CHEQUE
TÍTULO CAMBIÁRIO
DATA DE APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
PAGAMENTO À VISTA
Sumário

I - Um cheque apresentado pagamento em data anterior á nele aposta como data da emissão, deve considerar-se pagável no dia da apresentação a pagamento.
II - Nesta hipótese não tem aplicação o regime previsto no art.º 29º da LUC, regime que apenas é aplicável nas hipótese em que apresentação a pagamento ocorra após a data da emissão, situação em que o portador do cheque tem o prazo de oito dias, a contar dessa data, para o apresentar a pagamento, sob pena de perder os direitos de acção conferidos pelo art.º 40º da mesma LUC.
III - Assim a apresentação a pagamento antes da data aposta no cheque não afecta a obrigação cambiária exequenda.
IV - Ou seja, o cheque exequendo considera-se pagável à vista, nos termos do art.º 28º da LUC e é por isso título cambiário exequível.

Texto Integral

Apelação nº 4981/16.4T8OAZ-A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
Por apenso aos autos principais de execução, sob a forma sumária, que lhe moveu o exequente B…, veio a executada C…, deduzir a presente oposição por Embargos de executado na qual e entre o mais, requer a extinção da execução, por falta de título executivo.
Para sustentar a sua pretensão, a embargante alegou que o cheque apresentado à execução foi emitido para pagamento de uma prestação relativa a um contrato de cessão de quotas celebrado entre as partes, tendo sido apresentado a pagamento em data anterior à nele aposta, ou seja, em momento anterior ao vencimento da obrigação, sendo que, ademais, a sua validade havia expirado em data prévia.
Considerando que se mostravam violados os artigos 29º e 40º da LUCH, a executada concluiu que o exequente não dispunha de título executivo.
O exequente apresentou a contestação na qual e em síntese veio alegar que qualquer cheque apresentado a pagamento era pago à vista e que o cheque dos autos não foi pago por falta de provisão, tornando a obrigação imediatamente exigível.
Mais invocou o preceituado no art.º 28º da LUCH, sustentando não ser convocável o art.º 29º do mesmo diploma em virtude de o cheque não ter sido apresentado a pagamento no prazo aí previsto.
Finalmente defendeu que o cheque ter perdido a sua validade não afectava a sua qualidade de título executivo.
Os autos prosseguiram os seus termos com a realização de audiência prévia na qual se frustrou a conciliação das partes mas por se considerarem reunidos os elementos necessários à prolação de decisão, se concedeu às partes a oportunidade de produzirem alegações nos termos legais, o que fizeram por remissão para o expendido nos respectivos articulados.
Na mesma diligência saneou-se o processo e identificou-se o objecto do litígio.
Foi então proferida decisão na qual se fixou a matéria de facto provada, acabando por se julgar os embargos improcedentes, por não provados e, em consequência, se determinou o prosseguimento da execução.
A embargante/executada veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O embargado/exequente respondeu.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela executada/embargante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:

O cheque dado à execução, foi devolvido por falta de provisão.

E foi devolvido por falta de provisão em data anterior à data que nele consta como data de emissão.

O cheque devolvido por falta de provisão em data anterior à que dele consta como data de emissão, não constitui título executivo.

O sacador não garantiu que o cheque fosse pago antes da data de emissão dele constante,

Logo não pode ser-lhes exigido o cumprimento judicial dessa obrigação.

A exequente apresenta como titulo executivo o cheque n°………. sacado sobre a D…, no valor de € 6.000,00 com vencimento para o dia 31-12-2016.

O cheque em apreço, foi entregue pela executada/embargante/recorrente ao exequente/ recorrido para pagamento de uma prestação relativa ao Contrato de Cessão de Quotas celebrado entre ambas as partes.

Tendo-se convencionado que o vencimento da prestação ocorreria no dia 31-12-2016.

