INSOLVÊNCIA
CRÉDITO NÃO RECONHECIDO
IMPUGNAÇÃO
CADUCIDADE DO EXERCÍCIO DA ACÇÃO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I- Compete ao trabalhador o ónus de alegação e de prova dos factos determinantes da caducidade do exercício da ação disciplinar, concretamente de que a entidade com poder disciplinar teve conhecimento da infração há mais de sessenta dias, tendo por referência a data em que deu início ao procedimento disciplinar.
II- Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, ora impugnante, que para além de faltar injustificadamente ao trabalho por período muito superior a cinco dias seguidos - com início em 10 de agosto de 2018 e que, à data da remessa da nota de culpa para o trabalhador, em 8 de outubro de 2018, ainda não havia cessado -, revelou uma posição de desobediência inequívoca e ilegítima ou não acatamento persistente da determinação imposta pela entidade empregadora no âmbito do respetivo poder de direção e dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, ao qual não podia o impugnante eximir-se já que a entidade empregadora, ora recorrida, não estava limitada ou condicionada legalmente à aprovação/concessão da licença sem remuneração previamente solicitada, nem relativamente ao respetivo prazo de prorrogação, revelando ainda o impugnante um claro propósito em não retomar, a breve trecho, o cumprimento das obrigações contratuais.
III- Nas aludidas circunstâncias, justifica-se a improcedência da impugnação deduzida pelo reclamante contra a relação dos créditos não reconhecidos apresentada pelo AI nos termos do artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, devendo manter-se o não reconhecimento de tal crédito tendo por base a licitude do despedimento com justa causa.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Nos autos de reclamação de créditos, por apenso ao processo de Insolvência com o n.º 707/19.9T8VNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, respeitante a Instituto Empresarial X, pelo Administrador Judicial (AI) foi apresentada relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos consta, além do mais, como não reconhecido o crédito de F. J., pelo montante reclamado de € 25.625,00 por entender ter havido despedimento com justa causa, indicando os seguintes motivos justificativos: «Não se reconhece o crédito reclamado por F. J. no valor de € 25.625,00, a título de indemnização por despedimento ilícito, uma vez que o trabalhador foi despedido pela insolvente com justa causa, em 30/11/2018. Para tanto, atente-se a nota de culpa e a decisão final de despedimento (aqui dadas por integralmente reproduzidas), enviadas pela devedora ao reclamante na qual consta que a licença de vencimento requerida por aquele foi renovada por um período de 6 meses, o qual findava em 10/08/2018. Após esse período o trabalhador deveria apresentar-se e regressar ao seu posto de trabalho, o que não se verificou, motivo pelo qual a devedora desencadeou o respectivo procedimento disciplinar e consequente despedimento com justa causa, obedecendo a todas as formalidades legalmente previstas, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
O reclamante intentou acção de impugnação de despedimento, a qual foi extinta por inutilidade superveniente da lide devido à declaração de insolvência da devedora, por sentença proferida em 07/03/2019».
O reclamante F. J. apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, este na parte em que considerou não reconhecido o crédito que reclamou. Não aceita a exclusão do seu crédito, por entender que o despedimento do impugnante é ilícito, tanto por via da caducidade do procedimento disciplinar como por não corresponder à verdade o que é alegado na nota de culpa, sustentando não existir fundamento para o despedimento, requerendo que se considere reconhecida a exceção de caducidade do procedimento disciplinar ou a falta de fundamento de despedimento com justa causa e declarado ilícito o despedimento do impugnante, devendo ser reconhecido e verificado o crédito reclamado, correspondente à indemnização calculada nos termos do disposto no artigo 391.º do Código do Trabalho, no montante de €25.625,00€ e graduado no lugar que lhe competir.
Responderam à impugnação o devedor/insolvente, Instituto Empresarial X e o AI, ambos pugnando pela improcedência da impugnação e pela manutenção do não reconhecimento do crédito reclamado por F. J..
Realizada audiência preliminar, na qual foi tentada a conciliação, sem êxito, proferiu-se despacho-saneador, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
Foi, então, proferida decisão autónoma, em 26-03-2020, julgando improcedente a impugnação apresentada pelo credor pelo credor F. J. à lista de créditos não reconhecidos.

