BUSCAS DOMICILIÁRIAS
DESPACHO JUDICIAL
DESPACHO DE INDEFERIMENTO
RECORRIBILIDADE PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário

I. – A reclamação estatuída no artigo 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados não se destina a reagir contra o despacho do Juiz de Instrução que tendo ordenado a busca, com base nos indícios discorridos no processo e que, avaliados no despacho que julgou viável a diligência, justificou a quebra do sigilo profissional;
II. – Exorbita, assim, o âmbito da predita reclamação, o alanceamento contra a existência de indícios do advogado visado para a sua constituição como arguido ou uma eventual quebra do sigilo profissional (vide Tribunal Europeu dos Direitos de Homem, no “Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal”, escrito em 3 de setembro de 2015.);
III. – Não é recorrível para o Supremo Tribunal o despacho de indeferimento da reclamação impulsionada ao amparo do citado artigo 77º do EOA;
IV. – Desautoriza a sua cognoscibilidade a competência orgânico-estatutária elevada para o Supremo Tribunal de Justiça pelo estatuído nos artigos 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e artigos 400º, nº 1 e 432º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Texto Integral


§1. – RELATÓRIO.

1. O arguido, AA, com os sinais identificadores que constam do termo de constituição de arguido (fls. 75) recorre do despacho, datado de 24 de Abril de 2020 (fls. 88 a 90), prolatado pela Exma. Senhora Juiz presidente do Tribunal da Relação …, que desestimou o pedido de declaração de nulidade do mandado de busca, bem como das apreensões que haviam sido efectuadas na oficina onde exerce a profissão de advogado e que as mesmas lhe fossem devolvidas.

2. É do sequente teor o despacho de indeferimento (sic):      

Na sequência da emissão dos respectivos mandados, foram efectuadas no dia 4.03.2020 buscas no posto de trabalho e arquivo do Sr. Dr. AA, advogado, sito na Av. …, n.º …– 4.2, e 5 e 6, …, …, bem como na sua residência, sita na Rua …, n.º …, … .

No decurso da busca ao posto de trabalho o Sr. Dr. AA foi constituído arguido.

O arguido apresentou reclamação, nos termos do disposto no art. 77.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, tendo sido sobrestadas as diligências e selados os elementos apreendidos de que reclamou, pedindo que seja deferida a reclamação e declarada a nulidade do mandado de busca, bem como das apreensões, por serem ilegais e inválidas, declarando-se que todos os elementos apreendidos, bem como quaisquer cópias que possam existir, sejam desentranhadas dos autos e lhe sejam entregues, nos termos que constam de fls. 2 a 53, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

O Ministério Público respondeu a esta fundamentação nos termos que constam de fls. 93 a 97, que aqui se dão como reproduzidos, concluindo pelo indeferimento da reclamação.

O Mmª. Juiz de Instrução Criminal ordenou a subida dos autos a esta Relação.

Conhecendo.

Para tal efeito, iremos socorrer-nos do que foi já consagrado por esta Presidência em anterior reclamação da mesma natureza, mais concretamente na reclamação n.º 5432/15.7TDLSB.L1, onde se refere:

“Dispõe o art. 76.º, n.º 1, do EOA, sob a epígrafe “Apreensão de documentos” que “Não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão”, sendo este princípio (de proibição) alargado pelos n.ºs 2 e 3 deste mesmo preceito e reduzido pelo seu n.º 4 no “…caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido”.

O segredo profissional do advogado, abrangendo os documentos que se relacionem com os fatos sujeitos a sigilo, encontra-se definido e delimitado no art. 92.º do EOA e como resulta dessa mesma definição o seu escopo situa-se, primordialmente, na defesa das condições de exercício das funções de advogado e da relação cidadão-advogado, só de forma indireta se podendo considerar um “direito” de cada um dos profissionais dessa área.

O segredo profissional do advogado, como claramente resulta das expressões utilizadas pelo legislador na sua configuração legal, a saber, “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional”, “A obrigação do segredo profissional existe”, “Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional”, “O dever de guardar sigilo”, tem a natureza jurídica de um dever no exercício da profissão.

Em conexão com os preceitos citados dispõe o art. 180.º, n.º 2, do CPP que “…não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objeto ou elemento de um crime”.

Como resulta do disposto no n.º 1, do art.º 92.º, do EOA, o sigilo profissional do advogado abrange, “...todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços...”, entre eles os expressamente aí identificados e como dispõe o n.º 3, do mesmo preceito, “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”.

Atenta a ratio legis da consagração legal de tal segredo profissional e a necessidade de harmonizar a sua prossecução com os valores inerentes ao exercício da ação penal, depois de criar o valor segredo, na vertente de proibição de apreensão de documentos, a lei processual penal estabelece duas exceções a essa proibição, sendo uma de natureza genérica, referente à relação advogado/cliente e a segunda relativa à conduta do advogado, em si mesma.

Pela primeira, consagrada no art.º 180.º, n.º 2, do C. P. Penal, é permitida a apreensão de documentos que “...constituírem objeto ou elemento de um crime” e pela segunda, consagrada no art.º 76.º, n.º 4 do EOA e art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, é permitida a apreensão de correspondência comum e eletrónica quando a mesma “...respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido”.

Esta segunda exceção apresenta um pressuposto específico, de natureza processual, qual seja, a constituição do advogado como arguido, sendo que o elemento comum às duas exceções é constituído, grosso modo, pela sua conexão a fato que constitua crime, imputável ao cliente ou ao advogado.”

Ora, no presente caso, o reclamante foi constituído arguido, pelo que, o pressuposto processual da segunda excepção consagrada no art. 76.º, n.º 4, do EOA e art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/9, encontra-se preenchido.

Incumbe, assim, ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, também ele sujeito ao segredo profissional, analisar os documentos apreendidos, a fim de aferir do seu interesse para a investigação, ou, se pelo contrário, deverão ser devolvidos ao reclamante.

A este propósito refere-se no Ac. da RE de 18/5/2006, proferido no âmbito do Proc. 54/2006-9, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda em absoluto, que:

“É legalmente reconhecido “o interesse comunitário de confiança na discrição e reserva de determinados grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz”, que a doutrina germânica maioritária considera como sendo o bem jurídico pelo tipo legal de crime de violação de segredo (Costa Andrade, Coment Conimb. art. 195º).

Mas, continua aquele Comentador, na base daquele tipo legal de crime, está o dever de confidencialidade, em que se pretende proteger para lá do simples interesse comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em sentido material, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera da intimidade como a esfera da privacidade stricto sensu. A privacidade é aqui protegida na medida em que seja mediatizada por um segredo.

O art. 135º do CPP concede um direito ao silêncio de todas as pessoas a quem a lei impuser ou permitir que guardem segredo sobre certas informações. A quebra do sigilo só pode ocorrer quando “se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante” (nº3). O que significa que, ainda segundo Costa Andrade, “a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despido do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo”.

Acrescentaríamos ainda que a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência…), sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.

E estas questões poder-se-ão colocar - e ir-se-ão colocar, certamente, com maior ou menor acuidade, consoante os casos e as situações – no momento da revelação dos documentos e demais coisas apreendidos.

Mas esse momento processual, não é ainda este.

Por outras palavras, a aquisição da prova para o processo, e sua respectiva incorporação, pressupõe dois momentos distintos:

- o momento da apreensão da prova (real, porque é desta de que in casu se trata);

- o momento da revelação da prova.

A apreensão precede a revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu processualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar.

É que para o juiz de instrução não existe “segredo”, na medida em que ele também está coberto pelo segredo.

Assim, em resumo, e voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir, num primeiro momento - o do inquérito –, segundo a sua perspectiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a regularidade das apreensões.”

A reclamação prevista no n.º 2, do art. 77.º, do EOA, visando garantir a preservação do segredo profissional, não pode corresponder a uma substituição da função do JIC, a quem caberá fazer a seleção dos documentos susceptíveis de servirem a prova dos crimes sob investigação, dado que quanto a ele, como supra referido, não há “segredo”.

Tal reclamação apenas poderá obstar a que seja colocado em perigo de forma flagrante e injustificada o segredo profissional.

Situação que não se vislumbra no presente caso.

Acresce que, as questões suscitadas pelo reclamante da nulidade das buscas e apreensões não são susceptíveis de ser conhecidas no âmbito desta reclamação, devendo as mesmas terem sido objecto de arguição pela via processual adequada e perante a 1.ª instância.”

3. Do despacho transcrito recorre, o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a fundamentação no epítome que queda extratado.

1ª A decisão em análise, proferida pela Presidente da Relação de Lisboa, na sequência da reclamação apresentada pelo Recorrente nos termos do disposto no artigo 77.° do EOA, é recorrível, na medida em que: (i) a mesma foi proferida no âmbito de um processo-crime; (ii) o CPP consagra o princípio fundamental da recorribilidade de todas as decisões judiciais; (iii) não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão em causa; e (iv) por força do princípio da legalidade, está vedado o recurso à analogia, na medida em que a mesma redundaria num enfraquecimento da posição processual do arguido, suprimindo o direito ao recurso legalmente conferido.

2.ª Ainda que não estivesse expressamente plasmado no CPP o princípio da recorribilidade, sempre teria in casu o Recorrente direito ao recurso, por imposição constitucional.

3.ª A consagração constitucional do direito ao recurso do arguido, como garantia de defesa, confere, indubitavelmente, ao Recorrente, o poder de impugnar, por meio de recurso, a decisão sob escrutínio, uma vez que (i) nenhum grau de recurso foi ainda assegurado ao Arguido - pois a decisão em causa foi proferida pela Presidente da Relação de Lisboa em 1.ª instância - e (ii) a decisão em causa contende com os direitos fundamento do Arguido, em concreto, com o direito de defesa do arguido, previsto no artigo 32.° da CRP e, através do princípio ao processo justo e equitativo, no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos - pois redunda na admissão de provas que foram obtidas através de meios de obtenção de prova proibidos -, mas também com os direitos fundamentais tutelados pelas proibições de prova que lhes dão causa.

4.ª Note-se que é juridicamente insustentável a corrente jurisprudencial que procura vedar o direito ao recurso através da circunscrição do âmbito de aplicação do artigo 432.°, n.° 1, alínea a), do CPP às decisões em que a Relação funciona como tribunal de l.ª instância exercendo uma competência que por regra é cometida aos tribunais de comarca e excepcionalmente, tendo em conta a qualidade do arguido, se atribui à Relação (alínea a) do n.° 3 do artigo 12.° do CPP)

5.ª Primeiramente, importa notar que o artigo 432.°, n.° 1, alínea a), do CPP, não faz qualquer distinção entre os processos que, por lei, devem ser instaurados nas Relações desde o seu início e aí devam ser decididos e as demais causas que são decididas pelas Relações como 1.° grau de jurisdição: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

6.ªA distinção operada pela referida corrente jurisprudencial levar-nos-ia a uma solução completamente contraditória, pois que se, por um lado, o legislador, considerando a relevância dos interesses subjacentes, subtraía a competência para a decisão da questão à 1.ª instância, por outro lado, tornava-a numa decisão blindada, de um só julgador, insusceptível de qualquer tipo de reapreciação.

7.ª O que é tanto mais grave quando em causa esteja, como está, uma decisão singular, pois, como elucida PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, a unipessoalidade do órgão decisor torna mais provável a possibilidade de erro; sendo que essa maior probabilidade de erro do juízo unipessoal conjugada com a irreversibilidade desse juízo encurta de forma inadmissível as garantias de defesa e o direito ao recurso do Arguido (cf. 32.°, n.° 1, da Constituição);

8.ª Tal orientação jurisprudencial ignora também por completo o princípio fundamental da recorribilidade. A este propósito importa clarificar - pois parece ser esse o equívoco em que assenta a referida orientação jurisprudencial - que o artigo 432.° do CPP não rege a matéria da admissibilidade de recurso, matéria essa que se encontra regulada nos artigos 399.° e 400.°, bem como noutras disposições análogas dispersas pelo CPP. O 432.° limita-se a repartir a competência, em sede de recursos, entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça.

9.ª Uma nota final: a operação de delimitação do conteúdo do direito ao recurso do arguido não poderá ignorar a sua conformação enquanto garantia de defesa, tendo sido a essa luz que mereceu expressa consagração constitucional, no aludido artigo 32.°, n.° 1, da CRP. Pelo contrário, o enquadramento do direito ao recurso como garantia de defesa deverá ser o ponto de partida para a fixação da latitude - e dos limites - do seu conteúdo.

10.ª O que é o mesmo que dizer que, in casu, atenta a natureza garantístíca do direito ao recurso, decorrendo da lei a recorribilidade da decisão em causa, está o julgador impedido de acolher qualquer interpretação normativa que vede o direito ao recurso do arguido, conclusão a que também se chega por força da aplicação do princípio da legalidade criminal, como vimos.

11.ª E que, de resto, vai ao encontro daquela que tem sido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (vide BRITO FERRINHO BEXIGA VILLA-NOVA c. PORTUGAL, Queixa n.° 69436/10).

12.ª Assim, as normas constantes dos artigos 77.° do EOA, 399.°, 400.°. 432.°, n.° 1, alínea a), todos do CPP, interpretadas e aplicadas no sentido de que a decisão proferida pelo presidente do tribunal da relação, nos termos do artigo 77.ª do EOA, é irrecorrível, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.°, n.°s 2 e 3, 20.°, n.°s 1 e 4, 29.°, n.°s 1 e 4, e 32.°, n.° 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

13.ª Tomando em consideração tudo quanto ficou dito, deve o presente recurso ser admitido.

14.ª O Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 77.° do EOA.

15.ª A Relação de Lisboa considerou que a reclamação prevista no artigo 77.° do EOA apenas deverá ter procedência quando esteja em causa um perigo flagrante e injustificado para o segredo profissional.

16.ª Esta interpretação não tem respaldo legal ou, sequer, jurisprudencial.

17.ª Não há qualquer norma que atribua ao incidente em causa um caráter meramente indiciário ou que admita violações não flagrantes do segredo profissional.

18.ª O meio de impugnação previsto no artigo 77.° do EOA visa garantir o segredo profissional, podendo ser invocado para o efeito qualquer erro na decisão ou execução da busca e apreensão.

19.ª O critério de decisão para dar provimento ou não a uma reclamação do artigo 77.° do EOA é o do princípio da prevalência do interesse preponderante.

20.ª Na adjudicação da reclamação, o Presidente do Tribunal da Relação deve proceder a um controlo formal, que incide sobre a verificação dos pressupostos das diligências de prova, e a um controlo material, que afere da imprescindibilidade das diligências para a descoberta da verdade, da gravidade dos crimes e da necessidade de proteção de bens jurídicos.

21.ª Nesta decisão, a Relação de Lisboa contraria a sua própria jurisprudência sobre a presente questão, invertendo o sentido decisório que seguiu num caso análogo em 2016.

22.ª Da interpretação conjuga dos artigos 179.°, n.° 1,180.°, n.° 2, do CPP, 76.° n.°s 1 e 4 do EOA, e 17.° da Lei do Cibercrime, resulta que: (/) não podem ser apreendidos documentos abrangidos pelo segredo profissional que não constituam objecto ou elemento de um crime; (ii) se tais documentos consistirem em correspondência só poderão ser apreendidos se o advogado tiver sido constituído arguido.

23.ª No âmbito das buscas que ocorreram no escritório, arquivo e domicílio do Dr. AA foi apreendida, entre o mais, correspondência respeitante ao exercício da profissão. Sucede, porém, que a constituição de arguido do Recorrente foi ilegal, pelo que ilegal foi também a apreensão dessa correspondência.

24ª Apesar de o Ministério Público ser o dominus do inquérito, o poder-dever de constituição de arguido é um acto vinculado cujos pressupostos estão taxativamente definidos na lei.

25ª E assim é para se prevenir qualquer tipo de funcionalização do acto de constituição de arguido a conveniências e interesses alheios àqueles que devem presidir tal acto, atentos os onerosos efeitos que, tanto dentro como fora do processo, se ligam à atribuição da posição processual de arguido.

26ª A constituição de Arguido, pressupõe sempre e antes de tudo o mais, nomeadamente antes das formalidades e procedimentos previstos na lei, que se verifique uma das situações fundamento taxativamente elencadas na Lei, em concreto nos artigos 57.°, n.°1, 58.°, n.° 1, alíneas a) a de) e 59.°, n.°s 1 e 2, do CPP.

27ª Acontece que in casu nenhuma destas situações que fundamentam a constituição de arguido estava verificada no momento da constituição de arguido do Recorrente. E tanto assim é que no Termo de Constituição de Arguido não é feita qualquer referência à norma que fundamenta tal acto.

28ª Não existia, e continua a não existir, fundamento para constituir o Recorrente como arguido.

29ª O que agora se alega não é a inexistência de fundada suspeita, relegando-se essa discussão para o momento em que ao Recorrente for concedido acesso aos autos (não obstante o Recorrente manter e renovar com ainda maior firmeza e convicção a sua posição quanto à inexistência da mesma), mas sim a inexistência do necessário interrogatório do Recorrente.

30ª Nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), do CPP, para que se possa proceder à constituição de arguido torna-se necessário (i) que o inquérito corra contra pessoa determinada relativamente à qual exista fundada suspeita e (ii) que essa pessoa preste declarações perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.

31.ª Acontece que o Recorrente não prestou, até ao momento, quaisquer declarações, nem solicitou a sua constituição como arguido, nos termos do disposto no artigo 59.°, n.° 2, do CPP, pelo que não se compreende com que fundamento legal se procedeu à sua constituição de arguido.

32.ª Não nos iludamos: o Recorrente só foi constituído arguido para que as autoridades judiciárias pudessem apreender a sua correspondência, protegida pelo segredo profissional.

33.ª Mas para que tal constituição como arguido fosse autorizada pela lei, as autoridades judiciárias teriam de ter procedido de imediato ao primeiro interrogatório do arguido, com a inerente efectivação do direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra si existentes (cfr. artigo 141.°, n.° 4, alíneas d) e e), ex vi artigo 144.°, n.° 1, ambos do CPP).

34.ª Interpretação contrária, ainda que favorável aos interesses e conveniências da investigação viola a letra da lei e ratio do regime da constituição de arguido.

35.ª Mais do que objecto do processo e meio de prova, o arguido é hoje o sujeito principal do processo, tendo direito a participar activamente na discussão do objecto do processo.

36.ª A obrigatoriedade de constituir a pessoa determinada contra quem corra inquérito arguida, assim que contra ela surja fundada suspeita da prática do crime, visa assegurar que tal pessoa é, logo nesse momento, chamada a participar activamente no diálogo processual, nomeadamente, exercendo o seu direito de defesa através do respectivo interrogatório.

37ª À luz do que ficou exposto, sempre se terá de concluir que a constituição de arguido do Recorrente foi ilegal, por não ter sido imediatamente seguida do seu interrogatório, com a inerente efectivação do seu direito à informação, tornando-se insofismável que o desiderato para a constituição do Recorrente como arguido foi única e exclusivamente: a presumida utilidade da sua correspondência com os seus constituintes e colegas para a investigação.

38ª O que é o mesmo que dizer que o Recorrente só foi constituído arguido por ser advogado. Ou seja, in casu, ao invés de a constituição como arguido conferir ao sujeito visado um conjunto de garantias e direitos processuais, este acto operou como uma ablação das suas mais importantes imunidades processuais, coarctando a confiança que todos os cidadãos depositam no sigilo. Não podendo, por isso e sob pena de defraudar a lei, ser reconhecida a legalidade desse acto.

39ª Pelo que, a consequência de tal ilegalidade é que a busca e a apreensão da correspondência do Recorrente - isto é, a ingerência nas suas comunicações -não foram realizadas ao abrigo de uma norma legal.

40ª Isto porque, tanto a ordem da Mm/ Juiz de Instrução, como a constituição de arguido, não são aptas a preencher a previsão da norma que permite às autoridades apreenderem a correspondência profissional de um Advogado.

41ª Logo, não sendo possível enquadrar validamente as diligências sub judice no regime de excepção à regra da inapreensibilidade da correspondência de Advogado, verificou-se uma ingerência ilegal nas comunicações do Recorrente, cominada como uma proibição de prova, por força do artigo 126.°, n.° 3, do CPP e 32.°, n.° 8, da CRP.

42ª Por conseguinte, as apreensões de correspondência são nulas, devendo os ficheiros com as comunicações apreendidas ser desentranhados dos autos e restituídos ao Recorrente.

43.ª Assim, as normas constantes dos artigos 58.°, n.°1, alínea a), e 272.°, do CPP interpretadas e aplicadas no sentido de que, correndo inquérito contra pessoa determinada, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta pode ser constituída arguida sem que tenha prestado declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.°, n.°s 2 e 3 e 32.°, n.° 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

44.ª E, também assim, as normas constantes dos artigos 58.°, n.° 1, alínea a), e 272.°, do CPP interpretadas e aplicadas no sentido de que o interrogatório de arguido não tem de ser realizado imediatamente após a constituição de arguido, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.°, n.°s 2 e 3 e 32.°, n.° 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

45.ª O Tribunal da Relação, determinado pelo seu erro na interpretação do artigo 77.° do EOA, não aplicou o regime resultante artigo 15.°, n.° 1, e 17.° da Lei do Cibercrime, 126.°, n.° 3, do CPP, e 32.°, n.° 8, da CRP.

46.ª O artigo 15.°, n.° 1, da Lei do Cibercrime estabelece que as pesquisas informáticas devem visar obter dados específicos e determinados.

47.ª O grau de especificidade e determinação dos dados pesquisados deve ser tanto maior, quanto maior for a sensibilidade dos dados contidos no sistema informático visado, que, no caso concreto, era elevada, por se tratar de correspondência profissional protegida por segredo.

48ª Ao utilizar como descritor nas pesquisas informáticas o termo "transferência", atendendo à atividade profissional do Recorrente - Advogado cuja prática se centra na área do mercado de capitais, onde o termo "transferência" é ubíquo -, a pesquisa levada a cabo é, em abstrato e em concreto, demasiado vaga para cumprir com as exigências de especificidade e determinação do artigo 15.°, n.° 1, da Lei do Cibercrime, porquanto equivale, materialmente, a uma pesquisa a toda a sua documentação profissional.

49ª As autoridades tinham ao seu dispor meios menos lesivos dos direitos do Recorrente para executar as pesquisas, nomeadamente, conjugando o termo "transferência" com outros termos relevantes para a investigação em curso, pelo que a pesquisa foi, por demais, desnecessária e, por isso, desproporcional.

50ª As pesquisas realizadas aos sistemas informáticos do recorrente foram, por isso, realizadas fora do escopo da permissão legal para a execução de pesquisas informáticas, consubstanciando, por isso, uma ingerência ilícita na correspondência e nas comunicações eletrónicas do Recorrente, correspondendo a um método proibido de prova, por força do artigo 126.°, n.° 3, do CPP e 32.°, n.° 8, da CRP.

51ª A norma constante dos artigos 15.°, n.° 1, e 17.° da Lei do Cibercrime, interpretados e aplicados no sentido de permitir a realização de pesquisas de dados informáticos abrangidos por segredo profissional através de termos vagos e indeterminados, que não permitam manter uma conexão entre os dados informáticos pesquisados e as infracções investigadas, é, nessa interpretação e aplicação, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.°, n.os 2 e 3, da CRP, da garantia contra a obtenção de prova proibida, prevista no artigo 32.°, n.° 8, da CRP, do direito fundamental ao sigilo das comunicações, estatuído no artigo 34.°, n.° 4, da CRP, e das imunidades inerentes ao patrocínio forense, garantidas pelo artigo 208.° da CRP, inconstitucionalidade que ora se invoca para todos os devidos efeitos legais.

52.ª O Tribunal a quo errou na sua interpretação do artigo 77.° do EOA, ao não reconhecer a preponderância do interesse na preservação do segredo profissional do Advogado sobre os interesses da investigação.

53.ª O princípio do interesse preponderante é o crivo que determina a possibilidade de apreender documentos e correspondência sujeitos a segredo profissional e exige que a prova recolhida seja apta a demonstrar a realidade dos factos sob investigação, que não existam meios alternativos menos lesivos para apurar a verdade e que existam uma necessidade social premente, devidamente justificada pelas autoridades.

54.ª O Advogado é um colaborador na realização do Direito e a quebra do segredo profissional é suscetível de gerar um efeito dissuasor na sinceridade e plenitude da comunicação entre o constituinte e o seu mandatário.

55.ª No caso concreto não foi demonstrada uma necessidade social premente que justificasse a interferência no segredo profissional do Advogado, pois não existe no despacho que autorizou as diligências de prova qualquer facto passível de fundar uma suspeita sobre o Recorrente, limitando-se o referido despacho a indicar que o Arguido é um Advogado, que pratica actos próprios da profissão e cumpre com as normas Deontológicas previstas no EOA.

56.ª Foi ainda excedido o escopo da autorização judicial de apreensão, na medida em que foram apreendidos documentos, ficheiros informáticos e mensagens de correio eletrónico sem qualquer conexão razoável com os crimes sub judice, reconduzíveis, grosso modo, às seguintes categorias: (í) artigos doutrinários, jurisprudência, legislação e outros materiais jurídicos; (ii) documentos e mensagens relacionados com clientes do Recorrente que não estão sob investigação - mesmo que esses documentos e mensagens possam, pontualmente, referir alguma sociedade ou pessoa singular que se encontra sob investigação nestes autos (por exemplo, «Gestifute» ou «Jorge Mendes»), eles foram elaborados ou executados para outros clientes e exclusivamente a propósito de assuntos destes últimos; (iii) documentos e mensagens abrangendo sociedades sob investigação, mas relativos a jogadores e treinadores não abrangidos pelo presente inquérito; (iv) documentos e mensagens fora do âmbito temporal, de 2010 a 2016, definido no despacho que autorizou as diligências; e (v) documentos de cariz pessoal, respeitantes ao Recorrente ou à sua família, que não se vê como possam ter relevância para a presente investigação.

57.ª Logo, por não existir uma necessidade social premente que justifique a apreensão dos documentos e correspondência sujeitos a segredo profissional, essa apreensão deve ser considerar inadmissível.”

Em desinência do concluído pede a substituição da (sic): “decisão recorrida por uma outra que dê provimento à reclamação original, ordenando o imediato desentranhamento dos autos e a entrega ao Recorrente de todos os elementos apreendidos, bem como de quaisquer cópias que possam existir.”

4. Pede a realização de audiência “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos II a V da motivação.”

5. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de …, responde ao pedido de alteração da decisão (sob recurso), com a sequente argumentação (sic).

Notificado para efeitos do disposto no artigo 413.°, n.° 1 do Código de Processo Penal do teor do aliás douto recurso interposto pelos Exmos. Advogados do arguido AA ( cf. fls. 140/213), e versando tal recurso o teor do douto despacho exarado a fls. fls. 143/144 pela Exma. Senhora Desembargadora Presidente da Relação de …, que indeferiu a reclamação de fls. 129/141 apresentada sobre o teor da anterior decisão de fls. 122/126, e pretendendo-se, agora, a substituição da decisão recorrida ( a de fls. 143/144) por outra que dê provimento à reclamação original, o magistrado do Ministério nesta Relação vem apresentar a devida resposta:

Embora se afigure discutível a recorribilidade da decisão em causa em face do teor das normas dos artigos 432.°, 1, a) e 433.° do C. P. P. não dissentimos da douta decisão de mandar subir o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, em razão da ideia plasmada constitucionalmente, consistente em que tendencialmente vigore o direito a uma segunda instância de recurso.

Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça

Por lapidar, socorremo-nos do teor do douto despacho alvo do presente recurso, no qual é consistentemente refutado que a decisão de fls. 122/126 padeça de qualquer vício, designadamente falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

Incorreria até em excesso de pronúncia caso a Presidente da Relação por via de uma reclamação, singularmente decidisse de forma ampla em matéria de nulidades e outros vícios processuais, para lá do estrito âmbito do conteúdo normativo das normas dos artigos 75.°, 76.° e 77.°, n.° 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, pois que aí sim ocorreria distorção intolerável do regime legal dos recursos.

O que marca a diferença uma busca a um escritório de advogado não são os critérios e a indispensabilidade para a sua realização mas sim as formalidades na sua concretização, designadamente ser o acto presidido por um Juiz e assistência de um Representante da Ordem dos Advogados.

E foram os pressupostos formais que foram e tinham que ser alvo de apreciação da despacho incidente sobre a reclamação apresentada, sendo certo de resto que no caso a constituição de arguido não foi feita de ânimo leve ou com quaisquer intuitos submersos, como sugere a Defesa, pois que a apreensão de documentos efectuada ficou a dever-se a fundada suspeita da sua actividade delituosa pelo seu papel essencial na construção do esquema que permitiu a fuga aos impostos e a sonegação desses proventos ilegítimos, sendo pacífico que na investigação de crimes públicos graves como é o caso (fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais) é razoável e proporcional a compressão do sigilo profissional e inviolabilidade do domicílio, concretamente compressão ao nível da verificada, em virtude do preenchimento no caso da noção de necessidade social premente.

E não incumbe ao Juiz Presidente da Relação em sede de reclamação controlar no plano da substância o suporte das provas indiciárias recolhidas em sede de inquérito, sendo certo que na altura em que foi apresentada reclamação da apreensão da correspondência e documentos electrónicos não foi invocada qualquer irregularidade quanto à constituição de arguido ou relativamente à busca em si, arguições que se fosse caso disso teriam que ser apresentadas para o Tribunal da Relação por via recursiva normal e não para o Presidente da Relação.

Como foi referido nas decisões de fls. 122/126 e '.43/144 «a reclamação prevista no artigo 77.° do EOA, visando garantir a preservação do segredo profissional, não pode corresponder a uma substituição da função do JIC, a quem cabe fazer a selecção dos documentos susceptíveis de servirem de prova dos crimes sob investigação, dado que quanto a ele não há "segredo" », sendo que no caso vertente a Mma. Juiz Presidente da Relação, explicando devidamente a decisão julgou observadas todas as formalidades legais previstas no artigo 75.° do EOA.

Toda a argumentação do Recorrente serve consubstanciar a sua discordância sobre as razões determinativas da busca e apreensões efectuadas invocando o princípio do interesse preponderante.

Todavia, na nossa óptica é plenamente justificada no caso a compressão do segredo profissional nos termos em que o foi.”

6. Neste Supre3mo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, é de parecer que (sic):   

O arguido AA, traz recurso ao Supremo Tribunal de Justiça da decisão da reclamação apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 77º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, proferida em 24 de Abril de 2020, pela Srª Presidente do Tribunal da Relação de … .

No final da sua motivação, a págs. 214, vem impetrar a realização de audiência, para tanto consignando:

“Nos termos do disposto no artigo 411°, n ° 5, do Código de Processo Penal, requer-se a realização de audiência perante o Supremo Tribunal de Justiça, com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos II a V da motivação.”

Visto o disposto no n º 5 do artigo 411º e 416º, n º 2, ambos do Código de Processo Penal, reservaremos, necessariamente, a posição do MP para as alegações a proferir, em sede de audiência.”

§1.(a). – QUESTÃO A MERECER APRECIAÇÃO.

A pretensão recursiva alentada pelo arguido, AA, predispõe a apreciação preliminar da admissibilidade do recurso.

Da questão enunciada dependerá (dependeria) a cognoscibilidade do pedido formulado na pretensão recursiva – anulação do despacho da exma. Senhora presidente do Tribunal da Relação de … que indeferiu o pedido de declaração de nulidade, por violação do nº 2 do artigo 180º do Código de Processo Penal.  

§2. – FUNDAMENTAÇÃO.

§2.(a) – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.

Embora por razões de hermenêutica jurídica – e não por aquilo que escreveu o Professor Figueiredo Dias – a inadmissibilidade dos recursos tem de ser encontrada no preceito regulador, o que vale dizer no artigo 400º do Código de Processo Penal. No entanto, esta norma – que colima pela negativa a pauta das decisões a que a lei ordinária veda o alçamento a um patamar de reapreciação judicial – não pode ser desconectada da normas especificas que definem a competência orgânico-funcional do Supremo Tribunal de Justiça, máxime o artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e dos artigo 432º e 434º, ambos do Código de Processo Penal, sob pena de não descasarmos na espiral impugnativa que, por vezes se surpreende em alguma litigância.

Os preceitos de um ordenamento deverão ser admitidas a intervir em pé de igualdade na hora de o intérprete realizar a hermenêutica normativa dos vectores que devem orientar a respectiva aplicação. Não se podem eleger, selectivamente, e a posto, determinados preceitos e desprezar, por inópia, outros, só porque à interpretação privilegiada e prosseguida para o fim em vista não se afiguram convenientes. (Cfr. para uma abordagem heurística do problema da interpretação Giorgio Pino, “Diritti e Interpretazzione. Il ragionamneto giuridico nelo Stato costituzionale”, Il Mulino, 2010, pág. 201 a 209)      

Estatui o artigo 432º do Código de Processo Penal que o Supremo Tribunal de Justiça, tem competência orgânico-funcional, na divisão funcional que a lei de Organização Judiciária estabelece, para apreciar, em matéria de recursos, desbordando das alíneas a) e c), por inaptas para a situação em tela de juízo, “de decisões finais que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” – alínea b), e “de decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores” – alínea d). São estas as decisões, acatando o estatuído na lei, que por definição/estabelecimento do dever funcional contido nas normas de divisão orgânico-judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça deve acolher e julgar na esfera de competência.

A este propósito, não será, pensamos, despiciendo, dar a conhecer o que foi escrito no douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 7078.9T9LSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva, em que se doutrinou (sic): “Defende, para isso, que a decisão do Tribunal da Relação é uma decisão proferida em 1ª instância sendo recorrível nos termos do disposto nos arts. 399º e 432º, nº 1, al. a).

Aquela disposição estabelece uma cláusula geral de recorribilidade das decisões judiciais logo aludindo à existência de excepções.

A última, integrada nas normas que prevêem a recorribilidade para o STJ, estabelece que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em primeira instância.

Crê-se, contudo, que lhe não assiste razão.

Decorre da orientação do legislador, designadamente a partir da reforma operada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que a intervenção do STJ está reservada para situações de considerável gravidade estabelecendo-se, por isso, limitações por razões de razoabilidade e celeridade processual na selecção/restrição das causas susceptíveis de reapreciação pelo STJ.

Como se consignou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2005.02.16 (No proc nº 04P4551, mencionado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta, que se cita precisamente por se reportar a uma situação semelhante a esta de recurso de uma decisão da relação sobre sigilo bancário) há na orientação do legislador um critério de «concordância prática entre a concretização dos direitos processuais dos interessados e os interesses em presença, por uma acomodação entre a integridade do direito ao recurso e imposições de racionalidade e bom uso dos meios disponíveis, nos casos em que, em função da natureza que revestem e da existência de uma identidade de decisões, não seria justificado um segundo ou terceiro grau de jurisdição». O que tem de ser aferido – prossegue o aresto em causa – de acordo com uma perspectiva de coerência interna do modelo que tem de estar traduzida, naturalmente, nas disposições da lei de processo mas buscando uma interpretação ponderada com a adjuvação do critério que presidiu a essa matriz do sistema de recursos em processo penal.

O que isto significa não é mais do que o seguinte: para identificar a recorribilidade de um acto decisório que, como é sabido, nos termos do art. 97º, nº 1, pode ser um despacho, uma sentença ou um acórdão, necessário se torna não só atender à unidade do sistema jurídico – rectius do sistema de recursos – como, além disso, levar em conta a presunção de que, na fixação do sentido e alcance da lei o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, em conformidade com os princípios gerais sobre interpretação da lei consagrados no art. 9º do Código Civil.

Ora, a ideia que atravessa todo o sistema processual penal na parte atinente aos recursos é a de que o STJ é um tribunal de “fim de linha” – passe a expressão em benefício da clarificação da ideia – cuja competência no tocante aos recursos ordinários está reservada para situações respeitantes à apreciação do mérito, à justiça da condenação – e mesmo assim com constrições várias – ou em que, porventura, o acto decisório ponha termo definitivo ao processo, o mesmo é dizer que encerre a relação jurídica entre os sujeitos processuais, seja por razões de natureza adjectiva, seja por razões de natureza substantiva. Por isso se lhe atribui a função de tribunal de revista, como inequivocamente ressalta do art. 434º.

É nesta perspectiva, crê-se, que tem de ser interpretada a alínea a) do nº 1 do art. 432º ao dispor que há recurso para o STJ das decisões das relações proferidas em 1ª instância. Havendo ainda que fazer intervir um outro tópico de interpretação como decorrência do que fica dito: as decisões da relação proferidas em 1ª instância e logo recorríveis são as que respeitem ao julgamento, isto é, em que a relação, nesse acto decisório, faça uma primeira apreciação do mérito da causa com extensão, naturalmente, às pertinentes questões interlocutórias que um tal julgamento suscite; ou quando esse primeiro acto decisório encerre em definitivo o processo por ser, designadamente, um despacho de não pronúncia, de arquivamento decorrente do conhecimento de uma qualquer questão prévia ou da apreciação de uma causa de extinção da relação jurídica como a prescrição.

Neste contexto, concluir-se-á que o acórdão do TR … de que foi interposto recurso ainda que se admita ser uma primeira decisão não só não tomou qualquer posição sobre o mérito da causa como não pôs termo ao processo. A sua intervenção justifica-se somente para decisão de uma questão incidental, de cariz processual, cujo conhecimento por lei lhe foi deferido. (Neste sentido o Acórdão STJ citado supra.). Questão incidental essa com uma «estrutura especial que não segue as regras normais de competência jurisidicional» (Cfr Acórdão de 2005.07.12, proc 05B1901 da 7ª Secção (Cível).

É, pois, insuficiente, de acordo com a perspectiva exposta, a invocação feita pela recorrente de que o acórdão do TR … é uma decisão de primeira instância como, aliás, tem sido defendido pela larga maioria da jurisprudência do STJ (Cfr., para uma recensão dessa jurisprudência, o Acórdão de 2014.07.25, proc. 4910/08.9TDLSB-E.L1.S1 in www.dgsi.pt. Também, por muito recente, o Acórdão de 2019.04.04, proc 5837/16.6T9LSB-A.L1.S1 (contra o que o TR … havia decidido e a que a recorrente alude no ponto 35 da sua motivação).

Não se ignora a existência de jurisprudência contrária. O Acórdão de 2005.04.21, proc 1300/05 não se pronunciou expressis verbis sobre a recorribilidade. Aceitou-a, sem mais. Os Acórdãos de 2011.02.09 e 2011.03.23, nos proc 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1 e 106/04.7TALMG, respectivamente, ambos com um voto de vencido, pronunciaram-se nos seguintes termos similares (que são os dos seus textos e não dos sumários): «Em nosso entender estamos perante uma decisão proferida em primeira instância o que a torna susceptível de recurso nos termos do artigo 432º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal».)

A linearidade e clarividência da argumentação que ceva a razão da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de um despacho proferido por ume entidade singular (em decisão de reclamação de um procedimento ocasionado pela violação de um direito por um acto de natureza e feição jurisdicional) poderia descansar a nossa busca para a resposta a conferir ao tema que nos ocupa, no entanto, talvez não seja despiciendo – sempre na perspectiva de contribuir com alguns conhecimentos jurídicos a quem recorre aos tribunais, recordar aqui o que a propósito de uma busca efectuado a um escritório de advocacia determinou o Tribunal Europeu dos Direitos de Homem, no “Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal”, escrito em 3 de setembro de 2015.

Permita-se-nos uma transcrição mais alongada, pela proficiência argumentativa que o aresto comporta:

b) Objetivo legítimo

97. O Tribunal observa que, nos termos do artigo 174.º, n.º 3, do CCP e do artigo 70.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, a pesquisa e introdução de dados informáticos no sistema informático da empresa requerente eram foram condenados no âmbito de uma investigação criminal aberta contra vários cidadãos portugueses e alemães por acusações de corrupção, tomada ilegal de juros, branqueamento de capitais e prevaricação, esta última acusando um ex-advogado da empresa recorrente, B. BA Tinham, portanto, um objetivo legítimo, a saber, a prevenção de infrações penais.

98. A questão que se coloca é, portanto, se tal ingerência era "necessária numa sociedade democrática" para alcançar o objetivo legítimo prosseguido nas circunstâncias específicas do caso. Em particular, trata-se de verificar se o direito e a prática nacionais oferecem garantias suficientes contra o abuso e a arbitrariedade, e se as garantias suficientes contra o abuso e a arbitrariedade.

c) Necessário em uma sociedade democrática

Eu. Princípios gerais

99. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de “necessidade” implica uma ingerência baseada numa necessidade social premente e, em particular, proporcional ao fim legítimo prosseguido. Ao determinar se uma interferência era "necessária em uma sociedade democrática", a Corte leva em consideração o fato de que uma certa margem de apreciação deve ser deixada aos Estados Contratantes (ver, entre outros acórdãos, Camenzind v. Suíça, 16 de dezembro 1997, Relatórios de julgamentos e decisões 1997-VIII, § 44).

No entanto, as exceções permitidas pelo parágrafo 2 do Artigo 8 exigem uma interpretação restrita, e sua necessidade em um determinado caso deve ser estabelecida de maneira convincente (ver Buck, citado acima, § 44).

100. O Tribunal sempre considerou que os Estados Contratantes podem considerar necessário recorrer a medidas como buscas e apreensões, a fim de estabelecer provas materiais de certas infrações. Em seguida, verifica a pertinência e suficiência dos fundamentos invocados para justificar tais medidas, bem como o cumprimento do referido princípio da proporcionalidade. No que diz respeito a este último ponto, o Tribunal deve, em primeiro lugar, assegurar que a legislação e as práticas pertinentes proporcionem aos indivíduos garantias adequadas e eficazes contra os abusos.

Em seguida, deve examinar as circunstâncias específicas do caso para determinar se, in concreto, a ingerência em causa foi proporcionada ao fim prosseguido. Os critérios que o Tribunal leva em consideração ao decidir esta última questão incluem as circunstâncias em que o mandado foi emitido, em particular as outras provas disponíveis na época, o conteúdo e o alcance do mandado, a forma como a pesquisa foi realizada, incluindo a presença ou ausência de observadores independentes e a extensão das possíveis repercussões sobre o trabalho e a reputação da pessoa visada pela pesquisa (ver Société Colas Est e outros, citado acima, § 48; Buck v. Alemanha, no.41604 / 98, § 45, ECHR 2005-IV; Chappell v. Reino Unido, citado acima, § 46-48; Camenzind c. Suíça, citado acima, § 46; Funke, citado acima, § 57; Niemietz , citado acima, § 37; Smirnov c. Rússia, no 71362/01, § 44, 7 de junho de 2007; Robathin c. Áustria, no 30457/06, § 44, 3 de julho de 2012).

No caso de escritório de advocacia, é necessária a presença de observador independente para que os documentos cobertos pelo sigilo profissional não sejam retidos (Niemietz, citado acima, § 37, e Tamosius, citado acima, ver também referências indicado no parágrafo 77 acima). A Corte também observa que essas garantias incluem a existência de um “controle efetivo” das medidas que infringem o artigo 8 da Convenção (Lambert v. França, 24 de agosto de 1998, § 34, Relatórios de sentenças e decisões de 1998- V).

ii. Aplicação ao presente caso

α) Sobre a pertinência e suficiência dos motivos invocados 101. No caso em apreço, as buscas no sistema informático da empresa requerente e a apreensão dos dados informáticos foram ordenadas por dois mandados do juiz de instrução do TCIC de 25 e 29 de setembro de 2009, atendendo ao pedido do DCIAP (veja os parágrafos 13 e 14 acima). Estas baseavam-se em suspeitas de corrupção, apropriação ilegal de juros, lavagem de dinheiro, contra vários portugueses e alemães, relativas à compra de dois submarinos pelo governo português a um consórcio alemão. O Sr. BB foi processado por prevaricação por ter representado o Estado nas negociações entre as partes enquanto trabalhava para a empresa requerente. Nessas circunstâncias, o Tribunal está convencido de que os mandados de busca e apreensão foram de fato baseados em fundamentos plausíveis de suspeita (ver a contrario, Smirnov, § 46;

trabalho e reputação da pessoa visada pela pesquisa (ver Société Colas Est et al., citado acima, § 48; Buck c. Alemanha, no 41604/98, § 45, ECHR 2005-IV; Chappell c. Reino Unido , citado acima, § 46-48; Camenzind v. Suíça, citado acima, § 46; Funke, citado acima, § 57; Niemietz, citado acima, § 37; Smirnov v. Rússia, no 71362/01, § 44, 7 de junho de 2007; Robathin v. Au-cheat, no.30457 / 06, § 44, 3 de julho de 2012).

No caso de um escritório de advocacia, a presença de um observador independente é necessária para que os documentos cobertos pelo segredo profissional não sejam retirados (Niemietz, citado acima, § 37, e Tamosius, citado acima, ver também referências fornecidas acima no parágrafo 77). A Corte também observa que essas garantias incluem a existência de um “controle efetivo” das medidas que infringem o artigo 8 da Convenção (Lambert v. França, 24 de agosto de 1998, § 34, Relatórios de sentenças e decisões de 1998- V).

ii. Aplicação ao presente caso

α) Quanto à pertinência e suficiência dos fundamentos invocados 101. No caso em apreço, as buscas no sistema informático da empresa requerente e a apreensão dos dados informáticos foram ordenados por dois mandados do juiz de instrução do TCIC de 25 e 29 de setembro de 2009, atendendo ao pedido do DCIAP (ver parágrafos 13 e 14 acima). Estas baseavam-se em suspeitas de corrupção, apropriação ilegal de juros, lavagem de dinheiro, contra vários portugueses e alemães, relativas à compra de dois submarinos pelo governo português a um consórcio alemão. O Sr. BB foi processado por prevaricação com base no fato de ter representado o Estado nas negociações entre as partes enquanto trabalhava para a empresa requerente. Nessas circunstâncias, o Tribunal está convencido de que os mandados de busca e apreensão se basearam em fundamentos plausíveis de suspeita (ver a contrario, Smirnov, § 46; André, citado acima, § 46).

Β) Sobre o conteúdo e âmbito dos mandados de busca e apreensão 102. Quanto ao conteúdo e âmbito dos mandados de busca e apreensão, o Tribunal constata que as buscas e apreensões denunciadas pelos requerentes foram efetuadas no sistema TI da empresa requerente e escritórios dos candidatos e, mais especificamente:

- no computador do quarto requerente,

- no disco rígido do laptop que foi usado pelo Me BB.,

- em um disco rígido externo que continha arquivos arquivados e

- nos servidores do escritório de advocacia.

103. Mesmo se os investigadores não tivessem poderes ilimitados (ver a este respeito, Roba-thin, citado acima, § 52 e também, mutatis mutandis, Bernh Larsen Holding AS e Outros v. Noruega, no 24117/08, § 159, 14 de março de 2013), o Tribunal constatou que as buscas no sistema informático da empresa demandante foram realizadas com base em 35 palavras-chave, as quais se referiam à investigação. Entre eles, ela observou que havia algumas palavras gerais, como "contrapartes", "financiamento" e palavras comumente usadas em um escritório de advocacia especializado em direito financeiro, como as palavras em inglês "swap" ou "Spread" (veja abaixo parágrafo 13). À primeira vista, portanto, o escopo dos mandados de busca e apreensão parece amplo.

104. O Tribunal observou que, após o exame do Juiz de Instrução do TCIC, após o qual foram apagados cerca de 850 arquivos, o DCIAP analisou 89.000 arquivos de computador e 29.000 mensagens eletrônicas inseridas no equipamento de informática. da sociedade recorrente e, além disso, na residência de BA (vn os 39 e 44 supra). É, portanto, necessário questionar se o alcance dos mandados de busca e apreensão poderia ter sido compensado por garantias processuais adequadas e suficientes para prevenir abusos ou arbitrariedade e proteger o sigilo profissional dos advogados.

γ) Sobre a adequação e eficácia das garantias contra abusos

105. Em primeiro lugar, o Tribunal observou que, nos termos do artigo 70 §§ 1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, é proibido apreender documentos abrangidos pelo sigilo profissional de advogados (em outros palavras, pela confidencialidade das comunicações entre os advogados e os seus clientes), a menos que o advogado tenha sido indiciado no decurso da investigação. O Código de Processo Penal e o estatuto da Ordem dos Advogados também prevêem uma série de garantias processuais em relação a buscas e apreensões em um escritório de advocacia:

a) o advogado em causa deve estar presente (artigo 70.º, n.º 2, dos Estatutos da Ordem dos Advogados);

b) é necessário um representante da Ordem dos Advogados (artigo 70.º, n.º 2, dos Estatutos da Ordem dos Advogados);

c) o juiz de instrução deve presidir pessoalmente às buscas e apreensões (artigos 177 § 5, 180 § 1 e 268 § 1 c) do CPC e artigo 70 § 1 dos estatutos da Ordem dos Advogados), sendo o único autoridade capaz de autorizar ou ordenar a apreensão de correspondência e for a primeira a tomar conhecimento dela (artigos 179 §§ 1 e 3 e 269 § 1 d) do CCP). Está também vinculado ao sigilo profissional em relação a qualquer informação não relacionada com a investigação prevista no artigo 179.º, n.º 3, do CCP (ver n.º 54 supra);

d) O advogado interessado pode reclamar junto do presidente do tribunal de recurso (artigo 72.º, n.º 1, dos Estatutos da Ordem dos Advogados);

e) em caso de reclamação, os artigos apreendidos devem ser lacrados, sem consulta (artigo 72.º, n.º 2, dos Estatutos da Ordem dos Advogados);

f) No final das operações é lavrado relatório com menção expressa das pessoas presentes e de qualquer acontecimento ocorrido durante as mesmas (artigo 70.º, n.º 6, dos Estatutos da Ordem dos Advogados);

g) o juiz de instrução deve ordenar o apagamento de qualquer processo pessoal, com violação ou não do sigilo profissional, relativo às pessoas indiciadas no âmbito da investigação em questão (artigo 188 § 6º da CCP, aplicável nos termos do artigo 189.º da CCP).

106. Resta saber se essas garantias foram aplicadas, no caso em apreço, de forma concreta e eficaz e não teórica e ilusória, nomeadamente tendo em conta o elevado número de documentos.

mensagens electrónicas apreendidas e informáticas, bem como a exigência reforçada de respeito pelo sigilo que se impõe à correspondência trocada entre advogado e cliente.

107. Em primeiro lugar, o Tribunal observa que um advogado que anteriormente trabalhou por conta da sociedade recorrente (Me BB) foi indiciado por prevaricação no âmbito da investigação criminal em causa. Com relação ao curso das operações, observa o seguinte:

- os segundo, terceiro e quinto requerentes estavam presentes no momento das operações;

- um representante da Ordem dos Advogados também esteve presente;

- um juiz de instrução presidiu as operações (ver parágrafo 16 acima);

- os requerentes apresentaram imediatamente uma reclamação ao Presidente do Tribunal de Recurso e, consequentemente, os DVDs (contendo os arquivos que haviam sido queimados no momento das operações) e os discos rígidos apreendidos foram colocados sob lacre, sem o o juiz de instrução não os visualiza antes do seu encaminhamento ao presidente do tribunal de recurso e da decisão deste;

- foi elaborado no final das operações um relatório com a indicação dos itens inscritos;

- o vice-presidente do tribunal de recurso apreciou o pedido das recorrentes, concluindo que não existia neste processo uma violação flagrante do segredo profissional dos advogados;

- o juiz de instrução do TCIC verificou os elementos apreendidos e ordenou, nos termos do artigo 188 § 6º alíneas a) ac) do CCP, a destruição de cerca de 850 processos, por conterem informação de caráter pessoais, cobertas pelo segredo profissional ou respeitantes a outras pessoas que não as indiciadas.

108. As recorrentes consideram que essas garantias não eram suficientes.

Questionam, em particular, a intervenção do juiz de instrução do TCIC e a ineficácia do recurso para o presidente do tribunal de recurso. Alegam ainda que os dados informáticos apreendidos no âmbito do processo contra a MeBB não lhes foram devolvidos e que foram arquivados no inquérito sobre os demais. suspeitos.

- Sobre o juiz de instrução do TCIC

109. A título preliminar, o Tribunal observa que, no direito português, compete ao Ministério Público dirigir a investigação, intervindo apenas o juiz de instrução para autorizar determinados atos, a pedido do Ministério Público ou do autoridade policial criminal, ou para controlar sua regularidade de acordo com os artigos 268 e 269 do CCP (ver parágrafo 52 acima). Conforme indica a decisão do Tribunal da Relação de … de 18 de Maio de 2006 (processo n.º 54 / 2006-9), atua como garante das liberdades no âmbito de uma investigação criminal, tal como o juiz liberdades e detenção na França.

110. A respeito das buscas e apreensões em um escritório de advocacia, a Corte observou que o controle realizado pelo juiz de instrução ocorreu antes, durante e depois das operações. No que diz respeito ao controle a posteriori dos elementos apreendidos na sequência de uma busca, o Tribunal nota que nos termos do artigo 188 § 6 do CCP (aplicável nos termos do artigo 189 do CCP), o juiz de instrução deve ordenar a destruição de qualquer item:

- não diz respeito ao suspeito, ao arguido, a um intermediário ou à vítima;

- relativos a áreas cobertas pelo sigilo profissional, do funcionário público ou do Estado;

- cuja divulgação pode infringir gravemente direitos, liberdades e garantias.

Neste caso, por diversas portarias de 1º, 4, 5, 6 e 11 de abril de 2011, após consulta aos documentos informatizados e mensagens eletrônicas apreendidos, o juiz de instrução do TCIC ordenou a destruição de 850 arquivos informáticos que considerado de natureza privada, coberta pelo segredo profissional ou que não dizia respeito a BB (vn ° 39, supra).

O Tribunal reitera que não compete ao Tribunal substituir o seu ponto de vista pelo das autoridades nacionais quanto à relevância das provas utilizadas nos processos judiciais (ver, por exemplo, o acórdão Johansen v. Noruega , 7 de agosto de 1996, § 73, Relatórios de sentenças e decisões 1996-III). No que diz respeito ao argumento das recorrentes de que foram apreendidos documentos não relacionados com o inquérito, o Tribunal reitera que compete principalmente às autoridades nacionais julgar se lhes é adequado fornecer e conservar durante o processo interno e de que normalmente não lhe compete substituir o seu ponto de vista sobre o assunto. O Tribunal não vê razão para colocar em questionar a avaliação realizada pelo juiz de instrução do TCIC para os fins do art. 188 § 6º do CCP. É certo que este último era, de facto, à data dos factos, o único juiz de instrução encarregado dos processos mais complexos em Portugal (vn ° 58 supra). No entanto, interveio no presente processo, na qualidade de juiz de instrução, para fiscalizar a legalidade da busca e apreensão e, especialmente, para salvaguardar o sigilo profissional dos advogados. Além disso, ele não tinha poder para iniciar uma investigação. As acusações dos recorrentes contra si constituem, na realidade, uma especulação e não estão suficientemente fundamentadas para pôr em causa a eficácia do controlo que exerceu sobre os actos impugnados.

- Sobre a reclamação perante o presidente do tribunal de recurso

111. O Tribunal constatou que, na sequência da reclamação apresentada pelos requerentes ao abrigo do artigo 72.º dos estatutos da Ordem dos Advogados, os documentos informáticos e as mensagens eletrónicas apreendidas foram selados, sem que o juiz d A instrução teve conhecimento do seu conteúdo, e foi transmitida ao presidente do Tribunal da Relação de …, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 72.º dos Estatutos da Ordem dos Advogados (ver supra n.º 20). Os selos foram abertos pelo vice-presidente do Tribunal da Relação de …, que examinou o conteúdo. Por decisão de 29 de outubro de 2009, este último indeferiu a reclamação, considerando que:

- as 35 palavras-chave escolhidas pareceram-lhe relevantes para a pesquisa e, portanto, proporcionais ao objetivo buscado;

- os itens apreendidos parecem ter interesse direto ou indireto para a investigação criminal;

- não houve violação flagrante do privilégio cliente-advogado;

- cabia ao juiz de instrução do TCIC esclarecer os elementos relevantes para a investigação e que as alusões dos recorrentes a ele eram simplesmente perigosas (vn ° 26 supra).

112. Para além do facto de o exame do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de … ter como objectivo apurar se existia um risco flagrante de violação do segredo profissional dos advogados, constituindo assim uma garantia adicional ao controlo exercido pelo juiz de instrução, o Tribunal considera que, no caso em apreço, a decisão está suficientemente fundamentada neste ponto. Consequentemente, a reclamação perante o Presidente do Tribunal da Relação de … constituiu um recurso adequado e eficaz complementar ao controlo exercido pelo juiz de instrução para compensar o alcance do mandado de busca (ver a contrario, Smirnov, § 47), evitando assim a apreensão de dados abrangidos pelo sigilo profissional.

113. Resta considerar o último argumento dos requerentes sobre a não devolução das cópias dos elementos de computador apreendidos e sua utilização em processos penais que não dizem respeito ao Sr. BB.

- Sobre a não devolução de arquivos de computador e mensagens eletrônicas e sobre a sua utilização fora do procedimento relativo ao Me BB.

114. O Tribunal observa que, embora a investigação na origem da apreensão contestada visasse vários cidadãos portugueses e alemães sob a acusação de corrupção, apropriação ilegal de juros e branqueamento de capitais, que se abriu ao contra Me BB dizia respeito apenas a uma acusação de prevaricação. Salienta que estas duas investigações foram habilitadas por despacho do juiz do TCIC de 24 de junho de 2011, a pedido do DCIAP, ao qual e BB. não se opôs (ver parágrafos 41 e 42 acima). A investigação sobre este último foi inicialmente encerrada pelo DCIAP em 4 de junho de 2012 (ver parágrafo 45 acima).

115. O Tribunal constatou que os quatro DVDs originais, nos quais foram gravados os ficheiros informáticos e as caixas de correio eletrónicas, extraídos do computador da quarta recorrente e dos diversos servidores do escritório de advogados, e os dois Os discos rígidos apreendidos foram devolvidos à empresa requerente, nos termos do artigo 183.º da CCP (ver pontos 34 e 46 supra), o que as requerentes não contestam. Por outro lado, verifica-se que as cópias dos ficheiros informáticos e das mensagens electrónicas ordenadas pelo juiz de instrução não foram devolvidas aos requerentes, visto que a lei não exige a sua devolução imediata. Com efeito, o Tribunal observa que, de acordo com o direito interno, o processo penal relativo a uma investigação criminal encerrada pode ser conservado durante o prazo de prescrição dos crimes em causa (ver parágrafo 56 supra). , ou seja, 15 anos pelos crimes de corrupção, apropriação ilegal de juros e lavagem de dinheiro e 10 anos pelos crimes de prevaricação.

Aos olhos do Tribunal, a retenção do processo penal, incluindo as provas, não pode, por si só, suscitar uma questão nos termos do artigo 8º do Convenção, a menos que inclua informações pessoais de um indivíduo, o que, tendo em conta o que se afirma acima no parágrafo 110, não parece ser o caso no presente caso (ver , pelo contrário, Amann c. Suíça [GC], nº 27798/95, § 70, ECHR 2000-II no que diz respeito à retenção de informações pessoais obtidas no âmbito de escuta telefónica, S. e Marper c. Reino -Uni [GC], nos 30562/04 e 30566/04, § 68, ECHR 2008 e MK v. França, no 19522/09, § 55-57, 18 de abril de 2013 sobre a retenção de impressões digitais, 'DNA and cell samples, Z v. Finlândia, 25 de fevereiro de 1997, § 71, Relatórios de julgamentos e decisões 1997-I sobre a retenção de informações médicas e Khelili v. Suíça, no 16188/07, § 55-57 , 18 de outubro de 2011 sobre a retenção de informações relativas a uma profissão).

116. Resta saber se os receios das recorrentes quanto à utilização abusiva dos dados informáticos apreendidos eram fundados. A este respeito, o Tribunal constatou que, nos termos do artigo 187 §§ 1, 7 e 8 do CCP, aplicável por força do artigo 189 do CCP, a utilização de mensagens eletrónicas pertencentes ao processo penal no enquadramento de outro processo penal é possível num número limitado de situações, em particular quando o crime em processo penal é punível com pena de prisão superior a três anos, até ao seu limite máximo e na medida em que seja indispensável para a descoberta da verdade. Para além destes casos, não podem servir de prova no âmbito de outros processos penais, mas podem, no entanto, dar lugar à abertura de novo inquérito em aplicação do artigo 187.º, n.ºs 7 e 248. do CPP, conforme confirmado pelos acórdãos do Supremo Tribunal de 23 de outubro de 2002 (processo no 125/00) e 29 de abril de 2010 (processo no 128 / 05.0JDLSBA.S1) (ver supra parágrafo 55). Em ambos os casos, é necessária a autorização do juiz responsável pelo processo, nos termos do artigo 187.º, n.º 8, do CCP). Além disso, o Tribunal observa a este respeito que os requerentes não recorreram da ordem do juiz do TCIC de 24 de junho de 2011, conforme permitido pelo artigo 399 do CCP a respeito de qualquer ordem judicial.

117. Estas garantias parecem ter sido respeitadas neste caso. Com efeito, o Tribunal observa que, na sequência da habilitação do inquérito relativo à Me BB, o DCIAP solicitou ao juiz do TCIC que autorizasse a cópia do processo da investigação criminal e de diversos documentos anexos. a fim de serem incluídas no processo de investigação que dizia respeito aos outros suspeitos e às actividades que foram objecto da investigação (ver ponto 41 supra). O juiz do TCIC deferiu este pedido por despacho de 24 de junho de 2011 (ver supra parágrafo 42).

118. A utilização dos elementos solicitados pelo DCIAP objetivou dar continuidade à investigação a respeito dos demais suspeitos e fatos, sem que o prosseguimento da investigação sobre eles prejudicasse o Sr. BB., cuja investigação foi posteriormente encerrada. O Tribunal considera que as razões invocadas são, portanto, legítimas. No caso em apreço, observa que as cópias solicitadas se destinavam efetivamente a um inquérito estreitamente relacionado com o que está na origem da apreensão controvertida. Quanto à argumentação das recorrentes relativa à utilização de mensagens eletrónicas privadas ou abrangidas pelo segredo profissional, o Tribunal de Justiça nada tem a acrescentar ao que já referiu no n. ° 110.

- Conclusão

119. À luz das observações anteriores, o Tribunal considera que, apesar da extensão dos mandados de busca e apreensão, as garantias oferecidas aos requerentes para prevenir abusos, arbitrariedade e violação do segredo profissional dos advogados, nomeadamente o controlo do juiz de instrução complementado pela intervenção do presidente do tribunal de recurso nos termos do artigo 72.º dos estatutos da Ordem dos Advogados, eram adequados e suficientes.

A busca e apreensão dos documentos informáticos e das mensagens eletrónicas denunciadas neste caso não interferiram, portanto, de forma desproporcionada no objetivo legítimo prosseguido.

120. Por conseguinte, não houve violação do artigo 8 da Convenção.

POR ESTES MOTIVOS, O TRIBUNAL,

1. Declara, por unanimidade, a reclamação admissível;

2. Considera, por seis votos a um, que não houve violação do artigo 8 da Convenção.

Este aresto tem voto de discrepância do juiz ad hoc, CC, que, embora não seja concordante com a que propendemos a acolher, se deixa, por preito à esclarecida argumentação jurídica estendida, aqui extractado.

I - Em primeiro lugar, considero que o recurso é admissível, pelos motivos apresentados no acórdão, por unanimidade dos demais juízes.

II - Então, quanto ao mérito, não posso votar a favor do acórdão, por razões diversas que não se fundamentam na apreciação do direito português aplicável na matéria.

Com efeito, as razões que não me permitem votar a favor da sentença resultam da fundamentação lógica da sentença e da aplicação das normas da Convenção aos factos do caso; são, portanto, razões objetivas, apresentadas a seguir.

III - Quanto à primeira parte da sentença (Processo - De fato - I. As circunstâncias do caso):

1. O motivo da procura a um escritório de advogados invocado pelo Ministério Público foi o facto de “não ter sido encontrado nenhum documento no Ministério da Defesa”!

em Isto significa que a violação do sigilo profissional dos advogados em questão teve origem numa irregularidade cometida no procedimento administrativo pelo próprio Estado! b. Você não consegue entender por que um ministério pode perder ou destruir seus arquivos. Esta irregularidade foi acobertada pelo Ministério Público através de um alvo ofensivo dirigido contra um gabinete de advogados, sem quaisquer consequências para os titulares do poder administrativo e político no referido ministério.

vs. Não se pode admitir que, para encontrar os documentos desaparecidos do Ministério da Defesa, tenha sido necessária uma busca geral nos arquivos de um escritório de advocacia.

d. Os atos condenáveis ​​do Estado são suscitados pela intrusão na esfera dos profissionais privados sujeitos ao sigilo profissional, que é a essência da atividade destes.

último (a observação do público / clientes de que o escritório de advocacia não é um espaço garantidor do sigilo pode inviabilizar o funcionamento daquele escritório e, portanto,

comprometer seriamente a vida profissional dos advogados visados ​​pela pesquisa).

2. Além desta irregularidade inicial, “o escopo dos mandados de busca e apreensão” era “amplo” - o que não é admissível para qualquer investigação.

em. Nada pode justificar que uma violação de privilégio de cliente-advogado foi implementada a partir de uma lista de 35 palavras-chave, algumas das quais eram jargões de escritórios de advocacia e outras eram nomes de bancos e de personalidades.

b. Isto significa que o âmbito da pesquisa teve de ser especificado de forma muito estrita, tendo em consideração não só a razão desta medida, mas também a necessária violação dos direitos fundamentais dos advogados e seus clientes que, devido a do tamanho da lista de palavras-chave, resultaria da inevitável apreensão de um número maior de arquivos de outros clientes.

vs. Para admitir este número de palavras-chave, foi necessário determinar a relevância de cada palavra para a busca, o que não foi feito (e que seria até impossível, o Tribunal não tendo a possibilidade de julgar o mérito do julgamento. ofensa criminal).

3. As garantias previstas na lei portuguesa são adequadas (na acepção da lei), mas a sua eficácia não foi comprovada durante o processo no Tribunal.

em. O que se demonstrou é que foi seguido o procedimento previsto em lei, mas não que as garantias surtiram efeito.

b. Julgo que as regras processuais foram respeitadas, mas isso não significa que a garantia do sigilo profissional tenha sido respeitada em relação a todos os processos dos demais clientes da empresa cujos documentos, processos e e-mails tenham sido apreendidos e , pior, então transferido para uso em outro processo.

vs. Considerando o número de e-mails apreendidos (mais de 28.000), só se pode concluir que a busca não foi proporcional ao objetivo perseguido - é objetivamente impossível que todos os e-mails apreendidos tenham uma qualquer ligação com o objecto do processo penal em causa - e, consequentemente, que nenhuma garantia real dos direitos dos requerentes tenha sido assegurada.

d. A demonstração da desproporção da apreensão resulta claramente da posterior transferência dos referidos documentos, processos e correios electrónicos, com vista à sua utilização no âmbito de outro procedimento que, logicamente, tinha outro objecto (excepto admitir que as autoridades do 'investigação abriu mais de um procedimento com exatamente o mesmo objeto).

4. Além disso:

em O facto de a busca ter sido autorizada por mandado judicial do juiz de instrução não constitui garantia efetiva da não violação do sigilo profissional dos advogados em relação aos processos do escritório que não aquele que motivou a busca - é É apenas uma “formalidade” (infelizmente, cada vez mais, uma formalidade simples e estrita) que tem sido seguida “formalmente”. Admitir o contrário seria afirmar que a emissão de mandado garante efetivamente os direitos da pessoa visada pela busca, independentemente do conteúdo do mandado.

b. A mesma observação pode ser feita em relação à afirmação sobre o controlo das operações de busca efectuadas pelo juiz competente.

vs. O mesmo se aplica à presença de alguns dos requerentes e à possibilidade de recurso para o vice-presidente do Tribunal de Recurso, que resulta directamente do material do processo no Tribunal.

d. Tendo o Vice-Presidente do Tribunal de Recurso considerado que não existia risco flagrante de violação do segredo profissional dos advogados, posso concluir que nem sequer houve uma reflexão sobre o volume. processos apreendidos na sequência da consulta ao volume médio representado pelo processo de um cliente (ainda que este seja o Ministério da Defesa português) de um escritório de advogados.

e. Em conclusão, as garantias fornecidas pelo direito português para as buscas e apreensões são abstratamente adequadas, mas não foram eficazes no caso em apreço.

5. Um raciocínio objetivo e imparcial relativo à proporcionalidade leva-me a concluir que a decisão do juiz de instrução sobre o conteúdo dos elementos apreendidos não poderia efetivamente excluir todos os dados relativos à vida privada ou ao sigilo profissional dos advogados (este é um raciocínio puramente objetivo sobre a utilização média de computadores e e-mail dentro de uma empresa, em particular no caso de uma empresa composta por dezenas de advogados e lidando com milhares de arquivos relativos a vários

clientes).

em Com efeito, dos 28.345 e-mails apreendidos, o juiz de instrução rejeitou 863, o que leva a concluir que o número de e-mails considerados pelo juiz como sendo relativos à investigação realizada no presente caso é 'foi de 27.482 (quanto ao número de arquivos de computador, era 89.000).

b. Mesmo o arquivo de um ministério com um escritório de advocacia dificilmente pode crescer para um volume tão grande: tal massa de documentos, arquivos e e-mails são necessariamente relacionado a mais de um arquivo.

vs. Isso significa, na minha opinião, que a declaração de relevância para o inv

vs. Isso significa, em minha opinião, que a declaração da pertinência para a apuração de tão grande número de processos apreendidos demonstra objetiva e logicamente que a garantia prevista em lei não era realmente efetiva.

6. Em minha opinião, não se pode afirmar que os receios expressos pelos requerentes contra o juiz de instrução sejam abstratos e infundados e que nada possa pôr em causa a intervenção deste juiz. magistrado no âmbito do processo. A este respeito, as duas séries de observações a seguir apresentadas, contrárias ao raciocínio seguido pelo Tribunal, merecem ser sublinhadas.

em Por um lado, não cabia às recorrentes justificar materialmente os receios por elas apresentados, uma vez que a simples procura de um escritório de advocacia reflete per se um receio objetivo e fundamentado relativo ao sigilo e ao sigilo. atividade profissional dos advogados visados ​​pela pesquisa.

b. Como já foi dito, a busca em um escritório de advocacia viola o sigilo profissional e a própria essência da profissão, e, por isso, não poderia ser realizada a busca de arquivos e documentos que não apresentassem nenhuma ligação objetiva com o caso sob investigação.

vs. Certamente não foi este o caso no caso em apreço, não só tendo em conta o âmbito e os critérios da pesquisa (jargão jurídico normal da atividade dos advogados de negócios, nomes de personalidades e instituições bancárias, etc.), mas também principalmente pela intervenção do “juiz fiador”, que considerou relevantes os autos e documentos apreendidos, na sua quase totalidade, quando objetivamente eram demasiados breux no que diz respeito às características do caso relativo ao escritório de advocacia (ver acima).

d. Por outro lado, em minha opinião, a própria sentença apresenta todos os elementos que permitem concluir que a intervenção do juiz de instrução foi formal. Esta intervenção não teria sido puramente formal se este magistrado tivesse excluído objetivamente um maior número de processos e documentos do volume de bens apreendidos na sequência da busca (a sentença refere-se a 89.000 arquivos informáticos e 29.000 mensagens eletrónicas inserido).

e. Ressalta-se que cerca de 3% do total dos elementos apreendidos foram descartados, sendo importante lembrar que a busca foi definida a partir de uma lista de 35 palavras-chave, algumas delas abrangidas pelo jargão jurídico dos escritórios de advocacia. advogados e outros eram nomes de bancos e personalidades.

f. Em conclusão, os receios expressos pelos requerentes contra o juiz de instrução são concretos e fundamentados, e os elementos do procedimento põem em causa a intervenção deste último no âmbito do procedimento como “juiz de garantias” dos cidadãos.

7. Importa ainda sublinhar que o material apreendido na sequência da busca não foi devolvido aos requerentes, mas sim transferido para a sua utilização noutro processo penal.

em Diante desta situação, certamente só se pode concluir que houve abuso do referido material.

b. Em qualquer caso, torna-se evidente que todos os elementos apreendidos na sequência da busca, mais ou menos relacionados com o objeto do julgamento inicial (ver argumentos apresentados), eram ainda menos relevantes. relacionados com o assunto do segundo julgamento.

vs. Torna-se evidente que se as duas tentativas tivessem "o mesmo objeto", não teria sido necessário iniciar duas tentativas, mas apenas uma. Portanto, o material apreendido em razão de sua vinculação ao objeto do primeiro julgamento não poderia ter o mesmo tipo de relevância para o objeto do segundo julgamento.

d. Além disso, mesmo admitindo que esses elementos eram objetivamente relevantes para ambos os procedimentos, a apreensão foi muito extensa e cobriu muitos arquivos dos arquivos do escritório pesquisado.

e. Tudo isso leva à conclusão de que:

Eu. o propósito da busca foi permitir a coleta de evidências, seja para um julgamento ou para algum outro julgamento (é fácil concluir neste sentido no que diz respeito à determinação da busca com base na lista de 35 palavras-chave, algumas das quais eram jargão jurídico normal de advogados de negócios e outras eram nomes de bancos ...),

ii. ou seja, havia tantas evidências de que ele poderia ser usado em vários processos: isso resulta do uso de um grande número de palavras-chave que caem no jargão jurídico dos advogados de negócios;

iii. as autoridades usaram essas provas quando lhes foi conveniente, para um, dois ou mais processos;

iv. as intervenções do juiz de instrução e do juiz de recurso foram, a meu ver, intervenções formais e não permitiram garantir de forma efetiva os direitos consagrados constitucionalmente e legalmente garantidos (não pode ser de outra forma com o (autorização de uma busca baseada em uma lista de 35 palavras-chave, algumas das quais eram jargão jurídico normal para advogados de negócios e outras eram nomes de bancos);

v. os direitos fundamentais dos advogados demandantes foram certamente violados de uma forma não proporcional às necessidades de uma investigação necessariamente precisa e determinada;

vi. portanto, houve uma violação da Convenção.

IV - As considerações acima apresentadas demonstram que a afirmação do direito português no acórdão não suscita objecções da minha parte (II) Direito e prática nacionais relevantes). Não nos deparamos com um "problema" de interpretação da lei (por isso não haveria interferência na margem de decisão do Estado em seu próprio ordenamento jurídico se o Tribunal tivesse adoptou posição contrária à que adoptou).

Trata-se de um caso em que os procedimentos exigidos foram formalmente concluídos, mas que não resultaram em uma garantia efetiva dos direitos dos requerentes (ou seja, porque há apenas uma avaliação da atividade do Estado em relação aos direitos garantidos pela Convenção).

V - Sobre o mérito (Lei - B) Sobre o mérito)

1. Concordo com o argumento dos requerentes (mesmo no que diz respeito à competência do juiz de instrução, que era, à época, o único juiz responsável pelos processos penais mais complexos - que não pode ser irrelevante no contexto da apreciação do mérito da causa), precisamente pelos motivos acima expostos (pontos III, 1-7 e IV acima).

2. Não posso apoiar a tese do Governo, também pelos motivos acima expostos (pontos III, 1-7 e IV acima).

3. É certo que a interferência foi de fato "prescrita por lei".

4. No entanto, o objetivo da interferência não era inteiramente legítimo:

em. o motivo da busca residia unicamente na perda ou destruição de arquivos do Ministério da Justiça - ou seja, do próprio Estado;

b. a ingerência teria sido legítima se tivesse sido ordenada e executada, em um quadro de proporcionalidade e estrita necessidade, para um fim concreto específico do processo penal

envolvidos - o que não pode ser o caso com um mandado como o emitido neste caso;

vs. este não foi o caso no presente caso: se a razão para a busca residir no (mau) funcionamento da administração pública do Estado demandado, a interferência deve ter ocorrido

ser reduzido ao estritamente necessário para a investigação neste caso. A pesquisa não deve render uma quantidade tão grande de evidências relevantes para (pelo menos) outro processo penal autônomo (ou seja, apresentar um assunto diferente - se o assunto fosse o mesmo, não haveria razão para abrir dois procedimentos diferentes).

5. As mesmas observações e conclusões devem ser feitas a respeito da necessidade de ingerência em uma sociedade democrática (deve-se destacar o seguinte trecho da sentença, que deveria ter levado a Corte a concluir que era. violação do artigo 8 da Convenção: "a noção de 'necessidade' implica uma ingerência baseada em uma necessidade social urgente e, em particular, proporcional ao objetivo legítimo perseguido. Determinar se uma interferência era 'necessária em uma sociedade democrática”, o Tribunal leva em consideração o fato de que uma certa margem de apreciação deve ser deixada aos Estados Contratantes (...). No entanto, as exceções permitidas pelo parágrafo 2 do Artigo 8 requerem uma interpretação restrita, e sua necessidade em determinado caso deve ser comprovada de maneira convincente. (...) Em seguida, [o Tribunal] analisa a pertinência e suficiência dos fundamentos invocados para justificar tais medidas, bem como o respeito ao princípio da proporcionalidade. mencionado. Em relação a este último ponto, o Tribunal deve primeiro garantir que a legislação e a prática relevantes proporcionem aos indivíduos salvaguardas adequadas e eficazes contra o abuso. Em seguida, deve examinar as circunstâncias específicas do caso para determinar se, in concreto, a ingerência controvertida foi proporcionada ao objetivo pretendido. Os critérios que o Tribunal leva em consideração ao decidir estas questões finais incluem as circunstâncias em que o mandado foi emitido, em particular as outras provas disponíveis no momento, o conteúdo e âmbito do mandado, a forma como a busca foi realizada (...) e a extensão das possíveis repercussões no trabalho e na reputação da pessoa procurada”).

Isso significa que o Tribunal deve garantir que as buscas não levem a situações de abuso por parte dos governos - como a busca realizada neste caso, caracterizada pelo conteúdo e abrangência da busca. mandato em questão. Isso é tanto mais necessário quando o motivo da busca reside na violação da lei ou no mau funcionamento da administração pública do próprio Estado.

Do mesmo modo, o Tribunal deve também ter o cuidado de evitar que ocorram situações como a denunciada no presente caso: se o conteúdo e o alcance do mandato fossem, no presente caso, objetiva e estritamente necessários em relação ao objetivo legítimo de sancionar o infracções penais em causa, não poderíamos, contudo, aceitar a emissão de um mandato "geral", justificado pela necessidade de procura de ficheiros e e-mails, com base em palavras comuns próprias à actividade dos advogados de o negócio.

Trata-se de um ponto de vista de alcançar o justo equilíbrio entre o objetivo legítimo perseguido pelo Estado e as repercussões no trabalho e na reputação dos advogados visados ​​pela busca.

VI. conclusão

É por isso que não posso, em sã consciência, concordar com as conclusões da maioria. Na minha opinião, o Tribunal terá devido de se pronunciar a favor de uma violação do artigo 8º da Convenção.”

A razoabilidade das posições que ficam expressas, permitem, em adverso ao defendido pelo recorrente, que a reclamação da execução activa do mandado de busca não pode ser catalogada como tratando-se de um acto de escrutínio de uma quebra de sigilo profissional, Afinal o sigilo profissional foi quebrado pela ponderação operada no despacho do Juiz de Instrução, que validando, depois de equacionar e sopesar os pontos de equilíbrio em causa, acolheu a proposta de busca e a determinou. Aqui, ou seja no concreto acto (jurisdicional) em que se inflecte e objectiva a ordem judicial de busca – materializada, por incorporação, no mandado emitido pela autoridade judiciária – se encontra pressuposto, ou pré-assumido, o balanço (jurisdicional) relativamente ao equilíbrio funcional-institucional que se pressupõe na opção decisória ditada, aqui incluído o sigilo profissional com que a lei preserva e salvaguarda a actividade de advocacia. No acto decisório – optativo, por eleição subjectivo-funcional do julgador, ainda que vinculado aos fundamentos do pedido ocasionado pela entidade competente (no caso o Ministério Público) – o julgador pondera os concretos interesses em causa (os interesses da investigação – interesses públicos de perseguição criminal, de prossecução da justiça e de descoberta da verdade histórico-processual) – e, nessa ponderação inclui, inevitavelmente, a quebra do sigilo profissional. Não é compatível, no plano da assumpção de uma decisão jurisdicional, que se proceda à vulneração de um dos valores consagrados e proclamados nos testos fundamentais, maxime a quebra do sugilo profissional de uma profissão – sem que se ponderem os valores em causa e se estabeleçam os parâmetros em que essa incursão/incisão se deva proceder. Daí que a lei abroquele este acto investigativo das cautelas funcionais, institucionais e estatutárias asseguradas nas leis de ordenamento processual e no regime estatutário da advocacia.

Não se trata, na decisão do incidente de reclamação impresso n artigo 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados, por “desmadejada” percepção do sentido legal, de questionar o sigilo profissional – este terá cabimento em sede de recurso do acto que a ordenou – mas tão só de aquilatar se o acto executório desbordou, por excesso, os parâmetros e lindes contidos no mandado que incorporou a ordem de quebra do sigilo (profissional).

Reconhecemos – e a questão vem aflorada no voto de discordância adjunto ao aresto do Tribunal Europeu – que a extensão da quebra do sigilo poder-se-ia ter implícita na execução da ordem de busca. Se uma ordem de busca num escritório de advogado for executada em desconchavo, desabuso e desaso de um critério proporcionalidade e rigor, poder-se-ão vulnerar direitos de terceiros desquiciados do cas em investigação e motivador da ordem de recolha de elementos pertinentes para a descoberta da verdade histórico-processual que interessa para o apuramento da responsabilidade penal suspeita. No entanto, sempre se dirá que, mesmo numa situação como a configurada o sigilo profissional estará salvaguardado, dado que o juiz de instrução – à ordem de quem ficam os elementos recolhidos – sempre estará sujeito – ele próprio e os demais intervenientes do processo – sujeitos ao sigilo processual interno e externo.

Retornando ao “grano”, a saber a recorribilidade do despacho do Presidente da Relação definitivo de uma reclamação ao amparo do artigo 77º do Estatuto da ordem dos Advogados, diremos que a mesma não é admissível, por (i) se tratar de despacho proferido por entidade singular; (ii) não se incluir no amplexo de recursos para que o Supremo Tribunal de Justiça se encontre orgânico-funcionalmente adstrito.



§3. – DECISÃO.

Na desinência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Não admitir o recurso interposto do despacho do Presidente do Tribunal da Relação que desestimou a reclamação impulsionada ao amparo do artigo 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados;

- Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s.


Lisboa, 4 de Novembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)