VENDA EXECUTIVA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PENHORA
INOPONIBILIDADE
DEPÓSITO DE RENDA
CADUCIDADE
Sumário

I-Um contrato de arrendamento celebrado após a penhora é inoponível à execução, caducando automaticamente após a venda executiva.
II-A não impugnação do depósito das rendas feito pelo inquilino, por parte do adquirente em venda executiva, não importa o reconhecimento da existência do arrendamento e, por conseguinte, não obsta à caducidade prevista no art.º 824.º n.º 2 do CC.

Texto Integral

Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
J…., na qualidade de arrendatário do prédio vendido nos autos de execução movida por BANCO SANTANDER TOTTA, SA contra V…e S….interpôs recurso do despacho  de 05-11-2018 que deferiu o pedido de entrega coerciva do imóvel vendido, invocando a nulidade desse despacho por falta de fundamentação.
O recurso foi distribuído à 8.ª secção deste Tribunal da Relação que, por despacho do respectivo Relator de 09-01-2018, ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de ser apreciada a questão da invocada nulidade, nos termos do art.º 617.º n.º 5 do CPC.
Na 1.ª instância, foi suprida a nulidade invocada e reformada a decisão no sentido do indeferimento da entrega do imóvel livre e desocupado de pessoas e bens ao adquirente do mesmo, por decisão de 29 -01-2019.
Notificado desta decisão, vem E….na qualidade de adquirente do imóvel vendido, requerer a subida dos autos ao Tribunal da Relação, para decidir da admissibilidade da alteração sofrida no despacho, passando doravante à posição de recorrente.
O recurso foi admitido, como apelação, a subir em separado e com efeito suspensivo, por despacho de 26-02-2019.
Voltando os autos à 8.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido o seguinte despacho pelo Exmo. Relator:
1-Verifica-se que em 26-02-2019, (cfr. fls. 42), foi proferido no Tribunal a quo despacho, notificado às partes em 27-02-2019 a admitir expressamente o requerimento de recurso apresentado em 08-02-2019 com base no art.º 617.º n.º4, do CPC pelo Apelado E….
2-Porém, em nosso entender, não poderá conhecer-se do objecto desse recurso uma vez que não está preenchido o pressuposto previsto no n.º4 do art.º 617.º do CPC (desistência do recurso no prazo de 10 dias por parte do Apelante  J…).
3-Assim, por ora, ao abrigo do disposto nos artigos 652.º n.º1 b) e 655.º , ambos do CPC, notifiquem-se Apelante e Apelado para no prazo de 10dias, querendo, se pronunciarem, após o que será proferida a decisão sobre a questão.”
Ambas as partes se pronunciaram, defendendo o Apelante E….que o Tribunal deverá conhecer do objecto do recurso. Por sua vez, J…., agora Apelado, defende que o recurso não é admissível, devendo ser indeferido o requerimento recursivo, ao abrigo do disposto no artigo 641.º n.º2 alínea a) parte final do CPC, aplicável ex vi do artigo 652.º n.º1 alínea b) do CPC.
Seguidamente, datado de 03-07-2019, foi proferido despacho pelo Relator (8.ª secção) que decidiu:
“ (…) atento o disposto nos artigos 652.º n.º1 b) e 641.º n.º2 a ) e n.º5, ambos do CPC, não se admite o recurso apresentado em 08/02/2019 por parte de E….
Por outro lado, atendendo a que é de considerar que através da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 29/01/2019, o ora Recorrido J…. obteve integralmente o pretendido suprimento julga-se extinta a instância recursiva inicial em que era Recorrente, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no art.º 277.º e) do CPC.”
E é deste despacho que, inconformado, E….vem reclamar para a conferência, tendo o processo sido distribuído a esta secção por ter sido remetido à distribuição por ordem do Exmo 1.º Adjunto, dado que o Relator da 8.ª secção foi transferido para outro Tribunal da Relação.
E por acórdão proferido em 21-11-2019, foi deferida a reclamação, admitindo-se o recurso interposto por E….
Notificada a decisão, os autos foram por lapso remetidos à 1.ª instância e só em 1 -10-2020, voltaram a este Tribunal da Relação.
Atento o tempo decorrido, determinou-se de novo o cumprimento do disposto no art.º 657.º n.º 2 do CPC.
Cumpre, pois, proceder ao conhecimento do recurso interposto, por E… nos termos do disposto no art.º 617.º n.º 4 do CPC.
O recurso incide sobre o despacho proferido em 29-01-2019 que indeferiu a entrega do imóvel livre e desocupado de pessoas e bens ao adquirente do mesmo, o ora Recorrente E…..
Inconformado com tal decisão o Apelante formulou as seguintes conclusões de recurso:
1-Após baixa dos autos à 1.ª instância, a M.ma Juiza a quo, fundamentando a nulidade invocada pelo Apelante arrendatário, proferiu despacho em 29-01-2019, no qual supriu a nulidade invocada e reformou a sua anterior decisão, no sentido do indeferimento da entrega do imóvel livre e desocupado de pessoas e bens ao adquirente do mesmo;
2-No douto despacho ora recorrido, foi cometido um erro grave, ao considerar-se que o contrato de arrendamento é anterior ao registo da penhora.
3-Na verdade, a penhora foi registada em 30/07/2009, ao passo que o arrendamento foi outorgado em 01/03/2013.
4-Tal erro conduziu a um trágico desfecho, não observando o disposto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil e jurisprudência do STJ e demais Tribunais e Doutrina que entendem que o arrendamento posterior ao registo da penhora, tem por consequência a caducidade automática do contrato de arrendamento, sendo certo que pela AP.1560 de 28/03/2018, foi registada a adjudicação em execução na Conservatória do Registo Predial do Montijo a favor do adquirente e, portanto, após esta data, o arrendamento caducou automaticamente;
5-Por outro lado, teve em atenção a actuação do Agente de execução, que foi ter notificado o arrendatário para exercer o direito de preferência na venda do imóvel, que este recusou e para depositar as rendas à sua ordem e também a actuação do adquirente do imóvel, agora recorrente,, porque não impugnou o depósito das rendas, nos termos do art.º 21.º 1 do NRAU, daí ter concluído que foi contrária à conformação com a caducidade do arrendamento, fazendo incutir no Apelante a convicção de boa-fé, quanto à manutenção do arrendamento pelo que  o pedido de arrombamento do imóvel arrendado, constitua um claro abuso do direito, nos termos do art.º 334.º do CC.
Donde pela falta de impugnação do depósito, sustentou o Tribunal a quo que, com isso, foi reconhecida a existência do contrato de arrendamento, mesmo após a aquisição do locado em sede de venda executiva, obstando à caducidade do arrendamento.
 6.ºOra, salvo o devido respeito, assim não o entendemos, porque os actos praticados pelo Agente de Execução, como seja a notificação para exercer o direito de preferência na venda do imóvel e a penhora e depósito das rendas à ordem deste, pelo ora recorrido (arrendatário), não afastam os direitos do adquirente, e
7.ºQuanto ao adquirente, este, como resulta amplamente do processo, nunca reconheceu o arrendatário, como tal, veja-se a tal propósito, e assumido pelo alegado arrendatário nas suas alegações de recurso de 19/11/2018, no seu parágrafo 15.º, que diz: “…o arrendatário do imóvel continuou a proceder ao pagamento das rendas…aos Executados V… … e S……, mas desta vez, na pessoa do terceiro adquirente, isto é, ao Sr. E……;
Uma vez que o mesmo se recusou a receber as rendas, as mesmas passaram a ser efectuadas, através de depósito na Caixa Geral de Depósitos…”
Destarte, se o adquirente se recusou a receber as alegadas rendas, foi porque não o reconheceu como arrendatário, e não por outro motivo, e dessa recusa, nunca pode daí advir o reconhecimento do arrendamento, como é óbvio!
8.ª- Aliás, nem havia contrato de arrendamento que sustentasse o recebimento de rendas, porque esse tinha automaticamente caducado com a venda em processo executivo, em 28/03/2018 (registo da adjudicação na CRP do Montijo), como vimos.
9.º-Depois o alegado arrendatário faz mais uma tentativa, desta feita deposita rendas na CGD e notifica o adquirente e este nunca impugnou tal depósito, nos termos do art.º 21.º n.º 1 do NRAU. Com isto, tanto o recorrido (arrendatário), como o Tribunal a quo no seu douto despacho sob recurso, é sustentado que a falta de impugnação, em prazo faz reconhecer um contrato de arrendamento! Mal andaria a justiça se isso fosse assim. Então um qualquer indivíduo depositava rendas à ordem de outrem e se este não impugnar, reconhece um contrato de arrendamento!?
10.º-Então se não havia contrato de arrendamento que tinha caducado automaticamente, em 28/03/2018, como entende a Jurisprudência, como pode este renascer, por falta de impugnação de alegadas rendas, sem um arrendamento válido e eficaz que o suporte?!
11.º-O art.º 21.º n.º 1 do NRAU não se aplica no vertente caso, mas sim em outras situações, como nas acções de despejo, por falta de pagamento das rendas, ou se há divergência quanto ao montante exacto das rendas, pressupondo sempre um contrato válido que não é o caso e atente-se ao disposto no art.º 17.º do NRAU
12.º-O adquirente, nestas circunstâncias, não tinha que impugnar o depósito, tanto mais que nunca levantou as “ rendas”, às quais não tinha direito. Na lei não consta que a falta de impugnação de depósito tem como consequência o reconhecimento de um arrendamento.
13.º-Ademais, seria uma grave injustiça, pois não é demonstrado nos autos, que alguma vez o adquirente tenha reconhecido o arrendamento, antes pelo contrário, pois não é altruísta ao ponto de aceitar um contrato de arrendamento com prazo de 15 anos que terminaria em 2028 e com a simbólica renda mensal de 150,00€, para uma moradia de dois pisos, quando na zona correm por cerca de €1.200,00 mensais, além de que precisa da moradia para a sua habitação própria permanente.
14.º-Face ao exposto, não se verifica o reconhecimento do arrendamento, caindo por terra o disposto no art.º 334.º do Código Civil, pelo que deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a entrega do imóvel “sub judice”, ao adquirente, livre e desembaraçado de pessoas e bens.
15.º-Por outro lado, como se extrai dos autos e do que atrás ficou dito, o alegado arrendatário não reside na morada do imóvel em apreço, na Rua D. Nuno Alvares Pereira, n.º 232 e 240 (ex-lote 11), Lançada, mas sim num quarto de um imóvel, sito na Rua Bento de Jesus Caraça, n.º 34, Montijo, como ele próprio declarou em 15/09/2018, cujo auto de diligência assinou, nesse sentido, dado que no imóvel em questão continuam a residir os Executados deste processo V… e sua esposa S… e o filho I…, como se prova pelos documentos juntos aos autos, devidamente assinados por quem prestou tais informações, como seja, a própria executada no processo D. S… e por J…. e esposa R…, documentos esses que acompanharão este recurso, o que deverá outrossim ser tido em conta por V.Exas.
16.º-Afinal tudo leva a crer que o arrendamento foi forjado, subscrito pelo agora recorrido J…. e pelo Executado V… (ex proprietário do imóvel depois de adquirido pelo ora Recorrente, no processo executivo, por conluio entre eles, com vista a afastar o adquirente da posse do imóvel, para que a moradia continue a ser usada pelos Executados e seu filho, até hoje, prejudicando gravemente o adquirente que fez um grande investimento para ter casa para habitar permanentemente e assim se vê privado do seu uso e fruição.
17.º-No douto despacho sob recurso, foram violados, entre outros, os artigos 333.º e 824.º n.º2, ambos do Código Civil e 613.º n.º2 e 3 e 614.º n.º 1 e 2, ambos do CPC.
18.º-Em consequência, deverá o douto despacho recorrido de fls. ser revogado e substituído por outro que defira o pedido de entrega do imóvel “sub judice” ao adquirente, agora recorrente, livre de pessoas e bens, com recurso à força de Segurança Pública, se necessário, isto porque o contrato de arrendamento encontra-se caducado há muito, desde 28/03/2018, sem qualquer eficácia.
O Apelado J… apresentou contra alegações nas quais adere aos argumentos da decisão recorrida, ou seja, considera que o reconhecimento do contrato de arrendamento obsta à caducidade que, em tese, adviria da aplicação do disposto no art.º 824.º n.º 2 do CC. A final, pede que o recurso seja julgado improcedente.
II-OS FACTOS
Com relevo para a decisão, está provada nos autos a seguinte factualidade.
1-O prédio urbano situado na Rua(…), concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.º 101 da freguesia de Sarilhos Grandes e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1858, foi penhorado nos autos, em 30-07-2009, conforme certidão junta aos autos.
2-Com data de 1 de março de 2013, foi outorgado um contrato de arrendamento, tendo por objecto o supra identificado prédio, em que são outorgantes V… – executado nos presentes autos –, na qualidade de senhorio e J…, na qualidade de inquilino, cujas cláusulas constam do documento de fls…, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3-O referido arrendamento foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com início em 1 de março de 2013 e terminus em 1 de Março de 2028.
4-Após a aquisição do imóvel penhorado pelo adquirente E…., o arrendatário continuou a proceder ao pagamento das rendas através de depósito na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Almada.
5-O Adquirente não impugnou o depósito.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal da Relação, as questões que importa decidir são as seguintes:
1--Saber se o disposto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil abrange os contrato de arrendamento
2--saber se a não impugnação do depósito das rendas, por parte do adquirente em venda executiva, importou o reconhecimento da existência do arrendamento, obstando à caducidade prevista nos termos do art.º 824.º n.º 2 do CC.
Quanto à primeira questão vejamos o que dispõe o art.º 824.º do Código Civil:
1- A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2-Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente do registo.
3-(…)”
Tem vindo a ser discutido se um contrato de arrendamento se deve considerar integrado pela previsão do art.º 824.º n.º 2 do Código Civil.
Contudo, o entendimento de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo n.º2 do artigo 824.º é claramente maioritário, [1]quer na doutrina, quer na jurisprudência. 
Aderimos a este entendimento, por via de uma interpretação  teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza sócio-económica, considerando que  “a referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.[2] Trata-se pois, de considerar aplicável o efeito extintivo previsto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil a direitos não reais, relativamente aos quais, pela sua especificidade, possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção”.[3]
Este é igualmente o entendimento do Tribunal a quo, aderindo ao “entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil”.
2-Resolvida a primeira questão, importa agora averiguar se a não impugnação do depósito das rendas, por parte do adquirente em venda executiva, importou o reconhecimento da existência do arrendamento, obstando à caducidade prevista nos termos do art.º 824.º n.º 2 do CC.
Foi essa a posição defendida pela decisão recorrida. No entender do Tribunal a quo, entendimento também seguido pelo ora Apelado, não tendo o adquirente impugnado o depósito das rendas, nos termos do art.º 21.º do NRAU, reconheceu a existência do arrendamento. Assim, pretendendo a entrega do imóvel, age em abuso de direito, segundo o estatuído no art.º 334.º do C.Civil.
Discordamos desta tese.
Desde logo, o disposto no art.º 21.º do NRAU segundo o qual “ A impugnação do depósito deve ocorrer no prazo de 20 dias contados da comunicação, seguindo-se, depois, o disposto na lei de processo sobre a impugnação da consignação em depósito. “,  não se aplica ao presente caso. Na verdade, por força do disposto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil, face à venda executiva, sempre teria de considerar-se caducado o arrendamento.
Sucede, porém, que o contrato de arrendamento foi celebrado em data muito posterior à penhora.
Nos termos do disposto no art.º 819.º do Código Civil, “são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
Por conseguinte, também por força deste normativo legal, nunca poderia manter-se o arrendamento a que se referem os autos.
Por conseguinte, o adquirente recebeu, por força de lei o imóvel, livre de qualquer ónus, pelo que não tinha, obviamente, que tomar qualquer posição relativamente a um arrendamento que não lhe era oponível e que, de todo o modo, estava caducado. Não estava, pois, obrigado, a impugnar o depósito de rendas efectuado pelo inquilino do executado. Muito menos a não impugnação do depósito das rendas pode ser considerada um reconhecimento do arrendamento que legalmente não lhe era oponível. Para que eventualmente pudéssemos concluir por um reconhecimento do arrendamento seria necessário um acto que inequivocamente demonstrasse isso mesmo, por exemplo, o levantamento das rendas. Ora tal não sucedeu.
É pois negativa a resposta a esta segunda questão, ou seja, a não impugnação do depósito das rendas nos termos constantes do do art.º 21.º do NRAU não envolve qualquer reconhecimento da vigência do contrato de arrendamento que obste à caducidade determinada pelo art.º 824.º n.º 2 do Código Civil.
Procedem, inteiramente as conclusões do Apelante.
IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogando a decisão recorrida, determina-se a entrega do imóvel supra identificado, ao Apelante, livre e desocupado de pessoas e bens.
Custas pelo Apelado.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal

Declaração de voto.
Acompanho a decisão, porque o arrendamento em causa, posterior à penhora, é, nos termos do artigo 819º do CC, inoponível em relação à execução (e, consequentemente, inoponível ao adquirente), não comportando o seu reconhecimento o facto de as rendas não terem sido impugnadas.
Mas não acompanho a fundamentação quando convoca a discussão sobre se o arrendamento está ou não abrangido pela previsão do artigo 824º nº2 do CC, pois tal discussão não tem cabimento quando, como é o caso, o arrendamento é posterior à penhora e, como tal, inoponível à execução por força do artigo 819º.
A discussão sobre se o artigo 824º abrange ou não o arrendamento só se justificaria se o arrendamento fosse anterior à penhora, não abrangido pela previsão do artigo 819º e sujeito à norma do artigo 1057º do CC, pois, a ser equiparado aos direitos reais nos termos do artigo 824º, caducaria se houvesse registo anterior à sua constituição, como sucederia se houvesse registo de hipoteca anterior, como era o caso dos processos onde foi proferida a jurisprudência citada no presente acórdão.  
 
2020-11-19
Anabela Cesariny Calafate
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[1] Vide Acórdão do STJ de 05/02/2009, disponível em www.dgsi.pt e doutrina e jurisprudência ali citadas: Oliveira Ascensão (ROA, Ano 45, 345 e seguintes), Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, 140) José Alberto Vieira (em Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Teles, IV, 437) e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, 2.ª edição, 189). Na jurisprudência, os Acórdãos do STJ 3.12.1998 (BMJ 482, 219), 6.7.2000 (CJ STJ, VIII, II, 2000), 6.4.2006, 31.10.2006 e 15.11.2007, estes em www.dgsi.pt.
[2] Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/2014, Processo 351/09.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] ANA CAROLINA S. SEQUEIRA, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43