Inconformado, o credor F. J., apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O presente recurso de APELAÇÃO tem por objecto a douta sentença proferida pelo MM julgador, a fls.., do Apenso B (de reclamação de créditos) que considerou não assistir razão ao aqui recorrente, julgando improcedente, in totum, a impugnação deduzida, não atendendo à sua pretensão de inclusão do seu crédito na lista de créditos reconhecidos.
2. É desta sentença que se recorre, quer quanto ao julgamento da matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, nos termos que se expuseram supra;
3. Entende o recorrente que o Tribunal a quo decidiu mal, incorrendo em erro na apreciação da matéria de facto e deficiência e insuficiência quanto à matéria de facto dada como provada;
4. Por regra, os poderes cognitivos do juiz estão limitados pela matéria de facto alegada pelas partes, dentro do funcionamento dos ónus de alegação que sobre cada uma impendem.
5. A decisão da matéria de facto controvertida, normalmente apoiada no princípio da liberdade de julgamento, consagrado no art. 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), deve refletir o resultado da conjugação dos vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação e da oralidade, pelo que as respostas dadas aos quesitos devem traduzir, assim, aquilo que efetivamente se apurou, após uma análise objetiva, imparcial e desinteressada da prova produzida ao longo de todo o processo.
6. No caso vertente, por força do disposto na legislação laboral, o juiz não está limitado pela alegação das partes e a amplitude do poder-dever constante do art. 72.º importa evidente reforço do inquisitório de forma que o juiz só deve terminar o julgamento quando estiver esclarecido da verdade dos factos que se afigurem necessários à solução do litígio, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou quando se mostrarem esgotadas todas as diligências ao seu alcance na procura dessa verdade,
7. A reação ao não uso ou ao uso indevido, pelo juiz da 1.ª instância, do poder-dever constante do art. 72.º, n.º 4, poderá, apenas, ocorrer por via de recurso a interpor pela parte prejudicada, seja suscitando a omissão, no elenco dos factos provados, de factos alegados, discutidos e relevantes – a impor, à parte, o cumprimento dos ónus constantes do art. 640.º, n.º 1, do CPC –, seja suscitando a ausência de elementos probatórios que sustentem os factos tidos por provados.
8. Entende o recorrente que resulta evidenciada à saciedade a existência de elementos probatórios carreados para os autos impõem decisão diversa nos termos que se passam a expor, ex vi do disposto no art. 640.º, do CPC;
9. O exercício dos poderes-deveres contidos no art. 72.º, n.º 1, está circunscrito à 1.ª instância, sendo que à Relação apenas é consentida a reapreciação dos meios de prova que conduziram à prova ou não prova dos factos sobre os quais incida o recurso da matéria de facto ou ordenar a ampliação da matéria de facto quando repute serem essenciais factos para a decisão que não mereceram da 1.ª instância qualquer pronúncia, mas que estejam alegados. (sublinhado nosso);
10. No desenvolvimento da instância foram alegados factos pelo impugnante absolutamente relevantes para a decisão da causa que deveriam ter sido dado como provados, mas perante os quais MM julgador não se debruçou no julgamento da matéria de facto, não merecendo da parte deste uma resposta quer positiva, quer negativa que fosse.
11. Face ao depoimento da testemunha R. F., cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, e à Ata da Reunião da Direção da Insolvente de 29/05/2019, teria que ser necessariamente dado como provado que “A empresa não contratou outro trabalhador para o exercício da gestão/execução dos vários projectos durante o período das faltas do mesmo, mas sim que a pessoa em causa foi contratada durante parte do período de ausência do impugnante, quando este gozava da licença sem vencimento, para outras funções.”
12. Com base no depoimento de parte do recorrente, cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, aliada à ausência, ao silêncio de 04 meses de qualquer resposta por parte da insolvente que contrariasse a aceitação e a concordância verbal feita pelo Presidente da Direção ao pedido de renovação submetido pelo recorrente, pelas regras do senso comum, apelando às regras da lógica e da experiência comum, teria que ser necessariamente dado como provado que “Posteriormente, ainda antes de completar um ano, no dia 06/02/2018, o ora impugnante volta a solicitar renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, sendo que a ora insolvente, tendo confirmado verbalmente, através de um dos seus directores, decide enviar carta a comunicar a autorização, 4 meses depois, em 18/06/2018 e por apenas seis meses, contrariamente ao que havia antes dito verbalmente ao impugnante”,
13. De acordo com o depoimento de parte do recorrente, cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, aliada à ausência de resposta da insolvente, ao silêncio, enquanto valor declarativo, de 04 meses de qualquer resposta por parte da insolvente que contrariasse ou reprovasse o pedido de renovação submetido pelo recorrente, conjugado com a prova documental junta com a impugnação de créditos sob o docs. n.ºs 5 a 7 (pedidos renovação dirigidos ao Coordenador Operacional, ao Presidente da Direção e a resposta da insolvente), pelas regras do senso comum, apelando às regras da lógica e da experiência comum, teria que ser necessariamente dado como provado que “O impugnante, porque estava a trabalhar na mesma entidade para cujo exercício de funções pediu a primeira licença, entendeu que o silêncio da insolvente era o de aceitação e aceitou nova nomeação”;
14. Atento o depoimento de parte do recorrente e, principalmente, ao depoimento das testemunhas R. P. e R. F., cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, conjugado com o que consta do Relatório do Sr. AI, teria que ser necessariamente dado como provado que “A insolvente sabia que não havia trabalho suficiente para ocupar o impugnante, que estava em situação de insolvência técnica, pré-insolvência, era público o envolvimento da insolvente em processos-crime, que a empresa atravessava grandes dificuldades económicas, que havia trabalhadores que já se tinham ido embora como a trabalhadora S. M., da parte financeira”
15. Por meras razões de economia processual dão-se aqui como integrados e reproduzidos para os efeitos de dar como provado os factos constantes na alínea e), quanto ao recurso do julgamento da matéria de facto, tudo quanto alegado e constante dos concretos pontos de passagem gravados quer do depoimento de parte do recorrente, quer do depoimento das testemunhas supra, acrescido do Relatório do AI, com as necessárias adaptações, em relação aos factos constantes na alínea d), supra, o que desde já se requer expressamente para os devidos e legais efeitos.
16. Todos esses factos, realidades e depoimento impunham prova positiva destes factos;
17. Tendo por referência o depoimento das testemunhas R. P. e R. F., cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, conjugado com o que consta do Relatório do AI, onde se refere como causa de insolvência na página 13 a perda dos financiamentos derivada da suspensão dos projectos, teria que ser necessariamente dado como provado que “A atividade de gestão de projectos comunitários, função desempenhada pelo impugnante, era a principal da insolvente, correspondendo a 95 % da atividade da mesma, com grande preponderância quer ao nível do volume da facturação, quer ao nível do volume de trabalho”.
18. Face ao depoimento das testemunhas R. P. e R. F., cujos pontos concretos de passagem gravados foram relatados supra, conjugado com a própria acta da direção da insolvente, de 04 de Outubro de 2018 e ao que consta do Relatório do AI, onde se refere que pelo menos desde o ano de 2015 que a insolvente apresenta uma exploração deficitária, não dispondo de rendimentos que permitam fazer face às despesas correntes, que dependia dos subsídios concedidos pelo Governo para manter a sua estrutura e continuar a apoiar as sociedades incubadas e que com a perda dos financiamentos de que dispunha derivada da suspensão dos projectos, deixou de ter meios que permitissem fazer face às suas despesas correntes, teria que ser necessariamente dado como provado que “A ausência derivada das faltas imputadas ao impugnante e reportadas na nota de culpa a partir de 10 de Agosto de 2018, não provocaram quaisquer prejuízos ou problema à IEX, dentro da atividade da gestão de projectos que era actividade desempenhada pelo impugnante” .
19. No presente recurso, o recorrente invoca que, em relação a factos por si alegados – e que reputa de relevantes para a boa decisão da causa –, e constantes das alíneas a) a g) referidas supra, não foi emitida qualquer pronúncia por parte do tribunal de 1.ª instância, e, fê-lo, por via do cumprimento dos ónus contidos no art. 640.º, do CPC.
20. Os depoimentos das testemunhas referidas supra, aliado ao próprio depoimento de parte do recorrente conjugado com os documentos acima referidos, nomeadamente, o Relatório do AI, revelou-se coerente, objectivo, com razão de ciência quando confrontado com os factos levados a juízo e denotaram conhecimento pessoal e directo sobre diversos aspectos da relação laboral existente entre a insolvente e o recorrente, a concreta atividade desempenhada pelo mesmo, das dificuldades económica e financeira da recorrida, da suspensão e bloqueio da execução da gestão de projectos comunitários, por força de despacho judicial, da inexistência de causa-efeito entre as faltas do recorrente ocorridas a partir de 10 de Agosto e os prejuízos e riscos para a empresa e incomportáveis para a manutenção do vínculo labora com o recorrente, da existência de pré-falência da empresa, etc.
21. Ao descredibilizar o concreto elemento probatório carreado para os autos e relatado supra nos depoimentos das testemunhas, no depoimento de parte do recorrente e na prova documental invocada, a douta sentença violou o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC.
22. Em consequência do disposto e alegado nas alíneas e) a g) supra, em sede de recurso quanto ao julgamento da matéria de facto que entende o recorrente que devia ter sido dado como provada, devia ter sido dado como não provado o teor do ponto 23 relativo à resposta da insolvente, matéria dada como provada na douta sentença.
23. A insolvente nos pontos 41 a 45 e 50 a 55 da nota de culpa apresentou (em consonância com o teor provado deste artigo) as causas que, segundo o seu entendimento, constituiriam justa causa e tornaram então impossível a manutenção da relação laboral;
24. Porém, como resulta dos factos elencados nas alíneas antecedentes e) a g) estes justificativos são falsos e não se verificavam à data, sendo em nada consentâneos com a realidade da insolvente em Agosto de 2018 e nos meses subsequentes;
25. Por isso, este ponto não pode dar como assente que foram identificados e explicados ao agora impugnante os comportamentos que tornaram impossível a subsistência e manutenção do contrato de trabalho porque, esses motivos, repitam-se, eram e são falsos;
26. Em razão do que antecede este ponto 23 da resposta da insolvente da matéria que foi dada como provada terá, necessariamente, que ter prova negativa porque nada foi de verdade explicado e identificado ao reclamante a não ser um conjunto grotesco de inverdade e considerações da insolvente;
27. Ao não emitir pronúncia sobre os factos acima invocados - alegados pelo impugnante, objecto de contraditório, suscitados em audiência de julgamento e que que assumem relevância para a boa decisão da causa - e que são merecedores de valoração positiva em face do efectivo interesse para a boa decisão da causa, o MM Julgador violou o artigo 72.º, n.º 1 e 4, do CPT, nos termos expostos;
28. Também não pode dar-se como provada uma explicação ínsita na nota de culpa ao agora recorrente quando a mesma se baseia em factos totalmente falsos, merecendo por isso o referido ponto 23 prova negativa;
29. No caso vertente, em que se reporta essencial o apuramento de factos relevantes para a boa decisão da causa – e foram alegados efectivamente em juízo – e como sobre eles inexistiu pronúncia pelo juiz a quo, Requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação a anulação da decisão proferida na 1.ª instância, conforme previsto na alínea c), do n.º 2, do art. 662.º, do CPC e, em consequência, seja aditada e ampliada a matéria de facto dada como provada na douta sentença ora sob recurso, para que passe a figurar como igualmente provados os factos constantes nas alíneas a) a g) acima melhor descritos e seja dada prova negativa ao ponto 23 da matéria de facto.
30. Alterando-se a decisão em termos de matéria de facto se impõe igualmente a inerente alteração em termos de matéria de direito o que desde já se requer;
31. Para além do exposto em termos de matéria de facto, o tribunal a quo violou também normas jurídicas e fez uma interpretação incompleta e incorrecta do direito que igualmente justificam o presente recurso quanto à matéria de direito;
32. Ainda que se não altere a matéria de facto sempre subsistem, também ,as razões de direito que se passam a enunciar;
33. Entende o recorrente que da globalidade da prova produzida em julgamento, da matéria de facto que deve ser considerada provada, pela via da sindicância do presente recurso, evidenciada à saciedade pela insuficiência e deficiência da matéria de facto dada como provada na douta sentença, e que aqui por meras razões de economia processual se dá como integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, deve ser reconhecida a exceção de caducidade do procedimento disciplinar ou a falta de fundamento de despedimento com justa causa e declarado ilícito o despedimento do impugnante, nos termos, respetivamente, do n.º 1, do artigo 382.º e artigo 381.º, ambos do Código do Trabalho;
34. O impugnante arguiu a excepção peremptória de caducidade do direito para a insolvente instaurar o procedimento disciplinar.
35. No caso sub judice, passaram-se mais de 60 dias entre a alegada infração/conhecimento pela empresa e a notificação da nova infração, isto é, conjugando a data da infração, ou seja, 10 de Agosto, data que deveria o impugnante trabalhar, e quando recebeu a nota de culpa a 12 Outubro (reexpedida a 19 Outubro), pelo que em 12 de Outubro tinham decorrido mais de 60 dias após o 10 de Agosto.
36. Na verdade, a 3 Agosto de 2018, o recorrente foi peremptório a dizer que não ia comparecer ao serviço a 10 de Agosto, pelo que se tornou eficaz esta manifestação de vontade, declaração essa que produz efeitos jurídicos tendo natureza receptícia, sendo do conhecimento da insolvente que era certo que não estaria no dia 10 de Agosto, pelo que teve, então, aquela conhecimento, já em 03 de Agosto, que não mais ia comparecer.
37. Não o tendo feito, iniciou-se, no dia seguinte, o decurso do prazo de 60 dias para a insolvente instaurar o procedimento disciplinar, conforme dispõe o n.º 2, do artigo 329.º do CT;
38. Nos termos do artigo 253.º do Código Trabalho “O trabalhador deve avisar a sua ausência quando previsível”.
39. As faltas são injustificadas quando não são comunicadas por qualquer forma, mas a empresa foi antecipadamente avisada, isto é, o recorrente justificou e comunicou, in casu, a sua ausência.
40. O artigo 254.º do CT refere :” …a empresa pode exigir prova da fundamentação nos 15 dias seguintes”, contudo, a empresa não o fez porque bem sabia que o mesmo estava a trabalhar na Águas … e que não iria demitir-se a meio do exercício do cargo, em nada relevando a carta enviada por esta a 28 de Agosto;
41. Em 28 de Agosto, já para além do direito de pedir prova nos termos do referido no antecedente item, vem a insolvente pedir justificação, bem sabendo que nada havia a justificar atento o teor da carta de 03 de Agosto enviada pelo Impugnante.
42. Nunca poderia a MM juiz considerar a data de 25 de Setembro de 2018, em que o impugnante responde a reiterar o já dito na carta de 03 de Agosto de 2018, como relevante para a caducidade do procedimento disciplinar
43. Mais, a entidade patronal não junta, também, qualquer comprovativo de que foram consideradas faltas injustificadas, nomeadamente não junta qualquer recibo que o mencione, isto é, que de facto houvessem sido as mesmas tratadas internamente na empresa como faltas injustificadas, isto, porque, a entidade empregadora não as considerou de facto injustificadas apesar da nota de culpa e subsequente procedimento disciplinar como se pode constatar do extracto de remunerações da Segurança Social, junto como Doc. 4 na petição de Impugnação do Recorrente;
44. A entidade patronal comunicou à Segurança Social a correção de créditos laborais, por efeito da cessação do contrato, com referência ao mês de Fevereiro de 2017 e não o fez com referência ao mês de Agosto, como se impunha, atento a que seria esse o mês relevante para a cessação do contrato;
45. O impugnante apenas foi notificado da nota de culpa a 19/10/2018, pelo que assim o termo final para instaurar o procedimento disciplinar ocorreu no dia 9/10/2018 e a consequência da falta de cumprimento do prazo para iniciar o procedimento disciplinar é a ilicitude do despedimento, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 382.º do Código do Trabalho,
46. Ao não julgar procedente a exceção peremptória da caducidade do direito de ação disciplinar da insolvente, e, em consequência, não declarando ilícito o despedimento do impugnante a douta sentença violou o disposto nos artigos 253.º, 254.º, 329.º, n.º 2 e 382.º, n.º 1, todos do CT e artigo 576, n.º 3, do CPC;
47. Na justa causa deve-se atender: ao grau de interesses do empregador (a empresa já estava tecnicamente falida, já havia trabalhadores que tinham ido embora) e ao carácter das relações entre as partes (tinham boa relação e sempre acompanhava e aceitaram os interesses do impugnante).
48. Para que se verifique a justa causa de despedimento decorrente do disposto na al. g) do nº 2 do art. 351º do CT, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante um certo número de dias quer sejam seguidos ou interpolados, há que demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediatamente e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
49. Só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador, devendo, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade, estruturarem-se em critérios objectivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.
50. Apenas quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento culposo do trabalhador é inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo.
51. Analisados os apurados comportamentos atribuídos ao impugnante, consubstanciados nas faltas dadas ao serviço, contrariamente ao que consta da decisão recorrida, parece-nos não configurarem aqueles, comportamentos culposos do trabalhador, que se revistam de gravidade e tornem, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
52. E a esta definição/notificação de justa causa, o aqui recorrente contrapõe em termos de facto o seguinte: o recorrente avisou atempadamente que ia faltar, a empresa não respondeu ao pedido subjacente aos motivos da falta num prazo razoável, o trabalhador em Fevereiro tinha pedido prorrogação da licença e nada disseram até então e a direção bem sabia onde ele estava a trabalhar e em que circunstâncias, não sendo pois grave o que se passou atendendo a que já estavam sem o recorrente há muito tempo e até estavam na insolvência iminente.
53. Isto é, a empresa não responde, passam-se meses, ele aceita uma renovação e só depois de ter aceite a esta renovação é que veio esta notificação.
54. Para valer a carta (aviso) da empregadora a 28 Agosto para justificar faltas, teriam que não fazer a mínima ideia do porquê estar a faltar o recorrente, mas a insolvente sabia por pré-aviso do trabalhador de antemão, logo, o recorrente não violou o artigo 254.º n.º 5 do CT, aliás, pode-se entender que teve conhecimento da infracção no dia 3 Agosto (carta do recorrente).
55. O recorrente não fazia falta na empresa pois que esta já estava falida tecnicamente, o que ocorreu pouco tempo depois, e desde início do pedido de licença que adverte a entidade patronal que quer cumprir todo o mandato na Águas ….
56. E, acima de tudo, não se provou aqui e esse ónus cabia à recorrida que a manutenção do contrato de trabalho fosse incompatível com a vida da insolvente, na verdade, as faltas não puseram em causa de forma imediata e definitiva a relação laboral, e porquê?
57. A recorrida estava tecnicamente insolvente, aquilo que ficou aqui demonstrado pelas testemunhas e pelo ponto 1 da matéria de facto dada como provada foi que o trabalhador fazia gestão projectos e por ordem judicial a execução de projectos estava suspensa já em 2017 sendo que as faltas (é óbvio à saciedade) não punham de forma alguma em causa a subsistência desta relação laboral.
58. Quanto às faltas dadas pelo recorrente não constituem as mesmas justa causa de despedimento, porque das faltas não decorre e estas não determinaram quaisquer prejuízos ou riscos para a empresa, não sendo possível concluir que tenham assumido gravidade e tido consequências, de modo a impossibilitarem a subsistência da relação de trabalho.
59. Não devem ser atendidos os fundamentos invocados pela empresa para promover o despedimento do impugnante em razão da impossibilidade de manutenção da relação contratual, isto porque, quer pela impossibilidade da empresa, porque impedida, de executar os projectos que tinha em mente (isto passou-se quer com o impugnante quando trabalhava quer quando estava ausente) quer porque, ao contrário do entendimento sufragado pelo MM Julgador, na sua fundamentação de direito, não é verdade que a empresa tivesse tido que recorrer a trabalho suplementar no caso vertente prestado por outros trabalhadores, com custos acrescidos, de alguém cujo contrato de trabalho já não havia sido anteriormente renovado;
60. A trabalhadora em causa, de seu nome A. C., já tinha sido contratado pela empresa durante o período de ausência do impugnante quando gozava ainda da licença sem vencimento, mas contratada antes das faltas do impugnante a partir do dia 10 de Agosto (daí as suas faltas não estarem especialmente relacionadas como causa-efeito para a empresa necessitar de trabalho suplementar prestado por outro trabalhador),
61. Resulta claramente do depoimento prestado pela testemunha R. F., coordenador operacional na altura dos factos na IEX, superior hierárquico do impugnante, em conjugação com a Ata da Direcção da IEX datada de 28 de Maio, que a Direcção da IEX tinha tomado a decisão de não renovar o vínculo laboral com a trabalhadora A. C., o qual terminava em 02 de Julho, sem qualquer referência ao suposto regresso do recorrente para assumir essas funções, logo, não é verdade, ao contrário do referido na fundamentação de direito, que as faltas injustificadas causaram transtorno na organização do serviço e prejuízos à entidade empregadora, que teve que recorrer a trabalho prestado por outros trabalhadores, daí decorrendo custos acrescidos;
62. Na ata de 29 de Maio a direção ainda manda analisar a hipótese de manter o recorrente sob licença, pelo que se o mesmo fosse imprescindível, teria determinado de imediato o seu regresso;
63. A ata de 04 de Outubro é peremptória, a direção determina apenas a instauração do processo disciplinar pela não comparência do recorrente;
64. A trabalhadora contratada não o foi para desempenhar as funções e /ou assumir o cargo que era habitualmente desempenhado pelo impugnante, pelo que também aqui padece nessa medida os fundamentos invocados na nota de culpa que impossibilitam a manutenção da relação contratual entre a empresa e o impugnante;
65. O facto de um trabalhador não se apresentar ao trabalho, ainda que de forma injustificada, que não é o caso como se supra defendeu, não determina, de forma automática, a verificação de justa causa de despedimento torna-se, também, necessário que se alegue e prove que essa, “falta”, assuma tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1 do art. 351º. do CT.
66. Como resulta do que se expôs supra, a sanção disciplinar de despedimento deve ser aplicada apenas em situações de saída de recurso, para situações de crise mais graves, de perturbação da relação de trabalho insuperáveis, em que uma sanção conservatória da relação de trabalho não se mostre adequada, o que pelas razões que deixámos expostas, é nossa firme convicção, não se verificava no caso em apreço.
67. Na ponderação entre, por um lado, o princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP) e, por outro, a lesão dos interesses do empregador, entende-se que, no caso, se revelou desproporcional a sanção aplicada, pelo que também por esta razão a douta sentença encontra-se ferida de vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 53.º da CRP, cuja declaração desde já se requer para os devidos e legais efeito.
68. Foi ilícito o despedimento do impugnante, por não corresponder à verdade o que é alegado na nota de culpa, não existindo fundamento para o despedimento;
69. Ao julgar procedente e devidamente fundamentado, por exisitir justa causa, o despedimento, não declarando ilícito o despedimento do impugnante a douta sentença violou o disposto nos artigos 351.º, n.º 1, n.º 2, na al. g) do nº 2, n.º 3, artigo 381.º, 389.º e 391.º, todos do CT, artigos 804.º, 805, 806 do CC, e artigo 53.º da CRP.

Termos em que, pelas razões aduzidas, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, anular-se e revogar-se a decisão recorrida, julgando verificado:
a) quanto ao recurso sobre a matéria de facto, a anulação da decisão proferida na 1.ª instância quanto ao ponto 23 e, conforme previsto na alínea c), do n.º 2, do art. 662.º, do CPC seja também aditada e ampliada a matéria de facto dada como provada na douta sentença ora sob recurso, para que passe a figurar como igualmente provados os factos constantes nas alíneas a) a g) acima melhor descritos.
b) quanto ao recurso que versa sobre a matéria de direito, julgando, por um lado, verificada a exceção de caducidade do procedimento disciplinar e, por outro lado, improcedente e não fundamentado, por inexistência de justa causa, seja considerado ilícito o despedimento do impugnante, em consequência, ser-lhe reconhecimento o seu crédito quanto aos montantes, categoria e qualificação tais como reclamados em juízos, prosseguindo o processo os seus ulteriores e normais termos.
Decidindo nesta conformidade será feita!
J U S T I Ç A !»
A Massa Insolvente do Instituto Empresarial X apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Se deve ser reconhecido e verificado o crédito reclamado pelo impugnante, no valor de €25.625,00 correspondente à indemnização por despedimento ilícito do impugnante, calculada tendo como base 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho, importando para o efeito a reapreciação da decisão recorrida quanto à invocada exceção de caducidade do procedimento disciplinar; em caso de improcedência desta exceção, aferir se está verificado fundamento para o despedimento com justa causa do ora impugnante.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos que a decisão recorrida considerou provados:

1. O impugnante foi admitido pela ora insolvente “Instituto Empresarial X” no dia 01/04/2005, por contrato verbal, para exercer as funções de gestor de projetos, mediante uma retribuição fixa, conforme cópia de extrato de remunerações da Segurança Social junto a fls. 20.
2. Funções essas que foram exercidas na sede da insolvente, sob suas ordens e direção.
3. O impugnante, após prévia reunião com a direção, enviou, no dia 10/02/2017, pedido de licença sem vencimento, para exercer cargo público pelo período de duração do mesmo, tendo a ora insolvente aceite o mesmo por um prazo inicial de um ano, conforme cópia de missiva junta a fls. 23.
4. Posteriormente, ainda antes de completar um ano, no dia 06/02/2018, o ora impugnante volta a solicitar renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, sendo que a ora insolvente enviou carta a comunicar a autorização, 4 meses depois, em 18/06/2018 e por apenas seis meses, com inicio reportado a Fevereiro (data em que o impugnante solicitou nova licença) devendo, assim, o impugnante, comparecer ao trabalho no dia 10/08/2018, conforme documentos juntos a fls. 23 v. e 24.
5. A insolvente instaura processo disciplinar ao impugnante, notificando-o da nota de culpa, conforme documento junto a fls. 24 v.
6. O impugnante respondeu à nota de culpa, através da resposta junta a fls. 25.
7. A ora insolvente manteve a sua convicção e despediu o ora impugnante em 06/12/2018, conforme decisão de despedimento junta a fls. 30 v.
8. Não se conformando com a decisão, o impugnante impugnou o despedimento junto do tribunal de trabalho de Braga, sendo que o processo foi extinto por inutilidade superveniente face à sentença de insolvência, conforme cópia de sentença junta a fls. 36 v.
9. À data da cessação do contrato de trabalho, o impugnante auferia a retribuição mensal base de 1.250, 00€ (Cfr. Doc. junto a fls. 19).

Da resposta da insolvente
10. O impugnante foi admitido ao serviço da aqui insolvente para exercer as funções e tarefas inerentes à instalação da INETC – Incubadora Tecnológica … – cfr. doc. de fls. 61 v.
11. Como contrapartida pelo trabalho prestado, no exercício da categoria profissional de Assistente Administrativo de 1.ª, auferia o impugnante uma retribuição mensal no valor 1.000,00€ e um subsídio de refeição diário no valor de 5,00€ - cfr. Cláusula 3.ª do contrato de trabalho junto a fls. 61 v.
12. O mencionado contrato tinha início em 01/04/2005 e termino em 31/03/2006, eventualmente renovável nos termos da lei – cfr. Doc. de fls. 61 v.
13. Em 1 de fevereiro de 2017, foi solicitado pelo aqui impugnante a concessão de uma licença sem remuneração, com fundamento na nomeação pública por designação para órgão de gestão/ administração de empresas públicas – cfr. Doc. 62 v.
14. Na sequência do pedido formulado, em 10 de fevereiro de 2017 a insolvente concedeu a autorização da referida licença sem vencimento.
15. Por comunicação rececionada pelos serviços da insolvente em 8 de fevereiro de 2018, foi requerida pelo aqui impugnante, nova renovação da supramencionada licença sem remuneração, na sequência da sua designação para o órgão de gestor público no conselho de administração das Águas ..., S.A – cfr. Doc. junto a fls. 63.
16. Após análise do requerido pelo impugnante, a administração da insolvente, deliberou conceder uma prorrogação da licença, apenas pelo período de 6 meses, deliberação esta comunicada por carta registada – cfr. Doc. de fls. 63 v. (VER o ponto 4)
17. Dessa deliberação, resultava expressa e inequivocamente, a menção de que o trabalhador se deveria apresentar ao serviço em 10 de agosto de 2018.
18. Em 3 de agosto de 2018, remeteu o aqui reclamante/ impugnante nova comunicação, alegando que se encontrava impossibilitado de comparecer, dado que a licença sem vencimento em causa fora concedida para todo o período de duração do cargo de nomeação pública que exercia – cfr. Doc. junto a fls. 64.
19. Nem na data em que se deveria apresentar ao trabalho, nem posteriormente, o aqui impugnante compareceu ao serviço.
20. Em 28 de agosto de 2018, a administração da insolvente remeteu ao trabalhador uma carta registada, advertindo-o de que deveria comparecer ao serviço e deveria proceder à justificação das suas ausências desde 10 de agosto de 2018 – cfr. Doc. de fls. 64 v.
21. O aqui impugnante veio a responder em 25 de setembro de 2018, conforme doc. de fls. 65 v.
22. Na sequência dos factos aqui vertidos, foi instaurado o competente processo disciplinar, tendo a nota de culpa sido remetida para o trabalhador em 8 de outubro de 2018 – cfr. Doc. de fls. 66 e ss.
23. Na Nota de Culpa foram identificados e explicados os comportamentos que tornaram impossível a subsistência e manutenção do contrato de trabalho, no entender da insolvente.
24. Foram concedidos 10 dias para o reclamante/ impugnante se pronunciar sobre a mencionada Nota de Culpa, tendo este efetivamente apresentado a sua defesa, conforme doc. junto a fls. 70 v.
25. Procedeu a administração da insolvente à comunicação do “despedimento imediato, com justa causa, pelos fundamentos constantes do relatório anexo, que aqui se dá por reproduzido”.
26. Mais entendeu que, “foram provados os factos constantes da nota de culpa, que comprometem, irremediavelmente, a relação de trabalho, nomeadamente, as faltas injustificadas, que deu desde o dia 10/08/2018” – cfr. Doc. de fls. 71 v.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

O apelante manifesta a sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, sustentando que para além da factualidade dada como provada deveriam ainda ser acrescentados outros factos provados e, em consequência de tal aditamento, ser dado como não provado o teor do ponto 23 da matéria dada como provada, nos seguintes termos:

a) Devia ter sido dado como provado que:
«A empresa não contratou outro trabalhador para o exercício da gestão/execução dos vários projectos durante o período das faltas do mesmo, mas sim que a pessoa em causa foi contratada durante parte do período de ausência do impugnante, quando este gozava da licença sem vencimento, para outras funções» - (Conclusão 11.ª das alegações);
b) Devia ter sido dado como provado que:
«Posteriormente, ainda antes de completar um ano, no dia 06/02/2018, o ora impugnante volta a solicitar renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, sendo que a ora insolvente, tendo confirmado verbalmente, através de um dos seus directores, decide enviar carta a comunicar a autorização, 4 meses depois, em 18/06/2018 e por apenas seis meses, contrariamente ao que havia antes dito verbalmente»;
c) Devia ter sido dado como provado que:
«O impugnante, porque estava a trabalhar na mesma entidade para cujo exercício de funções pediu a primeira licença, entendeu que o silêncio da insolvente era o de aceitação e aceitou nova nomeação» - (Conclusão 13.ª das alegações);
d) Devia ter sido dado como provado que:
«A insolvente sabia que não havia trabalho suficiente para ocupar o impugnante, que estava em situação de insolvência técnica, pré-insolvência, era público o envolvimento da insolvente em processos-crime, que a empresa atravessava grandes dificuldades económicas, que havia trabalhadores que já se tinham ido embora como a trabalhadora S. M., da parte financeira» - (Conclusão 14.ª das alegações);
e) Devia ter sido dado como provado que:
«O impugnante já não tinha projectos em mãos, nomeadamente, pela falta de projectos para desenvolver, bloqueados e suspensos por despacho judicial, e esta situação verificava-se quer com a ausência do impugnante quer no tempo em que o mesmo desempenhava as suas funções na empresa» - (Conclusão 15.ª das alegações);
f) Devia ter sido dado como provado que:
« A atividade de gestão de projectos comunitários, função desempenhada pelo impugnante, era a principal da insolvente, correspondendo a 95 % da atividade da mesma, com grande preponderância quer ao nível do volume da facturação, quer ao nível do volume de trabalho» - (Conclusão 17.ª das alegações);
g) Devia ter sido dado como provado que:
« A ausência derivada das faltas imputadas ao impugnante e reportadas na nota de culpa a partir de 10 de Agosto de 2018, não provocaram quaisquer prejuízos ou problema à IEX, dentro da atividade da gestão de projectos que era actividade desempenhada pelo impugnante» - (Conclusão 18.ª das alegações);
h) Em consequência do disposto nas anteriores alíneas e) a g) devia ter sido dado como não provado o teor do ponto 23 da matéria dada como provada:» - (Conclusão 28.ª das alegações);
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, tal como resulta designadamente do disposto no artigo 640.º do CPC cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição. Assim, deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida.

Neste domínio, prevê o artigo 640.º do CPC o seguinte:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No caso em análise verifica-se que o recorrente indica, na motivação e nas conclusões das alegações, os concretos pontos que considera incorretamente julgados, ainda que pressupondo a necessidade do aditamento de determinados pontos à matéria de facto provada constante da sentença recorrida, no que concerne ao elenco enunciado em a) a g) supra, ou a pretendida resposta negativa à matéria enunciada sob o ponto 23 da matéria de facto provada, assim especificando, na motivação e nas conclusões das alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos impugnados.
Por outro lado, o apelante também indica suficientemente os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam o pretendido aditamento à decisão da matéria de facto indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, incluindo as concretas passagens da gravação em que baseia a discordância, por se tratar de meios de prova gravados, referenciando as passagens da gravação que considera pertinentes para o efeito.
Ainda que relativamente à alteração suscitada quanto à matéria vertida no ponto 23 o recorrente não indique os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam que o referido ponto seja dado como não provado, julgamos que tal circunstância não leva, por si só, à imediata rejeição do recurso nesta parte, porquanto o apelante vem sustentar o entendimento de que a eventual valoração positiva das circunstâncias enunciadas nas alíneas a) a g) supra, importa a prova negativa do ponto 23 da matéria de facto.
Porém, no que respeita à impugnação deduzida, cumpre analisar previamente se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, bem como se é relevante à luz do objeto da presente ação, ponderadas as circunstâncias do caso em apreciação.
Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Efetivamente, tal como salienta o Ac. do STJ de 28-09-2017 (1), «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito (2).
Neste contexto, deve sancionar-se como não escrito todo o facto que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (3).
Densificando estes critérios em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere o Ac. TRP de 7-12-2018 (4), «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais».
Analisando o elenco supra, desde logo se verifica que o concreto aditamento aludido em g) supra, que o apelante pretende seja introduzido em sede de decisão de facto, para além de não alegado pelo apelante no âmbito do requerimento de impugnação apresentado ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º1, do CIRE, não configura meras ocorrências da vida real ou eventos materiais e concretos, antes consistindo em conclusões eventualmente baseadas em factos que não constam da respetiva redação.
Com efeito, revela-se evidente que a matéria cujo aditamento vem sugerido pelo recorrente sob a al. g) supra, traduz meras conclusões relativas a determinadas premissas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação, constituindo matéria que traduz o núcleo essencial do juízo subjacente a tal decisão, o que leva, desde já à sua rejeição uma vez que não integra os poderes de cognição do tribunal em sede de matéria de facto.
Relativamente à totalidade dos pontos enunciados nas als. a), b), e), f) supra, e a parte do enunciado na al. d), que o recorrente pretende sejam aditados à matéria provada, trata-se de matéria que não foi concretamente alegada pelo impugnante/recorrente no respetivo articulado de impugnação.
No que concerne aos pretendidos aditamentos à matéria de facto provada, o recorrente não esclarece, na apelação, qual o valor probatório dos factos em causa, ainda que decorra do alegado que o apelante os configura como seguindo o regime dos factos essenciais.
Com efeito, o recorrente sustenta, em suma, que «[ao] não emitir pronúncia sobre os factos acima invocados - alegados pelo impugnante, objecto de contraditório, suscitados em audiência de julgamento e que que assumem relevância para a boa decisão da causa - e que são merecedores de valoração positiva em face do efectivo interesse para a boa decisão da causa, o MM Julgador violou o artigo 72.º, n.º 1 e 4, do CPT».
Assim, ao reportar-se expressamente ao preceito contido no artigo 72.º, n.º l, do Código de Processo de Trabalho (5), o apelante perspetiva a matéria que pretende ver aditada à matéria provada no âmbito do regime dos factos essenciais.
Nas contra-alegações apresentadas, a recorrida defende a inadmissibilidade da ampliação da matéria de facto suscitada pelo apelante, sustentando, em suma, que «em matéria processual não é aplicável aos presentes autos o disposto no Código de Processo de Trabalho, conforme dispõe o art.º 17.º, n.º 1, do CIRE, que prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil a todos os processos regulados no âmbito do CIRE, onde se inclui, como é óbvio, o incidente de impugnação da lista de credores reconhecidos e respetiva audiência de julgamento (art.º 136.º e 139.º do CIRE). Aliás, o art.º 139.º do CIRE prevê especificamente a aplicação à fase de audiência de julgamento do disposto em matéria processual civil para o processo comum não tendo feito o tribunal a quo uso do poder-dever previsto no art.º 72.º do CPT, até ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância, como não o fez no caso dos autos porque o mesmo não se justificava, atendendo à fundamentação apresentada na sentença para a matéria de facto dada como provada, o Tribunal ad quem estará sempre limitado em sede de recurso, não podendo ampliar a matéria de facto a factos não articulados».
A possibilidade de impugnação da lista de credores reconhecidos/não reconhecidos, apresentada pelo AI em processo de insolvência, encontra-se regulada nos artigos 130.º a 140.º do CIRE.
Tratando-se de processo regulado no CIRE são aplicáveis as regras e especialidades contidas nos referidos artigos 130.º a 140.º do CIRE, devendo ser tida em conta a remissão feita no artigo 17.º, n.º1, do CIRE para o Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições daquele Código.
Além disso, quanto à audiência de discussão e julgamento propriamente dita, o artigo 139.º do CIRE prevê expressamente a aplicação dos termos estabelecidos para o processo comum, ressalvando as especialidades nele contidas.
Deste modo, a tramitação da lista de credores reconhecidos/não reconhecidos, apresentada pelo AI em processo de insolvência faz-se nos termos especificamente previstos nos artigos 130.º a 140.º do CIRE, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as normas constantes do CPC.
Assim sendo, resulta indiscutível que o preceito invocado pelo apelante, pertencendo ao Código de Processo de Trabalho, não tem aplicação aos presentes autos, que se regem subsidiariamente pelas normas do CPC, prevendo ainda expressamente a aplicação dos termos estabelecidos para o processo declarativo comum quanto à audiência de discussão e julgamento propriamente dita, ressalvando as especialidades contidas no artigo 139.º do CIRE.
Não podendo sustentar-se a aplicação aos autos do regime contido no citado artigo 72.º do Código de Processo de Trabalho, importa considerar o que dispõe o artigo 5.º do CPC, com a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», o qual dispõe no n.º 1 o seguinte: «Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Acrescenta o n.º 2 do referido preceito que, «[a]lém dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções».
Explica Lopes do Rego (6), em anotação ao artigo 264.º do anterior CPC, a qual se mantém atual na parte relativa à qualificação dos factos - que o regime se baseia numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais, esclarecendo, a propósito, o seguinte: «Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer pelas partes. Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa».
Neste enquadramento, e perante a perspetiva apresentada pelo próprio apelante, verifica-se que a totalidade dos pontos enunciados nas als. a), b), e), f) supra, e parte do enunciado na al. d), que o recorrente pretende sejam aditados à matéria provada, nunca podiam ser considerados em sede de reapreciação da prova produzida porquanto não foram oportunamente alegados e, no enquadramento legal antes delineado, seguem o regime dos factos essenciais.
Acresce que, relativamente a toda a matéria vertida nas als. a), b), c), d), e), f) supra, sempre o respetivo aditamento à matéria de facto provada se revela manifestamente inconsequente e irrelevante à luz do objeto da impugnação e do crédito reclamado e não reconhecido no âmbito dos autos em referência, atendendo à restante matéria de facto já pacificamente assente nos autos e ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, sendo certo que o recorrente também não retira da sua pretensão qualquer consequência jurídica em sede de recurso, para além do entendimento de que a eventual valoração positiva das circunstâncias enunciadas nas alíneas a) a g) supra, importa a prova negativa do ponto 23 da matéria de facto.
Resulta de tal alegação que o apelante pretende, através dos meios probatórios invocados para sustentar os diversos aditamentos que preconiza à matéria de facto provada, infirmar o âmbito probatório da matéria vertida no ponto 23 dos factos provados, tendo certamente como pressuposto que este concreto ponto da matéria de facto consubstancia a concreta e efetiva demonstração, veracidade e relevância dos «comportamentos que tornaram impossível a subsistência e manutenção do contrato de trabalho».
Nesta perspetiva, estamos perante matéria que consubstancia o núcleo essencial e estruturante dos factos integradores da justa causa de despedimento, os quais são constitutivos do direito do empregador, ora insolvente, ao despedimento do trabalhador, ora impugnante, sendo que no âmbito processual da ação de impugnação judicial do despedimento ou, por maioria de razão, da impugnação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º1, do CIRE, configuram factos impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador, ora impugnante, vem reclamar tendo por base a alegada ilicitude do despedimento, traduzindo por isso factos a provar pelo empregador, ora insolvente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil (CC).
Assim, tal como salienta o Ac. do STJ de 28-06-2006 (7), «[o]s factos integradores da justa causa de despedimento têm a natureza de factos impeditivos do direito indemnizatório ou do direito à reintegração que o trabalhador reclama em acção de impugnação de despedimento, pelo que incumbe à entidade empregadora a alegação e prova da factualidade que integra justa causa de despedimento, constituindo defesa por excepção peremptória (art. 342.º, n.º 2, do CC)» (8).

Neste contexto, importa retomar o teor do facto vertido no ponto 23 da matéria de facto provada constante da sentença recorrida, com o seguinte teor:

«23. Na Nota de Culpa foram identificados e explicados os comportamentos que tornaram impossível a subsistência e manutenção do contrato de trabalho, no entender da insolvente».

Analisando e interpretando o teor da decisão recorrida, na parte aqui em causa, com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do seu contexto (9), resulta evidente que o referido ponto da matéria provada reproduz um facto meramente descritivo do teor da «Nota de Culpa» que foi remetida pela entidade empregadora, ora insolvente, ao trabalhador, em 8 de outubro de 2018 (tal como aludida também nos pontos 22 e 24), como tal sem qualquer conclusão, elemento ou base fáctica que permita inferir ou consubstanciar a concreta e efetiva demonstração, veracidade e relevância dos «comportamentos» nela descritos e explicitados, para além da alusão aos contornos que foram fixados pela alegação da entidade patronal no referido documento e ao entendimento desta a propósito da qualificação jurídica dos comportamentos que aquela imputou ao trabalhador, o que de resto resulta claro do segmento final do referido ponto da matéria de facto: «(…) no entender da insolvente».
Como decorre do vertido em I. supra, apenas o impugnante veio recorrer da sentença, sendo certo que a impugnação da decisão da matéria de facto não abrange, como é natural, a descrição do teor do documento enunciado no ponto 23 da matéria de facto provada, correspondente à aludida «Nota de Culpa» que foi remetida pela entidade empregadora, ora insolvente, ao trabalhador, em 8 de outubro de 2018, isto sem prejuízo da reapreciação do mérito de tal decisão no âmbito do recurso sobre a matéria de direito, tomando por base a matéria de facto que resulta efetivamente enunciada como provada no âmbito da decisão recorrida.

O próprio recorrente parece interpretar adequadamente o alcance da matéria de facto vertida sob o ponto 23 da matéria de facto provada porquanto se verifica que acaba por alegar, na conclusão 23.ª das correspondentes alegações da apelação, o seguinte:

«A insolvente nos pontos 41 a 45 e 50 a 55 da nota de culpa apresentou (em consonância com o teor provado deste artigo) as causas que, segundo o seu entendimento, constituiriam justa causa e tornaram então impossível a manutenção da relação laboral».
Resulta do exposto que o âmbito da discordância manifestada pelo recorrente se circunscreve à veracidade dos fundamentos ou das causas que a recorrida lhe imputou para fundamentar o “despedimento imediato, com justa causa”, as quais não aceita.
É certo que o recorrente vem sustentar nas respetivas alegações de recurso, por referência ao ponto 23 da matéria de facto provada, que «este ponto não pode dar como assente que foram identificados e explicados ao agora impugnante os comportamentos que tornaram impossível a subsistência e manutenção do contrato de trabalho porque, esses motivos, repitam-se, eram e são falsos» (Conclusão 25.ª das alegações).
Como se extrai do regime previsto no Código do Trabalho (CT) (10), respeitante ao processo disciplinar laboral, a emissão da «Nota de Culpa», sujeita à forma escrita, constitui uma exigência formal de tal procedimento, conforme resulta do disposto no artigo 353.º do referido diploma. Ora, um dos requisitos a que deve obedecer tal procedimento consiste precisamente na exigência contida na parte final do n.º1 do aludido artigo 353.º do CT (11), prevendo que da mesma conste a descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador.
A este propósito verifica-se que o ora apelante/impugnante nunca suscitou - nem na resposta à «Nota de Culpa» (aludida no ponto 6 da matéria de facto provada), nem na impugnação apresentada - qualquer invalidade do procedimento disciplinar prévio ao despedimento com base em qualquer irregularidade da «Nota de culpa», designadamente por faltar a nota de culpa, ou por esta não ter seguido a forma escrita ou por não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, o que constitui fundamento de invalidade do procedimento disciplinar, nos termos expressamente previstos no artigo 382.º, n.º 2, al. a), do CT.
Deste modo, as referências atinentes à identificação e explicação dos comportamentos descritos na referida «Nota de Culpa», tal como vertidas no ponto 23 da matéria de facto provada inserem-se claramente no âmbito da própria natureza e dos requisitos formais do ato procedimental em causa, não decorrendo das mesmas referências qualquer elemento ou base fáctica que permita inferir ou consubstanciar com suficiência a concreta e efetiva demonstração, veracidade e relevância dos «comportamentos» nela descritos e explicitados.
Daí que se mostre manifestamente ininteligível e inconcludente a alteração preconizada pelo apelante relativamente à matéria vertida sob o ponto 23 da matéria de facto provada, o que leva necessariamente à sua rejeição nesta fase.
Sendo assim, resta concluir que a eventual discussão sobre a matéria vertida nas als. a), b), c), d), e), f) supra, para além de não revelar qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação também não se mostra necessária enquanto contra versão fáctica destinada a conformar o juízo probatório sobre determinados factos relevantes para a solução do pleito, atenta a formulação contida no ponto 23 da matéria de facto provada.
Deste modo, mesmo verificando que grande parte das circunstâncias vertidas nas als. a), b), c), d), e), f) supra configuram expressões genéricas e de cariz eminentemente conclusivo, mas admitindo, ainda assim, que as mesmas pudessem ser compreensíveis no contexto da restante matéria de facto, certo é, porém, que, no enquadramento antes enunciado, a eventual demonstração de tais circunstâncias seria absolutamente inócua.
Tal como salienta o Ac. do STJ de 17-05-2017 (12) «[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
(…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis» (13).
Neste enquadramento, resta concluir que a eventual discussão sobre a matéria enunciada circunstâncias vertidas nas als. a), b), c), d), e), f) supra nunca assumiria qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova para o efeito indicados pelo recorrente.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente improcedência das correspondentes conclusões do apelante., mantendo-se, em conformidade, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. supra.

2.2. Reapreciação do mérito da causa.

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na reapreciação do mérito da causa direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1. supra.
Mantendo-se inalterado o quadro fáctico julgado provado pelo Tribunal a quo, vejamos, ainda assim, se existe qualquer desacerto da solução de direito dada ao caso sub judice.
O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a exceção a exceção perentória de caducidade do procedimento disciplinar que foi suscitada pelo ora apelante em sede da impugnação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º1, do CIRE.
Ainda que a referida exceção de caducidade não tenha sido invocada pelo trabalhador, ora impugnante, no âmbito da defesa oportunamente apresentada em sede de procedimento disciplinar, já que se verifica que na resposta à «Nota de Culpa» aludida nos pontos 6., e 24 da matéria de facto provada não alegou qualquer facto ou circunstância atinente à eventual caducidade de tal procedimento, observa-se que constam da decisão recorrida factos relevantes para o conhecimento da referida exceção, a qual foi efetivamente apreciada na decisão recorrida.
Em síntese, defende o ora apelante que passaram mais de 60 dias entre a alegada infração/conhecimento pela empresa e a notificação da nova infração, isto é, conjugando a data da infração, ou seja, 10 de agosto de 2018, data que deveria o impugnante trabalhar, tendo recebido a nota de culpa a 12 outubro (reexpedida a 19 outubro), pelo que em 12 de outubro tinham decorrido mais de 60 dias após o 10 de agosto. Defende o recorrente que a 3 agosto de 2018 foi perentório a dizer que não ia comparecer ao serviço a 10 de agosto, pelo que se tornou eficaz esta manifestação de vontade, declaração essa que produz efeitos jurídicos tendo natureza receptícia, sendo do conhecimento da insolvente que era certo que não estaria no dia 10 de agosto, pelo que a recorrida teve, então, conhecimento, já em 03 de agosto, que o impugnante não mais ia comparecer, concluindo que se iniciou, no dia seguinte, o decurso do prazo de 60 dias para a insolvente instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 329.º do CT.
Analisando os fundamentos vertidos na decisão recorrida a este propósito, verifica-se que o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que o trabalhador não logrou provar que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar houvessem tido conhecimento dos factos que lhe eram imputados há mais de 60 dias contados desde a data em que foi notificada da nota de culpa, concluindo ainda que a entidade patronal, a aqui insolvente, apenas tomou conhecimento da conduta infracional imputada após a receção da missiva emitida pelo trabalhador, dando conta da não justificação das faltas por si cometidas, missiva essa datada de 25-09-18, situando nessa data o dies a quo do prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar quanto a esta infração.

Relativamente aos prazos para o exercício do poder disciplinar laboral, prevê o artigo 329.º, do CT, na parte que agora interessa, o seguinte:
«1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
3 - O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4 - O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
(…)».

O artigo 382.º, n.º1, do CT, por seu turno, prescreve a ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador se, além do mais, tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º.
Neste domínio, é entendimento maioritariamente aceite que o prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar, tal como previsto no n.º 2 do citado artigo 329.º do CT é um prazo de caducidade, que só começa a correr quando a entidade empregadora, ou o superior hierárquico com competência disciplinar sobre o trabalhador, teve conhecimento dos factos que por ele foram praticados, conhecimento que deve abranger todos os elementos essenciais que compõem a infração disciplinar que constitui pressuposto de tal procedimento (14).
Ainda a propósito, e tal como tem vindo a ser pacificamente entendido pela jurisprudência, compete ao trabalhador o ónus de alegação e de prova dos factos determinantes da caducidade do exercício da ação disciplinar, concretamente de que a entidade com poder disciplinar teve conhecimento da infração há mais de sessenta dias (15).
Por outro lado, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido - artigo 329.º do CC - e não se suspende, nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine - artigo 328.º do CC -, só impedindo a caducidade a prática do ato de que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1, do CC), o que no caso em apreciação nos remete necessariamente para a notificação da nota de culpa ao trabalhador ou para a instauração do procedimento prévio de inquérito, enquanto causas interruptivas da contagem do prazo estabelecido nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º do CT - cf. os artigos 353.º, n.º 3, e 352.º do CT.
A este propósito, prevê o artigo 353.º, n.º 3, do CT, que a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º.
Importa ainda ter presente a natureza e especificidade das infrações em causa, concretamente, se podemos configurar a realização plúrima do mesmo tipo de infração, de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior, caso em que se podem qualificar como infrações de caráter continuado, ou se está em causa uma infração de execução instantânea, devendo entender-se que o início da contagem do prazo de prescrição se dá a partir da prática da infração, se esta tiver carácter instantâneo, ou após findar o último ato que a integra, nos casos de infrações continuadas (16).
Efetivamente, na linha da jurisprudência firmada pelo STJ (17), nas infracções continuadas, o prazo da prescrição só começa a decorrer a partir do último acto que a integra, interrompendo-se com a notificação da nota de culpa ou com o início do processo prévio de inquérito, se a sua realização se mostrar necessária para fundamentar a nota de culpa e decorrer com a diligência devida.
Ora, se por efeito da continuação, poderá relegar-se o início do prazo da prescrição para a cessação da execução, ou seja, para a prática do último ato que integra a continuação, não vemos como possa ser imposta data anterior para a entidade patronal iniciar o procedimento disciplinar, tendo em vista o início do prazo de caducidade previsto no artigo 329.º, n.º 2, do CT. Com efeito, se é certo que são distintos os termos iniciais do prazo de prescrição previsto no n.º1 do artigo 329.º do CT e do prazo de caducidade previsto no artigo 329.º, n.º 2, do CT, embora possam coincidir, situando-se este último na data do conhecimento da infração pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar e o primeiro na data da prática da infração, resulta manifesto que é com referência à prática do último ato que integra a continuação que a entidade patronal tem a possibilidade, em abstrato, de tomar conhecimento da infração na sua total amplitude.
No caso em apreciação está apenas em causa o prazo de caducidade previsto no citado artigo 329.º, n.º 2, do CT.
Tal como entendeu - e bem - a decisão recorrida, o ilícito disciplinar que conduziu à aplicação ao ora apelante da sanção de despedimento com justa causa reconduz-se ao disposto no artigo 351.º, n.º 2, als. a), e g), do CT.

O artigo 351.º, n.º 2, do CT dispõe que constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
(…)
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
(…)».
Tal como resulta dos autos, a «Nota de culpa» deduzida no procedimento disciplinar instaurado pela recorrida, na qual a decisão de despedimento veio a assentar os respetivos fundamentos (que considerou como provados), imputa ao impugnante, no essencial, a falta de comparência ao trabalho por parte do trabalhador desde 10 de agosto de 2018 e o consequente desrespeito pelas ordens e instruções da direção da entidade patronal, pelo menos até à data da referida «Nota de culpa», remetida ao trabalhador em 8 de outubro de 2018; sustenta caber única e exclusivamente à entidade empregadora o poder de decidir o período de duração da licença sem vencimento, nem se prevendo o seu deferimento tácito, não existindo qualquer obrigação legal de aceitar os pedidos de concessão ou de prorrogação de licenças sem vencimento quando os mesmos não visam a frequência de qualquer formação mas apenas e só motivos relacionados com os interesses individuais do trabalhador, pois o cargo que o trabalhador exerce na empresa pública só a este favorece e a licença nunca foi concedida para todo o período de nomeação pública (sendo que aliás se desconhecia qual seria o respetivo prazo), pelo que, ao não regressar voluntariamente ao posto e local de trabalho apesar de expressamente advertido pela entidade patronal da data em que o deveria fazer, manifestou o trabalhador desconsideração e desrespeito pela entidade empregadora e pelo seu funcionamento interno, o que é revelador de uma atitude egoísta, contraproducente e culposa por parte do mesmo, tornando impossível a subsistência da relação laboral com a instituição, sendo tais factos suscetíveis de influir negativamente quer na relação hierárquica do aqui trabalhador com a entidade empregadora, quer na sua relação com os demais colegas.
Conclui que a conduta do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, impossibilita, imediatamente, a continuidade da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, nos termos dos n.ºs 1 e 2, als. a) e g), do artigo 351.º do CT.
Ora, a referência temporal da infração que integra a al. g), do n.º 2 do artigo 351.º do CT, imputada ao ora apelante na referida «nota de culpa», pressupõe o número mínimo de 10 dias de faltas não justificadas interpoladas ou de cinco seguidas, tendo por referência um ano civil, do que decorre que a concreta infração disciplina imputada nunca poderia ter-se por consumada logo no dia 10 de agosto de 2018, data em que deveria o impugnante apresentar-se no seu posto e local de trabalho para trabalhar.
Ainda assim, vem o recorrente defender que a 3 agosto de 2018 foi perentório a dizer que não ia comparecer ao serviço a 10 de agosto, pelo que se tornou eficaz esta manifestação de vontade, sustentando que tal declaração produz efeitos jurídicos por ter natureza receptícia, sendo do conhecimento da insolvente que era certo que não estaria no dia 10 de agosto, em face do que vem alegar que a recorrida teve, então, conhecimento, já em 03 de agosto, que o impugnante não mais ia comparecer, concluindo ainda que se iniciou, no dia seguinte, o decurso do prazo de 60 dias para a insolvente instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 329.º do CT.
Liminarmente se dirá que não assiste razão ao apelante.
Como se viu, na hipótese legal em apreciação o comportamento imputado ao trabalhador não é traduzido numa dada ou concreta ausência ao trabalho, mas sim numa atuação que se concretiza em várias ausências e tem por referência, nos termos da lei, o período referente ao ano civil, do que resulta evidente não poder o empregador tomar cabal conhecimento da consumação de tal infração disciplinar logo no primeiro dia da referida ausência nem presumir antecipadamente a sua ulterior verificação e qual a sua amplitude.
Acresce que a declaração remetida pelo aqui reclamante/impugnante, em 3 de agosto de 2018, alegando que se encontrava impossibilitado de comparecer no dia 10 de agosto de 2018, dado que a licença sem vencimento em causa fora concedida para todo o período de duração do cargo de nomeação pública que exercia, nunca poderia assumir o relevo jurídico que o apelante lhe pretende atribuir, posto que surge como resposta à comunicação da empregadora, de 18-06-2018 - a comunicar a autorização da prorrogação da licença sem vencimento por 6 meses, com início reportado a fevereiro de 2018, e da referida declaração nem sequer consta qualquer menção ou referência concreta ao início ou termo inicial do período de nomeação para o cargo de nomeação pública, ou sua renovação, assim como não existe qualquer referência ao seu termo final. Efetivamente, a comunicação em referência é totalmente omissa quanto a tais referências temporais, tornando assim indeterminado e incerto o eventual período de ausência ao trabalho. Acresce que também não resulta da matéria de facto assente, nem dos documentos para os quais remete, que tal período de ausência ao trabalho estivesse concretamente delimitado em data anterior à da declaração remetida pelo aqui reclamante/impugnante, de 3 de agosto de 2018.
Sobre esta matéria, importa considerar o que resulta da matéria de facto provada: - O impugnante, após prévia reunião com a direção, enviou, no dia 10/02/2017, pedido de licença sem vencimento, para exercer cargo público pelo período de duração do mesmo, tendo a ora insolvente aceite o mesmo por um prazo inicial de um ano, conforme cópia de missiva junta a fls. 23 (ponto 3); - Posteriormente, ainda antes de completar um ano, no dia 06/02/2018, o ora impugnante volta a solicitar renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, sendo que a ora insolvente enviou carta a comunicar a autorização, 4 meses depois, em 18/06/2018 e por apenas seis meses, com inicio reportado a Fevereiro (data em que o impugnante solicitou nova licença) devendo, assim, o impugnante, comparecer ao trabalho no dia 10/08/2018, conforme documentos juntos a fls. 23 v. e 24 (ponto 4); - Em 1 de fevereiro de 2017, foi solicitado pelo aqui impugnante a concessão de uma licença sem remuneração, com fundamento na nomeação pública por designação para órgão de gestão/ administração de empresas públicas - cfr. Doc. 62 v. (ponto 13); - Na sequência do pedido formulado, em 10 de fevereiro de 2017 a insolvente concedeu a autorização da referida licença sem vencimento (ponto 14); - Por comunicação rececionada pelos serviços da insolvente em 8 de fevereiro de 2018, foi requerida pelo aqui impugnante, nova renovação da supramencionada licença sem remuneração, na sequência da sua designação para o órgão de gestor público no conselho de administração das Águas ..., S.A - cfr. Doc. junto a fls. 63 (ponto 15); - Após análise do requerido pelo impugnante, a administração da insolvente, deliberou conceder uma prorrogação da licença, apenas pelo período de 6 meses, deliberação esta comunicada por carta registada - cfr. Doc. de fls. 63 v. (ponto 16); - Dessa deliberação, resultava expressa e inequivocamente, a menção de que o trabalhador se deveria apresentar ao serviço em 10 de agosto de 2018 (ponto 17); - Em 3 de agosto de 2018, remeteu o aqui reclamante/ impugnante nova comunicação, alegando que se encontrava impossibilitado de comparecer, dado que a licença sem vencimento em causa fora concedida para todo o período de duração do cargo de nomeação pública que exercia - cfr. Doc. junto a fls. 64 (ponto 18); Nem na data em que se deveria apresentar ao trabalho, nem posteriormente, o aqui impugnante compareceu ao serviço (ponto 19); - Em 28 de agosto de 2018, a administração da insolvente remeteu ao trabalhador uma carta registada, advertindo-o de que deveria comparecer ao serviço e deveria proceder à justificação das suas ausências desde 10 de agosto de 2018 - cfr. Doc. de fls. 64 v (ponto 20); - O aqui impugnante veio a responder em 25 de setembro de 2018, conforme doc. de fls. 65 v (ponto 21); - Na sequência dos factos aqui vertidos, foi instaurado o competente processo disciplinar, tendo a nota de culpa sido remetida para o trabalhador em 8 de outubro de 2018 - cfr. Doc. de fls. 66 e ss. (ponto 22).
Neste enquadramento, a comunicação em causa, datada de 3 de agosto de 2018, não permite consubstanciar uma autêntica e válida comunicação de ausência ao empregador, nos termos e para os efeitos disciplinados no artigo 253.º do CT. Assim, não indica sequer qual o período de ausência previsível, o que se afigura indispensável, tanto mais que o n.º 2 do citado preceito prevê expressamente a obrigatoriedade de tal comunicação ser reiterada pelo trabalhador em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
De qualquer forma, a comunicação de ausência prevista no artigo 253.º do CT, não se destina a determinar desde logo e antecipadamente qual o período a considerar pelo empregador para efeitos de faltas, justificadas ou injustificadas de acordo com os respetivos fundamentos, antes correspondendo ao cumprimento do dever de comunicação ou de informação, enquanto condição para que o trabalhador possa justificadamente faltar quando se verifiquem os motivos legalmente atendíveis para o efeito, nos termos taxativos expressos no artigo 249.º do CT. Deste modo, o eventual incumprimento de tal dever, nos termos regulados no referido artigo 253.º, n.º 5, do CT, descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas dadas (18).
Torna-se assim manifesto que o ora apelante não provou, como lhe competia, tal como também não alegou em sede de impugnação, que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar sobre o trabalhador teve conhecimento dos factos que por este foram praticados há mais de sessenta dias, com referência à data da notificação da nota de culpa ao trabalhador, sendo certo que tal conhecimento deve abranger todos os elementos essenciais que compõem a infração disciplinar que constitui pressuposto do procedimento disciplinar.
À luz do enquadramento antes enunciado, sufragamos o entendimento vertido na decisão recorrida, na parte em que considerou que a entidade empregadora, ora insolvente, logrou tomar conhecimento da conduta infracional imputada após a receção da missiva emitida pelo trabalhador, datada de 25-09-2018 (ponto 21), situando nesta data o dies a quo do prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar quanto a esta infração.
Assim, de tal missiva (datada de 25-09-2018) decorre efetivamente o propósito do trabalhador em não se apresentar ao serviço por um período já concretamente referenciado, aludindo então especificamente ao período de duração do cargo de nomeação pública como sendo, no caso «de 3 anos, a contar (do) presente ano de 2018». Mais se verifica que, em resposta à advertência de que deveria justificar as faltas, sob pena de instauração de procedimento disciplinar (ponto 20), remeteu para os motivos já anteriormente comunicados, o que permite a conclusão de que não iria apresentar qualquer outra justificação às ausências já verificadas até essa data.
Deste modo, estando provado que a nota de culpa foi remetida para o trabalhador em 8 de outubro de 2018 - cf. Doc. de fls. 66 e ss. - (ponto 22 da matéria de facto provada) - e ainda que se considere que a nota de culpa só foi pessoalmente notificada ao impugnante no dia 19-10-2018 como entendeu a decisão recorrida em sede de apreciação do direito -, tal ocorreu antes de decorridos 60 dias sobre o conhecimento de todos os elementos essenciais que compõem a infração disciplinar que constitui pressuposto do procedimento disciplinar, pelo que a contagem do prazo de caducidade então em curso foi interrompida nos termos do disposto no artigo 353.º, n.º 3, do CT, antes de o mesmo se ter completado, tal como considerou a sentença recorrida.
Refere ainda o apelante, em sede de recurso, que nunca poderia o tribunal atender à carta de 25 de setembro de 2018, em que o impugnante responde à carta enviada pela entidade empregadora a 28 de agosto de 2018, porquanto o pedido de prova ou justificação que nela se concretiza está para além do prazo previsto no artigo 254.º do CT para a empresa exigir prova da fundamentação, para além de que a entidade empregadora não considerou de facto as faltas injustificadas, apesar da nota de culpa e subsequente procedimento disciplinar, tendo comunicado à Segurança Social a correção de créditos laborais, por efeito da cessação do contrato, com referência ao mês de fevereiro de 2017 e não o fez com referência ao mês de agosto, como se impunha, atento a que seria esse o mês relevante para a cessação do contrato.
Sucede que a aludida previsão do artigo 254.º do CT (19) conferindo ao empregador a faculdade de exigir ao trabalhador prova do facto invocado para a justificação, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, configura uma prerrogativa da entidade patronal - «O empregador pode…», não decorrendo da lei qualquer efeito preclusivo ou cominação específica para o eventual incumprimento pela entidade patronal do prazo previsto no n.º1, contrariamente ao que sucede com o eventual incumprimento pelo trabalhador da obrigação prevista nos n.ºs 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 (a qual determina que a ausência seja considerada injustificada). De qualquer maneira, não constando da alegada comunicação da ausência a concretização do eventual período de ausência ao trabalho, conforme já antes enunciámos, não estava a entidade empregadora inibida de exigir ao trabalhador a justificação das faltas ou ausências entretanto verificadas até essa data, tanto mais que estamos perante infrações continuadas, traduzidas em faltas ou ausências em dias seguidos e por período contínuo e permanente que, à data, ainda não havia cessado. Efetivamente, tal como resulta do ponto 19 supra, «nem na data em que se deveria apresentar ao trabalho, nem posteriormente, o aqui impugnante compareceu ao serviço».
Por último, também não assume qualquer relevo para o caso afirmar que a entidade empregadora, apesar do vertido na nota de culpa e no subsequente procedimento disciplinar, não considerou as faltas de facto injustificadas perante a Segurança Social, comunicando a correção de créditos laborais por efeito da cessação do contrato apenas com referência ao mês de fevereiro de 2017 e não o fazendo quanto ao mês de agosto de 2018, posto que o processamento de tais informações perante a Segurança Social não tem interferência no âmbito do procedimento disciplinar em causa. Trata-se, além do mais, de matéria de facto que não foi enunciada na decisão recorrida, sendo que a falta de impugnação, pelo ora recorrente, da decisão recorrida relativamente às circunstâncias de facto que servem de suporte a tal alegação delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Por conseguinte, não procede o fundamento de caducidade invocado pelo apelante para sustentar a ilicitude do despedimento.
Improcede, assim, a apelação, nesta parte, o que importa a confirmação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a exceção de caducidade do procedimento disciplinar.
Nos termos que decorrem do artigo 340.º, al. c), do CT, o despedimento por facto imputável ao trabalhador configura uma das formas de cessação do contrato de trabalho.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador é vinculado, só podendo ocorrer nos casos previstos na lei.
Neste domínio, o citado artigo 351.º do CT enuncia no seu n.º1 a noção de justa causa de despedimento, segundo o qual «constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», prevendo ainda, no seu n.º 2, a título exemplificativo, diversos comportamentos do trabalhador que são suscetíveis de consubstanciar justa causa de despedimento, entre os quais os seguintes:
« (…)
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
(…);
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
(…)»
Como tem sido entendido na jurisprudência e doutrina, quer no domínio da LCCT, quer no do CT, o conceito de justa causa formulado no aludido normativo integra três elementos: a) um elemento subjetivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por ação ou omissão; b) um elemento objetivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade» (20).
Neste contexto, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral «quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo que a determinação em concreto da justa causa «resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes - intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes -, se conclua pela premência da desvinculação», posto que o conceito de justa causa «liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível» (21).
Importa ainda ponderar que, para além dos deveres decorrentes do princípio geral da boa-fé no exercício dos direitos e no cumprimento das respetivas obrigações, impostos ao empregador e ao trabalhador pelo artigo 126.º, n.º1, do CT, os deveres do trabalhador encontram-se enunciados no artigo 128.º do CT, entre os quais importa realçar os deveres de respeito, de assiduidade e pontualidade, de lealdade e obediência, sendo que este último respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
Por outro lado, e tal como decorre do n.º 3 do citado artigo 351.º do CT, na apreciação da justa causa de despedimento, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Por último, é de ter ainda presente que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”» (22).
A sentença recorrida concluiu que o despedimento foi lícito porque devidamente fundamentado na impossibilidade de manutenção da relação contratual e pelos motivos referidos na «nota de culpa», ou seja, a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, e faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
Neste domínio, considerou, no essencial, que a ausência do impugnante ao trabalho foi causador de rutura, de forma imediata, da subsistência da relação de trabalho e entendendo que «as faltas injustificadas causaram transtorno na organização do serviço e prejuízos à entidade empregadora, que teve que que recorrer a trabalho prestado por outros trabalhadores, daí decorrendo custos acrescidos».
Face à matéria de facto assente nos autos, tal como em relação à matéria que já constava da «nota de culpa» e da decisão de despedimento, temos que efetivamente a conduta do impugnante permite integrar as previsões das alíneas a) e g) do n.º 2, do citado artigo 351.º do CT.
O artigo 248.º, n.º1, do CT define «falta» como a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
Neste domínio, conforme prevê o artigo 249.º, n.º1, do CT, a falta pode ser justificada ou injustificada.

Quanto às primeiras, enuncia o n.º 2 do citado preceito que são consideradas justificadas, as seguintes faltas:
a) As dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento;
b) A motivada por falecimento de cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251.º;
c) A motivada pela prestação de prova em estabelecimento de ensino, nos termos do artigo 91.º;
d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
e) A motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respectivamente;
f) A motivada pelo acompanhamento de grávida que se desloque a unidade hospitalar localizada fora da ilha de residência para realização de parto.
g) A motivada por deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um;
h) A de trabalhador eleito para estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, nos termos do artigo 409.º;
i) A de candidato a cargo público, nos termos da correspondente lei eleitoral;
j) A autorizada ou aprovada pelo empregador;
k) A que por lei seja como tal considerada.

Resulta da análise do preceito agora citado que deve considerar-se como falta injustificada qualquer falta não prevista nas diversas alíneas do seu n.º 2, tal como dispõe expressamente o n.º 3, nos seguintes termos: «É considerada injustificada qualquer falta não prevista no número anterior».

No caso em apreciação, mostra-se devidamente assente que o impugnante, após prévia reunião com a direção, enviou, no dia 10/02/2017, pedido de licença sem vencimento, para exercer cargo público pelo período de duração do mesmo, tendo a ora insolvente, em 10 de fevereiro de 2017, aceite o mesmo por um prazo inicial de um ano, conforme cópia de missiva junta a fls. 23 (pontos 3 e 14).
De acordo com o que também revelam os autos, posteriormente, ainda antes de completar um ano, no dia 06/02/2018, o ora impugnante volta a solicitar renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, na sequência da sua designação para o órgão de gestor público no conselho de administração das Águas ..., S.A., sendo que a administração da insolvente, após análise do requerido, deliberou conceder uma prorrogação da licença, apenas pelo período de 6 meses, com inicio reportado a Fevereiro (data em que o impugnante solicitou nova licença), deliberação essa comunicada por carta registada, em 18/06/2018, devendo, assim, o impugnante, comparecer ao trabalho no dia 10/08/2018, conforme documentos juntos a fls. 23 v. e 24 (pontos 4 e 15 e 16).
Não obstante a deliberação da administração da entidade empregadora de conceder uma prorrogação da licença sem remuneração apenas pelo período de 6 meses, com início reportado a fevereiro de 2018 (data em que o impugnante solicitou nova licença), a qual foi comunicada ao apelante por carta registada, em 18/06/2018, o impugnante, nem na data em que se deveria apresentar ao trabalho, nem posteriormente, compareceu ao serviço (ponto 19).
É certo que, em 3 de agosto de 2018, remeteu o aqui reclamante/ impugnante nova comunicação, alegando que se encontrava impossibilitado de comparecer, dado que a licença sem vencimento em causa fora concedida para todo o período de duração do cargo de nomeação pública que exercia - cf. Doc. junto a fls. 64 (ponto 18).
Porém, em 28 de agosto de 2018, a administração da insolvente remeteu ao trabalhador uma carta registada, advertindo-o de que deveria comparecer ao serviço e proceder à justificação das suas ausências desde 10 de agosto de 2018 - cf. Doc. de fls. 64 v. (ponto 20). E, tal como resulta do ponto 3 supra a entidade empregadora autorizou o pedido inicial de licença sem vencimento, enviado pelo impugnante a 10-02-2017, pelo prazo de um ano, o que, aliás, era do conhecimento do trabalhador já que ainda antes de completar um ano, em 6-02-2018, volta a solicitar renovação da licença sem remuneração (ponto 4 da matéria de facto).
Mais se verifica que o impugnante veio ainda responder à entidade empregadora por missiva de 25 de setembro de 2018 (ponto 21), da qual decorre claramente o propósito em não se apresentar ao serviço por um período concretamente referenciado, aludindo então especificamente ao período de duração do cargo de nomeação pública como sendo, no caso «de 3 anos, a contar (do) presente ano de 2018». Mais se verifica que, em resposta à advertência de que deveria justificar as faltas, sob pena de instauração de procedimento disciplinar (ponto 20), remeteu para os motivos já anteriormente comunicados, o que permite a conclusão de que não iria apresentar qualquer outra justificação às ausências já verificadas até essa data.
Ora, do enunciado enquadramento de facto resulta manifesto que as referidas ausências ao trabalho por parte do ora impugnante não foram autorizadas ou aprovadas pelo empregador, nem se verifica qualquer outro motivo ou fundamento para a sua justificação, à luz do elenco previsto no n.º 2 do citado artigo 249.º do CT.
Assim sendo, cumpre concluir que tais ausências integram a noção de faltas injustificadas, as quais se efetivaram por período muito superior a cinco dias seguidos.
Acresce que o impugnante foi prévia e inequivocamente informado pela entidade patronal de que se deveria apresentar ao serviço em 10 de agosto de 2018 (ponto 17), tendo ainda sido novamente advertido, por carta remetida a 28 de agosto de 2018, de que deveria comparecer ao serviço e deveria proceder à justificação das suas ausências desde 10 de agosto de 2018, sob pena de instauração de procedimento disciplinar - cfr. Doc. de fls. 64 v. (ponto 20).
Decorre do exposto que a conduta do impugnante denota evidente persistência em manter a ausência ao trabalho, com caráter duradouro, na sequência do pedido de renovação da licença sem vencimento até final do exercício do cargo, que requerera à empregadora no dia 06-02-2018, não obstante saber que o mesmo foi objeto de deliberação da administração da entidade empregadora no sentido de conceder uma prorrogação da licença sem remuneração apenas pelo período de 6 meses, com início reportado a fevereiro de 2018 (data em que o impugnante solicitou nova licença) e apesar de expressamente informado da data em que se deveria apresentar ao serviço (10 de agosto de 2018).
Verifica-se, assim, que o impugnante, ao persistir em manter a ausência ao trabalho, na sequência do pedido de renovação da licença sem remuneração entretanto apreciado, recusou cumprir uma determinação previamente comunicada pela entidade patronal, no sentido de conceder uma prorrogação da licença sem remuneração apenas pelo período de 6 meses, com início reportado a fevereiro de 2018 (data em que o impugnante solicitou nova licença) e com indicação expressa quanto à data em que se deveria apresentar ao serviço.
Acresce que tal recusa se afigura ilegítima porquanto contraria de forma manifesta e persistente uma determinação tomada e comunicada pela entidade detentora do poder de direção, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, nos termos previstos no artigo 97.º do CT, não podendo o impugnante eximir-se à sua observância já que a entidade empregadora, ora recorrida, não estava limitada ou condicionada legalmente à respetiva aprovação/concessão, nem relativamente ao respetivo prazo de prorrogação.

Sobre a concessão e efeitos da licença sem retribuição rege o artigo 317.º do CT, com o seguinte teor:
«1 - O empregador pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licença sem retribuição.
2 - O trabalhador tem direito a licença sem retribuição de duração superior a 60 dias para frequência de curso de formação ministrado sob responsabilidade de instituição de ensino ou de formação profissional, ou no âmbito de programa específico aprovado por autoridade competente e executado sob o seu controlo pedagógico, ou para frequência de curso ministrado em estabelecimento de ensino.
3 - Em situação prevista no número anterior, o empregador pode recusar a concessão de licença:
a) Quando, nos 24 meses anteriores, tenha sido proporcionada ao trabalhador formação profissional adequada ou licença para o mesmo fim;
b) Em caso de trabalhador com antiguidade inferior a três anos;
c) Quando o trabalhador não tenha requerido a licença com a antecedência mínima de 90 dias em relação à data do seu início;
d) Quando se trate de microempresa ou de pequena empresa e não seja possível a substituição adequada do trabalhador, caso necessário;
e) Em caso de trabalhador incluído em nível de qualificação de direcção, chefia, quadro ou pessoal qualificado, quando não seja possível a sua substituição durante o período da licença, sem prejuízo sério para o funcionamento da empresa.
4 - A licença determina a suspensão do contrato de trabalho, com os efeitos previstos no artigo 295.º
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 2.».

Da análise do preceito legal antes enunciado resulta evidente que constituem direito do trabalhador apenas as licenças sem remuneração de duração superior a 60 dias para frequência de curso de formação ministrado sob responsabilidade de instituição de ensino ou de formação profissional, ou no âmbito de programa específico aprovado por autoridade competente e executado sob o seu controlo pedagógico, ou para frequência de curso ministrado em estabelecimento de ensino, e mesmo aí mediante determinadas condições, podendo o empregador recusar a concessão da licença nas circunstâncias previstas no n.º 3 do mesmo preceito.
Ora, reportando-se a autorização solicitada pelo impugnante à renovação de licença sem remuneração, na sequência da sua designação para o órgão de gestor público no conselho de administração das Águas ..., S.A. (ponto 15), resulta indiscutível a legitimidade da entidade empregadora para determinar qual o período de duração ou de prorrogação da licença em causa, sem qualquer limitação legal ou outras condicionantes, já que se trata de uma mera prerrogativa do empregador.
No contexto exposto verifica-se efetivamente uma situação de concurso de infrações disciplinares, porquanto o impugnante, para além de faltar injustificadamente ao trabalho por período muito superior a cinco dias seguidos, também recusou a determinação imposta pela entidade empregadora, para que regressasse ao trabalho no dia 10/08/2018, como consequência da deliberação da respetiva administração no sentido da prorrogação da licença antes concedida, apenas pelo período de 6 meses, com início reportado a Fevereiro (data em que o impugnante solicitou nova licença), deliberação essa comunicada por carta registada, em 18/06/2018.
Com tais comportamentos, o impugnante violou, culposamente, os deveres de assiduidade e de obediência, tal como previstos nos artigos 128.º, n.º1, als. b), e e), 2 do CT, integrando assim as previsões das alíneas a) e g) do n.º 2, do citado artigo 351.º do CT.
Mais se observa que os factos que integram tais infrações constam efetivamente da «nota de culpa» e da decisão de despedimento, atempadamente comunicados ao trabalhador, ora impugnante.
Resta apreciar se tais infrações integram justa causa de despedimento.
Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto provada, facilmente se constata que da mesma não consta qualquer facto assente que permita confirmar o juízo valorativo vertido na sentença recorrida a propósito dos prejuízos, custos acrescidos ou transtornos eventualmente causados na entidade empregadora ou na respetiva organização do serviço.
Porém, tal não implica que os já enunciados comportamentos do trabalhador, e que foram considerados na «nota de culpa» e na decisão de despedimento, não possam ser considerados, pela sua gravidade e consequências, como causadores de imediata e irreversível rutura da relação laboral, tal como se concluiu na decisão final de procedimento disciplinar.
Como se viu, o artigo 351.º, n.º 2, als. a) e g), do CT, ao consagrar expressamente como comportamentos suscetíveis de consubstanciar justa causa de despedimento, a verificada desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, bem como as faltas não justificadas ao trabalho cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, não exige a demonstração do requisito específico atinente à verificação de um qualquer prejuízo ou risco efetivo para a entidade empregadora.
Assim, a verificação da justa causa de despedimento não depende, necessariamente, da ocorrência de concretos prejuízos materiais para o empregador, ainda que, como vem sendo defendido uniformemente na jurisprudência, os requisitos gerais previstos no n.º 1 do citado artigo 351.º do CT devam aplicar-se também aos comportamentos tipificados no seu n.º 2.
Neste contexto, e tal como também tem vindo a ser definido pela jurisprudência, «a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de “justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.
Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, “ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” e há-de ter presente que o despedimento se apresenta, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa» (23).
Relembre-se que a «nota de culpa» deduzida no procedimento disciplinar instaurado pela recorrida, na qual a decisão de despedimento veio a assentar os respetivos fundamentos (que considerou como provados), imputa ao impugnante, no essencial, a falta de comparência ao trabalho por parte do trabalhador desde 10 de agosto de 2018 e o consequente desrespeito pelas ordens e instruções da direção da entidade patronal, pelo menos até à data da referida «nota de culpa», remetida ao trabalhador em 8 de outubro de 2018; sustenta caber única e exclusivamente à entidade empregadora o poder de decidir o período de duração da licença sem vencimento, nem se prevendo o seu deferimento tácito, não existindo qualquer obrigação legal de aceitar os pedidos de concessão ou de prorrogação de licenças sem vencimento quando os mesmos não visam a frequência de qualquer formação mas apenas e só motivos relacionados com os interesses individuais do trabalhador, pois o cargo que o trabalhador exerce na empresa pública só a este favorece e a licença nunca foi concedida para todo o período de nomeação pública (sendo que aliás se desconhecia qual seria o respetivo prazo), pelo que, ao não regressar voluntariamente ao posto e local de trabalho apesar de expressamente advertido pela entidade patronal da data em que o deveria fazer, manifestou o trabalhador desconsideração e desrespeito pela entidade empregadora e pelo seu funcionamento interno, o que é revelador de uma atitude egoísta, contraproducente e culposa por parte do mesmo, tornando impossível a subsistência da relação laboral com a instituição, sendo tais factos suscetíveis de influir negativamente quer na relação hierárquica do aqui trabalhador com a entidade empregadora, quer na sua relação com os demais colegas.
Ora, a situação já verificada de concurso de infrações disciplinares é suscetível de suscitar forte censura, porquanto, para além do elevado número de faltas injustificadas dadas pelo impugnante - traduzidas em faltas ou ausências em dias seguidos e por período contínuo e permanente, com início em 10 de agosto de 2018 e que, à data da remessa da nota de culpa para o trabalhador, em 8 de outubro de 2018, ainda não havia cessado -, este revelou uma posição de desobediência inequívoca e ilegítima ou não acatamento persistente da determinação imposta pela entidade empregadora no âmbito do respetivo poder de direção e dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, ao qual não podia o impugnante eximir-se já que a entidade empregadora, ora recorrida, não estava limitada ou condicionada legalmente à aprovação/concessão da licença sem remuneração previamente solicitada, nem relativamente ao respetivo prazo de prorrogação.
Acresce que os autos também revelam o propósito claro do trabalhador em não retomar, a breve trecho, o cumprimento das obrigações contratuais, o que decorre desde logo do teor da missiva que enviou à entidade empregadora, de 25 de setembro de 2018 (ponto 21), da qual decorre claramente o propósito de não se apresentar ao serviço por um período concretamente referenciado, aludindo então especificamente ao período de duração do cargo de nomeação pública como sendo, no caso «de 3 anos, a contar (do) presente ano de 2018».
Assim, perante a factualidade apurada não se nos suscitam dúvidas em concluir que o comportamento do impugnante evidencia uma conduta gravemente censurável, reveladora de intensa culpa face ao manifesto desinteresse pelo cumprimento das respetivas obrigações contratuais e pelo cumprimento do dever de obediência às determinações dadas pelo empregador, sendo objetivamente apta a quebrar irremediavelmente a confiança que um empregador normal tem de ter nos seus trabalhadores, para prosseguir os interesses da empresa, com consequências evidentes e insuperáveis ao nível da possibilidade de exercício da autoridade inerente ao poder de direção e de organização que integra uma das componentes essenciais do vínculo de subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho, à luz do artigo 11.º do CT, circunstâncias que são reveladoras da manifesta inviabilidade da continuação da relação laboral em referência.
Daí que se entenda, atenta a matéria de facto em causa, que os comportamentos de desobediência ilegítima por parte do impugnante, em conjunto com o elevado número de faltas injustificadas verificadas e com o propósito claro do trabalhador em não retomar, a breve trecho, o cumprimento das obrigações contratuais decorrentes da relação de trabalho em execução, assumiram a gravidade e as consequências exigidas pelo n.º1 do artigo 351.º do CT para configurar a justa causa de despedimento, já que deixaram de existir as condições mínimas para sustentar uma vinculação duradoura, não sendo razoável exigir do empregador a subsistência da relação de trabalho.
Em suma, os verificados comportamentos de desobediência ilegítima e de faltas injustificadas ao trabalho em dias seguidos, por período alargado, para além de integrarem comportamentos tipificados nas als. a) e g), do n.º 2 do artigo 351.º do CT, em concurso de infrações, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, nos termos previstos no n.º1 do citado preceito, assim configurando justa causa de despedimento.
Por conseguinte, é de concluir que a sanção aplicada, traduzida no despedimento do impugnante, sem indemnização, é lícita e não representa qualquer restrição ou derrogação do princípio constitucional da segurança no emprego, garantido pelo artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa já que se verifica que existiu justa causa para o despedimento, entendendo-se que a sanção aplicada foi proporcional e adequada à gravidade e às consequências de tais comportamentos.
Justifica-se, assim, a improcedência da impugnação deduzida pelo reclamante contra a relação dos créditos não reconhecidos apresentada pelo AI nos termos do artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, devendo manter-se o não reconhecimento de tal crédito reclamado por F. J., tendo por base a licitude do despedimento com justa causa.
Improcede, assim, a apelação, cumprindo manter a qualificação do despedimento com justa causa, tal como decidido na decisão recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - Compete ao trabalhador o ónus de alegação e de prova dos factos determinantes da caducidade do exercício da ação disciplinar, concretamente de que a entidade com poder disciplinar teve conhecimento da infração há mais de sessenta dias, tendo por referência a data em que deu início ao procedimento disciplinar.
II - Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, ora impugnante, que para além de faltar injustificadamente ao trabalho por período muito superior a cinco dias seguidos - com início em 10 de agosto de 2018 e que, à data da remessa da nota de culpa para o trabalhador, em 8 de outubro de 2018, ainda não havia cessado -, revelou uma posição de desobediência inequívoca e ilegítima ou não acatamento persistente da determinação imposta pela entidade empregadora no âmbito do respetivo poder de direção e dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, ao qual não podia o impugnante eximir-se já que a entidade empregadora, ora recorrida, não estava limitada ou condicionada legalmente à aprovação/concessão da licença sem remuneração previamente solicitada, nem relativamente ao respetivo prazo de prorrogação, revelando ainda o impugnante um claro propósito em não retomar, a breve trecho, o cumprimento das obrigações contratuais.
III - Nas aludidas circunstâncias, justifica-se a improcedência da impugnação deduzida pelo reclamante contra a relação dos créditos não reconhecidos apresentada pelo AI nos termos do artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, devendo manter-se o não reconhecimento de tal crédito tendo por base a licitude do despedimento com justa causa.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, ainda que com fundamentação de direito não totalmente coincidente.
Custas da apelação a cargo do recorrente.

Guimarães, 12 de novembro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
2. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
3. Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
4. Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
5. Preceito que prevê, na parte que agora releva, o seguinte: 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão. 2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias. 3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
6. Cf. Lopes do Rego Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
7. Relator: Sousa Grandão, revista n.º 05S161, disponível em www.dgsi.pt.
8. Em sentido idêntico, cf. por todos, o Ac. STJ de 26-03-2008 (relator: Mário Pereira) p. 07S2715, disponível em www.dgsi.pt.
9. Em consonância com o disposto nos artigos 236.º e 295.º do Código Civil, dos quais resulta a aplicabilidade das normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial no âmbito da interpretação de uma sentença ou de um despacho judicial, considerando que constituem verdadeiros atos jurídicos.
10. Lei n.º 7/2009, de 12-02.
11. «Artigo 353.º Nota de culpa 1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.(…)»
12. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, proferido na revista n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
13. Em sentido idêntico, cf., entre outros, os Acs. TRG de 2-05-2019 (relatora: Maria Amália Santos), p. 3128/15.9T8GMR.G1; TRL de 30-04-2019 (relator: José Capacete), p. 30502/16.0T8LSB.L1-7; TRG de 11-07-2017 (relatora: Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1; TRG de 10-09-2015 (relatora: Manuela Fialho), p. 639/13.4TTBRG.G1; TRC de 24-04-2012 (relator António Beça Pereira), p. 219/10.6T2VGS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
14. Neste sentido, cf., por todos, os Acs. TRL de 16-11-2016 (relatora: Paula Sá Fernandes), p. 13205/15.0T8LSB.L1-4; TRP de 16-11-2015 (relatora: Maria José Costa Pinto), p. 192/14.1TTVLG.P1; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
15. Neste sentido, cf., por todos, os Acs. STJ de 05-03-2013 (relator: Pinto Hespanhol), p. 1361/09.1TTPRT.P1.S1; TRP de 16-11-2015 (relatora: Maria José Costa Pinto), p. 192/14.1TTVLG.P1; TRC de 31-01-2013 (relator: Azevedo Mendes), p. 439/11.6TTTMR.C1; disponíveis em www.dgsi.pt.
16. Cf., a propósito, os Acs. TRL de 30-03-2011 (relator: Ferreira Marques), p. 3937/04.4TTLSB.L1-4; TRG de 1-07-2016 (relatora: Manuela Fialho); TRC de 25-03-2010 (relator: Azevedo Mendes), p. 1241/06.2TTCBR.C1; disponíveis em www.dgsi.pt
17. Cf. o Ac. do STJ de13-01-2010 (relator: Pinto Hespanhol), p. 1164/07.8TTPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
18. Cf. o citado Ac. TRP de 16-11-2015.
19. Com o seguinte teor: «Prova de motivo justificativo de falta 1 - O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico. 3 - A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4 - A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5 - O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada.»
20. Cf., por todos, o Ac. do STJ de 18-02-2011, (relator: Pinto Hespanhol), p. 1214/06.5TTPRT.P1.S1 disponível em www.dgsi.pt.
21. Cf., o citado Ac. do STJ de 18-02-2011.
22. Cf., o Ac. do STJ de 17-09-2009, (relator: Mário Pereira), p. 08S3700, disponível em www.dgsi.pt.
23. Cf. o citado Ac. TRP de 16-11-2015.