo de promoção e proteção face àquela regulação.
Ora, na tentativa de colmatar a situação de perigo evidenciado, o Tribunal - mais uma vez com inteiro acerto - concluiu nos seguintes termos:
“A dinâmica da relação da criança com o pai aparenta ser pautada pela ambivalência e por alguma insegurança na interação, oscilando o S…, entre momentos de aparente calma e tranquilidade, e de inquietação e ansiedade, com algum evitamento e resistência ao toque e ao contacto físico mais afetuoso.
O progenitor ao longo dos convívios manteve-se, regra geral, tolerante na resposta aos episódios de maior provocação e desafio protagonizados pelo S….
Considera-se, que o episódio vivenciado pela criança no dia do seu aniversário, poderá reforçar a ambivalência na relação com o pai, parecendo necessário que possam ser retomados os convívios com o progenitor, nos moldes acima descritos (páginas 9 e 10 do presente relatório) para que se possa avaliar o dano causado e restaurar a relação de maior proximidade e confiança que estava a ser construída.
Trata-se de uma situação familiar complexa, cujo conflito parental aparenta ter-se intensificado, nos meios e no nível de agressividade extrema com que se manifestou, com todas as consequências para o desenvolvimento psicoafectivo do S….
Propõe-se que os convívios no PEF sejam retomados, com a maior brevidade, nos moldes sugeridos e que os mesmos sejam alvo de avaliação no decorrer do período considerado (90 dias), pela equipa técnica do PEF.
Reforça-se a necessidade de serem trabalhadas competências parentais e familiares bem como a prevenção do conflito/violência junto do pai e da mãe, por equipa multidisciplinar especializada (Ex: CAFAP ou técnicas que trabalhão as “Constelações Familiares”) em articulação com a equipa do PEF SR…”.
É o superior interesse do S… que está em causa. Este, traduz-se no seu bemestar físico e psicológico.
Este bem-estar depende da pacificação da sua família pela diminuição do conflito, nas vertentes materna e paterna. É essa pacificação, por corresponder ao superior interesse da criança, que este tribunal sempre procurou e procurará fomentar.
Essa pacificação passará pelo trabalhar das competências parentais do pai e da mãe, bem como a prevenção do conflito/violência junto do pai e da mãe, por equipa multidisciplinar especializada (que a EMAT indicará, aceitando-se sugestões por parte dos progenitores).
É, pois, necessária a continuação da medida, com vista a poder desde logo providenciar-se por apoio psicopedagógico a esta família”.
Ou seja: A situação de contingência resultante do modo como os contactos entre progenitor e a criança decorreram, culminando na situação ocorrida em 24-08-2020, denotaram a evidência de uma situação de perigo, justificativa da manutenção – ou seja, da não alteração – da medida de proteção antes imposta.
Este juízo – provisório e contingente – é razoável e adequado à concreta situação – ela mesma também contingente e superável (assim o queiram os progenitores) de extrema conflitualidade familiar – na medida em que, o bem-estar do S… depende da pacificação da sua família e da estabilidade relacional com ambos os progenitores, estabilidade essa que não seria alcançável, aquando do momento da tomada da decisão recorrida (sem que existam elementos que determinem ter-se alterado uma tal conclusão), pela aplicação de outra medida de proteção.
E, daí, encontrar-se e concluir-se pela adequação da medida aplicada na decisão recorrida. Provisória e contingente, mas aquela que menor prejuízo causa no superior interesse da criança. E, porque baseada em diversos pressupostos fundamentadores (da decisão inicialmente aplicada) justificando o retomar dos contactos – ainda que supervisionados – entre o progenitor e a criança.
E, o Tribunal não deixou de aferir da justeza da manutenção dos moldes de execução da medida cuja aplicação mantinha. Conforme consta da decisão recorrida:
“E quanto ao modo de execução da medida, designadamente, quando ao tipo de contactos do S… com o pai/família paterna?
Este processo iniciou-se com a verbalização por parte do S…, de condutas extremamente graves por parte do pai. Estas condutas não corresponderão a actuações reais, como já neste despacho se demonstrou entender (com base nos elementos até agora presentes).
Mas evidenciam, pelo menos, que a criança está a manifestar exteriorizações derivadas a conflito de lealdade, sendo claramente conhecedora do antagonismo que a mãe e família materna nutrem pelo pai, sendo necessário, para preservar o seu bem-estar, “desconstruir os seus medos e eventuais crenças, e construir uma relação de maior confiança com o pai.” (cfr. relatório da EMAT que antecede).
Como também se refere no mesmo relatório, esta intervenção antevê-se longa no tempo e requer uma participação positiva e ativa de ambos os pais, centrada no superior interesse do filho, e uma intervenção psicoterapêutica com a criança será de todo benéfica para se harmonizar todo este processo.
De todo não se considera benéfico para a criança um reatamento imediato do relacionamento com o pai/família paterna da criança, sem qualquer supervisão, embora se equacione tal como objectivo futuro. Mas para isso, esta parte da família tem que se mostrar, aos olhos da criança, protetora, securizante, e merecedora de confiança, pois só esse estado de coisas permitirá que o tempo que virá a passar com ela lhe seja realmente benéfico.
Essa ligação, refira-se, já é evidenciada pelo à vontade que o S… mostrou nalguns convívios (não só perante o pai, mas também perante a madrasta, e os irmãos), mas como se refere no relatório que antecede, provavelmente sofreu um revés com os acontecimentos de 24 de Agosto de 2020, e carece de ser restaurada”.
Num quadro de grande conflitualidade dos progenitores – de que dão singela nota os vários apensos do presente processo – exponenciada na data de aniversário da criança (que deveria ser um particular e salutar momento de convívio com vista à produção de memórias positivas), onde, mesmo com supervisão de contactos, se atingiu – na presença da criança – um extremo grau de conflito, não se afigura, de qualquer modo, estabilizada a situação, que determine outra solução que não aquela que foi alcançada pelo Tribunal recorrido, sendo que, nenhum dos elementos referenciados pelo recorrente o justifica.
Este juízo não merece qualquer censura, sendo que, na procura do restabelecimento da estabilidade das interações entre os progenitores e a criança, se mostra não ser benéfico para esta que houvesse, sem qualquer intervenção de terceiros (suprindo o papel protetor que os pais não proporcionaram, eficazmente, à criança), o retomar de relacionamento da criança com o pai/família paterna, pelo que, se verifica que, a decisão recorrida aquilatou, de forma justificada, precisa, ponderada e coerente, todas as múltiplas condicionantes do contexto familiar da criança em questão, não se vislumbrando, de qualquer modo que tenham sido postergados ou violados os aludidos princípios da proporcionalidade, da adequação e da actualidade da medida, que, como se viu, ponderou, actualistica e legitimamente, todos os factos então apurados.
Assim, não tendo sido violados quaisquer normativos e mostrando-se que a medida tomada é a única que se adequa ao interesse da criança em questão, complexiva e concretamente considerado, deve manter-se a decisão recorrida, sendo julgada improcedente a apelação.
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A responsabilidade tributária incidirá sobre o recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida proferida em 21-09-2020.
Custas pelo recorrente, atento o seu integral decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
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Lisboa, 3 de dezembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes