INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
CHAMADO
CASO JULGADO
SENTENÇA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IMPUGNAÇÃO DE ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO
POSSE NÃO TITULADA
Sumário

1-De  acordo com o artº 320º do CPC deve a sentença apreciar a relação jurídica de que o chamado seja titular, para que constitua, em relação a ele, caso julgado; assim, admitida a intervenção principal, se a sentença final não apreciar nem se pronunciar sobre a relação jurídica da titularidade do chamado incorre no vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º.
2-O nº 3 do artº 665º do CPC é expressão do princípio do contraditório - que tem sede geral no artº 3º nº 3 do CPC e que se consubstancia no dever de o juiz ouvir as partes sempre que exista risco de ser apreciada e decidida questão surpreendente, a fim de evitar as chamadas decisões surpresa para alguma delas – e está relacionado com o nº 2 do mesmo preceito, pelo que aquele dever de prévia audição das partes impõe-se quando a Relação se propõe decidir questão que não foi apreciada na 1ª instância (v.g. por o juiz a considerar prejudicada pela solução dada a outras – artº 608º nº 2) e sobre a qual as partes não se pronunciaram em sede de alegações de recurso porque, por exemplo, fizeram incidir as suas alegações apenas em torno da decisão recorrida e se abstiveram de produzir alegações sobre o restante objecto do processo.
3-Assim, no caso em que foi o apelante quem suscitou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia na alegação de recurso e os apelados tiveram a oportunidade de sobre ela se pronunciarem, não existe fundamento para aplicar o artº 665º nº 3 do CPC, isto é, ouvir as partes, por 10 dias, sobre essa invocada nulidade da sentença, com vista a supri-la.
4- A circunstância de os réus justificantes (em acção de impugnação de escritura de justificação notarial) não terem logrado provar – o que só poderiam fazer através da junção de escritura respectiva – as invocadas partilhas dos bens da herança dos seus antecessores, apenas tem como consequência ter-se a posse como não titulada e não, como pretendem os autores, a inexistência de aquisição por usucapião.
5-A posse não titulada tem como efeito fazer presumir tratar-se de posse de má fé (artº 1260º nº 2, segunda parte do CC), com o consequente alargamento do prazo necessário à aquisição por usucapião para 20 anos, como decorre do artº 1296º, 2ª parte, do CC, dado não haver igualmente registo de mera posse.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-JB e mulher TB – e posteriormente, como intervenientes principais, MC, MB, JCB, FB, RB, AB, CBA e de MCB - instauraram acção declarativa contra:
- JFG, e mulher AG, AM, EF, e mulher MG, MFG, AF, e marido JF, JJ, MF, CF, ZBF e, JF, pedindo:
1) Ser reconhecida e declarada a inexistência na esfera jurídica dos réus justificantes do direito de propriedade e do direito de posse de que os mesmos se arrogaram titulares relativamente ao identificado prédio rústico e que invocam na referida escritura de justificação ora impugnada;
2) Ser reconhecida e declarada sem efeito a escritura de justificação notarial por os réus justificantes não serem donos nem possuidores do referido prédio a que nela aludem e, em consequência, ser reconhecida e declarada nula a escritura de justificação notarial ora impugnada;
3) Deverão ser reconhecidos e declarados como impugnados os factos justificados pelos réus justificantes;
4) Ser reconhecida e declarada a inexistência na esfera jurídica dos réus compradores do direito de propriedade e do direito de posse de que os mesmos se arrogam titulares relativamente ao identificado prédio rústico e que invocam na referida escritura de compra e venda ora impugnada.
5) Ser reconhecida e declarada sem efeito a escritura de compra e venda por os réus compradores terem comprado o prédio objecto da presente contenda judicial a quem sabiam e sabem e têm a obrigação de saber não ser donos do prédio e, em consequência, ser reconhecida e declarada nula a escritura de compra e venda ora impugnada e ser reconhecida e declarada em relação aos herdeiros de MB, incluindo aos ora autores, ineficaz a mencionada compra e venda;
6) Ser reconhecidos e declarados como impugnados os factos de compra e venda constantes da mencionada escritura de compra e venda e que permitiram aos RR. compradores inscrever a seu favor na Conservatória do Registo Predial de … a propriedade do identificado prédio e, em consequência, serem reconhecidos e declarados nulos os actos de registo predial que contradizem os pedidos anteriores, devendo ser ordenado o cancelamento dos referidos registos.;
7) Ser reconhecido e declarado que o aludido prédio foi adquirido, a título originário, por usucapião, pelos Srs. MB e mulher MC e que em consequência do respectivo óbito de MC que o prédio pertence em propriedade e em posse, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos seus respectivos herdeiros, entre os quais a autora mulher, na qualidade de filha de MC, com a consequente condenação dos réus a reconhecerem e a respeitaram que o referido prédio era, enquanto vivos foram, da propriedade, por usucapião, dos Srs. MB e mulher MC e que verificado, em 25.08.1996, o óbito deste o mencionado prédio rústico faz parte da herança deixada em aberto e que, em consequência, é em comum e sem determinação de parte ou direito da propriedade e da posse dos herdeiros de MC, entre os quais se inclui a filha e ora autora, mais se condenando os réus a absterem-se de praticarem quaisquer condutas, por acção ou omissão, tendentes a retirar o aludido prédio do mencionado património hereditário para o fazer ingressar, por qualquer forma ou título, no património dos réus justificantes e/ou dos réus compradores, requerendo os autores que todos os réus sejam condenados, nos termos do art.º 829-A.º do CC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar em 200 euros/dia por se alicerçar na condição económica dos réus, na eficácia intimidativa sobre a vontade destes e, por fim, na importância que a prestação reveste para os autores por cada dia de atraso por parte dos réus no cumprimento da sentença condenatória que vier a ser decretada pelo Tribunal;
8) Ser reconhecida e declarada nula ou, em alternativa, ineficaz a venda efectuada pela viúva MC a favor dos réus ZBF e marido do prédio objecto do presente litígio e pertencente à massa da herança deixada em aberto por óbito de MB, tudo com todas as consequências legais;
9) Ser reconhecido e declarado que os autores são, nos termos do disposto no art.º 1255.º do Código Civil, herdeiros compossuidores do referido prédio e serem, em consequência, todos os réus condenados a reconhecerem e a respeitarem a referida composse dos autores, mais se condenando todos os réus a absterem-se de praticarem quaisquer condutas, por acção ou omissão, tendentes a negar a referida composse dos autores e a retirar o aludido prédio do mencionado património hereditário para o fazer ingressar, por qualquer forma ou título, no património dos réus justificantes e/ou dos Réus compradores, requerendo os autores que todos os réus sejam condenados, nos termos do art.º 829-A.º do CC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar em 200 euros/dia por se alicerçar na condição económica dos réus, na eficácia intimidativa sobre a vontade destes e, por fim, na importância que a prestação reveste para os autores por cada dia de atraso por parte dos réus no cumprimento, nesta parte, da sentença condenatória que vier a ser decretada pelo Tribunal;
10) Serem os réus condenados a indemnizar solidariamente os autores pelos danos patrimoniais causados, consistentes em todas as despesas e todas as custas processuais, no pagamento de procuradoria condigna e no pagamento dos honorários do Advogado dos autores, tudo conforme nota discriminativa a apresentar durante e a final dos presentes autos e a liquidar-se em execução de sentença;
11) Mais devem todos os réus ser condenados a pagar solidariamente aos autores uma indemnização pelos danos morais infligidos aos autores no valor que equitativamente o Tribunal vier a determinar em seu prudente juízo, nunca inferior a quinhentos euros para cada um dos autores;
12) Deverá ser reconhecido e declarado pelo Tribunal que os réus ZBF e marido construíram inautorizadamente um muro a delimitar o referenciado prédio pertencente à sobredita massa da herança, pelo que requerem que o Tribunal condene os réus ZBF e marido a destruírem o referenciado muro, devendo os mesmos reporem tal qual se encontrava anteriormente à aludida construção o referido prédio e as condições físicas em que o referido terreno confinava com o acesso rodoviário;
Alegaram, em síntese, que em 25/11/2009 os réus justificantes celebraram escritura de justificação relativamente ao prédio rústico situado em …, freguesia de …, inscrito na matriz sob o artº 3… e, venderam aos réus ZBF e JF que o registaram a seu favor.
Que os réus sabiam que o prédio não pertencia aos justificantes e, de resto, os compradores reconheceram que o prédio era propriedade dos herdeiros do MB; os réus compradores haviam tentado comprar, em 22/06/2009, o prédio à viúva do MB e pagaram-lhe o preço, mas acabaram por revogar o contrato e saído do prédio.
Que entre 1940 e 1973, o prédio pertencia a JRF e a JSG e, desde que casaram, os pais da autora passaram a ser colonos/benfeitores/arrendatários, cultivando a terra e pagando renda.
Em 1974 os pais da autora inverteram o título de posse e passaram a comportar-se como únicos donos do prédio, cultivando-o, com exclusão de outrem e sem oposição e à vista de toda a gente. E desde 1974 que os pais da autora impediram qualquer pessoa, incluindo os herdeiros JRF e de JSG de usarem o prédio e deixaram de pagar rendas.
Com a morte de MB em 1996 o prédio passou a pertencer aos seus herdeiros, em que se inclui a autora, que o passaram a cultivar.
Os autores tiveram despesas com custas e procuradoria com este processo e a situação causou aos autores profunda mágoa, devendo ser indemnizados em quantia não inferior a 500€ cada um.
2- Citados, os réus contestaram.
Por excepção, invocaram a ilegitimidade dos autores por desacompanhados dos demais herdeiros; ilegitimidade do autor marido por não ser herdeiro dos pais da autora; ilegitimidade da autora mulher por não provar a alegada qualidade de herdeira; ilegitimidade do réu JF; ineptidão da petição inicial; falta de mandato.
 Alegam que o terreno pertencia a ERF e seus sobrinhos, por na década de 30 o JRF e o JSG terem comprado um terreno, onde se incluía a parcela em causa, e dividiram-no em 100 parcelas, dando umas em regime de colonia e outras mediante cedência do gozo. Que a parcela em causa nunca foi entregue aos avós da autora nem à renda ou em colonia, nem os pais da autora alguma vez a possuíram ou detiveram; essa parcela foi entregue a outra família que, entretanto, há mais de 20 anos, a abandonou encontrando-se o terreno, desde então, devoluto. Não houve qualquer inversão do título de posse porque nem os avós nem os pais da autora jamais tiveram a detenção ou a mera posse do terreno.