O cheque dado à execução, foi apresentado a pagamento no dia 15 de Dezembro de 2016.
10ª
Ou seja, foi apresentado a pagamento em momento anterior à data de emissão.
11ª
Pelo que no dia 15 de Dezembro de 2016, data em que o cheque foi apresentado a pagamento, a obrigação inerente não era exigível, assim como não era exigível o pagamento do cheque.
12ª
O cheque pagável no país onde foi passado, deve ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dias, a contar do dia indicado no cheque como data de emissão, art.º 29 LUCH
13ª
O referido prazo de 8 (oito) dias não foi respeitado.
14ª
O cheque devolvido por falta de provisão constitui título executivo cambiário quando apresentado a pagamento no prazo de oito dias a partir do dia nele indicado como data de emissão.
15ª
Neste sentido, pode consultar-se acórdão proferido pelo STJ, datado de 04-12-2007, disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos e demais de direito deverá ser revogada sentença, da qual se apela, fazendo V. Exas. JUSTIÇA
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Na sua resposta o exequente/embargado pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
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Perante o antes exposto, resulta claro que é seguinte a questão suscitada neste recurso:
Saber se o exequente dispõe de titulo executivo que suporte a execução que deduziu.
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Ficou já visto, que neste recurso não se questiona a decisão de facto que foi proferida.
A ser assim, importa recordar aqui qual o conteúdo da mesma e que é o seguinte:
Factos provados:
1. Nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, é exequente B…, sendo executada C….
2.Nos autos principais, o exequente apresentou à execução o cheque cujo original foi junto a fls. 6.
3.No requerimento executivo, o exequente alegou que «Para pagamento de uma dívida, a ora Executada emitiu, assinou e entregou ao ora Exequente um cheque com o número: ………., referente à Conta número: ……….., datado em 31/12/2016 e no valor de: 6.000,00 € (seis mil euros), sacado sobre o Banco D…»; que «O referido cheque, foi apresentado a pagamento no dia 15/12/2016, tendo sido devolvido por “falta de provisão”. - cfr. documento n.º 1, que se faz juntar»; que «É do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão com o processo n.º 06A2100, disponível em www.dgsi.pt, em que ‘Se um cheque for apresentado a pagamento em data anterior à nele aposta como data de emissão, então o cheque considera-se pagável no dia da apresentação a pagamento’»; que «‘A apresentação a pagamento antes da data aposta no cheque não afecta a obrigação cambiária exequenda’»; que «(…) encontra-se em dívida o capital aposto no cheque, no valor de 6.000,00 € (seis mil euros), que se destinava ao pagamento de uma dívida que a Executada contraiu perante o ora Exequente»; que «Valor esse ao qual acrescem juros moratórios, desde a data do depósito até à presente data, à taxa legal em vigor. E que, calculados à respectiva taxa de juro civil, até hoje, ascendem ao valor de 26,30 € (vinte e seis euros e trinta cêntimos). Relegando-se para momento posterior o cálculo dos juros moratórios vincendos à taxa legal, devidos até à data do efectivo e integral pagamento»; que «Para a instauração da referida acção executiva, o Exequente procedeu ao pagamento do valor de 25,50 € (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de Taxa de Justiça, sendo esta despesas a revelar na presente execução» e que «A dívida é certa, líquida e exigível».
4. O cheque referido em 2 tem o valor de 6.000€, é sacado sobre conta titulada pela executada na D…, S.A., a favor de B…, tem aposto como local de emissão … e a data de 31.12.2016.
5. Apresentado a pagamento, o cheque referido em 2 foi devolvido com a menção “Falta de provisão” em 15.12.2016.
6. Teor do documento de fls. 12 e segs. dos presentes autos, intitulado «Contrato de Cessão de Quotas», aqui dado por integralmente reproduzido.
7. Teor do documento de fls. 16e segs. dos presentes autos, intitulado «Acta Número Quatro», aqui dado por integralmente reproduzido.
8. Teor do documento de fls. 18 e segs. dos presentes autos, composto por caderneta predial urbana do imóvel inscrito sob o artigo matricial 4844, da freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, aqui dado por integralmente reproduzido
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Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão a tomar.
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Ora já todos conhecemos as razões pelas quais a executada/embargante considera que o cheque dado à execução pelo exequente/embargado não constitui título executivo.
No entanto, tais argumentos não merecem, em nosso entender, ser acolhidos.
Vejamos, pois:
Como bem se afirma no acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.2011, no processo 3931/09.9TBLRA.C1, www.dgsi.pt.:
“O cheque é um título de crédito, no sentido em que é um documento apto ao exercício do direito literal e autónomo nele inscrito e, para produzir efeitos como tal, o suporte físico de papel em que se materializa deve conter:
-a palavra «cheque» inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;
-o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada;
-o nome de quem deve pagar (sacado);
-a indicação da data em o pagamento se deve efectuar;
-a indicação da data em que o cheque é passado;
-a assinatura de quem passa o cheque (artigos 1º e 2º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
A emissão de um cheque pressupõe a prévia celebração de um contrato, a denominada convenção de cheque, com uma entidade bancária na qual está aberta uma conta cujo saldo pode ser movimentada mediante aquele instrumento (veja-se o artigo 3º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
Na convenção de cheque definem-se, entre outras, as condições a que deve obedecer a assinatura da ordem de pagamento dos cheques, o denominado saque. Para tanto, recolhem-se as assinaturas das pessoas autorizadas a proceder a tal movimentação, organizando-se uma ficha de assinaturas. Essas fichas de assinaturas são de crucial importância quando a sacadora é uma entidade ideal, como sucede com as sociedades comerciais, já que sendo entidades destituídas de capacidade de acção, carecem, necessariamente, de pessoas físicas que ajam por si, no seu interesse e em sua representação.
O cheque é pagável à vista, considerando-se não escrita qualquer menção em contrário (1º parágrafo do artigo 28º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque). O cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação (2º parágrafo do artigo 28º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
No caso dos autos, a recorrente sustenta a irregularidade do saque de doze cheques que foram sacados a favor da uma sociedade terceira e entregues pelo seu anterior gerente, em data anterior à efectivação de um contrato de cessão de quotas que determinou a substituição desse gerente por novo gerente, cheques que foram preenchidos com datas posteriores à data em que foram entregues, datas também posteriores à data em que ocorreu a mudança de gerência da autora.
A questão que se coloca é a de saber qual a data relevante para aferir da regularidade do saque dos comummente denominados cheques pré-datados ou pós-datados.
Na nossa perspectiva, a resposta a interrogação colocada é linear e inequívoca face à natureza do cheque de título de crédito pagável à vista. Porque assim é, parece seguro que a regularidade do saque se há-de aferir com referência ao momento em que se processa a entrega dos cheques em que foi assinada a ordem de pagamento, apondo-se uma data de emissão posterior à data em que se processa essa entrega.
Na verdade, se a aposição no cheque de uma data posterior à da entrega não impede a imediata apresentação desse cheque para imediato pagamento, há que concluir que, nesse momento, esse título reúne já todos os requisitos necessários à produção de efeitos como título cambiário. Assim sendo, a regularidade do saque há-de ser aferida com referência à data em que se processou a entrega dos cheques e não pela data em que foram sendo apresentados os referidos cheques, com respeito pela data neles aposta.”.
Em suma, o cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias - art.º 29º da Lei Uniforma Relativa ao Cheque.
No entanto, tal norma deve ser conjugada com o disposto no art.º 28º, onde se estabelece o seguinte:
“O cheque é pagável à vista. Considera-se como não escrita qualquer convenção em contrário.
O cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação ".
Tal significa, pois, que sendo o cheque um meio de pagamento à vista, o prazo legal de oito dias para apresentação a pagamento apenas se conta da data da sua emissão nele aposta se o mesmo não for apresentado a pagamento antes do dia nele indicado como data de emissão.
Assim, se um cheque for apresentado a pagamento em data anterior à nele aposta como data de emissão, então o cheque considera-se pagável no dia da apresentação a pagamento, deixando de ter aplicação o regime do art.º 29º, o qual apenas é aplicável nos casos em que a apresentação a pagamento decorra após a data da emissão, situação nas qual o portador do cheque tem o prazo de oito dias a contar dessa data para o apresentar a pagamento, sob pena de perder os direitos de acção conferidos pelo art.º 40º (neste sentido cf. o Acórdão do STJ de 12.09.2006, no processo 06A2100, em www.dgsi.pt).
Deste modo, a apresentação antecipada a pagamento (ou seja, a apresentação anterior à data da emissão nele aposta) do cheque aqui dado à execução, em nada afecta a obrigação cambiária exequenda.
Ou seja, o cheque exequendo considera-se pagável à vista, nos termos do art.º 28º da LUC e é por isso título cambiário exequível.
Nenhuma censura nos merece pois a decisão recorrida, a qual e na improcedência deste recurso deve ser confirmada.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da embargante/executada (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 22 de Outubro de 2020
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos