CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
BEM COMUM
CONTRATO CELEBRADO POR UM CÔNJUGE
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
INCUMPRIMENTO
CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO
Sumário


I- No contrato de mediação o direito à remuneração não depende apenas do seu cumprimento, depende também da ocorrência de um evento que lhe é externo – o contrato visado ou um seu sucedâneo – e do sucesso daquele cumprimento, espelhado na exigência de um nexo de causalidade entre a actividade de mediação e o contrato a final celebrado.
II- Quando o contrato visado é celebrado após o termo do contrato de mediação (seja porque decorreu o prazo a que estava sujeito, seja porque lhe foi posto termo por iniciativa das partes ou de uma delas), mas por influência da actuação do mediador ainda em vida do contrato, o mediador mantém o direito à remuneração..
III- O contrato de mediação traduz-se essencialmente na prática de actos materiais, sem prejuízo da prática de alguns actos jurídicos tais como contratação de anúncios, pedido de certidões, apresentação de documentos a entidades oficiais, etc, pelo que a rectificação das discrepâncias de áreas entre o que constava do Registo Predial e das Finanças sempre teria de ser requerida pelos réus (proprietários) e a autora (mediadora imobiliária) estava ainda em tempo de os informar, caso os réus e a compradora tivessem mostrado interesse na prossecução do negócio.
IV- Assim, o alegado “incumprimento” apontado à autora (mediadora) pelos apelantes, é apenas imputável à respectiva conduta, já que, em ordem a furtarem-se ao pagamento da remuneração devida à autora, simularam já não estarem interessados em vender e denunciaram o contrato.
V- Tratando-se de bem comum e apesar do contrato se mostrar apenas assinado pela mulher, uma vez que foi celebrado na sequência de uma decisão conjunta do casal, a remuneração devida à imobiliária é dívida comum, pois contraída pela ré mulher, dentro dos limites dos seus poderes de administração, com a concordância do réu marido e em proveito comum do casal (art.º 1678º nº 3 e 1691º nº 1 al. a) e c) do Código Civil), tanto mais que, na sequência da actividade desenvolvida pela autora, o negócio almejado se veio a concretizar e nele interveio o réu marido.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

X - Mediação Imobiliária, Lda., que utiliza o nome de Y - Mediação Imobiliária, Lda., instaurou acção declarativa condenatória, com processo comum, contra M. C. e M. M., pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €11.070,00, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que celebrou um contrato de mediação imobiliária com a ré, em regime de exclusividade, pelo período de 9 meses, renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos, mediante o qual a ré a incumbiu de promover a venda de um prédio rústico, destinado à construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., sito na União de freguesias de ..., pelo preço inicial de €265.000,00, que posteriormente foi revisto em baixa para € 250.000,00, mediante a remuneração correspondente a 5% sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado, acrescido do IVA à taxa legal em vigor. A autora cumpriu aquilo a que se obrigou, tendo diligenciado pela promoção do imóvel, realizando diversas acções publicitárias. No decurso dessas acções de promoção de venda, foi contactada por E. R. que apresentou uma proposta de compra desde que o valor fosse inferior a €150.000,00. Tal proposta foi rejeitada pelos réus. A interessada reviu a sua proposta em alta para os €175.000,00 a qual também foi rejeitada pelos réus. Quer a interessada, quer os réus deixaram de mostrar interesse na referida venda e, pouco tempo depois, a ré denunciou o contrato celebrado com a autora para o seu termo. Sucede que, a autora veio a ter conhecimento que o imóvel foi vendido à referida interessada, por escritura pública celebrada em 29 de Março de 2019, pelo preço global de €180.000,00. Perante a informação obtida, a autora interpelou os réus para procederem ao pagamento da quantia devida nos termos do contrato, no montante de € 9.000,00, acrescido do IVA, tendo a ré recusado esse pagamento.

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Os réus, contestaram, invocando a excepção de ilegitimidade do réu M. M., com fundamento de que este não subscreveu o contrato de mediação imobiliária.
No mais, aceitando a celebração do contrato e os seus termos, impugnaram os demais factos constantes da P.I., defendendo que a autora não tem direito a receber a remuneração reclamada, porquanto a venda não se deveu à sua intervenção.
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Notificada da contestação, a autora respondeu à excepção deduzida pelos réus, pugnando pela legitimidade do réu marido.
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Foi proferido despacho saneador, tendo-se conhecido da excepção de ilegitimidade, que foi julgada improcedente.
De seguida, dispensou-se a fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, procedendo-se, de imediato, à marcação da audiência final.
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Realizou-se a audiência de julgamento, e proferiu-se sentença em que se decidiu:
«Pelo exposto julgo totalmente procedente a presente acção, e em consequência, condeno os Réus a pagar à Autora a quantia de € 11.070,00 (onze mil e setenta euros), acrescida dos juros de mora, à taxa comercial, a contar da interpelação até efectivo e integral pagamento.
Custas pelos Réus (art.º 527º, nº 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil).»
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Inconformados, os réus interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«2.º Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que julgou a ação totalmente procedente.
3.º Com interesse para o presente recurso e em suma, deu-se por provado que em setembro de 2018, a Sra. E. R. contactou a Autora a solicitar informações sobre o terreno, que remeteu uma proposta por valor inferior a € 150.000,00 que, transmitida aos Réus, a recusaram. Deu-se ainda por provado que a proponente reviu a proposta em alta para o valor de € 175.000,00, proposta uma vez mais declinada e alegadamente comunicada à proponente. Deu ainda por provado a sentença a quo que quer os Réus quer a interessada deixaram de demonstrar interesse na venda e a final que estes agiram em conluio para prejudicar a Autora e os Réus se furtarem ao pagamento da comissão devida pela concretização da venda do imóvel.
4.º Determinou-se como não provado que "b) A Ré mulher denunciou o contrato de mediação, em virtude de ter decidido juntamente cm o marido e os filhos fazer partilhas deixando o destino do terreno nas mãos dos filhos." e "c) A E. R. nunca informou os Réus que contactou a Autora para adquirir o prédio, mesmo depois da concretização do negócio.".
5.° Entendem os Recorrentes que impende alterar a matéria de facto.
6.º Desde logo atendendo às declarações de parte da Ré mulher, M. C. [declarações com referência à ata do dia 04-11-2019, com início às 09:59:58 e fim às 10:24:54], esta diz que a Autora lhe apresentou, na pessoa do seu representante legal, L. M. e angariadora comercial S. O., uma proposta de compra do imóvel por valor inferior a € 150.000,00, que recusou. Disse ainda que nunca lhe foi dito quem era a/o proponente, referido o seu nome, género ou apresentada/o pessoalmente.
7.º Destas declarações resulta ainda que não lhe foi apresentada mais nenhuma proposta ao longo de toda a vigência do contrato de mediação.
8.º Por sua vez, do depoimento da testemunha E. R. [depoimento com referência à ata do dia 04-11-2019, com início às 10:36:32 e fim às 11 :05 :03], resulta que esta não apresentou segunda proposta, apenas uma por valor inferior a € 150.000,00 e que a Autora não lhe deu qualquer resposta acerca esta, tendo sido a própria interessada a voltar a entrar em contacto com a Autora para conhecer a posição dos Réus.
9.º Da prova produzida não se pode extrair a conclusão que foi dada como provada, antes pelo contrário, deverá ser dado por não provado "k) A proponente E. R. reviu a sua proposta em alta para o valor de € 175.000,00, que comunicou à Autora." e "I) A Autora comunicou a nova proposta aos Réus, que a recusaram." .
10.º Resulta de toda a prova produzida, documental e testemunhal que a Ré mulher denunciou o contrato de mediação imobiliária por doença e intenção de proceder às partilhas dos seus bens com os seus herdeiros. Intenção há data e que se manteve pois os réus entendem ter "entregue" o terreno aos filhos, para que fizessem o que entendessem ser o melhor. A Ré mulher, a partir desta data, entendia o terreno como se já não fosse um bem seu, mas já dos filhos.
11.º Pelo que, no entendimento dos Recorrentes, deveria ter sido dado por provado: "b) A Ré mulher denunciou o contrato de mediação, em virtude de ter decidido juntamente com o marido e os falhos fazer partilhas deixando o destino do terreno nas mãos dos filhos."
12.º Neste segmento, a Ré mulher reuniu os seus filhos em agosto de 2019 e comunicou-lhes tal decisão, o mesmo fazendo para com a imobiliária, primeiro pessoalmente e depois, formalizando tal intenção por envio de carta registada, junta aos autos. Em virtude do seu estado de saúde débil e agravado, "entregou" o terreno aos filhos, permitindo-lhes darem ao referido terreno o destino que entendessem ser-lhes benéfico.
13.º Assim, os Recorrentes nunca incumbiram os filhos de vender o terreno por eles, de modo a se subtraírem ao pagamento da comissão à Autora.
14.º Na verdade, os Réus estavam convictos de que não conseguiriam a venda do terreno em tempo útil (atente-se que o terreno estava para venda naquela imobiliária desde setembro de 2017 e anteriormente esteve noutras imobiliárias e nunca houve perspetiva de realização de negócio), e a Ré mulher, atenta a doença oncológica que enfrentava, queria deixar as partilhas feitas em vida.
15.º Tendo "entregue" o imóvel aos filhos, os Réus não mais o conjeturaram como sua propriedade, deixando o seu destino à mercê dos seus filhos. Após esta "entrega" aos filhos, surge o contacto da interessada, E. R., que tendo perguntado pela zona quem era o proprietário do terreno, chegou à A. F., filha dos Réus, com quem a partir de então negociou e acordou todos os termos para compra e venda do imóvel, designadamente preço, datas, conforme resulta das transcrições das testemunhas acima transcritas e demais prova produzida em audiência de julgamento.
16.º É à filha dos Réus, A. F., que a compradora E. R. diz, em conversa ocasional, já ter tentado a compra do imóvel por proposta inferior a € 150.000,00 por intermédio da Y. Nunca tal informação é transmitida pela compradora à Ré ou marido.
17.º Os filhos da Ré, por sua vez, tendo a mãe lhes transmitido que tinha denunciado o contrato de mediação imobiliária para proceder a partilhas, entenderam estar o contrato cessado, nunca configurando a hipótese de este ainda vigorar ou de qualquer implicação por a interessada se afigurar ser a mesma.
18.º Pelo que entendem os Recorrentes que deveria ter sido dado por provado:
"c) A E. R. nunca informou os Réus que contactou a Autora para adquirir o prédio, mesmo depois da concretização do negócio."
19.º Neste sentido, pode igualmente concluir-se desde logo que não existe qualquer conluio entre os Réus e a compradora, porquanto conforme asseveram os seus depoimentos bem como os das suas filhas, a compradora desconhecia de quem era terreno, teve de perguntar pela zona se sabiam quem era o seu dono, tendo sido apontado o nome "A. F.", filha da Ré ora recorrente, com quem a compradora logrou estabelecer contacto e manifestou a sua intenção de comprar o imóvel. Várias vezes reitera a compradora E. R. que o negócio foi celebrado e no todo convencionado com as filhas da Ré, mormente com a A. F..
20.º Em momento algum a Autora apresentou a interessada aos Réus, ou indicou as suas identidades.
21.º Não só não existe conluio como não se concebe que a Mm". Juiz a quo tenha dado por provado que a interessada deixou de manifestar interesse na compra do imóvel. Antes pelo contrário, nas diversas instâncias a interessada e compradora E. R. referiu que estava efetivamente interessada na compra daquele imóvel para construir o seu escritório de contabilidade. Tanto mais que ligou à imobiliária, submeteu a proposta via email conforme lhe foi solicitado pela Autora e, não tendo obtido resposta, voltou a entrar em contacto via telefónica com a Autora, que só nesta altura lhe diz que afinal a vendedora já não pretende vender pois iria proceder a partilhas com os seus herdeiros.
22.º Em momento algum a interessada perdeu o interesse nem de tal facto foi produzida prova bastante que permita a sentença a quo dar tal facto como provado, assim enfermando de erro na apreciação da prova.
23.º A interessada desconhecia os proprietários do terreno bem como desconhecia o regime do contrato de mediação e respetiva comissão acordada.
24.º A Ré mulher viu a compradora pessoalmente somente em duas ocasiões, a primeira pouco antes da escritura pública, em data que não souberam precisar, mas na qual se encontraram para que a Ré indicasse à compradora os limites do terreno e a segunda no dia da escritura pública de compra e venda.
25.º Anteriormente a estas ocasiões, a Ré mulher e a compradora não se conheciam nem nunca tinham entrado em contacto.
26.º Conluio implica que haja um ajuste doloso entre duas ou mais pessoas com o desígnio de enganar e prejudicar terceiro em proveito próprio.
27.º Tal tese cai inevitavelmente por terra porquanto para a interessada e compradora, E. R., não há qualquer proveito a fruir. Inexiste qualquer intuito de enganar terceiros quer por parte da Ré mulher, quer por parte da compradora. No que tange aos filhos da Ré, responsáveis pela concretização do negócio, também estes desconheciam o regime de exclusividade do contrato de mediação imobiliária bem como desconheciam que este ainda se encontrava em vigor à data das negociações tendentes ao negócio que se veio a concretizar.
28.º Não houve qualquer atuação concertada entre Réus ou seus filhos e compradora E. R. para prejudicar a Autora, limitando-se esta a perseguir o seu interesse, adquirir o prédio rústico e os filhos dos Recorrentes a aproveitar a oportunidade de negócio que lhes surgiu, levado ao seu conhecimento pela própria compradora, que diretamente com os filhos dos Recorrentes negociou a compra e venda do referido imóvel e seus termos.
29.º A testemunha e trabalhadora da Autora, S. O., no seu depoimento [com referência à ata do dia 04-11-2019, com início às 11:05:38 e fim às 11:29:02] refere ter mostrado o terreno à interessada E. R., o que diz não ser verdade e a própria petição inicial da Autora confirma: não houve qualquer visita ao local com a interessada E. R.. Tal é demonstrativo da falta de credibilidade do depoimento desta testemunha e de toda a pretensão da Autora, que nada fez para incitar à conclusão deste negócio e pretende receber uma comissão à qual sabe não ter direito pois em nada contribuiu para a efetivacão do negócio.
30.º Pelo exposto, deverá a sentença a quo ser alterada, dando-se por não provado: "m) Após, quer os Réus quer a interessada deixaram de demonstrar interesse na referida venda, mostrando que não tinha existido entendimento das negociações." e" t) Os réus e a compradora agiram em conluio de modo a prejudicar a Autora e os Réus se furtarem ao pagamento da comissão devida pela concretização da venda do imóvel".
31.º Com interesse para a sindicância da matéria de direito aplicável atente-se também ao depoimento da testemunha M. J., [depoimento com referência à ata do dia 04-11-2019, com início às 11:29:34 e fim às 11:45:44], que contradiz a colega de trabalho e anterior testemunha, S. O., deixando claro que a Autora, quando informada da denúncia do contrato, eliminou o imóvel da sua base de dados e deixou de promover pela sua venda. Esclarecendo que a denúncia teve efeitos de cessação do contrato "imediatos".
32.º Assim, não existiu qualquer nexo de causalidade entre a intervenção da Autora e o negócio que se veio a realizar.
33.º Não se observam os elementos caracterizadores dos contratos de mediação imobiliária, falhando desde logo a Autora na obrigação de aproximação de sujeitos e na atividade tendente à celebração do negócio - vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2018 no processo n.º 3640/16.2T8MTS.Pl.
34.º Resulta inquestionável da prova produzida que a Autora nunca estabeleceu contacto direito entre os Réus e a interessada. Nunca identificou aos Réus a interessada, nem o contrário. A proposta da interessada foi transmitida pela Autora aos Réus. A Autora não procurou aproximar as partes, como deveria, mormente ao nível da proposta tendente à concretização do negócio.
35.º A Autora sabia que a Ré mulher estaria disposta a descer ao valor acordado (duzentos e cinquenta mil), no máximo € 5.000,00. Os Réus venderiam o terreno por € 245.000,00, o que nunca foi transmitido à interessada (!) conforme resulta não só do depoimento desta, mas também da Autora na pessoa do seu representante legal L. M. e trabalhadora S. O..
36.º Com efeito, quando a Ré declina a proposta apresentada (em 7 de setembro de 2018), a Autora remete-se ao silêncio. É a interessada que, estranhando a delonga em obter resposta, entra em contacto para a obter, altura em que lhe transmitem que os proprietários já não tencionam vender o terreno, mas antes proceder a partilhas. Mais de um mês após a apresentação da proposta, é que a interessada volta a contactar, solicitando resposta e lhe é transmitido que a Autora já não diligencia pela venda por motivo de partilhas.
37.º É, portanto, inegável a falta e a má conduta da Autora, negligente até. Pelo que não se concebe que se considerem verificados os elementos elencados e sem os quais, não pode a presente ação proceder.
38.º A Autora não contribuiu para a concretização do negócio, nem se preocupou em certificar-se da correspondência entre as características do imóvel e as fornecidas pelos Réus, seus clientes, de igual modo descurando de verificar a viabilidade para proceder à transmissão do imóvel. Na verdade, por discrepâncias na área do terreno entre o registo predial e as finanças, foi necessária a retificação da área, entre outros procedimentos pelos quais a Autora nunca diligenciou nem alertou os Réus. Incumpriu a obrigação de "comunicar imediatamente aos destinatários, qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado", como lhe impendia comunicar de imediato à interessada que os proprietários já não tencionavam vender o terreno, o que não sucedeu. Ao invés, deixaram a interessada sem resposta. Tal é, dir-se-á, demonstrativo da falta de interesse em vender o terreno por parte da Autora!
39.º Não cumpriu a Autora com o grau de diligência que lhe era exigido.
40.º Julgou a sentença a quo não se verificar a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré mulher por apenas esta ter assinado o contrato de mediação imobiliária e não o seu marido também, dado tratar-se de um bem comum.
41.º Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/02/2017, processo n." 1671/15.9T8VCT.Gl entendeu: "N - Se não houver, sequer, uma aparência de declaração de vontade não existe negócio jurídico. V - É, assim, ineficaz quanto à Ré o contrato de mediação imobiliária celebrado e assinado apenas pelo Réu, se se não provou qualquer facto do qual se possa extrair que aquela tenha, de algum modo, aderido ao contrato ou assumido a disponibilidade de pagar ou contribuir para o pagamento da comissão pretendida pela mediadora."
42.º Pelo que também nesta parte enferma a sentença porquanto face ao Réu marido, deveria ter sido julgada procedente a exceção de ilegitimidade.
43.º Entendem os Recorrentes não ser devida qualquer retribuição à Autora, socorrendo-se desde logo no entendimento exarado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2018, processo n." 7439/16.8T8STB.El " II - A atribuição de tal remuneração pressupõe, outrossim, que o contrato visado esteja em vias de se concretizar, i.e. que a mediadora tenha cumprido a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio i.e. uma pessoa que se disponha a satisfazer as condições que o seu cliente tenha estabelecido para a sua concretização (v.g. preço (in) existência de contrato promessa, montante do sinal, momento da celebração do contrato visado). ( ... ) IV - Além disso, esta previsão normativa - enquadrável num quadro de responsabilidade civil do cliente - tem como propósito ressarcir o mediador, colocando-o na situação em que estaria se não fosse a conduta culposa daquele (art." 5620 do Cód, Civil). V - Em contrapartida, não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição nesta situação quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, i.e. alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha anuído ainda a fazê-lo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador." (sublinhado, negrito e itálico no original).
44.º No mesmo sentido, exara ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/02/2017, processo n." 1671/15.9T8VCT.GI que "VI - A remuneração da mediadora imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação pelo que, em princípio, se se não concretizar o negócio também não haverá qualquer remuneração a pagar. VII - O direito da mediadora imobiliária à remuneração depende, assim, da verificação de uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão do negócio.
45.º Importa que exista um nexo de causalidade entre a atuação da mediadora, a Autora e o negócio realizado. Ora, in casu, não se pode entender que o negócio celebrado o tenha sido em virtude da atuação da Autora, que simplesmente publicitou o imóvel, designadamente com uma placa no local, placa esta que a compradora viu e despertou o seu interesse.
46.º A conduta quase inexistente, negligente e desatenta da Autora não contribuiu para a efetivação do negócio, pelo que nestes termos teria de improceder a presente ação.
47.º Desta forma, entendem os Recorrentes que a existência de potencial cliente para a compra, ou existência de mero interessado no imóvel, não é o mesmo que existência de cliente seguro para o negócio, sendo que para que esta situação existisse, necessário se tornava que a Autora tivesse conseguido que a interessada houvesse concordado com o preço exigido pelos Rés ao tempo da angariação pela mediadora.
Termos pelos quais, deverá ser alterada a sentença recorrida, conclundo.se pela improcedência total da presente acção.».
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A autora contra-alegou.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:

A) Reapreciação da prova no tocante ao pontos da decisão da matéria de facto cuja decisão vem impugnada.
B) No tocante à aplicação do direito:
– Se é devida remuneração à autora pela actividade de mediação imobiliária desenvolvida.
– Em caso afirmativo, decidir se o réu marido também é responsável pelo pagamento da dívida.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A) Factualidade julgada provada na sentença:

«a) A Autora e a Ré M. C. celebraram o escrito denominado “Contrato de Mediação Imobiliária em Exclusivo”, datado de 29 de Setembro de 2017, que teve por objecto o prédio rústico, destinado a construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., sito no Lugar ..., União de freguesias de ..., no concelho de Viana do Castelo.
b) O referido contrato foi celebrado em regime de exclusividade, pelo período de 9 meses, renovando-se automaticamente, por iguais e sucessivos períodos, caso não fosse denunciado por nenhuma das partes contratantes.
c) O primeiro período de vigência terminou em 28 de Junho de 2018, tendo-se renovado por um novo período, de 29 de Junho de 2018 a 28 de Março de 2019, uma vez que não houve qualquer denúncia por parte dos Réus.
d) Através do referido contrato, a Ré incumbiu a Autora de promover a venda do referido prédio, pelo valor de € 265.000,00, valor que foi revisto em baixa, em 21 de Fevereiro de 2018, para o valor de € 250.000,00.
e) Foi acordado entre as partes, que, com a concretização do negócio de compra e venda, a Autora teria direito a receber a quantia correspondente a 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida do IVA à taxa legal em vigor (cfr. cláusula 5ª do contrato).
f) O referido contrato foi celebrado na sequência de uma decisão conjunta de ambos os Réus em colocar o terreno à venda por intermédio de uma imobiliária.
g) Durante a vigência do contrato, a Autora promoveu a venda do imóvel, através da inclusão de placas publicitárias no imóvel e da inserção do mesmo nos panfletos da Autora.
h) No início de Setembro de 2018, a Srª E. R., contactou a Autora, solicitando informações sobre o terreno.
i) No mesmo dia, a referida E. R. remeteu para a Autora, através de email uma proposta de compra do terreno, por valor inferior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
j) Transmitida a proposta aos Réus, estes recusaram-na, posição que foi comunicada à proponente.
k) A proponente E. R. reviu a sua proposta em alta para o valor de €175.000,00, que comunicou à Autora.
l) A Autora comunicou a nova proposta aos Réus, que a recusaram.
m) Após, quer os Réus, quer a interessada, deixaram de demonstrar interesse na referida venda, mostrando que não tinha existido entendimento nas negociações.
n) Por carta registada com AR datada de 22 de Outubro de 2018, a Ré M. C. comunicou à Autora a sua intenção de não renovar o contrato de mediação imobiliária, procedendo à sua denuncia para o seu termo, em 29 de Março de 2019.
o) Tal missiva, foi enviada no seguimento da comunicação por parte da Ré à Autora, que o terreno afinal não iria ser vendido, e que havia decidido proceder à partilha dos bens pelos seus filhos.
p) Por escritura pública de “Compra e Venda” celebrada no dia 29 de Março de 2019, exarada na Conservatória do Registo Predial ..., processo Casa Pronta nº 11745/2019, M. C. e M. M. (aqui Réus), declararam vender a E. R., o prédio rústico, composto de bouça de mato e pinheiros, situado no Lugar ..., União de freguesias de ..., inscrito na matriz predial rústica sob o nº …º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../19881031, freguesia de …, pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).
q) Na referida escritura foi declarado pelos outorgantes, para além do mais, que o pagamento do preço foi feito da seguinte forma: “Como sinal e princípio de pagamento no dia 26/10/2018, a quantia de vinte mil euros, mediante cheque nominativo nº 681...6013, sacado sobre a Caixa ..., S.A.; - No dia 14/12/2018, a quantia de quarenta mil euros, mediante cheque nominativo nº 6215241885, sacado sobre a Caixa ..., S.A.; - O remanescente no montante de cento e vinte mil euros, é efectuado neste acto, mediante cheque nominativo nº 3616977455, sacado sobre a Caixa ..., S.A..”
r) Na sequência do conhecimento da celebração da referida escritura pública, a Autora, através de carta registada com AR, datada de 02 de Abril de 2019, interpelou os Réus para procederem ao pagamento da quantia global de €11.070,00, correspondente à remuneração devida pela mediação imobiliária, de €9.000,00, acrescida de IVA.
s) A Ré respondeu à referida missiva, recusando o pagamento.
t) Os Réus e a compradora agiram em conluio de modo a prejudicar a Autora e os Réus se furtarem ao pagamento da comissão devida pela concretização da venda do imóvel.

B) Factos julgados não provados:

a) Os Réus só tomaram conhecimento em 02 de Abril de 2019, que a compradora E. R. era a pessoa que havia alegadamente apresentado a proposta inicial, por intermédio da Autora.
b) A Ré mulher denunciou o contrato de mediação, em virtude de ter decidido juntamente com o marido e os filhos fazer partilhas, deixando o destino do terreno nas mãos dos filhos.
c) A E. R. nunca informou os Réus que contactou a Autora para adquirir o prédio, mesmo depois da concretização do negócio.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) Impugnação da matéria de facto

Os recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto no que tange à matéria julgada provada sob as alíneas K) e I), M) e T) concretamente:

k) A proponente E. R. reviu a sua proposta em alta para o valor de €175.000,00, que comunicou à Autora.
I) A Autora comunicou a nova proposta aos Réus, que a recusaram.
m) Após, quer os Réus quer a interessada deixaram de demonstrar interesse na referida venda, mostrando que não tinha existido entendimento das negociações.
t) Os réus e a compradora agiram em conluio de modo a prejudicar a Autora e os Réus se furtarem ao pagamento da comissão devida pela concretização da venda do imóvel.
Pugnam no sentido de que, reapreciados os meios de prova que indicam, esta matéria seja julgada não provada.

Insurgem-se ainda contra a decisão da matéria de facto na parte em que julgou não provada a factualidade elencada nas als. b) e c) dos factos não provados, concretamente:

b) A Ré mulher denunciou o contrato de mediação, em virtude de ter decidido juntamente cm o marido e os filhos fazer partilhas deixando o destino do terreno nas mãos dos filhos.
c) A E. R. nunca informou os Réus que contactou a Autora para adquirir o prédio, mesmo depois da concretização do negócio.

Pugnam para que esta matéria seja por nós julgada provada.
Para tanto fazem apelo a toda a prova documental e testemunhal, mas especificamente, cumprindo o ónus que lhes é imposto pelo art.º 640º do CPC, invocam as declarações de parte da ré mulher, M. C. e os depoimentos das testemunhas E. R. e M. J.. Referem ainda o depoimento de S. O. com vista a que o mesmo seja descredibilizado.
Ouvimos as declarações e depoimentos indicados pelos apelantes, bem como os demais, analisamos ainda a prova documental junta aos autos, nomeadamente a escritura de compra e venda, importante no tocante às datas dos pagamentos que nela são mencionados, como adiante veremos.
No tocante à factualidade que os recorrentes sustentam ter sido indevidamente julgada provada, cuja interligação levará uma reapreciação conjunta, temos o depoimento de S. O. e do representante da autora, L. M., por um lado, e, por outro, os depoimentos da E. R. (a compradora) e da ré M. C..
Na análise do que foi dito por estas testemunhas e partes tivemos em conta o que consta dos factos não impugnados e, acima de tudo, dos documentos, que não são postos em causa pelas partes, mencionados nas alíneas N) e Q) dos factos provados.
Ora, a narrativa que a testemunha E. R. e a ré M. C. desenvolveram no sentido de convencer o Tribunal de que tudo se passou conforme retratado nos factos não provados das alíneas b) e c) e que o que consta dos factos provados sob as alíneas K), L), M) e T) não corresponde à verdade, é totalmente arrasada pelo que resulta dos ditos documentos e demais prova produzida, quando não pelas suas próprias incongruências.
Efectivamente, está já assente que a testemunha E. R. (compradora) comunicou à autora estar interessada na aquisição do prédio que esta publicitou para venda, no âmbito do contrato de mediação celebrado, em Setembro de 2018, apresentando proposta que foi comunicada à ré – factos provados das alíneas H), I) e J) – e que, apesar do contrato já estar em vigor desde 29.9.2017, sem propostas, logo no mês seguinte à apresentação de proposta a ré informa a autora de que o terreno afinal não iria ser vendido, e que havia decidido proceder à partilha dos bens pelos seus filhos, denunciando o contrato por carta datada de 22/10 – als. N) e O) dos factos provados – sendo certo que tal não podia corresponder à verdade, pois, logo no dia 26/10/2018 (4 dias após a data aposta na carta) recebeu da testemunha E. R., a título de sinal e princípio de pagamento do projectado negócio, a quantia de vinte mil euros, mediante cheque nominativo nº 681...6013, sacado sobre a Caixa ..., S.A. [escritura pública de compra e venda e facto da al. Q) dos factos provados].
Ora, em nosso entender, estes factos permitem, só por si, concluir pela prova da matéria da alínea T) dos factos provados, (prova por presunção judicial – artºs 349º e 351º do CC). E note-se que os demais factos, cuja prova aqui está em reapreciação são meramente instrumentais deste facto.
Os referidos documentos, mormente a data do 1º pagamento a título de sinal, arrasam a credibilidade do depoimento da testemunha E. R., invocado pelos apelantes, a qual, quando inquirida, tentou fazer crer que se desinteressara do negócio por o seu marido não estar de acordo e que só mais tarde, no ano de 2019, avançou para a compra.
Contudo, quando confrontada com o que constava da escritura, relativamente ao primeiro pagamento que fizera a título de sinal, e que admitiu que se lá constava assim teria sido, já não conseguiu manter qualquer coerência no seu depoimento.
De tal forma que acabou por admitir: – “Depois se calhar não estava interessada em fazer mais… uma vez que já estava a abordar os próprios, já não estava interessada mais em fazer. Provavelmente, dei essa desculpa. Não dei a desculpa… acabei por… era um facto que se punha”.
Ou seja, continuava interessada no negócio, disse à mediadora que não, porque passou a negociar directamente com os réus, inicialmente através das filhas destes.
O mesmo sucede com as declarações da ré, a qual não consegue explicar como é que em 22-10-2018 denunciou o contrato de mediação por terem desistido da venda em razão de terem resolvido efectuar a partilha e 4 (quatro) dias depois recebe um cheque de 20.000 euros da testemunha E. R. para sinalizar a venda do imóvel.
Aliás as declarações da ré, na tentativa de demonstrar que desistiram do negócio em virtude de terem decidido, nessa altura, efectuar partilhas, foram infirmadas pela sua própria filha, testemunha A. F., que terá intermediado as negociações que se seguiram com a interessada E. R..
Efectivamente a testemunha A. F. afirmou que seus pais decidiram fazer partilhas em Agosto de 2018, altura em que foi possível reunir todos os filhos, por alguns residirem no estrangeiro, mas que a intenção nunca deixou de ser a de vender o prédio.
Também o depoimento da citada A. F. (17:11 a 18:15 minutos), demonstra que, contrariamente ao que a ré afirmara, não foi só na altura da escritura que conheceu a compradora, pois acompanhou-a ao terreno ainda antes de receber o primeiro cheque, ou seja, na altura em que denunciou o contrato. E note-se que a escritura é marcada para a data em que o contrato cessaria os seus efeitos. Tudo devidamente combinado.
Já os depoimentos da testemunha S. O. e do legal representante da autora, no tocante à matéria das alíneas K), L) e M) mostraram-se coerentes e convincentes, em nada se mostrando abalados, antes confirmados, pelo invocado depoimento da testemunha M. J., de que os recorrentes apenas transcrevem os excertos que lhes convêm.
Por tudo o que vem exposto a nossa convicção coincide inteiramente com a Mmª juiz “ a quo”, improcedendo nesta parte as conclusões dos apelantes, mantendo-se intocada a matéria de facto julgada provada e não provada na sentença.

B) Aplicação do direito aos factos

No caso em apreço a autora vem exigir a remuneração que entende ser-lhe devida em razão do contrato escrito celebrado com a ré mulher, o qual configura como um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade.
Não se discute, no âmbito deste recurso, a configuração do contrato subjacente ao pedido, nem o seu enquadramento jurídico, mas tão só se é devida a remuneração e se ambos os réus são responsáveis pelo seu pagamento à autora.
A Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro (RJAMI), regula actualmente a actividade de mediação imobiliária.
De acordo com o referido diploma a contrato de mediação imobiliária é aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta ou o arrendamento dos mesmos, o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis, mediante remuneração devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (1).
A actividade que o mediador desenvolve no âmbito do contrato e por causa dele, apta a satisfazer o interesse contratual do cliente, isto é, em encontrar um interessado no contrato desejado, materializa-se num conjunto de actos, maioritariamente, de publicitação e promoção do objecto mediato do contrato que o cliente deseja celebrar, bem como de divulgação das condições pretendidas.
“No plano dos factos, para conseguir tais desideratos, o mediador pratica actos muito diversificados (visitas, mostras, afixação de placas publicitárias, contratação de anúncios, recolha de informações e de documentos, prestação de informações, entrevistas e reuniões, entre outros), todos eles a montante do contrato que o cliente pretende celebrar” (2).
No contrato de mediação o direito à remuneração não depende apenas do seu cumprimento, depende também da ocorrência de um evento que lhe é externo – o contrato visado ou um seu sucedâneo – e do sucesso daquele cumprimento, espelhado na exigência de um nexo de causalidade entre a actividade de mediação e o contrato a final celebrado.
“O evento externo consiste na celebração, também dita conclusão, do contrato visado, que está na disponibilidade do cliente e de um terceiro. Diz a nossa doutrina que «a retribuição só é devida com a conclusão do contrato definitivo: não bastam esforços nesse sentido” (3)

Tal resulta expressamente do disposto no art.º 19, n.º 1, do RJAMI, o qual estabelece:

1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

É consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, “quando o contrato visado é celebrado após o termo do contrato de mediação (seja porque decorreu o prazo a que estava sujeito, seja porque lhe foi posto termo por iniciativa das partes ou de uma delas), mas por influência da actuação do mediador ainda em vida do contrato, o mediador mantém o direito à remuneração” (4)
Neste sentido vejam-se, entre muitos, os acórdãos do STJ de 15/11/2007, (proc. 07B3569) e deste Relação de 13.2.2020, relatado por Alcides Rodrigues (proc. 849/18.8T8BGC.G1), publicados em dgsi.pt.

No caso em apreço e em face dos factos provados, a autora não só cumpriu as suas obrigações contratuais como logrou encontrar interessado na aquisição do prédio dos réus.
O negócio veio a celebrar-se (concretizar-se) precisamente devido à actividade desenvolvida pela autora, publicitando a venda.
Foi através da autora que a compradora tomou conhecimento de que os réus pretendiam vender o prédio rústico que lhes veio a adquirir e que apresentou a sua proposta inicial e a seguinte.
Há assim, contrariamente ao defendido pelos apelantes, o necessário nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pela autora nos termos do contrato de mediação que celebrou com os réus e a venda que estes efectuaram à interessada E. R., sendo indiferente que a celebração do contrato tenha ocorrido após a sua cessação (no dia seguinte).
Assim como é indiferente que a venda se tenha realizado por preço inferior ao indicado pelos réus no contrato de mediação (5).
Invocam os apelantes que a autora não cumpriu as suas obrigações contratuais, não usando da diligência que se lhe exigia, pois, “quando a ré declina a proposta apresentada (em 7 de Setembro de 2018), a autora remete-se ao silêncio (…) e nem se preocupou em certificar-se da correspondência entre as características do imóvel e as fornecidas pelos réus, seus clientes, de igual modo descurando de verificar a viabilidade para proceder à transmissão do imóvel” (conclusões 35ª a 39ª).
Dos factos provados não emerge que a autora tenha descurado as suas obrigações no tocante à transmissão das propostas apresentadas. Se mais não fez, como já antes discorremos, é porque a ré e a interessada na aquisição do prédio decidiram negociar directamente, ocultando-lhe tal facto e transmitindo que se tinham desinteressado de negócio, porque uma já não queria vender, pois decidira partilhar o prédio, e outra não subiu o valor que oferecera e fora recusado.
Quanto ao incumprimento pela autora do seu dever de "comunicar imediatamente aos destinatários, qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado" (art.º 17º nº 1 al. d) do RJAMI), note-se que a alegada discrepância é sanável não impedindo a celebração do negócio.
Acresce que, como atrás referimos, o contrato de mediação traduz-se essencialmente na prática de actos materiais, sem prejuízo da prática de alguns actos jurídicos tais como contratação de anúncios, pedido de certidões, apresentação de documentos a entidades oficiais, etc. (6)
A rectificação das discrepâncias de áreas entre o que constava do Registo Predial e das Finanças sempre teria de ser requerida pelos réus e a autora estava em tempo de os informar, caso os réus e a compradora tivessem mostrado interesse na prossecução do negócio.
Assim, o “incumprimento” apontado à autora pelos apelantes nas conclusões 38ª e 39ª das respectivas alegações é imputável à respectiva conduta, pois que, em ordem a furtarem-se ao pagamento da remuneração devida à autora, simularam já não estarem interessados em vender e denunciaram o contrato.
Por último, “a latere”, insurgindo-se contra a sentença e não contra o saneador, que não impugnam, sendo certo que se com ele não concordavam deveriam impugná-lo juntamente com o recurso da sentença (art.º 644º nº 3 do CPC), invocam ainda os recorrentes a ilegitimidade do réu marido, por não ter subscrito o contrato de intermediação.
Tal questão (legitimidade processual), não tendo sido impugnado o despacho saneador, mostra-se transitada em julgado.
De qualquer forma concordamos com o decidido nessa sede, isto é, que “(…) o contrato de mediação se enquadra numa decisão conjunta dos cônjuges em vender o prédio, tal como admitido pelos Réus, sendo que a sua outorga apenas pela Ré se contém nos actos de administração ordinária dos bens comuns do casal, e em seu proveito comum (1678º, nº 3 e 1691º,nº 1, al. c) do CC)”.
A única questão que aqui poderá ser apreciada é a da responsabilidade do réu marido pela dívida, isto é, pelo pagamento da remuneração devida à autora.
Neste conspecto, face ao que se provou sob a al. F) – O referido contrato foi celebrado na sequência de uma decisão conjunta de ambos os Réus em colocar o terreno à venda por intermédio de uma imobiliária – temos de concluir que se trata de uma dívida comum, pois contraída pela ré mulher, dentro dos limites dos seus poderes de administração, com a concordância do réu marido e em proveito comum do casal (art.º 1678º nº 3 e 1691º nº 1 al. a) e c) do Código Civil), tanto mais que, na sequência da actividade desenvolvida pela autora o negócio almejado se veio a concretizar e nele interveio o réu marido.
*
Consequentemente, na improcedência total das conclusões dos apelantes, resta-nos confirmar a sentença recorrida.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 12-11-2020

Eva Almeida
António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte


1. Higina Castelo, Contrato de Mediação, que pode ser consultado em https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf
2. Obra citada pág. 207.
3. Obra citada, pág. 245 e MENEZES CORDEIRO, Direito comercial, p. 700 e
4. Além da obra citada, págs. 270 e segs., ver Manuel Salvador, Contrato de mediação, págs. 96 segs e 161 e segs.
5. Neste sentido ver o acórdão que acabou por ser relatado pela aqui também relatora, com o voto do aqui 1º adjunto, datado de 29.9.2014 (proc.1651/11.3TBBCL.G1) in dgsi.pt
6. Obra citada na nota 1, pág. 207.