3- Os autores replicaram.
No essencial, pugnaram pela improcedência das excepções. Pedem a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
4- Os réus treplicaram.
5- Em 15/05/2012, foi proferido despacho a convidar os autores a demonstrarem ser a autora mulher cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de MB ou fazerem intervir nos autos quem seja o cabeça-de casal.
6- Por despacho de 16/12/2013, foram os autores convidados a fazerem intervir os demais herdeiros de MB.
7- Em consequência, os autores requereram incidente de intervenção principal de MC, MB, JCB, FB, RB, AB, CBA e de MCB, que foi admitida.
8- Citados os intervenientes, não contestaram, não constituíram mandatário, nem por qualquer forma intervieram nos autos.
9- Por falecimento do réu EF e de MG, foi deduzido incidente de habilitação dos seus herdeiros, JGF, MBG, MFM, CFTT, ABF.
10 - Em 26/09/2017 foi proferido despacho a convidar quer os autores quer os réus ao aperfeiçoamento, respectivamente, da petição inicial e da contestação.
Convites a que os réus e autores responderam.
11- Sem audiência prévia foi saneado o processo e dispensada a indicação do objecto do litígio e dos temas de prova.
12- Realizada a audiência final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto decido:
a) Julgar a ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolver os RR. de todos os pedidos formulados contra eles pelos AA..
b) Julgar a reconvenção procedente por provada e, em consequência, condenar os AA./Reconvindos a reconhecer os RR./Reconvintes ZBF, casada com o Réu JF, legítimos proprietários do prédio rústico localizado ao Sítio da …, freguesia de …, concelho de ..., com a área de …, a confinar a Norte com herdeiros de JG e de JRF, sul com MF, Leste com caminho do … e a oeste com António…, inscrito na matriz predial sob o art. 3…descrito na conservatória do registo predial de … o n.º 1…
13- Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS
1º- O Tribunal “ad quo” julgou incorrectamente como provado que: “ 6) Há, pelo menos, 30 anos, que o falecido JR e seus herdeiros, trabalhavam, cultivavam, cuidavam e colhiam os frutos do prédio/terreno referido em 2), tendo no ano de 1980 entrado no património de ER, MG e demais RR justificantes, por partilha com os demais herdeiros de JR e SG, sendo que, até à data da realização da escritura referida em 1) apenas eles o faziam, permitindo, no ano de 2009, que a Ré ZCF e o marido começassem a trabalhar o mesmo com vista à sua aquisição por compra, o que veio a suceder, ostensivamente à vista e com conhecimento de toda a gente”.
E que: “8) Após o facto referido em 2) o prédio aí descrito foi objeto de registo predial, com descrição aberta no dia 10-02-2010, registada a aquisição do direito de propriedade por compra a favor da Ré ZCF casada com o Réu JF.
2º- A jurisprudência entende unanimemente que a acção de impugnação de escritura de justificação notarial consubstancia uma acção de simples apreciação negativa em que incumbe aos réus a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogam.
3º- Ora, na escritura de justificação junta aos autos de fls. 27 a 33, os réus justificantes declararam que: “o identificado prédio veio à sua titularidade, no ano de 1980, nas partilhas amigáveis e não tituladas, que procederam com os restantes herdeiros, por óbito de seus pais e avós, JRF e JS (…) e que desde então, entraram na posse dos aludidos prédios cultivando-os, gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas e suportando os respectivos encargos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, ignorando lesar direito alheio (…) que dura há mais de 20 anos, pelo que adquiriram o aludido prédio, a título originário, por usucapião (…)”.
4º- Ora, de toda a prova legalmente admitida e produzida nos autos, incluindo de todo o depoimento da testemunha AF, de todo o depoimento da testemunha MAB, de todas as declarações de parte do chamado ACB, de todo o depoimento da testemunha MBC, de todo o depoimento da testemunha ARF e de todo o depoimento da testemunha JRF, não se fez prova alguma nos autos que: “o identificado prédio veio à sua titularidade, no ano de 1980, nas partilhas amigáveis e não tituladas, que procederam com os restantes herdeiros, por óbito de seus pais e avós, JRF e JSG (…) e que desde então, entraram na posse dos aludidos prédios cultivando-os, gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas e suportando os respectivos encargos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, ignorando lesar direito alheio (…) que dura há mais de 20 anos, pelo que adquiriram o aludido prédio, a título originário, por usucapião (…)”.
5º- Ou seja, pela sobredita transcrição completa das declarações de parte do chamado ACB e pela sobredita transcrição completa dos depoimentos das testemunhas AF, MAB, MCC, ARF e JRF não há uma única palavra sobre partilhas amigáveis e não tituladas constantes da escritura de justificação de fls. 27 a 33 dos autos e consequentemente não há prova alguma sobre o prédio em causa nos autos ter vindo à titularidade dos réus justificantes no ano de 1980 por partilhas amigáveis e não tituladas que alegadamente tinham procedido com os restantes herdeiros por eventual óbito de seus pais e avós JRF e de JSF MC, MB, JCB, FB, RB, AB, CBA e de MCB JSG e que alegadamente desde 1980 teriam entrado na posse do prédio em causa nos autos.
6º- Pelo que os réus justificantes não provaram nos presentes autos a causa de aquisição por usucapião que alegaram na escritura de justificação junta a fls. 27 a 33, ou seja, não provaram a posse do prédio em causa nos autos ter vindo à titularidade dos réus justificantes no ano de 1980 por partilhas amigáveis e não tituladas que alegadamente teriam procedido com os restantes herdeiros por eventual óbito de seus pais e avós JRF e de JSG e que alegadamente desde 1980 teriam entrado na posse do prédio em causa nos autos.
7ºConsequentemente, deverá ser reconhecida e declarada sem efeito a escritura de justificação notarial por os réus justificantes não terem provado ser donos nem ser possuidores do referido prédio em causa nos autos e a que nela aludem e, em consequência, ser reconhecida e declarada nula a escritura de justificação notarial ora impugnada.
8º- Pelo exposto, deverão ser reconhecidos e declarados como impugnados os factos justificados pelos réus justificantes na escritura de justificação junta de fls. 27 a 33 aos presentes autos;
9º- E, destarte, deverá ser reconhecida e declarada a inexistência na esfera jurídica dos réus justificantes do direito de propriedade e do direito de posse de que se arrogaram titulares relativamente ao identificado prédio rústico em causa nos autos e que invocam na referida escritura de justificação impugnada nos presentes autos.
10º- O facto da douta sentença ter julgado como provado o ponto 6) dos factos provados constitui erro de julgamento que aqui se invoca para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
11º- Pelo exposto deve ser julgado como não provado que:
6) Há, pelo menos, 30 anos, que o falecido JR e seus herdeiros, trabalhavam, cultivavam, cuidavam e colhiam os frutos do prédio/terreno referido em 2), tendo no ano de 1980 entrado no património de ER, MG e demais RR. justificantes, por partilha com os demais herdeiros de JR e SG, sendo que, até à data da realização da escritura referida em 1) apenas eles o faziam, permitindo, no ano de 2009, que a Ré ZCF e o marido começassem a trabalhar o mesmo com vista à sua aquisição por compra, o que veio a suceder, ostensivamente à vista e com conhecimento de toda a gente.
12º- Pelo exposto deve ser julgado como não provado que:
8) Após o facto referido em 2) o prédio aí descrito foi objeto de registo predial, com descrição aberta no dia 10-02-2010, registada a aquisição do direito de propriedade por compra a favor da Ré ZCF casada com o Réu JF.
13º- O Tribunal “ad quo” julgou incorrectamente como provado que:
“5) Os RR. ZCF e marido JF, começaram a trabalhar o terreno em causa, com autorização dos RR justificantes, no período que mediou o início do ano de 2009 e a data da realização da escritura referida em 1), com autorização dos RR justificantes, e, depois da data da escritura por terem outorgado na mesma na qualidade de compradores do referido prédio.”
E que:
“7) Os AA., em momento algum, trabalharam, cultivaram, colheram os frutos, ou se portaram como donos do prédio referido em 2).”
14º- E o Tribunal “ad quo” julgou incorrectamente como não provado
que:
“1) Desde o ano de 1974, foram os pais da ora autora e mais ninguém que plantaram e colheram naquele prédio rústico as batatas, as couves, o feijão, as uvas, enfim, todos os produtos agrícolas produzidos naquela terra,
2) bem como foram os pais da ora autora e mais ninguém que desde o ano de 1974 comercializaram e ficaram com o respetivo preço de venda na totalidade e consumiram as semilhas (batatas), as couves, os feijões, as uvas e/ou o vinho e todos os produtos produzidos no mencionado terreno.
3) Proibindo, desde o ano de 1974, que quaisquer pessoas, que não eles próprios, cultivassem, sem a respetiva autorização para o efeito, o referido terreno, e que se apoderassem de quaisquer batatas, couves, feijões ou quaisquer outros produtos agrícolas produzidos naquele terreno.
4) Proibição que passou a ser conhecida desde o ano de 1974 por pessoas da localidade, pelos herdeiros de JRF e pelos herdeiros de JSG.
5) Sendo os pais da ora autora publicamente conhecidos, desde o ano de 1974, como sendo quem agricultava o terreno ou por conta de quem ele era agricultado, por si próprios, com ajuda dos respetivos filhos e, quando necessário, com recurso a trabalhadores à jorna, quem colhia as semilhas, as couves, os feijões, as uvas e todos os produtos agrícolas produzidos no dito terreno, quem vendia parte de tais produtos e quem recebia na totalidade o dinheiro da respetiva venda, quem era, enfim, desde 1974, o dono do dito terreno.
6) E tanto o sabem que os herdeiros de JRF e de JSG, nem os réus, nem seus antepassados, nunca reagiram, partir de 1974, contra os pais da ora autora em relação aos actos e à intenção destes em se comportarem desde o ano de 1974 como únicos donos do referido terreno.
7) Tanto assim é que os réus e seus antepassados desde o ano de 1974 sabem que são os pais da ora autora quem cultivava e cultiva o dito terreno, quem dele colhia e colhe todos os produtos nele cultivados e produzidos, quem recebia e recebe a totalidade do preço dos produtos vendidos, quem deixou de partilhar os produtos agrícolas cultivados no aludido terreno e quem deixou de pagar, em dinheiro, a renda anual a contar, inclusive, do ano de 1974.”
15º- A declaração, datada de 22.06.2009, não impugnada e constante de fls. 36 dos autos, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, foi assinada pela chamada aos autos, por intervenção principal provocada, MLC e pela ré ZCF.
16º - Pela referida declaração de fls. 36 dos autos a ré ZCF reconheceu que o prédio em causa nos autos faz parte, em propriedade e em posse, da herança deixada em aberto por óbito de MCB.
17º - Pela referida declaração de fls. 36 dos autos a ré ZCF reconheceu que o prédio em causa nos autos além de fazer parte da herança deixada em aberto por óbito de MCB foi- lhe vendido pelo preço de €2500,00 (dois mil e quinhentos euros) por documento particular pela chamada MLC, viúva e cabeça de casal na herança deixada em aberto por óbito de MCB.
18º- E é após a ineficaz venda de fls. 36, datada de 22.06.2009, que os réus ZCF e JF entram na posse, passando após a ineficaz compra realizada à viúva de MCF a cultivar o terreno em causa nos autos, ou seja, os réus ZCF e JF entram no dia 22.06.2019 na posse do prédio rústico em causa nos autos através da venda ineficaz e inválida constante de fls. 36 dos autos.
19º- Sendo que esta prova documental de fls. 36 não foi impugnada, nem foi infirmada por nenhuma prova produzida nos autos, designadamente não foi infirmada pelos depoimentos das testemunhas AF, MAB, MCC, AF e JF.
20º- Por sua vez, pela declaração, datada de 26.08.20109, de fls. 43 a 49, que não foi impugnada, e cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, a chamada MLC devolveu à ré ZCF a quantia de €2.500,00 por ter sido esse o preço de venda e de compra constante da venda ineficaz de fls. 36 dos autos.
21º- Sendo que esta prova documental de fls. 43 a 49 dos autos não foi impugnada, nem foi infirmada por nenhuma prova produzida nos autos, designadamente não foi infirmada pelos depoimentos das testemunhas AF, MAB, MCC, AF e JF.
22º- E pela declaração de fls. 43 a 49, que não foi impugnada, e cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, a ré ZCF comprometeu-se para com a chamada MLC a deixar no dia 26.08.2009 a posse do prédio em causa nos autos resultante da venda ineficaz e inválida de fls. 36 e que do dia 26.08.2009 até ao dia 30.11.2009 a ré ZCF foi mera detentora do prédio em causa nos autos:
“(…) comprometendo-se a não mais entrar, a contar da referida data de 30.11.2009, no referido prédio, nem a exercer relativamente ao identificado prédio quaisquer actos de detenção (…).
23º- Sendo que esta prova documental de fls. 43 a fls. 49 dos autos não foi impugnada, nem foi infirmada por nenhuma prova produzida nos autos, designadamente não foi infirmada pelos depoimentos das testemunhas AF, MAB, MCC, AF e JF.
24º - Por outro lado, da carta constante de fls. 37 a 42 dos autos em conjugação com a declaração de fls. 43 a 49 dos autos resulta, uma vez mais, que a ré ZCF, por si e na qualidade de gestora de negócios de seu marido o réu JF, reconheceu que o prédio rústico em causa é da propriedade e da posse da herança deixada em aberto por óbito de MCB e que pela declaração de fls. 36 não se transferiu válida e eficazmente a propriedade do prédio rústico em causa nos autos para a esfera jurídica do casal e réus ZCF e marido JF, pelo que os réus ZCF e JF aceitaram a devolução do preço de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
25º- Importa, ainda, referir que a fls. 55 dos autos consta o auto, datado de 01.10.2010, não impugnado e cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, de embargo extrajudicial de obra nova realizada pelos autores, através do respectivo advogado, na qualidade de interessados no prédio em causa nos autos por integrar a herança deixada em aberto por óbito de MCB, o que evidencia, de novo, que a propriedade e a posse do prédio rústico em causa pertence à herança deixada em aberto por óbito de MCB e cujos autores nela interessados reagiram contra a obra nova realizada pelos réus ZCF e marido JF,
26º- Sendo que da foto de fls. 56 dos autos resulta provado que até a PSP foi chamada ao local por ocasião da realização do auto de embargo extrajudicial de obra nova constante de fls. 55 dos autos.
27º - E das fotos de fls. 56 a 58 resulta o estado em que encontrava-se a obra nova, o muro, embargada pelos autores JB e mulher TB, na pessoa do respectivo advogado, através do auto de embargo extrajudicial de obra nova (fls. 55).
28º- A par dos documentos de fls. 36, de fls. 37 a 42 e de fls. 43 a 49 que provam que o terreno em causa nos autos é da propriedade e da posse da herança deixada em aberto por óbito de MCB.
29º- A par dos documentos de fls. 36, de fls. 37 a 42 e de fls. 43 a 49 que provam que a ré ZCF reconheceu que o terreno em causa nos autos é da propriedade e da posse da herança deixada em aberto por óbito de MCB.
30º- A par dos documentos de fls. 36, de fls. 37 a 42 e de fls. 43 a 49 que provam que a ré ZCF reconheceu que o terreno em causa nos autos lhe foi vendido pela viúva MLC de forma inválida e ineficaz e que por essa razão recebeu a devolução do preço de €2.500,00.
31º - Existe o depoimento da testemunha AF que:
I) confirma que conhece os senhores MCB e MLC desde o ano de 1949.
II) confirma que a primeira pessoa que viu a cultivar o terreno em causa nos autos foi o Sr. MCB.
III) confirma que o terreno em causa nos autos fica junto à casa de morada de família do MCB, falecido a 25.08.1996 (fls. 54 dos autos), e da mulher MLC e que esta vendeu o dito terreno à ré ZCF.
IV) confirma que o senhor MCB, falecido a 25.08.1996 (fls. 54 dos autos), e a mulher MLC cultivavam no terreno em causa nos autos diversas culturas, tais como batatas, bata doce, couves, feijão, vinha.
V) confirma que o senhor MCB, falecido a 25.08.1996 (fls. 54 dos autos), e a mulher MLC cultivavam no terreno em causa nos autos diversas culturas, tais como batatas, bata doce, couves, feijão vinha e que tais produtos agrícolas eram essencialmente para o respectivo consumo próprio.
VI) confirma que o senhor MCB e a mulher MLC deixaram desde os anos de 1970 de entregar quaisquer produtos agrícolas do terreno em causa nos autos ou quaisquer quantias aos Sr. JR, ao Sr. JS ou ao Sr. ER.
VII) confirma que o senhor JS e que o senhor JR ou que os herdeiros destes, em especial o senhor ER, nunca demandaram o senhor MCB e a mulher MLC por estes terem deixado, desde os anos de 1970, de entregar-lhes quaisquer produtos agrícolas do terreno em causa nos autos e de entregar-lhes quaisquer quantias.
VIII) confirma que o senhor JS e que o senhor JR nunca cultivaram o terreno em causa nos autos.
IX) confirma que sempre só viu o senhor MCB e a mulher MLC ou os respectivos filhos a cultivarem o terreno em causa nos autos.
X) confirma que o terreno em causa nos autos foi sempre cultivado, facto que resulta de igual modo das fotos de fls. 59 e 60 dos autos.
XI) confirma que o terreno em causa nos autos continuou, após o falecimento do Sr. MCB, a ser cultivado pela mulher MLC e pelos respectivos filhos, designadamente por um filho chamado A e por um outro filho também chamado MCB.
XII) confirma que no terreno em causa nos autos não havia nenhum muro e         que este foi construído pela ré ZCF.
32º- Existem as declarações de parte do chamado ACB que confirmam que:
I) conhece a ré ZCF e o marido o réu JF por viverem no sítio da …, freguesia de ….
II) confirmam que a ré ZCF comprou à MLC, mãe do ora chamado, tão-somente o terreno em causa nos autos e que não lhe comprou outro terreno senão o dos autos.
III) confirmam que a ré ZCF veio ter com o chamado por saber que o terreno em causa nos autos é da propriedade da família do chamado.
IV) confirmam que a ré ZCF e a chamada MLC assinaram documento de venda, o que resulta confirmado pela declaração de venda de fls. 36 dos autos.
V) confirmam que a ré ZCF e a chamada MLC negociaram o terreno em causa nos autos pelo preço de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), preço que resulta confirmado pela declaração de venda de fls. 36 dos autos.
VI) confirmam que conjuntamente com a ré ZCF mediram, com uma fita métrica, o terreno em causa nos autos e que foi vendido por sua mãe MLC à ré ZCF.
VII) confirmam que após a ré ZCF ter comprado à chamada MLC o terreno em causa nos autos procedeu ao respectivo cultivo.
VIII) confirmam que a ré ZCF construiu o muro no terreno em causa nos autos da propriedade e da posse da família do chamado ACB, sendo que a construção de tal muro resulta também comprovada pelos documentos de fls. 55 a 58 e de fls. 355.
IX) confirmam que o terreno em causa nos autos não pôde ser vendido à ré ZCF porque é da propriedade e da posse de herdeiros e que foi devolvido à ré         ZCF o preço dos €2.500,00, factos que também resultam comprovados pelos documentos de fls. 37 a 42 e de fls. 43 a 49.
X) confirmam que alguns dos seus familiares retiraram do terreno em causa nos autos as culturas que a ré ZCF plantou após a devolução do preço de €2.500,00, sendo que o facto de alguns dos familiares do chamado ACB terem retirado do terreno em causa nos autos as culturas que a ré ZCF plantou após a devolução do preço de €2.500,00 mostra-se corroborado com o constante dos documentos de fls. 51 e de fls 52 a 53, porquanto a fls. 51 consta que o próprio autor JB foi constituído arguido e porquanto a fls. 52 a 53 consta que o chamado FCB foi constituído arguido.
XI) confirmam que o terreno em causa nos autos fora em tempo da propriedade do Sr. JR e do Sr. JS e que por essa razão, e a esse tempo, os pais do chamado pagavam-lhes renda e partilhavam com eles parte dos produtos agrícolas do terreno em causa e que a partir do ano da revolução de 25 de Abril de 1974 os pais do chamado deixaram de pagar-lhes renda e deixaram de entregar-lhes parte dos produtos agrícolas do terreno em causa nos autos.
XII) confirmam que o Sr. JS e o Sr. JR depois de 1974 nunca mais reclamaram a propriedade do terreno em causa nos autos aos pais do ora chamado ACB.
XIII) confirmam que os respectivos pais passaram a ser os donos do terreno em causa e que passaram a ser conhecidos como sendo efectiva e respectivamente os donos do terreno em causa nos autos, factos que resultam confirmados pelos documentos de fls. 36, de fls. 37 a 42, de fls. 43 a 49.
XIV) confirmam que os respectivos pais no terreno em causa nos autos plantavam batatas, feijão, ervilha, milho, vinha e vimes, tendo, entretanto, deixado de existir vimes, mas que continua a existir vinha numa parte do terreno, tal como resulta comprovado pelas fotos de fls. 59 e 60.
XV) confirmam que os respectivos pais no terreno em causa nos autos plantavam culturas para auto-consumo e que mais ninguém além da família do chamado ACB cultiva o terreno em causa nos autos.
33º- Por outro lado, temos de fls. 339 a 367 o auto de avaliação do terreno em causa nos autos que a fls. 354 confirma que o terreno em causa nos autos fica localizado à esquerda da estrada considerada no respectivo sentido descendente, facto que de igual modo resulta das fotos de fls. 59 a 60 dos autos.
34º- O que descredibiliza por completo o depoimento da testemunha AF que afirmou que o terreno em causa nos autos era do ado direito da estrada seguindo o respectivo sentido descendente.
35º- E o auto de avaliação do terreno em causa nos autos que a fls. 355 confirma a construção de um muro no terreno em causa nos autos, facto que de igual modo resulta das fotos de fls. 56 a 58 dos autos.
36º- E o auto de avaliação do terreno em causa nos autos que a fls. 356 confirma a existência de uma levada junto ao terreno em causa nos autos, facto que de igual modo resulta do croqui de fls. 48 dos autos.
37º- Existe ainda o depoimento da testemunha MCC que é sogra da ré ZCF e mãe do réu JF e que confirmou por quatro vezes seguidas que o terreno em causa nos autos é da propriedade de MCB e da sua mulher MLC.
38º- Face ao exposto resulta inequívoco que os autores provaram nos presentes
autos:
I) que os respectivos pais e sogros são, desde 1974, por inversão do título da posse, os únicos donos e possuidores do terreno em causa nos autos, a título originário, por usucapião.
II) o falecimento de MCB (fls. 54 e fls. 230 a 234).
III) que o prédio em causa nos autos é, por usucapião, da propriedade e da posse da herança aberta por óbito de MCB, em que os autores e os chamados ao lado activo da acção são legítimos herdeiros e legítimos interessados.
IV) que, desde 1974, os respectivos pais e sogros deixaram, com conhecimento de JRF e com conhecimento de JSG e com o conhecimento de seus descendentes, de pagar-lhes renda e deixaram de com eles partilhar os produtos agrícolas (artigo 1265.º do Código Civil) produzidos pelos pais e sogros dos autores no terreno em causa nos autos.
V) que, desde 1974, os respectivos pais e sogros foram as únicas pessoas que, como donos, à vista de todos, cultivaram o terreno em causa nos autos e que nele, como donos, plantaram, à vista de toda a gente, culturas destinadas essencialmente a auto-consumo (artigo 1251.º do Código Civil).
VI) que após o falecimento de MCB quem continuou a cultivar o terreno em causa nos autos foi a respectiva mulher, MLC, e os respectivos filhos.
VII) que a viúva MLC, esposa do falecido MCB, vendeu ineficaz e invalidamente o terreno em causa nos autos aos réus ZCF e marido JB (fls. 36 dos autos).
VIII) que a viúva MLC, esposa do falecido MCB, devolveu aos réus ZCF e marido JF (fls. 36 dos autos) o preço de €2.500,00 da venda por não poder transmitir a propriedade do prédio em questão nos autos por pertencer, por usucapião, em propriedade e em posse, à herança deixada em aberto por óbito de MCB (artigo 1255.º do Código Civil).
IX) que os pais e sogros exercem, desde o ano de 1974, relativamente ao terreno em causa nos autos a posse como poder que se manifesta por actuarem por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (artigo 1251.º do Código Civil) e que por morte de MCB a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade continuou a ser exercida pela herança aberta por óbito de MCB.
X) E que essa posse que dura desde 1974 é não titulada, de boa-fé e pacífica.
39º- Pelo que os pais e sogros dos autores adquiriram, pelo exercício da posse correspondente ao direito de propriedade desde 1974 até 1996, ano do falecimento de MCB, a propriedade, a título originário, por usucapião do prédio em causa nos autos (artigo 1287.º e artigo 1296 ambos do Código Civil).
40º- E a esse título originário, por usucapião, o prédio passou a integrar, em propriedade e posse, a herança deixada em aberto pelo falecimento ocorrido a 25.08.1996 de MCB.
41º Tanto assim é que os réus ZCF e JF (fls. 36, fls. 43 a 49) e MCC (depoimento em plena audiência de julgamento) reconheceram o terreno em causa nos autos como sendo da propriedade do casal MCB e mulher MLC e, após o falecimento de MCB, como sendo da propriedade e da posse da herança aberta por óbito de MCB.
42º- Face ao exposto, o Tribunal deve dar como não provado que:
“5) Os RR. ZCF e marido JF, começaram a trabalhar o terreno em causa, com autorização dos RR. Justificantes, no período que mediou o início do ano de 2009 e a data da realização da escritura referida em 1), com autorização dos RR justificantes, e, depois da data da escritura por terem outorgado na mesma na qualidade de compradores do referido prédio.”
43º- O Tribunal deve dar como provado que:
“7) Os pais dos AA., a partir do ano de 1974, trabalharam, cultivaram, colheram os frutos e portaram-se como donos do prédio referido em 2).”
44º- E o Tribunal deve dar como provado que:
“1) Desde o ano de 1974, foram os pais da ora autora e mais ninguém que plantaram e colheram naquele prédio rústico as batatas, as couves, o feijão, as uvas, enfim, todos os produtos agrícolas produzidos naquela terra,
2) bem como foram os pais da ora autora e mais ninguém que desde o ano de 1974 consumiram as semilhas (batatas), as couves, os feijões, as uvas e/ou o vinho e todos os produtos produzidos no mencionado terreno.
3) Proibindo, desde o ano de 1974, que quaisquer pessoas, que não eles próprios, cultivassem, sem a respetiva autorização para o efeito, o referido terreno, e que se apoderassem de quaisquer batatas, couves, feijões ou quaisquer outros produtos agrícolas produzidos naquele terreno.
4) Proibição que passou a ser conhecida desde o ano de 1974 por pessoas da localidade, pelos senhores JRF e JSG e pelos respectivos herdeiros.
5) Sendo os pais da ora autora publicamente conhecidos, desde o ano de 1974, como sendo quem agricultava o terreno ou por conta de quem ele era agricultado, por si próprios, com ajuda dos respetivos filhos e, quando necessário, com recurso a trabalhadores à jorna, quem colhia as semilhas, as couves, os feijões, as uvas e todos os produtos agrícolas produzidos no dito terreno, quem era, enfim, desde 1974, o dono do dito terreno.
6) E tanto o sabem que os herdeiros de JRF e de JSG, e nem os réus, nem os seus antepassados, nunca reagiram, partir de 1974, contra os pais da ora autora em relação aos actos e à intenção destes em se comportarem desde o ano de 1974 como únicos donos do referido terreno.
7) Tanto assim é que os réus e seus antepassados desde o ano de 1974 sabem que são os pais da ora autora quem cultivava e cultiva o dito terreno, quem dele colhia e colhe todos os produtos nele cultivados e produzidos, quem deixou de partilhar os produtos agrícolas cultivados no aludido terreno e quem deixou de pagar, em dinheiro, a renda anual a contar, inclusive, do ano de 1974.”
45º- O Tribunal “ad quo” julgou incorrectamente como provado que: “
9) Da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de …consta que o prédio referido em 2) era parte integrante do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. …sito ao sítio da …, inscrito, anteriormente a 1881, a favor de JB. Em 1905 passou a JC e em 1906 passou para AF. A 26-12-1934 passou para JSG (1/2) e JRF (1/2).
10) Os impostos referentes ao prédio referido em 9) foram pagos desde 1994 a 2003 em nome de JSG e JRF, e desde 2004 a 2009, entre outros, pelos RR. ERF e JFG.
46º- Porquanto a douta sentença recorrida limitou-se a transcrever o conteúdo dos documentos de fls. 133 e de fls. 140 sem conexioná-los com o objecto do litígio e com as questões a decidir, designadamente sem conexioná-los com a falta de prova dos factos constantes da escritura de justificação e de compra e venda de fls. 27 a fls. 33.
47º- Porquanto a douta sentença recorrida limitou-se a transcrever o conteúdo dos documentos de fls. 133 e de fls. 140 sem conexioná-los com a falta de prova da causa de aquisição da propriedade do terreno em causa nos autos a título originário, por usucapião, constante da escritura de justificação e de compra e venda de fls. 27 a 33: ou seja, não houve qualquer prova nos autos da existência das alegadas partilhas amigáveis e não tituladas no ano de 1980 supostamente realizadas pelos réus justificantes por alegado óbito de seus pais e avós, JRF e de JSG e que alegadamente desde 1980 teriam entrado na posse do aludido prédio em causa nos autos, cultivando-o, gozando de todas as utilidades por ele proporcionada e suportando os respetivos encargos, agindo supostamente sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, ignorando lesar direito alheio (…) que alegadamente dura há mais de 20 anos, pelo que supostamente o teriam adquirido a título originário por usucapião.
48º- Razão pela qual é a própria douta sentença recorrida que julga que:
A invocada posse dos réus sobre o mesmo prédio não é titulada, por estes não terem logrado provar a pretensa partilha, nem qualquer outro modo legítimo de adquirir – artigo 1259.º do CC.
49º- Tanto assim é que nos presentes autos nem se mostram juntas quaisquer certidões de óbito dos alegados óbitos de JRF e de JSG.
50º- Constituindo jurisprudência pacífica que a prova de óbito só é possível realizar com junção aos autos das competentes certidões de óbito e não através de mero depoimento das testemunhas.
51º Pelo que nos presentes autos não se mostra de igual modo provado o alegado óbito de JRF, nem está provado o alegado óbito de JSG, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DAS NULIDADES DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
52º- A douta sentença recorrida não profere decisão quanto aos chamados à acção, quer quanto aos chamados do lado activo e quer quanto aos chamados do lado passivo.
53º- Pelo que a douta sentença recorrida é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
54º A douta sentença recorrida é nula porquanto na respectiva fundamentação refere que:
Estamos perante uma ação de impugnação de justificação notarial. Tem sido entendido, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que a ação de impugnação de escritura de justificação notarial, prevista no art. 116.º, n.º1, do Cód. Reg. Predial, na sua pureza, se apresenta como uma ação de simples apreciação negativa.
Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, incumbe ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (art. 343.º, n.º 1, do Cód.Civil –
doravante CC –)
55º- E, por outro lado, refere a douta sentença que:
A invocada posse dos réus sobre o mesmo prédio não é titulada, por estes não terem logrado provar a pretensa partilha, nem qualquer outro modo legítimo de adquirir - artigo 1259.º do CC.
56º- E sem que se mostrem juntas aos autos as certidões de óbito dos alegados falecimentos de JRF e de JSG a douta sentença recorrida decide, ainda assim e em plena contradição nos seus próprios termos, julgar a reconvenção procedente por provada,
57º- Razão porque a douta sentença recorrida é nula nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
58º- Porquanto na referida escritura de justificação de compra e venda de fls. 27 a 33 é referida pelos réus justificantes como causa de aquisição por usucapião a realização das alegadas partilhas verbais e não tituladas supostamente efectuadas no ano de 1980.
59º- Sendo que a douta sentença recorrida julga que os réus não lograram provar as pretensas partilhas verbais e não tituladas em 1980 e, em plena contradição, vem julgar como totalmente improcedente a acção e vem julgar como procedente a reconvenção por provada.
60º- Pois que não tendo os réus justificantes provado a causa de aquisição constante da escritura de justificação de fls. 27 a 33 não tornaram-se donos do prédio em causa.
61º- Razão pela qual os réus justificantes não venderam aos réus ZCF e marido JF o terreno em causa nos autos por dele não serem donos e por o prédio em causa nos autos ser, por usucapião, da propriedade e da posse do casal MLC e por morte deste por ser, por usucapião, da propriedade e da posse da herança aberta por óbito de MCB.
62º- E razão pela qual os réus ZCF e marido JF não compraram aos réus justificantes o prédio em causa nos autos por não ser da propriedade dos réus justificantes e por o prédio em causa nos autos ser, por usucapião, da propriedade e da posse do casal MLC e por morte deste ser, por usucapião, da propriedade e da posse da herança aberta por óbito de MCB.
DAS INCONSTITUCIONALIDADES
63º- A norma resultante do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil interpretada e aplicada no sentido, genérico e abstracto, que tem ganho de causa a parte que não prova os factos constitutivos do direito que se arroga é inconstitucional, por violação do artigo 13.º, n.º 1, e do princípio constitucional da igualdade e por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa e por violação dos correspondentes princípios constitucionais de acesso ao direito e de acesso aos tribunais e da igualdade de armas entre as partes processuais.
64º- A interpretação e aplicação da norma resultante do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil no sentido, genérico e abstracto, que tem ganho de causa a parte que não prova os factos constitutivos do direito que invoca constitui uma compressão intolerável dos direitos dos autores e dos chamados à causa para o lado activo da presente acção judicial.
65º- A norma resultante do artigo 892.º do Código Civil interpretada e aplicada no sentido, genérico e abstracto, que não é nula a venda realizada por quem não é dono do objecto vendido é inconstitucional, por violação do artigo 13.º, n.º 1, e do princípio constitucional da igualdade e por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa e por violação dos correspondentes princípios constitucionais de acesso ao direito e de acesso aos tribunais e da igualdade de armas entre as partes processuais.
Nestes termos e nos mais e melhores de direito que V.as Ex.as Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa doutamente suprirão, deve o presente recurso de Apelação interposto pelos recorrentes ser totalmente procedente, tudo com todas as legais consequências, designadamente com:
1) Reconhecer e declarar por douto Acórdão como verificadas os erros de julgamento, as nulidades e as inconstitucionalidades supra discriminadas, tudo com todas as legais consequências.
2) Reconhecer e declarar por douto Acórdão o presente recurso totalmente procedente e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida, tudo com todas as legais consequências, designadamente julgando procedentes todos os pedidos formulados pelos autores e ora recorrentes que foram julgados improcedentes pelo Tribunal recorrido e julgando como improcedentes todos os pedidos formulados pelos réus reconvintes e ora recorridos, com o que assim decidindo farão V.as Ex.as Senhores Juízes Desembargadores a costumada Justiça.
*
14- Não foram apresentadas contra-alegações.
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II-FUNDAMENTAÇÃO:
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações (caso as haja) em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)-As Nulidades da Sentença;
b)- A Impugnação da Matéria de Facto;
c)- A Revogação da Sentença.
d)- Inconstitucionalidades.
Vejamos estas questões.
Previamente, importa ter em consideração a factualidade decidida pela 1ª instância.
*
2- Factualidade Decidida pela 1ª Instância.
1-Factos Provados:
1)- Através da escritura de justificação notarial, realizada no dia 24 de novembro de 2009 – fls. 50 a 52-V do livro 144-A do Cartório Notarial d… - os réus JFG, e mulher AG, AM, EF, e mulher MG, MFG, AF, e marido JF, JJ, MF, CF, ZBF e, JF, declararam serem “donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio rústico, localizado ao Sítio d…, freguesia de …, concelho de …, com a área de … m2, a confinar a Norte com herdeiros de …, sul com …, Leste com caminho do …e a oeste com …, inscrito na matriz predial sob o art. 3… não descrito na conservatória do registo predial de … (…)”
2)- Mais declararam que “(…) o identificado prédio veio à sua titularidade, no ano de 1980, nas partilhas amigáveis e não tituladas, que procederam com os restantes herdeiros, por óbito de seus pais e avós, JRF e JSG (…) e que desde então, entraram na posse dos aludidos prédios cultivando-os, gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas e suportando os respectivos encargos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, ignorando lesar direito alheio (…) que dura há mais de 20 anos, pelo que adquiriram o aludido prédio, a título originário, por usucapião (…)”.
3)- Os RR. JGJ, MF e CF, declararam na escritura referida em 1) serem verdadeiras as declarações referidas em 2).
4)- A ré ZCF, casada com o réu JF, declarou, na escritura referida em 1) comprar aos RR. referidos em 2), o prédio em causa pelo preço de € 3.500,00 que estes declararam vender e ter recebido o preço.
5)- Os RR. ZCF e marido JF, começaram a trabalhar o terreno em causa, com autorização dos RR. justificantes, no período que mediou o início do ano de 2009 e a data da realização da escritura referida em 1), com autorização dos RR. justificantes, e, depois da data da escritura por terem outorgado na mesma na qualidade de compradores do referido prédio.
6)- Há, pelo menos, 30 anos, que o falecido JR e seus herdeiros, trabalhavam, cultivavam, cuidavam e colhiam os frutos do prédio/terreno referido em 2), tendo no ano de 1980 entrado no património de ER, MLG e demais RR. justificantes, por partilha com os demais herdeiros de JR e SG, sendo que, até à data da realização da escritura referida em 1) apenas eles o faziam, permitindo, no ano de 2009, que a Ré ZCF e o marido começassem a trabalhar o mesmo com vista à sua aquisição por compra, o que veio a suceder, ostensivamente à vista e com conhecimento de toda a gente.
7)- Os AA., em momento algum, trabalharam, cultivaram, colheram os frutos, ou se portaram como donos do prédio referido em 2).
8)- Após o facto referido em 2) o prédio aí descrito foi objeto de registo predial, com descrição aberta no dia 10-02-2010, registada a aquisição do direito de propriedade por compra a favor da Ré ZCF casada com o Réu JF.
9)- Da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de … consta que o prédio referido em 2) era parte integrante do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 3…, sito ao sítio d…, inscrito, anteriormente a 1881, a favor de JCB. Em 1905 passou a JC e em 1906 passou para AF. A 26-12-1934 passou para JSG (1/2) e JRF (1/2).
10)- Os impostos referentes ao prédio referido em 9) foram pagos desde 1994 a 2003 em nome de JSG e JRF, e desde 2004 a 2009, entre outros, pelos RR. ERF e JFG.
Factos não provados:
1)- Desde o ano de 1974, foram os pais da ora autora e mais ninguém que plantaram e colheram naquele prédio rústico as batatas, as couves, o feijão, as uvas, enfim, todos os produtos agrícolas produzidos naquela terra,
2)- Bem como foram os pais da ora autora e mais ninguém que desde o ano de 1974 comercializaram e ficaram com o respetivo preço de venda na totalidade e consumiram as semilhas (batatas), as couves, os feijões, as uvas e/ou o vinho e todos os produtos produzidos no mencionado terreno.
3)- Proibindo, desde o ano de 1974, que quaisquer pessoas, que não eles próprios, cultivassem, sem a respetiva autorização para o efeito, o referido terreno, e que se apoderassem de quaisquer batatas, couves, feijões ou quaisquer outros produtos agrícolas produzidos naquele terreno.
4)- Proibição que passou a ser conhecida desde o ano de 1974 por pessoas da localidade, pelos herdeiros de JRF e pelos herdeiros de JSG.
5)- Sendo os pais da ora autora publicamente conhecidos, desde o ano de 1974, como sendo quem agricultava o terreno ou por conta de quem ele era agricultado, por si próprios, com ajuda dos respetivos filhos e, quando necessário, com recurso a trabalhadores à jorna, quem colhia as semilhas, as couves, os feijões, as uvas e todos os produtos agrícolas produzidos no dito terreno, quem vendia parte de tais produtos e quem recebia na totalidade o dinheiro da respetiva venda, quem era, enfim, desde 1974, o dono do dito terreno.
6)- E tanto o sabem que os herdeiros de JRF e de JSG, nem os réus, nem seus antepassados, nunca reagiram, partir de 1974, contra os pais da ora autora em relação aos actos e à intenção destes em se comportarem desde o ano de 1974 como únicos donos do referido terreno.
7)- Tanto assim é que os réus e seus antepassados desde o ano de 1974 sabem que são os pais da ora autora quem cultivava e cultiva o dito terreno, quem dele colhia e colhe todos os produtos nele cultivados e produzidos, quem recebia e recebe a totalidade do preço dos produtos vendidos, quem deixou de partilhar os produtos agrícolas cultivados no aludido terreno e quem deixou de pagar, em dinheiro, a renda anual a contar, inclusive, do ano de 1974.
*
3- As Questões Enunciadas.
3.1- As Nulidades da Sentença.
 Os autores/apelantes invocam que a sentença padece de duas causas de nulidade: (i) nos termos do artº 615º nº 1, al. d), por não ter proferido decisão contra os chamados, quer do lado activo quer do lado passivo; (ii) nos termos do artº 615º nº 1, al. c), por ser contraditória, na medida em que reconhece que tratando-se de acção de impugnação da justificação judicial e cabendo aos réus a prova dos factos constitutivos do seu direito, por outro lado diz que a posse não é titulada por os réus não terem provado a invocada partilha ou qualquer outro modo legítimo de adquirir; pelo que não tendo sido provada a causa de aquisição não se tornaram donos do prédio e, por isso não o podiam vender à ré ZCF.
Vejamos então estas pretendidas nulidades da sentença.
3.1.1- A nulidade por omissão de pronúncia.
Os autores/apelantes invocam que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC, porque a 1ª instância não proferiu decisão quanto aos chamados.
Vejamos então.
Como resulta do relatório que antecede, por despacho de 16/12/2013, foram os primitivos autores, JB e TB, convidados a fazerem intervir os demais herdeiros de CB. E, em consequência, requereram incidente de intervenção principal de, MC, MB, JCB, FB, RB, AB, CBA e de MCB, que foi admitida. Citados, não intervieram no processo.
Ora bem, de acordo com o artº 320º do CPC/2013, que foi aplicado ao incidente de intervenção principal provocada, com epígrafe “Valor da sentença quanto ao chamado” determina:
A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado.”
No preceito prevê-se o dever de a sentença apreciar a relação jurídica de que o chamado seja titular, estatuindo que a decisão constitui, em relação a ele, caso julgado. O seu âmbito de aplicação, ao usar a expressão “chamado”, reporta-se às situações de intervenção principal provocada. Aliás, de resto, a norma insere-se na subsessão II (da Intervenção provocada, artºs 316º a 320º) da secção I (Intervenção principal, artºs 311º e segs.).
Comparativamente com a anterior versão do código, em que a sentença só constituía caso julgado face ao chamado que não interviesse na causa em situação de litisconsórcio (artº 328º nº 2 do CPC/95), a versão actual determina que, quer intervenha quer não, a sentença faz caso julgado material relativamente ao chamado. Ou seja, intervenha ou não no processo, a sentença faz sempre caso julgado em relação ao chamado/interveniente principal, versando/apreciando, também, a relação jurídica que o envolve (Cf. Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2014, pág. 295).
É um dos corolários do facto de o interveniente principal, por via do incidente, assumir na acção o estatuto de parte principal em posição paralela à do autor ou à do réu, consoante os casos (Cf. Salvador da Costa, Incidentes da Instância, 11ª edição, 2020, pág. 101; Abrantes Geraldes et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 393).
Ora bem, por força do preceito em análise, admitida a intervenção principal, a sentença final deve apreciar a relação jurídica da titularidade do chamado, sob pena de ocorrer a nulidade a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artº 615º (Cf. Salvador da Costa, Incidentes…,cit., pág. 101).
Ora, no caso dos autos, a sentença nada menciona, nem na fundamentação nem na decisão, quanto aos intervenientes principais, MC, MB, JCB, FB, RB, AB, CBA e de MCB, chamados a intervirem na acção, em situação de litisconsórcio necessário, ao lado dos primitivos autores, enquanto co-herdeiros da herança aberta por óbito de MCB. Logo, temos de admitir que a sentença, ao não apreciar a relação jurídica de que eram titulares os chamados/intervenientes principais, enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC.
Porém, aqui chegados, outra questão se coloca, relacionada com a regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no artº 665º do CPC.
Determina este preceito:
1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.
Resulta do preceito que ainda que a Relação confirme a nulidade invocada não se limita a anular a decisão e devolver o processo ao tribunal a quo. Antes deve prosseguir com a análise das questões que hajam sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, desde que disponha de todos os elementos necessários para o efeito. É o que resulta do nº 1 do preceito. Só não o devendo/podendo fazer caso o processo não disponha de todos os elementos que lhe possibilitem o conhecimento do mérito do recurso (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, pág. 289).
Pode colocar-se a questão de saber se, no caso de ter sido arguida uma nulidade da sentença e tendo as partes já emitido pronúncia sobre essa nulidade, ainda assim deve o relator, antes de ser proferido o acórdão, ouvir as partes por 10 dias à luz do artº 665º nº 3 do CPC.
Não nos parece.
Segundo entendemos, esse nº 3 do artº 665º do CPC é expressão do princípio do contraditório que tem sede geral no artº 3º nº 3 do CPC e que se consubstancia no dever de o juiz ouvir as partes sempre que exista risco de ser apreciada e decidida questão surpreendente a fim de evitar as chamadas decisões surpresa para alguma das partes.
Ora, se as partes já se pronunciaram sobre a questão, designadamente se o apelante suscitou a nulidade da sentença e se o apelado ser pronunciou, ou teve oportunidade de sobre ela se pronunciar, não faz sentido voltar a conceder às partes prazo para, novamente, se pronunciarem sobre uma questão sobre a qual já discretearam. Não haverá qualquer decisão surpresa.
Parece-nos que o nº 3 do artº 665º está relacionado com o nº 2 do mesmo artigo e, o dever de prévia audição das partes existe quando a Relação se propõe decidir questão que não foi apreciada na 1ª instância e sobre a qual as partes não se pronunciaram em sede de alegações de recurso porque, por exemplo, fizeram incidir as suas alegações apenas em torno da decisão recorrida e se abstiveram de produzir alegações sobre o restante objecto do processo (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos…,cit., pág. 290). É o caso, por exemplo, de a Relação pretender apreciar e decidir questão que não foi analisada e decidida na primeira instância porque nesse tribunal se entendeu que a respectiva apreciação estaria prejudicada face à solução dada a outra (artº 608º nº 2, 1ª parte) e, as partes no recurso não abordaram essa questão; ou ainda quando a Relação pretende fazer uma qualificação jurídica divergente e surpreendente da que foi decidida no tribunal a quo e analisada nas alegações de recurso; ou ainda quando a Relação se propõe conhecer de uma excepção não apreciada na 1ª instância e sobre a qual as partes não se pronunciaram nas respectivas alegações.
Por conseguinte, a esta luz, somos a entender que, no caso em apreço, dado que foram os próprios apelantes quem suscitou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e que os apelados tiveram a oportunidade de sobre ela se pronunciarem, não existe fundamento para ouvir as partes, por 10 dias, sobre essa invocada nulidade da sentença.
Seja como for, reconhece-se que a sentença enferma da apontada nulidade.
Aquando do conhecimento do mérito do recurso, será suprida a nulidade, conhecendo da relação jurídica em litígio quanto aos chamados.
3.1.2- Nulidade por contradição.
Segundo os apelantes a sentença é nula, nos termos do artº 615º nº 1, al. c), por ser contraditória, na medida em que reconhecendo que tratando-se de acção de impugnação da justificação judicial, em cabe aos réus a prova dos factos constitutivos do seu direito, por outro lado diz que a posse não é titulada por os réus não terem provado a invocada partilha ou qualquer outro modo legítimo de adquirir; pelo que não tendo sido provada a causa de aquisição não se tornaram donos do prédio e, por isso não o podiam vender à ré ZCF.
Será assim?
Ora bem, para efeitos da al, c) do nº 1 do artº 615º do CPC a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, ocorre quando se verifica uma contradição real entre os fundamentos invocados pelo julgador e a decisão alcançada: a decisão é viciosa por os fundamentos referidos pelo juiz conduzirem, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou diferente (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 54). Quer dizer, quando a norma, no artº 615º nº 1, al. c) refere contradição entre os fundamentos e a decisão, está a referir-se aos fundamentos jurídicos, aos elementos e passos do raciocínio jurídico que o juiz foi explanando na fundamentação da sentença. Isto é, o erro de contradição relevante reporta-se raciocínio que o juiz foi expondo na sentença: o julgador segue determinada linha de raciocínio que, em termos lógicos, aponta para uma determinada conclusão mas, em vez de a tirar decide noutro sentido, oposto ou divergente. (Cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 298).
Diferente é o erro de julgamento.
E não se pode confundir o vício de contradição entre a decisão e os fundamentos - gerador da nulidade da sentença - com o erro judiciário que tem como consequência a revogação ou a modificação da decisão.
O erro judiciário pode resultar da violação da lei, substantiva ou processual, podendo consistir em errada interpretação ou aplicação da norma ou em erro na determinação da norma aplicável.
O erro de previsão ou determinação da norma aplicável consiste num equívoco quanto à norma que deve ser aplicada no caso concreto e pode ocorrer quer por erro de qualificação ou por erro na subsunção.
O erro de qualificação verifica-se quando o tribunal selecciona mal a norma aplicável ao caso concreto.
O erro de subsunção verifica-se quando os factos apurados são subsumidos de uma forma errada, integrando o tribunal, na previsão normativa, factos ou situações que ela não comporta.
Pode ainda ocorrer erro na estatuição, isto é, quando se verifica um entendimento erróneo das consequências determinadas pela norma aplicável.
Assim, quando o juiz, embora mal, entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante uma oposição geradora de nulidade da sentença. (Cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 298).
Ora bem, dito isto, quer-nos parecer que o apelante confunde nulidade da sentença, por pretendida contradição entre os fundamentos e a decisão, com o erro de julgamento.
Na verdade, na fundamentação da sentença, o juiz da 1ª instância reconhece que a posse dos justificantes não é titulada, por não terem provado que realizaram partilhas verbais, e conclui que essa ausência de título tem como consequência presumir-se que se trata de posse de má fé e, daí, retira que a usucapião só ocorre ao fim de 20 anos; e, considerando que os justificantes têm posse há pelo menos 30 anos, conclui que adquiriram a parcela do terreno em causa por usucapião.
Pois bem, daqui decorre que não há contradição entre os fundamentos e a decisão.
Poderá haver erro de julgamento, mas isso é questão que se apreciará por ocasião do conhecimento do mérito do recurso.
Assim, a esta vista, resta concluir que não se verifica a arguida nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
3.2- A Impugnação da matéria de facto.
Os autores/apelantes impugnam a decisão da 1ª instância sobre diversos pontos de facto, quer considerados provados quer tidos como não provados.
Vejamos essas impugnações.
Assim, impugnam os pontos 6º e 8º dos factos provados, dizendo que não foi produzida prova testemunhal sobre os factos invocados pelos réus justificantes na escritura de justificação notarial “…o identificado prédio veio à sua titularidade, no ano de 1980, nas partilhas amigáveis e não tituladas, que procederam com os restantes herdeiros, por óbito de seus pais e avós, JRF e JSG…”.
Para fundamentarem a impugnação desses pontos de facto, transcrevem, na íntegra, os depoimentos de AF, MAB, ACB, MCC e AF. Concluem não haver prova de que os réus justificantes adquiriram o terreno por partilhas amigáveis e, por isso, não provaram a causa de aquisição por usucapião. Daí, concluem que deve ser declarada sem nenhum efeito a escritura de justificação e declarada a inexistência do direito de propriedade da parcela em causa na esfera jurídica dos réus justificantes.
Mais impugnam os pontos 5º e 7º dos factos provados e os pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos não provados.
Para fundamentar a impugnação desses factos, invocam que pelo documento de fls 36 a ré ZCF (compradora) reconheceu que a parcela em causa faz parte da herança aberta por óbito de MCB; e pelo documento de fls 43 a 49, a ré ZCF (compradora) comprometeu-se a deixar o prédio em 28/06/2009. Esses documentos provam que o terreno pertence à herança do MCB. A estes documentos acresce o depoimento de AF que reconhece que o prédio desde 1949 era cultivado pelo MCB e MLC, que entregavam parte dos produtos agrícolas a JR e a JS e que a partir dos anos 70 deixaram de entregar os produtos sem que o JR e o JS lhos exigissem judicialmente; e que após o falecimento do MCB, quem passou a cultivar o terreno foi a mulher, MLC e os filhos.
Invocam as declarações de parte de ACB que, segundo eles, demonstram que a ré ZCF (compradora) sabia que o terreno pertencia aos herdeiros de MCB e que desde 1974 o JR e o JS nunca mais reclamaram a propriedade do terreno e que desde essa altura o MCB passou a ser dono do terreno.
Invocam ainda o depoimento de MCC que, segundo eles, afirmou que o terreno pertence ao MCB e mulher, por inversão do título de posse.
Concluem que deve ser dado como não provado o ponto 5º dos factos provados, propõem nova redacção para o ponto 7º dos factos provados, em termos de se considerar provado que “…Os autores, a partir do ano de 1974, trabalharam, cultivaram, colheram os frutos e portaram-se como donos do prédio referido em 2”.
Defendem também que devem ser dados como provados os pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos não provados.
Pretendem ainda que o tribunal julgou incorrectamente os pontos 9º e 10º dos factos provados porque se limitou a transcrever o conteúdo dos documentos de fls 133 e 140 sem os conexionar com o objecto do litígio e as questões a decidir, dado que não existe nos autos qualquer prova das alegadas partilhas amigáveis e não tituladas em 1980 realizadas pelos justificantes por óbito de seus pais e avós.
Vejamos então a impugnação destes pontos de facto.
Quanto aos pontos 6º e 8º dos factos provados
Os autores impugnam estes factos e defendem que devem ser considerados não provados por, segundo eles, não foi feita prova de que o prédio tenha vindo à titularidade dos réus justificantes por efeito de partilhas amigáveis por óbito de JR e JS.
Será assim?
Em primeiro lugar, o facto dado como provado em 8º, baseia-se, como de resto é dito na sentença, na certidão do registo predial referente ao prédio. E nessa certidão consta a inscrição, a favor dos réus compradores, que é mencionada no ponto 8º dos factos provados, conforme decorre de fls 419 e a 420. Os depoimentos mencionados são irrelevantes para infirmarem o facto constante do ponto 8º.
Quanto ao ponto 6º.
Pretendem os autores/apelantes que não foi produzida prova testemunhal sobre os factos invocados pelos réus justificantes na escritura de justificação notarial “…o identificado prédio veio à sua titularidade, no ano de 1980, nas partilhas amigáveis e não tituladas, que procederam com os restantes herdeiros, por óbito de seus pais e avós, JRF e JSG…”.
E invocam para o efeito os cinco depoimentos, de AF, MAB, ACB, MCC e AF, que transcrevem na totalidade.
Ora bem, a sentença para dar esse facto 6º como provado, não se baseou, apenas, nos depoimentos testemunhais. Na verdade, na sentença, além de fazer uma síntese dos depoimentos, na parte relativa à pertença do prédio, não deixa de ter em consideração o teor das certidões emitidas pelos Serviços de Finanças sobre o prédio das quais, de resto, faz uma síntese nos pontos 9 e 10 dos factos provados.
Ora bem, no depoimento de LC, disse que o terreno era do JR e família e esteve anos sem ser cultivado.
MB, disse que o terreno era do Sr. R e ainda pensou comprar-lho e, que o terreno cultivado pelo MC ficava noutro lado.
AF disse que o terreno era do Sr. R. O terreno esteve abandonado e sempre pertenceu à família do Sr. R; e que o terreno que era cultivado pelo pai da autora era no outro lado.
JR disse que os terrenos eram do JS e do JR e que a parcela em causa era propriedade do Sr. R.
Das certidões emitidas pelo Serviço de Finanças e juntas aos autos, decorre que:
-Na certidão de fls 133 é certificado que em 1934 o prédio passou para JSG (1/2) e para JRF (1/2); e que em 23/12/1991, por escritura de partilhas, passou ½ a pertencer a MGF (filha de JSG) casada com (o réu) ERF, nome de que se encontra inscrito na matriz.
Pela certidão emitida pelo Serviço de Finanças, de fls 140, é certificado que o Imposto Municipal sobre Imóveis tem sido pago em nome de JSG e JRF até 2003 e, entre 2004 e 2009, o IMI tem sido pago em nome de ERF (réu) MGF (ré), JFG (réu), MPG, BGS, JPG e MFG.
Ora bem, daqueles depoimentos conjugados com o teor destes elementos documentais (documentos exarados por autoridade pública no exercício e limites da sua competência e, por isso, documento autêntico à luz do artº 363º nº 2 do CC), decorre que o prédio em causa pertencia, desde 1934 a JSG e JRF e que, por escritura de partilhas passou a pertencer, ½, a MGF (filha de JSG) casada com (o réu) ERF, nome de que se encontra inscrito na matriz.
Por conseguinte, entendemos não haver fundamento para alterar o ponto 6º dos factos provados.
É certo que a escritura de partilhas não foi junta aos autos e, justamente por isso, o tribunal não deu – não podia – dar como provado que a posse era titulada. Na verdade, decorre do artº 1259º nº 2 do CC que o título não se presume, cabendo ao possuidor a prova desse título, sob pena de a posse vir a ser considerada não titulada (Cf., entre outros, José Luís Bonifácio Ramos, Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL, pág. 164). Justamente por ser assim, apesar de no ponto 6º dos factos provados se ter considerado provado que o prédio adveio aos réus na sequência de partilhas por óbito de JSG e JRF, considerou-se a posse não titulada por falta de demonstração do título.
Quanto aos pontos 9º e 10º.
Entendem os apelantes que o tribunal julgou incorrectamente estes dois pontos porque, segundo eles, se limitou a transcrever o conteúdo dos documentos de fls 133 e 140 sem os conexionar com o objecto do litígio e as questões a decidir, dado que não existe nos autos qualquer prova das alegadas partilhas amigáveis e não tituladas em 1980 realizadas pelos justificantes por óbito de seus pais e avós.
Pois bem, também quanto a estes dois pontos da matéria de facto entendemos que os apelantes não têm razão.
Na verdade, estes dois pontos considerados provados basearam-se no teor das certidões emitidas pelo Serviço de Finanças e, contêm uma síntese do que consta nesses documentos. Como vimos, trata-se de documentos exarados por autoridade pública no exercício e limites da sua competência e, por isso, são documentos autênticos à luz do artº 363º nº 2 do CC.
Além disso, como igualmente se referiu, se é certo que a escritura de partilhas não foi junta aos autos isso apenas tem como consequência não poder considerar-se a posse como titulada, porque como decorre do artº 1259º nº 2 do CC o título não se presume, cabendo ao possuidor a prova desse título, através, no caso, da junção da respectiva escritura de partilhas.
Por conseguinte, não há fundamento para alterar os pontos 9º e 10º dos factos provados.
Quanto aos pontos 5º e 7º dos factos provados e aos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos não provados.
Entendem os autores que nos documentos de fls 36 e de fls 43 a 49 a ré ZCF reconheceu que o prédio pertencia à herança de MCB e que se comprometeu a desocupá-lo em 28/06/2009; e que desses documentos conjugados com os depoimentos de AF, que segundo eles, disse que o prédio pertencia ao JS e ao JG mas desde 49 era o MC quem o cultivava mas que deixou de entregar produtos aos donos desde 74; depoimento de MB que segundo eles, disse que o terreno passou em 1974 para o MC por inversão do título da posse; e nas declarações de AB que, segundo eles, disse que a partir de 1974 os pais, MC e mulher, deixaram de entregar produtos ao JS e ao JG e assim se tornaram donos do terreno.
Vejamos então.
Pois bem, contrariamente ao que pretendem os autores/apelantes, pelo documento de fls 36 os réus ZCF e JF, compradores, não declaram nem reconhecem que o prédio pertence à herança de MCB: em parte alguma desse documento consta semelhante declaração confessória pretendida pelos autores. Nesse documento é a MLC quem declara ter recebido dos réus ZCF e JF (compradores) 2 500€ pela ajustada venda da parcela de terreno. Além disso, importaria ter presente que a declaração confessória deve ser inequívoca (artº 357º nº 1 do CC), o que no caso dos autos, como se referiu, não se verifica porque, no documento não consta qualquer declaração relativa ao reconhecimento de o terreno pertencer à herança do MCB.
Mais haveria de ter em conta que, face ao que dispõe o artº 353º nº 2 do CC, uma vez que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, a pretendida confissão, mesmo a ter ocorrido – já vimos que não - seria ineficaz.
E o mesmo se diga relativamente ao documento de fls 43 e segs: nela não é feita qualquer confissão relativamente ao terreno pertencer à herança de MCB e, mesmo que se pudesse concluir por essa confissão pela ré ZCF, ela seria ineficaz (artº 353º nº 2 do CC).
É certo que nesse documento a ré ZCF declara que desocupará o terreno até 30/11/2009, mas a verdade é que, entre a assinatura desse documento e a mencionada data, foi celebrada a escritura de justificação judicial e de compra e venda do terreno no dia 24/11/2009. Portanto, desde este dia, a ré ZCF ficou legitimada a permanecer no terreno.
Daqui resulta que os mencionados documentos de fls 36 e de fls 43 a 49 não têm a virtualidade de infirmar os factos no sentido pretendido pelos autores/apelantes.
Por outro lado, do depoimento de MB também não decorrem as consequências pretendidas pelos autores/apelantes: é que apesar de inicialmente ter mencionado que o terreno pertencia ao MCB, acabou por esclarecer que este MCB, em tempos, fazia o terreno (cultivava) mas que o dono era o Sr. JR; e que depois o terreno ficou abandonado e coberto de silvas.
Também do depoimento de AF não se pode retirar o que os apelantes pretendem. Na verdade, apesar de inicialmente ter referido que o terreno era cultivado pelo MCB, acabou por prestar um depoimento confuso e nada esclarecedor acerca de, afinal, a que terreno que fora cultivado pelo MCB se estava a referir, se ao que foi comprado pela ré ZCF, se a uma parcela de terreno mais abaixo; e se o terreno tinha ou não vinha e, quando é que o terreno foi deixado de ser cultivado por a cultura do “vime” ter deixado de ser rentável, se há 30 se há 40 anos. Por isso, o juiz da 1ª instância mencionou tratar-se de declarações pouco objectivas.
O mesmo de diga em relação às declarações de parte de AB. Na verdade, não soube indicar com clareza onde se situava o terreno e quais as confrontações, a área do terreno (falou em 350 a 400 metros) as culturas que nele se faziam e acabou por mencionar que a vinha é noutro terreno.
Portanto, face aos meios de prova indicados pelos apelantes não decorre haver fundamento para alterar a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 5º e 7º dos factos provados.
E o meso se diga relativamente aos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos: as incertezas patentes no depoimento do AF e das declarações de parte do AB quanto à concreta parcela de terreno a que se referiam, sua localização, área e culturas, não permitem que, se possam considerar provados aqueles factos.
Em suma, resta concluir que improcede a impugnação da matéria de facto.
*
3.3- A revogação da sentença.
Os autores/apelantes pretendem a revogação da sentença em termos de ser julgada a reconvenção improcedente e procedente a acção e, em consequência serem os réus condenados nos pedidos que deduziram na acção.
Acontece, porém, que fundam essa pretensão de revogação da sentença na pretendida alteração da matéria de facto, concretamente, defendendo que deveriam ser dados como provados os pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos não provados e, considerados não provados os pontos 6º, 8º, 5º, 7º, 9º e 10º dos factos provados.
Ora sucede que, como vimos, não se alterou nenhuma da factualidade decidida pela 1ª instância. Assim, manifestamente, fica sem fundamento a pretensão de revogação da sentença.
Deste modo, face à factualidade provada e não provada, temos de entender que a sentença sob recurso não merece censura, a não ser relativamente à nulidade por omissão de pronúncia quanto ao valor da sentença perante aos chamados que acima se apreciou e que será suprida na parte decisória deste acórdão.
Na verdade, perante a não prova da matéria de facto referida nos pontos 1º a 7º dos factos não provados, fica a faltar fundamento para reconhecer os autores e chamados como proprietários da parcela de terreno em causa. Isto porque, não provaram, como alegavam, que desde 1974 foram os seus pais quem, com exclusão de outrem, cultivavam a parcela de terreno, dela retiram os respectivos frutos que consumiam e comercializavam, proibindo que outrem o fizesse, à vista de todos, pacificamente e com reconhecimento de toda a gente incluindo dos réus. E, justamente por falta de prova dos factos constitutivos da aquisição do direito de propriedade da parcela por usucapião, não podem proceder também nenhuma das suas outras pretensões.
Sem a demonstração da posse do terreno, fica sem sentido à apreciação dos caracteres da posse: se é oculta ou pública, violenta ou pacífica, titulada ou não titulada, de boa ou de má fé.
Sem a prova de que eram possuidores, não pode proceder a pretensão de aquisição originária da propriedade da parcela de terreno por usucapião.
E o mesmo se diga quanto às pretensões indemnizatórias que se baseavam na propriedade da parcela.
Por sua vez, os réus justificantes conseguiram provar a posse do terreno e o seu início. E não obstante não terem demonstrado tratar-se de posse titulada, a única consequência dessa não prova é presumir-se tratar-se de posse de má fé, como decorre do artº 1260º nº 2 do CC, o que foi esclarecido na sentença.
Aliás, acerca da posse titulada e não titulada, justifica-se um esclarecimento face a uma certa confusão que os autores/apelantes fazem sobre esse caracter da posse. Na verdade, por mais de uma vez, referem na sua alegação, que na sentença foi dito que os réus não conseguiram provar que adquiriram a parcela pela partilha invocada na escritura de justificação notarial e, daí, parece quererem retirar que não provaram a aquisição por usucapião.
Trata-se de um equívoco dos autores.
Com efeito, importa esclarecer em que consiste a posse titulada e, em reverso, a posse não titulada e qual a respectiva consequência para efeitos da aquisição por usucapião.
Vejamos então e de modo sintético este caracter da posse.
Estabelece o artº 1259º do CC com epígrafe “Posse titulada”:
1. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.
2. O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.”
A doutrina reflecte sobre este caracter da posse, em síntese, nos seguintes termos:
José Luís Bonifácio Ramos (Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL, pág. 163) menciona que posse titulada é aquela em que a situação possessória tem atrás de si um titulus adquirendi abstractamente idóneo. Ou seja, na posse titulada tem de haver justo título, não porque seja válido em concreto, mas porque, em abstracto seria adequado para obter o efeito substantivo pretendido.
Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 4ª edição, 3ª reimpressão, pág. 284) menciona que tendo em vista o que se afirma na segunda parte do artº 1259º nº 1 do CC, o que está primeiramente em causa é o título em si mesmo e não o facto de ele sofrer ou não de vício. Assim, um negócio jurídico constitui justo título, ainda que seja substancialmente nulo, nomeadamente por falta de legitimidade de quem nele transmite o direito em relação ao qual se constitui a posse. Já assim não é se o vício for de forma.
Álvaro Moreira/Castro Fraga (Direitos Reais, segundo as prelecções de Prof. Mota Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-71, pág. 199) a posse é titulada quando se funda num modo que segundo o seu tipo geral é idóneo para provocar a aquisição, independentemente de, no caso concreto, o transmitente ter ou não direito de transmitir e independentemente da validade substancial do negócio jurídico. Se faltar no título do negócio realizado um requisito formal de validade, a posse é não titulada.
Rui Pinto/Cláudia Trindade (CC anotado, AAVV, coordenação de Ana Prata, vol. II, 2017, pág. 35) O título tem de existir objectivamente e não apenas segundo o entendimento ou convicção do titular. Em conformidade, o título deve ser provado por quem o invoca, não se presumindo (nº 2 do artº 1259º). O título deverá ser formalmente válido, o que é diferente de o direito ser materialmente válido. Já a posse não titulada funda-se num modo ilegítimo de adquirir ou em título formalmente inválido.
Fernando Pereira Rodrigues (Usucapião – Constituição Originária de Direitos Através da Posse, 2008, pág. 58) a posse titulada não é afectada por vício de fundo, mas é afectada por vício de forma.
Orlando Carvalho (Introdução à Posse, in RLJ, nº 3786, ano 122, pág. 263) diz que para haver posse titulada são necessários dois requisitos: um positivo e que é a legitimação da posse através da existência de um titulus adquirendi do direito em termos do qual se possui; outro, negativo, e que consistem em, sendo esse título um negócio jurídico, a não existência de vícios formais desse negócio.
Vistos estes ensinamentos (e outros se poderiam acrescentar) podemos concluir que a circunstância de os réus justificantes não terem logrado provar – o que só poderiam fazer através da junção de escritura – as invocadas partilhas dos bens da herança de JRF e de JSG, apenas tem como consequência ter-se a posse como não titulada e não, como pretendem os autores, a inexistência de aquisição por usucapião.
A posse não titulada tem como consequência fazer presumir tratar-se de posse de má fé (artº 1260º nº 2, segunda parte do CC), com o consequente alargamento do prazo necessário à aquisição por usucapião para 20 anos, como decorre do artº 1296º, 2ª parte, do CC, dado não haver igualmente registo de mera posse.
Por conseguinte, temos de concluir que os autores apelantes não têm razão.
3.4- Quanto às pretendidas inconstitucionalidades.
Pretendem os autores/apelantes assacar à sentença “inconstitucionalidades”, argumentando ser contrária aos artºs 13º nº 1 e 20º nºs 1 e 4 da Constituição a interpretação e aplicação da norma do artº 343º nº 1 do CC “…no sentido, genérico e abstracto, que tem ganho de causa a parte que não prova os factos constitutivos do direito que invoca…”. E que é contrária aos princípios ínsitos nos artºs 13º nº 1 e 20º nº 1 e 3 da Constituição, a interpretação e aplicação da norma do artº 892º do CC “… no sentido genérico e abstracto de que não é nula a venda realizada por quem não é dono do objecto vendido…”.
Ora bem, salvo o devido respeito, parece-nos que os apelantes estão equivocados, por uma razão muito simples: a factualidade apurada não “casa” com os fundamentos invocados para as pretendidas inconstitucionalidades na medida em que, como vimos, ficaram demonstrados os factos constitutivos da aquisição da parcela em discussão, por via da usucapião, pelos réus justificantes e, por isso, tinham legitimidade (substantiva) para transmitirem, através de compra e venda, aos réus compradores, o direito de propriedade da dita parcela de terreno.
Sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que a sentença em causa não contém quaisquer desvios aos princípios e normas constitucionais.
O recurso improcede.
*
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, reconhecer a nulidade da sentença, por omissão de apreciação da relação jurídica da titularidade dos chamados e, suprindo essa nulidade, perante a improcedência do recurso, decidem:
i)- Julgar a ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolver os réus de todos os pedidos formulados contra eles pelos autores e chamados;
ii) Julgar a reconvenção procedente por provada e, em consequência, condenar os autores e chamados a reconhecerem os réus e reconvintes ZCF, casada com o Réu JF, legítimos proprietários do prédio rústico localizado ao Sítio d…, freguesia de …, concelho de …, com a área de 2…m2, a confinar a Norte com herdeiros de …e de …, sul com …, leste com caminho d…e a oeste com …, inscrito na matriz predial sob o artº 3…,descrito na conservatória do registo predial de …sob o n.º 1….

Custas: pelos apelantes.
Lisboa, 19/11/2020
Adeodato Brotas
Teresa Soares
Octávia Viegas