DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO DO MÉRITO
SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DE DIREITO
Sumário

I. O conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, em sede de despacho saneador só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não tendo em vista apenas a partilhada pelo juiz da causa.
II. Para esse efeito, o Juiz deverá usar um critério objectivo, isto é, tomando como referência indicadores que não se cinjam à sua própria convicção acerca da solução jurídica do problema.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I. Relatório
A demandou B pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 59.300,40 acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, à taxa supletiva legal.
Alega para tanto e em síntese que, em 1917 tomou de arrendamento a loja que indica, a Ré adquiriu o imóvel em que a mesma se situa em 2003, em 2013 a Ré comunicou à A. a denúncia do contrato de arrendamento com fundamento na realização de obras de demolição e de remodelação profundas tendentes á instalação no mesmo de uma unidade hoteleira, o que se revelava incompatível com a manutenção do referido arrendamento porque o locado seria afecto ao futuro uso de uma sala e reuniões do hotel, não tendo sido possível às partes chegar a acordo, a Ré propôs no Balcão Nacional de Arrendamento um procedimento especial de despejo, a que a A. se opôs, em sede de audiência e julgamento A. e Ré chegaram a acordo, tendo transigido nos termos que refere, a transação foi homologada por sentença, a Ré pagou a 1ª prestação da indemnização acordada, foi acordada a prorrogação da entrega do locado, a A. entregou o locado em 2015, a Ré pagou a 2ª prestação da indemnização, a última renda  paga foi no valor de € 494,17, a Ré vendeu o imóvel a uma terceira entidade que identifica, a transação teve como pressuposto que a Ré ia efectivamente implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, que obrigavam à desocupação do locado, caso contrário nunca lhe seria possível denunciar o contrato de arrendamento, nos seis meses seguintes à entrega do locado a Ré não implementou no imóvel quaisquer obras e trabalhos de demolição e reconstrução com vista a ali instalar um hotel, pelo que fica obrigada a pagar uma indemnização correspondente a 10 anos de renda.
A Ré, citada, veio contestar, dizendo que a A. deduziu oposição ao procedimento especial de despejo defendendo que o contrato era de duração determinada e, como tal, insusceptível de denúncia, pedindo a improcedência da acção, a Ré defendia que o contrato era de duração indeterminada, a transacção não reconhece razão a nenhuma das partes, mediante tal acordo as partes entenderam pôr termo ao acordo mediante o pagamento de uma indemnização à A., ao contrário do que defendeu na acção, a A. defende agora que a denúncia foi válida, pelo que age em abuso de direito e litiga de má fé, a transacção não reconheceu a validade da denúncia operada pela Ré, nem reconheceu se assistia razão à A.,  as partes revogaram o contrato de arrendamento, não existindo denúncia do contrato de arrendamento, a transacção em referência não fiou sujeita a qualquer condição da Ré continuar o projecto que se havia proposto, a transacção visou alcançar um acordo global com a A., caso contrário a Ré não teria pago a indemnização que pagou, a A. retira da transacção conclusões erradas e abusivas, caso a Ré tivesse de pagar a indemnização exigia pela A., então esta teria de devolver o montante pago a mais relativamente à indemnização legal.  E, para o caso de a acção ser julgada procedente, deduz reconvenção pedindo seja reconhecido à Ré um crédito sobre a Autora no valor de € € 44.069,96, operando-se a competente compensação sobre o crédito que, eventualmente, venha a ser reconhecido à Autora.  E pede também que a Autora seja condenada no pagamento de multa e numa indemnização à Ré, ora contestante, não inferior a € 10.000,00, por litigar de má fé, alegando para tanto que a A. alega que tem um direito emergente do procedimento especial de despejo quando ali agiu de forma diferente, a A. visa extorquir uma indemnização que sabe não ter direito, a A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignora e faz do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal e entorpecer a acção da justiça.
A A. veio pronunciar-se, dizendo que não resulta da transacção que as partes tenham revogado o contrato, se as partes quisessem revogar o contrato, teriam juridicamente classificado a transacção como acordo revogatório, que ao referirem que punham termo ao litigio, a cessação do contrato ocorreu por denúncia, replicou dizendo que a reconvenção deve ser julgada improcedente e respondeu à invocada litigância de má fé dizendo que não ocultou factualidade relevante e utilizou legitimamente o processo para fazer valer a sua pretensão.
Com data de 14/4/2020, foi pelo Exmo. Juiz a quo proferida decisão final, com o seguinte teor:
Termos em que:
- se julga a presente acção totalmente improcede por não provada e em consequência absolve-se a Ré de tudo o peticionado;
- julga-se prejudicada a reconvenção deduzida pela Ré;
- julga-se verificada a litigância de má fé da A. e em consequência condena-se a mesma na multa de 5 UC’s e indemnização à Ré consistente no reembolso das despesas que a sua má fé tenha obrigado aquelas a realizar, incluindo os honorários do mandatário – alínea a) do n.º 1 do art.º 543º do CPC - a qual, por os autos não conterem elementos, será objecto de incidente de liquidação.  no sentido da procedência dos embargos e consequente absolvição do executado da instância executiva.
*
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A – A denúncia do contrato de arrendamento dos autos foi válida e legalmente exercida pela Recorrida contra a Recorrente por via de carta expedida em 03/06/2013 com fundamento na realização no edifício em que se localiza o locado de obras de demolição e de restauro profundo, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1.101º b) e 1.103º, aplicáveis “ex vi” do artº 1.110º, todos do Código Civil e artº 4º nº 1, 6º nº 1 a 3, 7º nº1 e 8º do Dec. Lei nº 157/2006 de 8 de Agosto, nas versões em vigor à data dos factos relevantes.
B – Essa denúncia constitui o exercício de m direito potestativo motivado destinado a colocar termo com a antecedência de 6 meses, a uma relação arendatícia vinculística, que produziu efeitos logo que chegou ao poder do destinatário, sendo, por conseguinte, uma declaração receptícia – artº 224º nº 1 do Cod. Civil.
C – As disposições referentes à referida denúncia têm natureza imperativa, por força do disposto nos artº 1.079º, 1.080º e 1.081 nº 1 do Cod. Civil.
D – A eficácia jurídica da proposta de transição do contrato de arrendamento dos autos para o NRAU e sua conversão em prazo certo formulada pela Recorrida à Recorrente através da respectiva carta de 27/05/2013 e por essa última aceite por carta de 27/06/2013 apenas produziu efeitos nesta última data, dado que obedece a um procedimento legal de conjugação e concertação de vontades previsto nos artº 50º a 54º do NRAU, na versão em vigor à data dos factos relevantes.
E – Quando em 06/06/2013 a Recorrente recepcionou a carta de denúncia a que se refere a precedente alínea A), o contrato de arrendamento dos autos ainda não havia transitado para o NRAU, nem tão pouco se havia convertido em prazo certo, o que só sucedeu em 27/06/2013, logo naquela primeira data semelhante contrato ainda tinha a natureza de arrendamento celebrado por tempo indeterminado, sendo, por conseguinte, denunciável com fundamento no artº 1.101º b) e 1.103º do Cod. Civil.
F – Deste modo, a conversão do dito contrato em prazo certo, porque posterior à efectivação da respectiva denúncia com aquele fundamento, é inoponivel e inoperante em relação a esta última, a qual é, por conseguinte, totalmente prevalecente e eficaz.
G – Acresce que a Recorrente não se opôs concretamente à invocada denúncia através da respectiva carta de resposta de 02/07/2013, nem tão pouco às ressalvas quanto à reserva do exercício desse direito extintivo-contratual formuladas pela Recorrida nas respectivas cartas de 27/05/2013 e de 02/07/2013, conforme resulta da carta daquela datada de 02/07/2013
H - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na Lei, servindo-lhe de base, no caso em apreço, a comunicação de denúncia do senhorio, o contrato de arrendamento e os documentos a que se refere o nº 2 do artº 1.103 do Cod. Civil, como resulta do preceituado no artº 15º nº 1, nº 2 d) e nº 3 do NRAU na redação à data em vigor, admitindo oposição a apresentar pelo Requerido – artº 15º D nº 1 b) e 15º F do NRAU - a qual, uma vez oferecida, determina a apresentação dos autos à distribuição pelo Tribunal competente, que julgará sobre o respectivo mérito – artº 15º H e 15º I do NRAU.
I -É certo que a Recorrente apresentou a oposição que consta da fls. 196 a 202, mas certo é também que a aqui Recorrida respondeu a semelhante oposição, invocando que nas comunicações que expediu com reporte à transição do contrato de arrendamento para o NRAU sempre ressalvou que tal iniciativa não invalidava nem revogava a denúncia contratual exercida, relativamente à qual não havia sido imputado um único vício - cfr. documento único junto com a réplica apresentada nestes autos e a que na sentença estranhamente não se faz qualquer referência.
J - Ora, conjugando os argumentos constantes dos antecedentes nº 4 a 26 destas alegações, é por demais evidente que o teor da referida oposição seria julgado improcedente, com a consequente implementação coerciva do despejo do locado e o pagamento da indemnização mínima legal de 1 ano de renda, de valor extremamente reduzido, contra o que a Recorrente apenas poderia reagir mediante a interposição de recurso jurisdicional de apelação com efeito meramente devolutivo, conforme resulta do disposto no artº 15º Q do NRAU.
K - Foi precisamente este enquadramento jurídico que, aliado a condições vantajosas de natureza pecuniária e de implementação temporal dilatada no tempo no que respeita à entrega do locado, motivou e fez decidir a ora Recorrente pela concretização da transação de que estes autos dão notícia.
L - É de salientar que a dita transação judicial teve lugar no âmbito de um procedimento especial de despejo, que se destina a efectivar a cessação do arrendamento – artº 15º nº 1 do NRAU -, ou seja, que teve como principal escopo e finalidade a desocupação e a entrega coerciva do locado dos autos não voluntariamente devolvido pelo inquilino no termo do denunciado contrato de arrendamento – artº 15º D nº 1 a), 15º G nº 1, 15º J nº 1 e nº 3 do NRAU.
M -Em Setembro de 2014, quando a transação foi entre as partes ajustada, já a Recorrente se encontrava em mora na sua obrigação legal de devolução do locado há cerca de 9 meses, daí que ambas hajam acordado alterar o “timing” da produção de efeitos da cessação do arrendamento decorrente da exercida denúncia, de modo a que, em vez da inicialmente fixada data de 31/12/2013, passasse a constar a nova data de 31/10/2014, o que as partes concretizaram por via da referida transação, ou seja, posteciparam a produção de efeitos da cessação do contrato de arrendamento dos autos decorrentes da exercida denúncia de 31/12/2013 para 31/10/2014, acordaram numa moratória de 4 meses para a desocupação e entrega do locado e fixaram uma compensação no valor de € 50.000,00 decorrente da extinção do contrato, paga em duas prestações distintas, assim colocando termo ao litígio que as opunha, que era a subsequente devolução do locado e emergente de denúncia contratual motivada.
N - É certo que a transação judicial é o contrato pelo qual as partes terminam um litígio, transigindo sobre o objecto da causa mediante recíprocas concessões, encontrando-se a mesma sujeita à forma escrita, “in casu” em acta de diligência judicial, como condição da sua validade e eficácia – artº 220º e 248º nº 1 do Cod. Civil e artº 285º nº 2 e 290º nº 4 do Cod. Proc. Civil.
O – Todavia, as partes não declararam nessa transação que haviam considerado sem efeito a denúncia contratual exercida pela ora Recorrida, nem tão pouco que por via daquele compromisso haviam revogado o contrato de arrendamento que subjaz a estes autos com produção de efeitos em 31/10/2014, pois se fosse esse o sentido e o propósito dessa transação, então as partes teriam expressamente que o ter declarado por escrito, já que o acordo subjacente à revogação contratual tem de ser a tanto dirigido, com impõem os artº 1.080º e 1.082 do Cod. Civil, como normas imperativas que são.
P - Ou seja, por via da transação judicial e face ao enquadramento jurídico-factual vertido nos antecedentes nº 4 a 45 destas alegações, a Recorrente implicitamente reconheceu e aceitou a validade da denúncia contratual exercida pela Recorrida e por esta última jurisdicionalmente implementada por via do procedimento especial de despejo, embora tenham ambas acordado postecipar no tempo a sua eficácia de cessação do vínculo arrendatício, estabelecendo uma moratória para a devolução do locado e atribuindo à Recorrente uma quantia pecuniária compensatória por essa cessação contratual.
Q – O sentido e a interpretação que a Recorrente dá à transação é a correcta, porque tem total correspondência com o seu texto e igualmente corresponde à vontade das partes, demonstrável, aliás, por prova testemunhal pela A. Recorrente arrolada com a respectiva réplica se, para tanto, tal necessário se revelar, atento se tratar de um facto controvertido entre as partes.
R - A interpretação e o sentido forçados pelo Sr. Juiz “a quo” na sentença ora impugnada, no sentido de que as partes haviam transaccionado revogar o contrato de arrendamento “sub-judice”, não tem o mínimo de correspondência verbal com o texto da transação, que, de modo algum, se encontra imperfeitamente expresso, daí que essa decisão seja ilegal, por frontal violação do disposto nos artº 238 nº 1, 1080º e 1082º do Cod. Civil.
S – Na medida em que determinava a Lei à data em vigor - artº 1.103º nº 6 a) do Cod. Civil e artº 6º nº 1 a) do Dec. Lei nº 157/2006 de 8 de Agosto nas versões respectivamente introduzidas pelas leis nº 31/2012 e nº 30/2012, ambas de 14 de Agosto - que o exercício da denúncia contratual prevista no artº 1.101 b) do Cod. Civil obrigava o senhorio ao pagamento de uma indemnização correspondente a 1 ano de renda e sendo que a última renda paga pela ora Recorrente foi de € 494,17 – cfr, facto provado sob o nº3.1.23 na sentença recorrida – o valor da mencionada indemnização apenas poderia ascender, nos termos legalmente previstos, ao montante de € 5.930,04, de onde resulta que a quantia ajustada entre as partes foi cerca de 10 vezes superior àquele limite legal.
T – Salienta-se que foi a própria Recorrida quem, perante a pretensão indemnizatória de € 180.000,00 formulada pela Recorrente na respectiva carta de 02/07/2013 contrapropôs o pagamento de uma compensação no valor de € 20.000,00 em sede de exercício da denúncia contratual – cfr. factos provados nos nº 3.1.12 e 3.1.13 na sentença recorrida -, pelo que há que concluir-se que a indemnização de 1 ano de renda à data vigente constituía o limite mínimo legal que o senhorio se encontrava obrigado a pagar, caso exercesse a denúncia fundamentada na realização de obras de demolição ou restauro profundo, não estando, de modo algum, limitado ou impedido de acordar com o inquilino quantia superior àquela, pelo que aqueloutra indemnização legal não tem natureza injuntiva.
U - Este argumento do elevado montante da indemnização acordada não é, pois e de modo algum, decisivo para se caracterizar juridicamente a transação em causa como revogação do contrato de arrendamento dos autos, não tendo, aliás, qualquer peso ou influência nessa caracterização, pelo que também neste domínio mal andou o Sr. Juiz “a quo” ao ter decidido o caso como decidiu.
W - Em face do exposto, mantendo-se o contrato de arrendamento dos autos denunciado com o fundamento constante no artº 1.101º b) do Cod. Civil e tendo o mesmo cessado por essa causa e motivo em 31/10/2014, a Recorrida manteve-se obrigada a implementar, nos termos do artº 1.103 nº 9 do invocado diploma legal, as obras que determinaram e fundamentaram a referida extinção contratual no prazo de 6 meses após a desocupação e devolução do locado, sob pena de, não o fazendo, se ver legalmente obrigada a pagar à Recorrente a quantia de € 59.300,40 correspondente a 10 anos de renda a título de indemnização por inobservância dessa obrigação, conforme decorre do último dos invocados preceitos legais.
V - Trata-se, neste caso, de uma indeminização compensatória adicional a cargo do senhorio pela extinção de um contrato de arrendamento por via de uma denúncia motivada, cujo fundamento com base no qual a mesma foi exercida acabou, afinal, por se não verificar, ou seja, as obra de remodelação e restauro profundo que legalmente permitiram que o contrato fosse denunciado, acabaram por não ser executadas, pelo que por essa via igualmente se pune quem fazendo valer semelhante mecanismo legal acaba por não consumar aquilo a que se propôs.
X - No caso em apreço esta indemnização é mais do que justa, dado que a Ré, prevalecendo-se da referida denúncia para, prematuramente, terminar o vínculo arrendatício que a unia à A. apenas teve como objectivo essa única finalidade, já que nunca esteve no seu horizonte a execução de obras a que se propôs, pois o que efectivamente pretendia era obter para si o imóvel livre e devoluto, para posteriormente melhor o vender a a terceiro pelo elevado preço de € 7.900.000,00, como efectivamente veio a suceder e claramente resulta no doc. nº 23 da petição inicial.
Y - Estes autos deveriam, pois, ter prosseguido para apuramento da factualidade respeitante à inobservância desta obrigação legal e das suas consequências, pelo que ao ter diversamente decidido, o Sr, Juiz “a quo” violou o disposto no artº 1.103º nº 9 do Cod Civil, com esse fundamento devendo igualmente revogar-se a sentença ora jurisdicionalmente impugnada.
Z - Só litiga de má-fé, no que ao caso interessa, quem, dolosamente ou com negligência grave, tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar - artº 542º nº 2 a) do Cod. Proc. Civil.
AA – Segundo a interpretação jurídica da factualidade subjacente a estes autos e que resulta destas alegações, o que ocorreu na transação judicial alcançada no mencionado procedimento especial de despejo não foi uma revogação do contrato de arrendamento não habitacional do locado onde se localizava o estabelecimento comercial dos autos, mas apenas o reconhecimento de que a denúncia do mesmo potestativa e motivadamente exercida pela Ré ao abrigo do disposto nos artº 1.101º b), 1.103º e 1.110º do Cod. Civil havia produzido efeitos não em 31/12/2013, mas sim em 31/10/2014, já que a sua conversão em contrato de arrendamento com prazo certo ocorreu em momento temporalmente posterior à produção de eficácia da dita denúncia, circunstância aquela que não era, assim, apta a neutralizar uma cessação contatual com a apontada origem e fundamento, que já se havia anteriormente efectivado e produzido.
AB - Tendo o contrato de arrendamento dos autos cessado por ter sido denunciado com aquele fundamento, vinculada estava a Recorrida a realizar no locado as obras de demolição e remodelação total que originaram aquela cessação, sob pena de se ver constituída na obrigação suplementar de indemnizar a Recorrente com a quantia equivalente a 10 anos de renda ao abrigo do disposto no artº 1.103º nº 9 do Cod. Civil, que a Recorrente peticionou contra a Recorrida, absolutamente convicta que estava e que ainda continua a estar de que a essa compensação tem indubitavelmente direito.
AC -Desse modo, a formulação de semelhante pretensão foi convicta e devidamente fundamentada pela Recorrente do ponto de vista jurídico-factual, pelo que a mesma não tinha a mínima noção que inexistia fundamento para tanto que não devia ignorar, pelo que não só a Recorrente não formulou dolosamente aquele pedido, como tão pouco ao formulá-lo cometeu qualquer negligência grave, só podendo, assim e face ao exposto, concluir-se que a Recorrente não litigou nestes autos com qualquer má-fé, pelo que não poderia nem deveria ter sido como tal considerada a sua conduta processual e muito menos sujeitá-la ao pagamento de qualquer multa ao Tribunal e em indemnização à parte contrária.
AD - Ao ter inversamente decidido, o Sr. Juiz “a quo” violou o disposto no artº 542º nº 1 e nº 2 a) e 543 º do Cod. Proc. Civil, pelo que, com esse fundamento, deve igualmente ser revogada a sentença ora recorrida e substituída por outra decisão que absolva a Recorrente de semelhante infundada e iníqua condenação.
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que os(as) Srs(as) Juízes Desembargadores dessa Relação adequadamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar-se com os invocados fundamentos a sentença ora jurisdicionalmente impugnada, substituindo-se a mesma por outra decisão que absolva a Recorrente da iniqua e infundada condenação em multa e indemnização à parte contrária por litigância de má-fé e determine a baixa dos autos à 1ª Instância para aí prosseguir os seus ulteriores termos, designadamente para apuramento da factualidade respeitante à verificação dos pressupostos relacionados com a indemnização da Recorrida peticionada e com reporte à previsão no artº 1.103º nº 9 do Cod. Civil, com todas as devidas e legais consequências, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.
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A ré contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso foi interposto pela Autora, ora Recorrente, da douta sentença que julgou totalmente improcedente por não provada a ação interposta pela Autora, e da qual resultou a absolvição da Ré do pedido formulado contra si. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo;
b) Nos presentes autos suscita-se a questão jurídica de se saber se a Autora tem direito à indemnização a que alude o Artigo 1103º, nº 9, do Código Civil, bem como, caso a ação seja julgada procedente, impõe-se apreciar o pedido reconvencional e apurar se a Ré tem direito à compensação do valor que corresponde à indemnização que pagou à Autora, ora Recorrente, e valor que seria devido à luz da lei. Importa também verificar se a Autora litigou de má fé;
c) Analisadas as posições das partes, e toda a documentação junta aos autos, é manifesto concluir-se pela total razão que assiste à decisão recorrida, sendo cristalina a improcedência da ação, e do recurso, apresentados pela Autora. A postura da Autora nos presentes autos, o que se confirma com as Alegações agora apresentadas, não é mais do que uma tentativa da Autora em exercer um direito que não lhe assiste e tentar obter um enriquecimento ilícito à custa da Ré;
d) A Autora e a Ré, nos autos de procedimento especial de despejo que correu entre ambas, tinham posições manifestamente antagónicas, defendendo, a Ré, por um lado, a validade da denúncia do contrato de arrendamento, que no seu entendimento era de duração indeterminada, com o fundamento na execução de obras de reconstrução com demolições, remodelação e restauros profundos, as quais obrigariam à desocupação da loja arrendada, e defendendo a Autora, por outro lado, a invalidade da denúncia operada pela Ré na medida em que, no seu entendimento, estávamos perante um contrato de arrendamento com prazo certo e a duração de cinco anos;
e) Na data designada para o Julgamento do Procedimento Especial de Despejo, Autora e Ré lograram atingir um entendimento que pôs termo ao litígio entre as partes, tendo a referida transação homologada por sentença;
f) O acordo com que as partes entenderam pôr termo ao litígio não visou reconhecer a razão que assistia, ou não, a qualquer das partes, sendo o Acordo claro ao referir que as partes, simplesmente, entenderam revogar por acordo ao contrato de arrendamento mediante o pagamento de uma indemnização pela Ré à Autora, não tendo sido reconhecida pelas partes como válida a denúncia contratual operada pela Ré, com base no fundamento na execução de obras de reconstrução com demolições, remodelação e restauros profundos, nem foi reconhecida como válida a tese da Autora, de invalidade da denúncia operada pela Ré na medida em que, no seu entendimento, estávamos perante um contrato com prazo certo e a duração de cinco anos;
g) As relações contratuais entre as partes, e o procedimento especial de despejo, terminaram com a celebração da Transação atrás transcrita, e com o integral cumprimento das obrigações dela decorrentes, nomeadamente a revogação do contrato de arrendamento, aliás e como bem se entendeu na douta sentença recorrida:
h) A Autora, com a ação que intentou nos autos, e com a tese que sustenta no seu Recurso a que ora se responde, para além de retirar efeitos errados e inexistentes da Transação celebrada entre as partes, reconhece que, afinal, e porque agora lhe convém e dá jeito, foi válida a denúncia do contrato de arrendamento operada pela Ré, com fundamento na execução de obras de reconstrução com demolições, remodelação e restauros profundos;
i) A postura da Autora nos presentes autos é manifestamente contrária com o que a própria Autora havia defendido na Oposição que apresentou nos autos do procedimento especial de despejo. A Autora, com a ação que deu origem aos presentes autos, faz tábua rasa da Oposição que apresentou nos autos de Procedimento Especial de Despejo, tentando dessa forma extrair da Transação celebrada entre as partes conclusões erradas e abusivas. Pretendendo agora considerar válida a denúncia operada pela Ré e, assim, aplicar as regras legais relativas à denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas;
j) Autora e Ré revogaram de comum acordo o contrato de arrendamento em vigor. Não existiu qualquer denúncia ou caducidade do contrato de arrendamento. Foi unicamente uma revogação de comum acordo entre as partes. A Transação em causa não ficou sujeita a qualquer condição da Ré continuar com o projeto a que se havia proposto. Antes pelo contrário, a Ré, com a Transação em causa, e após análise de toda a situação relatada no seu requerimento e na oposição apresentada pela Autora, visou pôr termo ao processo e a qualquer tipo de relação, vínculo ou obrigação para com a Autora visando alcançar um acordo global com esta;
l) Aliás, se assim não fosse, a Ré não se proporia pagar à Autora a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de compensação pela cessação do contrato de arrendamento. Se fosse intenção das partes continuarem vinculadas às regras legais relativas à denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas, a Ré teria pago à Autora a indemnização então prevista na lei, ou seja o valor correspondente a um ano de renda (cfr. Artigo 6º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 157/2006 de 8 de Agosto, na redação então em vigor);
m) O valor correspondente a um ano de renda ascendia a € 5.930,04 (494,17 x 12), sendo que a Ré, nos termos da Transação celebrada, pagou à Autora o montante global de € 50.000,00, ou seja a Ré pagou à Autora mais € 44.069,96 do que a indemnização legalmente prevista para a denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas;
n) A Ré jamais celebraria a Transação atrás descrita, com o pagamento de um valor de indemnização muito superior ao legalmente previsto, se fosse para continuar vinculada a qualquer obrigação perante a Autora, nomeadamente aquelas que resultavam das regras legais relativas à denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas.
o) Sendo certo que, se por hipótese remota e impossível de imaginar, fosse a Ré obrigada a pagar à Autora a indemnização peticionada nos autos, ou seja aplicando-se, afinal, à relação das partes, as regras legais relativas à denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas, a Autora teria então também de devolver à Ré o montante atrás referido de € 44.069,96 que a Autora recebeu a mais a título da indemnização legalmente prevista, compensação que a Ré invocou, em sede de contestação para todos os devidos e efeitos legais, e sustentou o pedido reconvencional que apresentou nos autos. Assim, e apenas e só no caso de ser reconhecida razão à Autora no pedido que apresenta nos presentes autos, deverá, de igual modo, a Autora ser condenada a pagar à Ré a quantia de € 44.069,96, operando-se a competente compensação sobre o crédito que, eventualmente, venha a ser reconhecido à Autora;
p) Fundamenta a Autora o pedido no facto de, alegadamente, a Ré não ter iniciado a obra a que se havia proposto no prazo de seis meses contados da data em que a Autora desocupou a loja arrendada.
q) A Autora entregou o local arrendado à Ré no dia 5 de Fevereiro de 2015, sendo que nesse dia 5 de Fevereiro de 2015 já a Ré tinha começado as obras e respetivos procedimentos destinados à construção do seu projeto urbanístico. Na verdade, em Fevereiro de 2015, e conforme resulta da Petição Inicial e dos documentos juntos com a mesma, estava pendente, na Câmara Municipal de Lisboa, o processo de licenciamento com o nº 720/EDI/2011, que tinha por objeto, além do mais, as obras a executar na Loja em causa nos presentes autos;
r) Conforme sustenta, e bem, a Autora na sua Petição Inicial, e resulta do documento nº 19 junto à mesma, «em 06/11/2014 a Ré havia requerido à Câmara Municipal de Lisboa a prorrogação por 12 meses do prazo para a emissão do alvará de licença de obra referente ao mencionado processo nº 720/EDI/2011, com fundamento no atraso devido a trabalhos preliminares de natureza arqueológica acompanhados pela DGPC e pela CML, que impediram o inicio da obra de acordo com o previsto» (o sublinhado é nosso);
s) Os trabalhos preliminares de natureza arqueológica executados pela Ré, acompanhados pela Direção Geral de Património Cultural e pela Câmara Municipal de Lisboa, faziam, e fazem, parte integrante e eram, e são, condição fundamental para a aprovação do projeto urbanístico que a Ré tinha previsto executar nos prédios urbanos atrás identificados;
t) É, assim, manifesto que, ainda que, por mero raciocínio académico, pudéssemos aplicar ao caso dos presentes autos as regras legais relativas à denúncia dos contratos de arrendamento para execução de obras de remodelação profundas, não tem a Autora qualquer direito a ser indemnizada, pois a Ré, logo após ter tomado posse da loja anteriormente arrendada à Autora, iniciou os trabalhos preliminares de natureza arqueológica fundamentais e parte integrante das obras e do projeto urbanístico em curso.
u) Na douta sentença recorrida entendeu-se, e bem, condenar a Autora como litigante de má fé, pois é manifesta a litigância de má fé da Autora nos presentes autos, bem sabendo a Autora que os factos por si alegados não têm qualquer cabimento legal ou factual;
v) A Autora alega que tem um direito resultante de um procedimento especial de despejo quando, nesse mesmo procedimento, e conforme resulta de forma clara do documento nº 1, junto com a contestação, agiu de forma completamente contrária aquilo que agora tenta defender. A Autora com os presentes autos visa apenas tentar extorquir da Ré uma indemnização que sabe perfeitamente que não tem direito. Assim, a Autora não só deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignora, como também está a fazer do presente processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e de entorpecer a ação da justiça. Pelo que é forçoso concluir que a Autora litiga de má fé nos termos previstos no artigo 542º do Código de Processo Civil;
NESTES TERMOS,
E nos mais de direito, deverá o recurso apresentado pela Autora, ora Recorrente, ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida com todas as legais consequências. Caso assim não se entenda deverá ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional, e reconhecido à Ré um crédito sobre a Autora no valor de € 44.069,96, operando-se a competente compensação sobre o crédito que, eventualmente, venha a ser reconhecido à Autora;
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- A admissibilidade, no caso, de prolacção de decisão de apreciação do mérito em sede de despacho saneador.
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III. Os factos
Receberam-se, da primeira instância, o seguinte elenco de factos provados:
3.1.1. O prédio urbano sito na Rua ­…, encontrava-se inicialmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .. da freguesia de … e inscrito na correspondente matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo matricial n.º …. 
3.1.2. Pela Ap. 9 de 2003/02/27 foi inscrita a aquisição do referido imóvel a favor da Companhia de Seguros C por compra ao Fundo de Pensões do Grupo BCP. 
3.1.3. A Companhia de Seguros C unificou o prédio urbano sito na Rua…, o que originou a nova descrição predial nº … da referida freguesia, que se encontra inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº …da freguesia de …. 
3.1.4. A Ré está matriculada sob o NIPC…. 
3.1.5. Pela Ap. 135/20161230 foi inscrita a alteração da denominação da Ré de Companhia de Seguros C… para B. 
3.1.6. A 01 de Julho de 1917, a Companhia de Seguros D, na qualidade de senhorio e a A., na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 30-31, denominado “ Titulo de arrendamento”, que “ contratam entre si o arrendamento da loja do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua …, com inicio no dia 1 de Julho de 1917, pelo prazo de seis meses, sucessivamente renovável por igual prazo, mediante o pagamento da renda de 40$00 por mês. 
3.1.7. Por despacho proferido pelo Vereador do pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, a 03/08/2012, no âmbito do processo n.º 720/EDI/2011, foi aprovado o projecto de arquitectura referente à obra de alteração do prédio sito na Rua … em Lisboa,, com mudança de uso para instalação de um hotel de 3 estrelas de cadeia “…”, a dotar de uma capacidade máxima de 140 camas distribuídas por 70 unidades de alojamento de quarto duplo, previamente requerido pela Ré, então denominada Companhia de Seguros C. 
3.1.8. A Ré endereçou à A., que a recebeu, a carta junta por cópia a fls.32, datada de 27 de Maio de 2013, com o seguinte teor:
“ Fazemos referência ao contrato de arrendamento que tem por objecto a fracção autónoma correspondente á loja com os números 27 a 31 do prédio urbano sito na Rua…, da qual a Companhia de Seguros C é a proprietária e senhoria, e V.Exas os respetivos inquilinos.  Atento o facto de o contrato de arrendamento referido no parágrafo anterior ter sido celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275/95, de 30 de Setembro, vimos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 50º da ei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, doravante (…) NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, comunicar a V. Exas. o seguinte:  1 – Ser intenção da C que o referido contrato transite para o regime do NRAU;  2 – Propor a V.Exas. que o mesmo contrato passe a ser de prazo certo com a duração de cinco anos;  3 – Propor a V.Exas que o valor da renda mensal actualmente de € 114,00 (…) passe a ser de € 494,17 (…)  Mais informamos que a presente comunicação não invalida, nem revoga, qualquer outra destinada á denúncia do contrato de arrendamento com o fundamento de realização de obras de demolição e de remodelação profundas.”
  3.1.9.  A Ré endereçou à A. a carta junta por cópia a fls. 48-51, datada de 03 de Junho de 2013, cujo integral teor se dá aqui integralmente por reproduzido, ali constando nomeadamente o seguinte:  “ A Companhia de Seguros C (…) é a proprietária dos seguintes prédios (…):  UM: prédio urbano sito em …;  DOIS: Prédio urbano sito em … (…)  Por contrato de arrendamento, celebrado no dia 1 de Julho de 1917, assumiram V. Exas o arrendamento da loja com os números 27 a 31 da loja da Rua de… inserida no prédio identificado no ponto um do parágrafo anterior.  Os prédios encontram-se ligados funcionalmente no seu interior e encontramse afectos o uso terciário – escritórios – com comércio ao nível do piso térreo, tendo sido objecto de um pedido de licenciamento de alteração (…) com a finalidade der neles instalar uma unidade hoteleira (…) aprovado por despacho de 3 de Agosto de 2012 (…).  (…)  Desta forma, os prédios serão sujeitos a uma nova organização funcional e estrutural, ou seja, serão completamente reformulados, adaptados e afetos à instalação de uma unidade hoteleira. (…) A operação urbanística em causa, que terá por objecto dos préidos, implicará a execução de obras de reconstrução com demolições, remodelação e restauros profundos, as quais obrigam a uma total desocupação de todos os espaços, divisões, fracções, andares e lojas que se encontram ou venham a encontrar ocupados e/ou arrendados nos prédios, onde se inclui o espaço arrendado a V.Exas.  Para além da futura funcionalidade ser incompatível com qualquer uso similar ao presente, a operação urbanística em causa determinará que os prédios em geral, e o espaço arrendado a V.exas em particular, passem a ter uma estrutura diferente a actual, com uma distinta distribuição do espaço, sem correspondência ou equivalência com a presente, o qua igualmente justifica e determina a total desocupação de todas as divisões, fracções, andares e lojas que se encontrem ocupadas e/ou arrendadas nos prédios.  Quanto ao espaço arrendado a V.Exas, para além do seu uso futuro como sala de reuniões não corresponder ao actual, será promovida uma demolição integral dos atuais revestimentos, tetos e de algumas paredes, serão removidos os pavimentos, será feito um reforço das correspondentes estruturas, será feito o assentamento de pavimentos, todas as infraestruturas existentes (…) serão totalmente removidas com vista à instalação de novas infraestruturas afetas ao serviço da futura unidade hoteleira, serão executadas novas compartimentações e correspondentes acabamentos…  (…)  Deste modo, e pelos motivos atrás expostos, vem a CST, através da presente comunicação, ao abrigo do disposto nos artigos 1101º, alínea b), e 1103º, n.º 11 do Código Civil e do disposto nos artigos 1º, 6º, 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, todos por aplicação do artigo 1110º n.º 1 do Código Civil, proceder à denúncia do contrato de arrendamento que tem por objecto a loja com os números 27 a 31 da Rua …  A denúncia produzirá efeitos no dia 31 de Dezembro de 2013, data limite para a entrega do espaço arrendado livre e devoluto de pessoas e bens….  Os fundamentos da denúncia são a realização das obras de demolição e de remodelação profundas atrás referidas, as quais obrigam, conforme igualmente atrás referido, à desocupação do espaço arrendado a V.Exas.  (…)  Tendo em vista a obtenção de um acordo, o qual poderá traduzir-se no pagamento de uma indemnização correspondente a um ano de renda, ou no realojamento de V.Exas, solicitamos a presença de V.exas no escritório do nosso Advogado…  (…)”
3.1.10. A A. endereçou à Ré, que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 34, datada de 27 de Junho de 2013, com o seguinte teor:  “ 1 - Com reporte à v/carta datada de 27 de Maio p.p., que recepcionámos a 29 desse mês e tendo em consideração que a proposta de actualização da renda de € 114,00 para € 494,17 se contém nos limites mínimos previstos para o efeito nos art.ºs 35º n.º 2 a) e b), 51º n.º 4 a) e 54º n.º 1 do NRAU, somos pela presente e ao  abrigo do disposto no art.º 51º n.º 3 alínea a) do invocado diploma legal, a aceitar a proposta nova renda, respeitante ao contrato em epígrafe que, assim, passará a ser devida a partir do próximo dia 1 de Agosto…  2 – No tocante à proposta transição do contrato de arrendamento em epigrafe para o NRAU e na medida em que V. Exas. se encontram dispostos a aceitar um prazo certo de 5 anos, que se contem dentro do limite mínimo de prazo de vigência previsto no art. 54º n.º 1 do invocado diploma legal, somos igualmente pela presente missiva e ao abrigo do disposto no art.º 51º c) do NRAU a manifestar o n/expresso acordo a essa vossa pretensão.  (…)”
 3.1.11. A Ré endereçou à A., que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 36, datada de 02 de Julho de 2013, com o seguinte teor:  “ (…)  Temos presente a carta de V.Exas de 27 de Junho de 2013, cumprindo-nos referir o seguinte: i) O contrato de arrendamento passa a ter o prazo de cinco anos, com inicio no dia 1 de Agosto de 2013 e termo no dia 31 de Julho de 2016; ii) O valor da renda a partir de Agosto de 2013 (…) passa a ser de € 494,17 (…)” (…)”
 3.1.12. A A. endereçou á Ré, que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 5455, datada de 02 de Julho de 2013, cujo integra teor se dá aqui por reproduzido e onde consta, nomeadamente, o seguinte:  “ Na sequência e em cumprimento do acordado na n/reunião conjunta de 25 do corrente (…) somos pela presente, na n/qualidade de inquilina da loja n.º 27/31 da Rua …, a formular uma contraproposta referente à denúncia do contrato de arrendamento em epigrafe, que V.Exas nos comunicaram como Senhoria através da v/carta de 3 de Junho p.p..  (…)  É por demais evidente que a indemnização legalmente prevista de 1 ano de rendas é manifestamente insuficiente para nos compensar da rude perda e dos elevados prejuízos que não deixaremos de sofrer com a perda do locado em preço.  Nesta conformidade e atento (…) o exposto, entendemos que só ficaremos devidamente compensados, embora parcialmente, de tais perdas com a atribuição de uma indemnização que se situa em € 180.000,00.  Em alternativa, encaramos como viável o realojamento do nosso estabelecimento comercial numa das lojas de que V.Exas. são proprietários no imóvel situado na Rua dos Fanqueiros e fronteiro à intersecção com a Rua de …  Claro está que esta solução de realojamento apenas será viável se a renda a cobrar por V.Exas for razoável (…), nomeadamente a celebração de um arrendamento com um prazo de, pelo menos, 10 anos de vigência, suportando V.Exas os custos de adaptação do espaço ao (…) estabelecimento e da mudança a efectuar do actual para o novo locado.
(…)”  3.1.13. A Ré endereçou à A., que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 56, datada de 18 de Novembro de 2013, com o seguinte teor:  “Fazemos referência ao assunto acima referido [ Denúncia contrato de  arrendamento – Loja 27/31 da Rua de … ] e à carta de V.Exas de 12 do correte, que agradecemos…  Cumpre-nos informar que a Companhia de Seguros C (…) mantém a proposta apresentada, ou seja, o pagamento da quantia de € 20.000,0 pela extinção do contrato de arrendamento em vigor.  Caso a referida proposta não seja aceite, nada mais restará à C senão recorrer aos meios judiciais no sentido desta situação ser resolvida.  (…)”
3.1.14. A Ré, ainda denominada Companhia de Seguros C intentou no Balcão Nacional do Arrendamento um procedimento especial de despejo, nos termos que melhor constam de fls. 61-63 que aqui se dão integralmente por reproduzidos, com fundamento na denúncia do contrato pelo senhorio.
3.1.15. A aqui A. deduziu oposição ao referido procedimento, nos termos que melhor constam de fls. 196-202, que aqui se dão integralmente por reproduzidos, ali invocando, nomeadamente, o seguinte:  - em virtude da correspondência referida nos pontos 3.1.8., 3.1.10. e 3.1.11. supra, “o contrato de arrendamento dos autos ficou submetido ao NRAU, de acordo com a natureza contratual e a duração acordados, por força do disposto no art.º 31º n.º 7 a) aplicável ex vi do art.º 51º n.º 7 a), ambos do NRAU (…)” ( art.º 15º);  - “ o contrato de arrendamento dos autos se converteu em contrato com prazo certo de 5 anos, tendo, por conseguinte, deixado de ser de duração indeterminada” ( art.º 16º);  - “a faculdade de denúncia do arrendamento para realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obrigam à desocupação , do local, que fundamenta este procedimento especial de despejo previsto no artigo 1101º b), aplicável in casu "ex-vi" do artigo 1110º, n.º 1 "in fine", ambos do Código Civil, apenas é susceptível de ser accionada e exercida se o respetivo contrato for de duração indeterminada” ( art.º 17º );  - “assim sendo e tendo-se o contrato de arrendamento dos autos convertido em prazo certo, não é legalmente possível à Requerente denunciá-lo com o apontado fundamento” ( art.º 18º );  - “por conseguinte o presente procedimento especial de despejo deve ser julgado improcedente e a Requerida absolvida do correspondente pedido” ( art.º 19º);  - na sequência da correspondência referida nos pontos 3.1.9., 3.1.12. e 3.1.13. supra, “ não se verificou acordo quanto à revogação antecipada do contrato de arrendamento dos autos para fins não habitacionais com prazo certo de 5 anos, que vigora desde 1 de Agosto de 2013 e que somente terminará em 31/07/2018, se à renovação do respectivo prazo a requerente nãos e opuser por escrito até 31/07/2017 “ (art.º 32º);  - “deste modo, a denúncia do contrato de arrendamento dos autos com o apontado fundamento formulada pela requerida não surtir qualquer efeito” ( art.º 33º);  - “ pelo que este procedimento especial de despejo deve improceder “ ( art.º 34º );  - “ se continua a ser pretensão da Requerente extinguir o arrendamento “subjudice”, terá a mesma de o acordar com a requerida (…) e de com ela negociar uma justa compensação pelos danos emergentes e lucros cessantes que esta inevitavelmente sofrerá em função dessa extinção contratual” (43º);  - “os quais, no caso em apreço, não se encontram delimitados à compensação equivalente a 1 ano de renda previsto no art.º 1103º n.º 6 a), aplicável ex vi art.º 1110º n.º 1, ambos do Código Civil e no art.º 6º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, dado que o quadro contratualmente eficaz e em vigor entre as partes, por ser de prazo certo, não se subsume nas apontadas previsões legais” ( art.º 44º).
3.1.16. Foi o referido Procedimento Especial de Despejo distribuído ao 6º Juízo Cível da Comarca de Lisboa sob o n.º 2075/14.6YLPRT, tendo posteriormente sido distribuído ao J … da Secção Cível da Instância Local da Comarca de….
 3.1.17. A 23 de Setembro de 2014 realizou-se a audiência de julgamento, cuja acta se encontra fotocopiada a fls. 65-67, onde consta o seguinte:   “ Cerca das 15.07 horas reaberta a audiência (…), os Ilustres Mandatários das partes pediram a palavra, no uso da qual disseram terem as partes chegado a acordo sobre o objecto do presente litigio, nos termos da seguinte     
Transacção
1. O contrato de arrendamento dos autos cessa os seus efeitos em 31.10.2014;
 2. A Requerente concede à Requerida uma moratória de três meses com início em 1.11.2014 e termo em 31.01.2015, para que esta lhe entregue o locado dos autos, não sendo devida renda ou qualquer outra compensação por este período de três meses;
3. A Requerida compromete-se a entregar à Requerente até 31.01.2015 o locado dos autos, contra o pagamento de uma compensação que ora se fixa em € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
4. Esta ora acordada quantia será paga pela Requerente à Requerida nas seguintes duas prestações:  a) A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) até dia 7.10.2014;  b) A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) na data da entrega do locado que supra se acordou;  c) A primeira prestação acordada será paga através de cheque a enviar para o escritório do Ilustre Mandatário da Requerida;  d) A segunda prestação acordada será paga no acto da entrega do imóvel, também por cheque;
5. Caso o espaço arrendado não seja entregue pela Requerida à Requerente até ao dia 31.01.2015, fica a Requerida obrigada a pagar à Requerente uma quantia no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada semana de atraso até à efectiva entrega do espaço em causa; 
6. A Requerente compromete-se a construir uma parede que encerre a divisão existente entre o espaço em causa nos presentes autos, sito nos nºs 27 a 31 da Rua …, eo espaço sito no prédio vizinho (nº 25 da Rua …), este que continuará a ser utilizado pela Requerida no âmbito de outra relação de arrendamento;
7. A construção de parede a realizar como se indica na cláusula 6ª, será efectuada nos quinze dias posteriores à entrega do locado à Requerente; 
8. Custas iguais proporções por requerente e requerida, prescindindo das de parte incluindo a procuradoria;
9. O Ilustre Mandatário da requerente protesta juntar procuração com podres especiais no prazo de cinco dias”. 
3.1.18. A referida transacção foi homologada por sentença de 07/10/2014, já transitada e julgado.
3.1.19. A 07/10/2014 a Ré entregou à A. o cheque nº 5318451102 sacado sore o … nessa data pelo valor de € 25.000,00, correspondente à 1ª das acordadas prestações da ajustada indemnização, de que a A. deu quitação.
 3.1.20. A 05/02/2015 a Ré e a A. acordaram prorrogar a entrega do locado dos autos até 05/02/2015.
3.1.21. A 05/02/2015 a A. entregou o locado à Ré.
3.1.22. Na referida data a Ré pagou à A.  a segunda e última prestação de € 25.000,00 respeitante ao remanescente da indemnização acordada, através do cheque nº 8918614737 sacado sobre o ….
 3.1.23. A última renda mensal paga pela A. à Ré foi no valor de € 494,17.
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IV. O Direito
A fundamental, questão deste recurso será a admissibilidade, no caso, de prolacção de decisão de apreciação do mérito em sede de despacho saneador.
Temos para nós que o conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não tendo em vista apenas a partilhada pelo juiz da causa.
Assim, a exemplo do que sucedia no anterior art. 511º do Código de Processo Civil, o juiz, ao identificar o objecto do litígio e ao fixar os temas da prova (art. 596º do mesmo Código), deve (continuar a) seleccionar para a matéria de facto (para os temas da prova), aquela que seja relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Nesta conformidade, “…o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito: ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. De maneira que se os elementos fornecidos pelo processo não justificarem essa antecipação, o processo deve prosseguir para a fase da instrução, realizando-se a apreciação do mérito na sentença final”, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 2-07-2013, publicado em www.dgsi.pt.
Na verdade, “… quando o juiz coloca a si próprio a questão de saber se tem, efectivamente, condições para conhecer do mérito da causa, no despacho saneador, o mais frequente é ser duvidoso o sentido da resposta. Quer dizer, poucos serão os processos em que, na fase intermédia, o juiz pode, claramente, concluir que todos os factos alegados estão provados ou não provados… Por outro lado, esta dificuldade é agravada pela perspectiva de a questão de direito poder ter mais do que uma solução, implicando que o relevo dos referidos factos (ainda que controvertidos) varie em função desta ou daquela solução jurídica…”, citando Paulo Pimenta, in “Processo civil declarativo”, págs. 256/7.
Assim, por uma questão de cautela, e para esse efeito, o Juiz deverá usar um critério objectivo, isto é, tomando como referência indicadores que não se cinjam à sua própria convicção acerca da solução jurídica do problema, como nos referem  Paulo Pimenta, ob. cit. e Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 186.
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Ora, no caso dos autos o Exmo. Juiz a quo considerou:
Aqui chegados verifica-se, desde logo, que muito embora a aqui Ré tenha declarado a denúncia do contrato, a aqui A. não só não a aceitou, na medida em que não desocupou o locado no prazo que foi assinado pela Ré, como, tendo esta intentado procedimento especial de despejo, deduziu oposição ao mesmo, invocando, em síntese, que em virtude da correspondência referida nos pontos 3.1.8., 3.1.10. e 3.1.11. supra, o contrato de arrendamento tinha deixado de ser de duração indeterminada, para passar a ser de prazo certo com 5 anos, só cessando a 31/07/2018 e que “se continua a ser pretensão da Requerente extinguir o arrendamento “sub-judice”, terá a mesma de o acordar com a requerida (…) e de com ela negociar uma justa compensação pelos danos emergentes e lucros cessantes que esta inevitavelmente sofrerá em função dessa extinção contratual” (43º)”, “os quais, no caso em apreço, não se encontram delimitados à compensação equivalente a 1 ano de renda previsto no art.º 1103º n.º 6 a), aplicável ex vi art.º 1110º n.º 1, ambos do Código Civil e no art.º 6º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto…”
Ora, foi precisamente o que sucedeu in casu, já que existindo um litigio entre as partes quanto à cessação do contrato de arrendamento por denúncia da aqui Ré, as partes puseram termo ao mesmo, nos termos da transacção referida supra, tendo ficado a constar da acta que “os Ilustres Mandatários das partes pediram a palavra, no uso da qual disseram terem as partes chegado a acordo sobre o objecto do presente litigio, nos termos da seguinte Transacção..” 
Significa isto, em primeiro lugar que o pressuposto da transacção não foi a denúncia do contrato com o fundamento na alínea b) do art.º 1103º do CC e portanto e muito menos ( como afirma a A. ) que a Ré ia implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, mas o litigio quanto a essa denúncia e, concretamente, quanto ao facto de a mesma ser ou não aplicável in casu, sendo certo que não houve, antes da transacção, qualquer decisão judicial a validar ou invalidar aquela denúncia. 
Em segundo lugar, importa referir que nos termos do art.º 1248º n.º 1 do CC “transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões “ e que, nos termos do disposto no art.º 1250º, “sem prejuízo do disposto em lei especial, a transacção preventiva ou extrajudicial deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, quando dela possa derivar algum efeito para o qual uma daquelas formas seja exigida, e de documento escrito, nos casos restantes.” 
No caso a transacção foi celebrada em sede de processo judicial, pelo que há que atender ao que dispõe o art.º 290º do CPC e que é: n.º 1 - a transação pode fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo; n.º 4 – a transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz; em tal caso, limita-se este a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos.
Daqui decorre que a transacção é um negócio formal, pelo que tem plena aplicação o disposto no art.º 238º n.º 1 do CC: nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Em parte alguma do texto da transação se encontra uma declaração unilateral da Ré a denunciar o contrato e a sua aceitação pela aqui A., ou qualquer referência à comunicação da denúncia efectuada pela aqui Ré pela carta referida no ponto 3.1.9.  e uma declaração da aqui A. a reconhecer eficácia a essa denúncia.
 É certo que também não consta qualquer qualificação do acordo em causa como “revogação”. 
Porém, tal facto não tem qualquer relevância, já que se trata de matéria de Direito e, como dispõe o art.º 5º n.º 3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
O que resulta da transação é que as partes, ajustaram entre si, que “ O contrato de arrendamento dos autos cessa os seus efeitos em 31.10.2014”, o que, tendo em consideração as supra referidas figuras de cessação do contrato, só pode ser qualificado como revogação e nunca como denúncia, ao contrário do que afirma a A..
 Note-se que, como refere Pedro Romano Martinez, in ob. cit., pág. 55, nada impede que as partes recorram à revogação para fazer cessar um contrato que, não fora esta atitude das partes, poderia cessar por resolução ou denúncia. Frequentemente, verificados os pressupostos de outra forma de cessação do contrato, em vez de este ser denunciado ou resolvido, as artes chegam a acordo quanto à extinção, revogando o contrato.
Por outro lado, e como referido supra, consoante a vontade das partes, o acordo revogatório pode produzir os seus efeitos – a extinção do vinculo - imediatamente após a sua celebração ou em momento posterior, extinguindo-se na data acordada pelas partes.
Foi o que sucedeu in casu, já que o acordo revogatório é de 23 de Setembro de 2014, mas as partes acordaram na entrega do locado a 31.01.2015., tendo posteriormente acordado que essa entrega viria a ter lugar a 05.02.2015., o que veio efectivamente a suceder – pontos 3.1.21. e 3.1.22.
Finalmente e como sugeria a aqui A. na sua oposição – a extinção teria de ser negociada entre as partes, teria de haver lugar a uma compensação por essa extinção e essa compensação não tinha relação com a “compensação equivalente a 1 ano de renda previsto no art.º 1103º n.º 6 a), aplicável ex vi art.º 1110º n.º 1, ambos do Código Civil ….” – as partes ajustaram que a aqui A. comprometia-se a entregar à aqui A. o locado até 31.01.2015, contra o pagamento de uma compensação de € 50.000,00, o que veio efectivamente a suceder já que a Ré pagou a indemnização acordada em duas prestações – uma a 07/10/2014, como resulta do ponto 3.1.19. e outra a 05/02/2015, como resulta do ponto 3.1.22.. 
No caso e tendo em consideração que a última renda mensal paga pela A. à Ré foi no valor de € 494,17 ( ponto 3.1.23.), caso se estivesse perante uma denúncia nos termos legais, a A apenas teria direito a uma indemnização de € 5.930,04, pelo que como sugeria a aqui A. não há qualquer relação com a compensação que foi paga.
Finalmente, não consta da transação qualquer menção de que a transacção tem como pressuposto que a Ré ia efectivamente implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, que obrigavam à desocupação do locado.
E é absolutamente irrelevante, para efeitos do disposto no art.º 1103º n.º 9 do CC que, eventualmente, a A. tenha cogitado, única e exclusivamente para si, que aquele era o pressuposto.
Tendo em consideração todos estes elementos, é manifesto que o contrato de arrendamento dos autos não se extinguiu por denúncia, mas por revogação, pelo que não se verificam o pressuposto base da indemnização a que se refere o n.º 9 do art.º 1103º e, nestes termos, a presente acção deve improceder.
*
O contrato de transacção, previsto e tipificado no artº 1248º do Cód. Civil envolve, necessariamente, a verificação de recíprocas concessões, como forma de solucionar uma situação de controvérsia.
No contrato de transacção, ambos os outorgantes devem sacrificar parte das suas pretensões, resultantes da constituição de anteriores rela-ções jurídicas (aliquid datum aliquid retentum) ( Sobre a essencialidade deste elemento do contrato de transacção, vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol. II, pág. 931, da 4ª ed., da Coimbra Editora, RODRIGUES BASTOS, em “Notas ao Código Civil”, vol. IV, pág. 343, da ed. de 1995, do Rei dos Livros, FRANCESCO GALGANO, em “Diritto civile e commerciale”, vol. 2º, tomo 2º, pág. 260-261, da 4º ed., da Cedam.).
Diferente será a situação em que os outorgantes apenas têm o ânimo de pôr termo a um estado de incerteza sobre a situação real duma relação jurídica anteriormente constituída, fixando os seus termos actuais, nomeadamente determinando o montante ainda em dívida.
Neste caso estamos perante um contrato atípico, que a doutrina e a jurisprudência italiana apelidam de “contratto di accertamento” ( Vide neste sentido PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol. II, pág. 931, da 4ª ed., da Coimbra Editora, SANTORO PASSARELI, na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1956, pág. 4-7, e FRANCESCO GALGANO, em “Diritto civile e commerciale”, vol. 2º, tomo 1º, pág. 247-248, da 4º ed., da Cedam.
Sobre este contrato atípico na doutrina italiana, podem ler-se GIORGIANNI, em “Il negozio di acertamento”, ed. de 1939, da Giuffrè, D’ AMBROSIO, em “Il negozio di acertamento”, ed. de 1996, da Giuffrè, e PAOLINI, em “Il contrato di accertamento”, ed. de 1998, da Cedam.).
Com este contrato, as partes não constituem novos direitos, nem modificam ou extinguem direitos já existentes, limitando-se a precisar o conteúdo de direitos já constituídos, de modo a resolverem extrajudicialmente situações de dúvida.
É cedo para qualificar o contrato celebrado, mas não pudemos deixar de chamar a atenção para a distinção.
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No que concerne à interpretação dos contratos, os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria são os seguintes:
- A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário - artº 236, nº2 do Código Civil;
- Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (teoria da impressão do destinatário) - artº 236, nº1 do mesmo Código;
- Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto - artº 238, nº1 do citado Código; dito doutra forma: para que possa valer, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a garantia prestada;
- O sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade - artº 238º, nº2, sempre do Código Civil.
Estas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes.
E o que basicamente se retira do referido artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor).
A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) – cfr. Ac. do STJ de 28.10.97, BMJ 470, 597.
Há que imaginar - escreve Paulo Mota Pinto em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.
Ainda segundo este mesmo autor, “… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”.
Importa por fim acrescentar que estando-se no caso sub judice em presença dum contrato, e dum contrato tipicamente sinalagmático, há que atender, simultaneamente, às declarações de ambas as partes porque ambas são, também simultaneamente, declarante e declaratário (neste sentido, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, II, 2ª edição, pág. 435).
Tudo isto significa em termos práticos que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte e colocar um declaratário ideal (normal) na posição de declaratário real.
*
No caso dos autos, alega a autora, para fundar a sua demanda e com referência aos artigos da petição inicial:
51º
Essa transação foi alcançada no âmbito de um procedimento especial de despejo movido com fundamento nas disposições legais invocadas no precedente art.º 43.º desta petição,
52º
e teve como pressuposto que a aqui Ré ia efectivamente implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, que obrigavam à desocupação do locado,
53º
caso contrário nunca lhe seria legalmente possível denunciar o contrato de arrendamento em causa, por manifesta falta e ausência de fundamentos bastantes para tal.
54º
Foi apenas nesse pressuposto que a A. ali aceitou transaccionar nos temos em que o fez.
Acrescentando, em sede de réplica:

Conforme resulta do alegado pela A. nos artº 10º a 23º da respectiva petição e da factualidade invocada pela Ré nos artº 9º a 17º e 28º a 31º da sua contestação, não há dúvidas que as partes se encontram de acordo em considerar que a aqui demandada accionou a demandante em sede de procedimento especial de despejo, por via do qual pretendia a confirmação da denúncia, com fundamento na realização de obras de demolição, restauro profundo e remodelação, que havia efectuado do contrato de arrendamento do locado dos autos que, então, as unia, assim como obter a respectiva devolução coerciva.

A A. reconhece que, efectivamente, se opôs a semelhante pretensão com fundamento nos argumentos alinhados no articulado que a Ré juntou sob o doc. nº 1 com a sua contestação,
10º
designadamente que a denúncia contratual não era exercível, porque o contrato de arrendamento havia, com o acordo de ambas as partes, transitado para o NRAU, com a determinação de um prazo certo de vigência de 5 anos.
Porém,
11º
quer a proposta datada de 27/05/2013 de transição do contrato de arrendamento para o NRAU com fixação de prazo certo e aumento de renda, quer a sua aceitação final datada de 02/07/2013 formuladas pela aqui Ré, sempre foram pela mesma efectuadas sob reserva e sem prejuízo da denúncia contratual com fundamento na realização de obras de demolição e de remodelação profundas do imóvel – cfr. doc. nº 3 e 5 da petição
12º
Assim sendo, aquele fundamento de oposição invocado pela aqui A. era frágil e periclitante,
13º
o que a Ré não deixou de salientar e invocar no nº 4 do requerimento que, no invocado processo, submeteu a Juízo em 13/08/2014, a propósito da pronúncia sobre a força probatória dessas comunicações – doc. nº 1
14º
Foi, pois, ponderando essa fragilidade de fundamentos que a aqui A. aceitou transigir naquele procedimento, nos termos e com o teor que consta do doc. nº 11 da petição.
15º
Incentivador para a A. da aceitação dessa transação foi também o montante compensatório então ali acordado com a aqui Ré.
16º
Recorde-se que, nos termos da Lei, a A. apenas teria direito, no máximo, a ser indemnizada pela denúncia do contrato de arrendamento com 1 ano de renda no valor de € 5.930,00 (€ 494,17 x 12 meses) – (artº 1.103º nº 6 a) e nº 7 do NRAU na versão introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto).
17º
No entanto, a título de compensação por essa denúncia contratual com os invocados fundamentos a A. pretendia receber a quantia de € 180.000,00, conforme resulta do nº 8 da sua carta datada de 02/07/2013 – cfr. doc. nº 8 da petição -,
18º
sendo certo que a Ré, então, só aceitava compensá-la com a quantia de € 20.000,00, conforme resulta da respectiva carta data de 18/11/2013 – cfr. doc. nº 9 da petição.
19º
A quantia de € 50.000,00 então transacionalmente acordada foi a possível, a qual, face ao mínimo legal estabelecido para o efeito e às posições a esse propósito assumidas por ambas as partes, acabou por redundar num compromisso aceitável para a aqui A.,
20º
com o acréscimo de uma dilação moratória gratuita de rendas de 3 meses para a desocupação e devolução do locado – cfr. doc. nº 11 da petição.
21º
Foi, pois, perante a pressão do despejo imediato e iminente, em que um eventual recurso para a Relação de Lisboa não teria efeito suspensivo – cfr. artº 15º J e 15º Q do NRAU na versão introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto e com base nas invocadas premissas transacionais, que a aqui A. aceitou transigir naqueles autos.
Porém,
22º
dessa transacção judicial não resulta que as partes tenham acordado em revogar o contrato de arrendamento “sub judice”, como infundadamente pretende demonstrar a aqui Ré.
Com efeito,
23º.
da transacção judicial em apreço resulta que as partes acordaram que o contrato de arrendamento em causa cessaria os seus efeitos em 31/10/2014 – cfr. doc. nº 11 da petição.
24º
A cessação do contrato de arrendamento urbano ocorre por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na Lei – artº 1.079º do Cod. Civil.
25º
A cessação por acordo das partes encontra-se legalmente delimitada à figura jurídica da revogação, mediante acordo escrito a tanto dirigido – artº 1.082º do Cod. Civil.
26º
Se as partes tivessem querido efectivamente revogar o contrato em causa, teriam juridicamente classificado a transacção como um acordo revogatório para que dúvidas a esse propósito posteriormente não se suscitassem.
Porém,
27º
abstiveram-se de assim o caracterizar.
28º
Afastadas que se encontram as possibilidades de cessação contratual emergentes de resolução e caducidade, atentos os contornos do caso em apreço,
29º
apenas resta o da denúncia do contrato, como causa da sua cessação.
30º
É precisamente o que resulta do último parágrafo da 1ª pag. da acta de audiência de discussão e julgamento do referido proc. nº 2.075/14.6YLPRT, em que claramente se refere “os Ilustres Mandatários das partes pediram a palavra, no uso da qual disseram ter as partes chegado a acordo sobre o presente litígio …”.
31º
Qual era o objecto do litígio?
32º
Obviamente que o mesmo era o procedimento especial do despejo, como meio processual de efectivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista por Lei – artº 1.101 nº 1 b), 1.103 nº 1 e nº 2 do Cod. Civil e artº 15º nº 1, nº 2 d) e nº 3 do NRAU na supra invocada redacção.
*
Ou seja, a autora invocou a alegada vontade real dos declarantes na referida «transacção», comum a ambos e que tem um mínimo de correspondência com a letra.
É este o exacto ponto que nos afasta do juízo da primeira instância, não podendo acompanhar o seguinte trecho:
Significa isto, em primeiro lugar que o pressuposto da transacção não foi a denúncia do contrato com o fundamento na alínea b) do art.º 1103º do CC e portanto e muito menos ( como afirma a A. ) que a Ré ia implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, mas o litigio quanto a essa denúncia e, concretamente, quanto ao facto de a mesma ser ou não aplicável in casu, sendo certo que não houve, antes da transacção, qualquer decisão judicial a validar ou invalidar aquela denúncia. 
O pressuposto da transacção não foi a denúncia mas o litígio quanto a essa denúncia?
Qual a diferença?
Antes do mais, concluir que o pressuposto da transacção foi este ou aquele, sem dar oportunidade às partes para que façam prova sobre o mesmo, sempre será prematuro.
E, depois, a transacção quis terminar o litígio – isso declararam as partes. Que litígio? A validade da denúncia efectuada extra-judicialmente pela ré e seus efeitos indemnizatórios, pois que apenas isso se discutia no processo.
Determinar se, com esse desiderato, as partes, quando celebraram a referida transacção, tiveram como pressuposto que a aqui Ré ia efectivamente implementar as obras de demolição e reconstrução do edifício dos autos, que obrigavam à desocupação do locado, e que foi apenas nesse pressuposto que a A. ali aceitou transacionar nos termos em que o fez, constitui por isso tarefa que ainda falta fazer, por parte da primeira instância.
Não se concorda com as considerações do Tribunal a quo, no pressuposto de que a autora não cumpre o seu ónus de prova, no que se refere à sobredita vontade real das partes, sem que lhe dê a possibilidade de demonstrar essa mesma vontade – mostrando-se a mesma, repete-se, coberta pela letra das respectivas declarações.
Do que se conclui que o processo não contém todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, pelo que decorre a procedência da apelação, com revogação da decisão proferida que conheceu do mérito da causa, devendo os autos prosseguir os seus normais trâmites, com elaboração do despacho previsto no art. 596º do Cód. Proc. Civil.
 Na verdade, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito.
Assim, como se disse atrás, ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.
Ora, salvo o devido respeito pela solução jurídica apresentada na decisão recorrida, a verdade é que se julga que é de aceitar que outras soluções jurídicas igualmente plausíveis da questão de direito que aqui se pretende resolver podem aqui ser configuradas.
Devem, pois, os presentes autos prosseguir os seus ulteriores termos processuais, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova  - os já referidos (expurgados, naturalmente, dos juízos conclusivos e de Direito) e ainda os que o Tribunal Recorrido entender ser pertinente formular -, segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito, à luz das posições assumidas nos articulados e do regime dos arts. 597º, 595º e 596º do Código de Processo Civil.
Assim, e pelo exposto, deve proceder a presente apelação, revogando-se a decisão impugnada, que deve ser substituída por outra que dê obediência ao acima exposto.
*
V. Decisão                                              
Pelo exposto, decide-se, na procedência da apelação, revogar a sentença recorrida que deve ser substituída por outra decisão que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, retomando a fase do saneamento do processo, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Custas pela ré/recorrida.
*
Lisboa, 19 de Novembro de 2020
Nuno Luís Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas