MAIOR ACOMPANHADO
ACOMPANHANTE
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS
CUMPRIMENTO DOS DEVERES DE ADMINISTRAÇÃO DOS BENS
INCIDENTE DE REMOÇÃO
Sumário


I- O acompanhamento de maior, quando este é uma pessoa totalmente dependente de terceiros, visa assegurar, essencialmente o seu bem-estar físico, psíquico e emocional.
II- Tal desiderato é conseguido quando a acompanhada vive em casa da acompanhante, sua irmã, com a família desta, em quarto próprio e com boas condições habitacionais, estando bem cuidada, higienizada, medicada, sem sinais de desnutrição ou alterações cutâneas.
III– Existindo suspeitas sobre a administração que a acompanhante faz dos bens da acompanhada, pode o tribunal determinar que a acompanhante preste contas da sua administração.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

No processo de interdição por anomalia psíquica – entretanto convertido em processo de acompanhamento de maior – que o Ministério Público intentou e em que era requerida D. G., vieram A. R. e M. S., respetivamente, protutor e vogal da irmã, acompanhada, alegar o incumprimento dos deveres da acompanhante E. C., requerendo a convocação do Conselho de Família.
Notificada a acompanhante, veio esta pronunciar-se, nos termos do requerimento junto a fls. 60 e 61.
Teve lugar Conselho de Família, no decurso do qual foi aprovado, com os votos dos vogais A. R. e M. S., a remoção de E. C. do cargo de acompanhante de D. G., tendo sido indicados para o cargo de acompanhante M. S. e de vogal M. C. (irmãs). O Ministério Público absteve-se por entender que não estavam reunidos todos os elementos necessários que permitam fundamentar uma decisão de remoção de E. C. do cargo de acompanhante, considerando que se deve aguardar o desfecho de dois inquéritos nos quais se investiga a prática de crimes de maus tratos e infidelidade por parte de E. C. contra bens pessoais e patrimoniais da acompanhada, uma vez que as denúncias apenas foram apresentadas na sequência do conflito entre os irmãos sobre a venda do imóvel.
Apesar da posição manifestada pelo MP, os vogais requereram, desde logo, a remoção da acompanhante.
Foram ouvidos a acompanhante e os vogais, a fim de ser apreciado o pedido de remoção da acompanhante.
O processo foi instruído com documentos, designadamente, o Relatório de visita domiciliária à residência da acompanhante, elaborado pela Segurança Social, extrato de conta bancária em nome da acompanhada, informação da Santa Casa da Misericórdia ... sobre a inscrição da acompanhada em Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, informação da Divisão de Vitivinicultura da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte sobre o direito de replantação da vinha em propriedade da acompanhada, Relatório Clínico da acompanhada, elaborado no Centro de Saúde e informação do Instituto de Segurança Social sobre as pensões de sobrevivência e sociais auferidas pela acompanhada.
O Ministério Público promoveu que seja removida da tutela E. C. e que, para exercer o cargo de acompanhante, seja nomeada M. S. (irmã da acompanhada), sendo nomeada para vogal V. F., também irmã da acompanhada.
Notificadas, as partes pronunciaram-se sobre os documentos e a promoção do MP, tendo a indicada M. S. declarado aceitar o cargo de acompanhante.

Foi proferida sentença que julgou o incidente procedente e, em consequência, decidiu remover E. C. do cargo de acompanhante de D. G. e designar como acompanhante de D. G., sua irmã M. S., nomeando como vogais a integrar o Conselho de Família, o já nomeado A. R., irmão da acompanhada, também para o cargo de protutor, e V. F., irmã da acompanhada.

E. C. interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I. Por sentença proferida em 10 de agosto de 2020, o douto Tribunal a quo julgou procedente o incidente de remoção de acompanhante e, consequentemente, removeu E. C. do cargo de acompanhante de D. G., designou como acompanhante M. S. e nomeou como vogais a integrar o Conselho de Família A. R. e V. F..
II. A recorrente E. C. dissente do acerto da decisão de direito ínsita no sentenciamento sob censura, impugnando-a através da presente via recursória.
III. Em ordem a aquilatar-se do adequado cumprimento dos deveres próprios do cargo de acompanhante, perfilam-se dois segmentos:
a) Cuidados de saúde, de higiene e de bem-estar providenciados à acompanhada por banda da acompanhante;
b) Administração dos bens da acompanhada por parte da acompanhante.
IV. No que concerne ao primeiro vetor, resulta proficientemente dos autos que a acompanhada foi visitada diversas vezes no domicílio, encontrando-se tranquila, com aspeto cuidado, roupa lavada e asseada, sem sinais de desnutrição, sem alterações cutâneas, sem odores e num quarto com boas condições habitacionais (cfr. relatório de fls. 137 e 138 e documento de fls. 92 a 94).
V. A acompanhada D. G. tem beneficiado de cuidados de elevada qualidade por parte da acompanhante. Dada a debilidade de saúde da D. G. e a sua específica condição de saúde, a prestação de cuidados em contexto familiar e de proximidade afetiva beneficiam-na sobremaneira. Por mais especializados e profissionais que possam ser os cuidados ministrados num lar de idosos ou numa estrutura do mesmo jaez, nada substitui o desvelo, o carinho, o cuidado e a importância da proximidade familiar e afetiva resultantes de a D. G. viver com a irmã E. C., em casa desta, acompanhada em permanência e beneficiando de cuidados personalizados e exclusivos.
VI. Se o acompanhamento da D. G. por parte da sua irmã E. C. for alterado por força da decisão contida na sentença recorrida e atribuído à irmã M. S., ficará prostrada num lar de idosos, privada do contacto regular, assíduo e permanente com a família, podendo apenas receber visitas espaçadamente e de forma assética e impessoal.
VII. Os irmãos da D. G. que querem retirá-la do contacto com a acompanhante E. C. disseram expressamente nos presentes autos que é seu propósito depositar a irmã na ERPI da Santa Casa de … (veja-se, a este respeito, o teor do último parágrafo do requerimento de fls. 38, as declarações de M. S. de fls. 70, onde expressamente consta que “se for nomeada acompanhante da D. G. irá colocá-la numa Unidade de Cuidados Continuados”, e os documentos de fls. 72 e 106).
VIII. A douta sentença recorrida atém-se de forma praticamente exclusiva na parte financeira ou monetária do acompanhamento. Contudo, no que diz respeito aos cuidados de saúde, à qualidade do acompanhamento, às vantagens de não institucionalização da acompanhada, à proximidade afetiva quotidiana, aos sacrifícios inerentes a uma prestação de cuidados de proximidade e de qualidade, enfim, no que tange à vertente “pessoal” e humana do caso, é clamorosamente omissa.
IX. Mas mesmo que fossemos tributários de tal lógica quantitativa e numérica, sempre a decisão de remoção de E. C. do cargo de acompanhante seria errada e infundada.
X. Desde logo, e no que diz respeito às quantias que a acompanhante levantou da conta da acompanhada, cumpre esclarecer que tais “movimentações bancárias” foram feitas dentro do complexo de poderes em que se encontra investida.
XI. Não resulta dos autos que tal dinheiro tenha sido dissipado, que tenha desaparecido ou que, de alguma forma, tenha sido subtraído à acompanhada. Nada nos autos permite afirmar que os movimentos bancários enumerados no ponto 16 dos factos provados são evidência de uma má gestão do património monetário da acompanhada.
XII. A sentença recorrida faz, neste domínio, uma análise dos valores que ao longo dos anos a acompanhada recebeu da Segurança Social, concluindo que existe uma diferença (para menos) entre tal montante e o valor das despesas suportadas pela acompanhante. Esta análise visa demonstrar que este diferencial de valores não justificaria o levantamento das quantias monetárias operadas pela acompanhante E. C..
XIII. O raciocínio assim expendido faria todo o sentido não fora a circunstância de não se encontrar apurados nos autos o destino desse diferencial. Sabe-se que saiu da conta da acompanhada, sabe-se que foi a acompanhante que fez as movimentações, mas não se sabe nada acerca do paradeiro do dinheiro.
XIV. O Tribunal recorrido viu em todos os atos e condutas da acompanhante sinais de que esta não estava a cumprir adequadamente o cargo na vertente patrimonial. No afã de justificar a conclusão aprioristicamente alcançada, motiva-se na sentença que a acompanhante manifestou uma preocupação em retirar o dinheiro da conta antes da data da reunião do Conselho de Família de 31/10/2019, após a respetiva notificação para tal reunião em 18/10/2019 (fls. 63).
XV. Acontece que depois da notificação da acompanhante em 18/10/2019 foram feitos 11 movimentos bancários, sendo certo que antes dessa data os movimentos foram 10. Antes da notificação a que o Tribunal se ateve foram levantados 39 600,00 €. Depois dessa data, o valor levantado foi de 5 390,00 €. Soçobra, neste particular, a fundamentação contida na douta sentença em referência.
XVI. Est modus in rebus: sobre a questão da movimentação e levantamento do dinheiro da conta bancária da acompanhada, só no âmbito de um processo/incidente/apenso de prestação de contas é que o Tribunal recorrido poderia determinar se a acompanhante geriu de forma adequada ou não os interesses patrimoniais da acompanhada. De forma avulsa, com base em elementos desgarrados – que nem indícios sejam a ser, bem entendido – era absolutamente vedado ao douto areópago a quo concluir como concluiu.
XVII. No que concerne aos direitos de replantação da vinha, resulta inequívoco que a conduta da acompanhante E. C. visou salvaguardar os direitos em causa, que se mantêm na esfera e titularidade da acompanhada D. G.. Tal facto resulta insofismavelmente do teor do ofício de fls. 117, onde se afirma categoricamente que a autorização de plantação em causa não foi transferida e foi aplicada numa parcela que consta no IFAP em nome da D. G., como exploradora.
XVIII. Não resultou, dessarte, qualquer prejuízo ou empobrecimento para a acompanhada. Pelo contrário: se os direitos não fossem salvaguardados, perder-se-iam para sempre (graças ao arranque que o membro do Conselho de Família A. R. efetuou, deixando a licença a descoberto da existência de uma plantação de videiras).
XIX. Tudo foi tramitado em nome da acompanhada D. G., que se mantém titular da licença/direito e que figura outrossim como exploradora da parcela onde a vinha foi plantada, pelo que falece também a fundamentação do douto pretório recorrido acerca do prejuízo dos interesses patrimoniais da D. G..
XX. Relativamente à vexata quaestio da venda do prédio urbano da acompanhada, a acompanhante foi autorizada a vendê-lo pelo valor mínimo de 40 000,00 €.
XXI. O valor da avaliação, calculado por um perito credenciado, era bastante inferior àqueles 40 000,00 € (sendo que a avaliação procurou fixar aquele que seria o valor de mercado do imóvel).
XXII. No momento em que foram enviadas à acompanhante as cartas de fls. 40 e 41, já esta se havia vinculado ao negócio com a compradora A. S., não tendo o negócio sido formalizado através da competente escritura de compra e venda por vicissitudes relacionadas com o acesso da compradora ao crédito junto do Banco …. A casa estava vendida, faltando apenas outorgar a escritura pública – o que veio a acontecer em 23/07/2019 (cfr. fls. 117 e ss. do apenso B).
XXIII. Ante o argumentário que antecede, não se afigura que a atuação da acompanhante E. C., ao vender a casa dentro dos limites judicialmente fixados (e que já representam um acréscimo de cerca de 5 000,00 € relativamente à avaliação e ao valor de mercado), tenha prejudicado os interesses patrimoniais da sua irmã D. G..
XXIV. Acresce que o Tribunal autorizou a venda, além do mais, para que com o respetivo produto se fizesse face aos encargos suportados pela acompanhante E. C. (passados e futuros). Assim, se algum prejuízo tivesse resultado para a acompanhada, ele seria absorvido pela acompanhante, que ficaria privada da diferença de valores para fazer face às despesas que comprovadamente tem com os cuidados da D. G..
XXV. A venda da casa foi um ato de boa gestão do património da acompanhada, tendo sido transacionada por um valor bastante acima do seu real valor de mercado. A casa estava a deteriorar-se e encontrava-se devoluta e com o passar do tempo o seu valor iria diminuir.
XXVI. Resulta do exposto que a acompanhante E. C. sempre cumpriu as suas obrigações e deveres de forma correta, adequada, legal e na prossecução dos interesses (patrimoniais, pessoais, familiares e afetivos) da sua irmã D. G..
XXVII. Mesmo que se entenda que a conduta da acompanhante E. C. não é totalmente isenta de reparos, é mister analisar a sua atuação de forma integrada, sopesando adequadamente todos os fatores relevantes.
XXVIII. Neste conspecto, a solução que melhor defende os direitos e os interesses da D. G. é irrefragavelmente a da manutenção de E. C. como sua acompanhante. A solução determinada pelo Tribunal de primeira instância é totalmente contraproducente e a sua execução desenraizará e desumanizará a pessoa que devia ser defendida e que deveria constituir o centro de atenção do processo.
XXIX. A D. G. é uma pessoa que padece de uma deficiência profunda. Tem como referência pessoal e familiar a sua irmã E. C., que com ela está todos os dias. A acompanhante E. C. enfrenta diariamente um sacrifício profundo, pois não é fácil cuidar de uma pessoa nas condições da D. G.. Contudo, fá-lo com toda a boa-vontade e, sobretudo, com muito amor. Cuidar diretamente de uma pessoa como a D. G. implica um grau de responsabilidade, de empenho e de compromisso muito grande. Implica abdicar de muitas coisas. Implica uma preocupação constante. Mas cuidar é isso mesmo: é importar-se, é preocupar-se, é colocar o outro à frente de tudo, é viver para o outro! Jamais um lar de idosos (que é onde os irmãos vão colocar a D. G., como a própria M. S., que se perfila para desempenhar as funções de acompanhante, expressamente admitiu nos autos) substituirá o carinho, a proximidade e os laços de amor próprios de uma relação fraterna entre duas irmãs.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das conclusões que antecedem, assim se fazendo, como costumadamente, JUSTIÇA!

M. S. e A. R., vogal e protutor, contra alegaram pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público também apresentou resposta, considerando que deve ser mantida a decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se há motivos para remoção da apelante E. C. do cargo de acompanhante.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:
1- A acompanhada D. G. nasceu em - de dezembro de 1970.
2- Por sentença datada de 31/10/1991, proferida nos presentes autos (antigo processo de interdição n.º 34/91), foi declarada interdita, tendo-se fixado a data do começo da incapacidade na data de nascimento.
3- Por decisão proferida em 01/06/2016, foi nomeada como tutora E. C., como protutor A. R. e, como vogal M. S..
4- Por decisão proferida no apenso B (autos de autorização/confirmação judicial) em 08/05/2019, a acompanhante E. C. foi autorizada a vender o prédio urbano sito em …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … sob o n.º …, omisso no registo predial, propriedade da acompanhada D. G., pelo preço mínimo de 40.000,00 €.
5- Para aquisição do prédio referido em 4), a acompanhante E. C. recebeu as seguintes propostas:
5.1- Em 12/04/2020, na reunião do Conselho de Família, M. S., irmã da acompanhada, comunicou que oferecia o valor de 40.000,00 €;
5.2- Em 02/07/2019, F. C., irmã da acompanhada, por carta registada com prova de receção, comunicou a E. C. que oferecia a quantia de 45.000,00 €;
5.3- Em 10/07/2019, por carta registada, A. R., irmão da acompanhada, comunicou a E. C. que pretendia adquirir o imóvel pela quantia de 50.000,00 € e o recheio existente na referida moradia pelo valor de 2.000,00 €.
6- No dia 23 de julho de 2019, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada no Cartório Notarial de … a cargo da Licenciada M. J., a acompanhante E. C., na qualidade de acompanhante de D. G., vendeu a A. S., sua filha, o prédio identificado em 4), pelo preço de 40.000,00 €.
7- Na reunião do Conselho de Família ocorrida no dia 31/10/2019, os vogais A. R. e M. S. votaram a favor da remoção de E. C. do cargo de acompanhante de D. G..
8- No dia 25 de julho de 2019, na visita domiciliária efetuada por parte dos serviços da Segurança Social à residência onde reside a acompanhada D. G., verificou-se que esta encontrava-se bem cuidada e higienizada.
9- D. G. encontra-se medicada, sem alterações cutâneas ou sinais de desnutrição.
10- A acompanhada D. G. é titular de autorização de plantação com o código de 2658797, com período de duração de 09/12/2019 a 31/07/2022, emitida pelo Instituto da Vinha e do Vinho.
11- Por documento datado a 10/10/2018, denominado “declaração de cedência”, S. C. cedeu a título gratuito, a favor da acompanhada D. G., representada por E. C., a exploração do prédio rústico “…”, inscrito na freguesia de …, concelho de Alijó, sob o artigo …, com a área de 0,595 m2, durante o período de dez anos.
12- Os direitos de autorização de exploração referido em 10) foram transferidos para o prédio identificado em 11), da propriedade de S. C., marido da acompanhante E. C., e desta.
13- A acompanhada D. G., beneficiária da Segurança Social, recebeu os seguintes montantes:
13.1- No ano de 2016, o valor anual - 3.482,64, correspondente aos montantes de 2.123,00 € e 1.359,64 € a título de pensão de sobrevivência de seus pais, A. R. e M. J. respetivamente, e a título de subsídio mensal vitalício a quantia mensal de 176,76 €;
13.2- No ano de 2017, o valor anual de 4.427,89, correspondente aos montantes de 3.061,45 € e 1.366,44 €, a título de pensão de sobrevivência de seus pais, acrescido do valor mensal de 177,64 € a título de subsídio mensal vitalício e do valor total de 792,96 € a título de Prestação Social para a Inclusão (pago durante o período de três meses);
13.3- No ano de 2018, o valor anual de 4.783,02, correspondente aos montantes de 3.391,98 € e 1.391,04 € a título de pensão de sobrevivência de seus pais, acrescido do valor anual de 3.228,96 € a título de Prestação Social para a Inclusão;
13.4- No ano de 2019, o valor anual de 4.900,14, correspondente aos montantes de 3.486,98 € e 1.413,16 € a título de pensão de sobrevivência de seus pais, acrescido do valor anual de 5.610,90 € a título de Prestação Social para a Inclusão;
13.5- No ano de 2020, encontra-se a auferir o valor mensal de 356,01 €, correspondente aos montantes de 254,36 € e 101,65 € a título de pensão de sobrevivência de seus pais, acrescido do valor mensal de 440,82 € a título de Prestação Social para a Inclusão (componente base e complemento), perfazendo o montante global mensal de 796,83 €.
14- Na decisão referida em 4), apurou-se que a acompanhada D. G. encontra-se acamada e totalmente dependente de terceiros para as mais elementares tarefas do dia-a-dia e para sua vigilância permanente, tendo necessidade de efetuar despesas a nível de vestuário, calçado, higiene, alimentação e medicação, as quais totalizam gastos mensais no valor aproximado de 900,00 €.
15- A acompanhada D. G. é titular da conta bancária n.º ……….. 41 da Instituição Caixa …, CRL.
16- Durante o período compreendido entre 23/07/2019 e 04/11/2019, foram feitos, entre outros, os seguintes movimentos bancários na conta referida em 15):
- Em 24/07/2019, depósito do valor de 40.000,00 €;
- Em 31/07/2019 foi transferido para a conta de S. C., marido da acompanhante, a quantia de 10.000,00 €;
- Em 12.09.2019, foi levantada a quantia de €5.000,00;
- Em 12/09/2019, foi efetuada uma transferência no valor de 4,000,00 €;
- Em 15/09/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 17/09/2019, foi levantada a quantia de 10.000,00 €;
- Em 24/09/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 26/09/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 03/10/2019, foi levantada a quantia de 9.000,00 €;
- Em 14/10/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 15/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 21/10/2019, foi levantada a quantia de 2.000,00 €;
- Em 23/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 23/10/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 25/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 25/10/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 27/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 27/10/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 29/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 29/10/2019, foi levantada a quantia de 200,00 €;
- Em 30/10/2019, foi levantada a quantia de 500,00 €;
- Em 30/10/2019, foi levantada a quantia de 90,00 €.
17- No dia 30/10/2019, a conta bancária da acompanhada D. G. identificada em 14), apresentava o saldo final de 4,61 €.

Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

Entende a apelante que o incidente de remoção da acompanhante deveria ter sido julgado improcedente. Considera que a sentença recorrida, apenas se baseou “na parte estritamente financeira ou monetária da questão em análise”, não tendo dado relevo “aos cuidados de saúde, à qualidade do acompanhamento, às vantagens da não institucionalização da acompanhada, à proximidade afetiva quotidiana, aos sacrifícios inerentes a uma prestação de cuidados de proximidade e de qualidade, enfim, no que tange à vertente pessoal e humana do caso”.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código Civil (redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado) “No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada”, acrescentando o artigo 140.º, n.º 1 do mesmo Código que “o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres”.
Já no anterior regime da interdição, o artigo 145.º do CC estipulava que o tutor deve cuidar especialmente da saúde do interdito (podendo para esse efeito alienar os bens deste, obtida a necessária autorização judicial), o que conduzia ao comentário de Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 154, de que à cabeça dos deveres do tutor deve estar o de cuidar da saúde do interdito, sendo esse o fim principal da tutela.
Hoje, relativamente ao âmbito e conteúdo do acompanhamento, está previsto que a representação legal segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações – artigo 145.º, n.º 4 do CC – prevendo-se que, para além do cuidado com a pessoa do acompanhado (defesa da vida, preservação da saúde, manutenção do sustento), a tutela engloba, ainda, a representação jurídica e a administração dos bens do acompanhado.
A apelante, apesar de fazer referência a outros factos (quase sempre resultantes dos autos apensos), não pôs em causa a decisão sobre a matéria de facto.
Resulta, assim, dos factos provados, que a apelante foi nomeada como tutora (posteriormente transmudada para acompanhante) em 01/06/2016.
Tal nomeação aconteceu na sequência de um incidente de remoção de tutor intentado pela atual acompanhante. Com efeito, tendo a acompanhada sido declarada interdita em 1991, foi-lhe, nessa altura, nomeado tutor, seu irmão mais velho, A. R., cuja remoção a ora apelante veio a peticionar em 2015. Nessa altura, o tutor entregava a acompanhada, durante o dia, aos cuidados da Associação Cultural e Social de … (serviço pelo qual era paga a prestação mensal de € 200,00), e pagava à irmã, atual acompanhante, € 300,00/mês, para que ela cuidasse da acompanhada à noite, aos fins-de-semana e feriados. Apesar de, no decurso deste atual processo, se ter disponibilizado para fazer obras no imóvel da acompanhada (por ser empreiteiro), a verdade é que, enquanto foi tutor, e mesmo posteriormente, nunca tratou desse assunto (o que, aliás, já foi salientado na sentença que autorizou a venda do prédio urbano da acompanhada). Em sede de diligência de inquirição de testemunhas, o requerido A. R., aceitou ser destituído do cargo de tutor, passando o mesmo a ser exercido pela requerente E. C., tendo este acordo sido homologado por sentença.
Verifica-se, assim, que a ora apelante veio a ser designada tutora de sua irmã porque, no fundo, era já ela quem, na prática, desempenhava tais funções, acolhendo-a em casa e preocupando-se com ela, face ao desinteresse manifestado pelo anterior tutor.
Cabe, aqui esclarecer que a acompanhada é uma pessoa totalmente dependente, não fala, não anda, sofrendo de Trissomia 21, epilepsia e estenose esofágica com PEG (tubo colocado no estômago para fornecer um meio de alimentação, quando a administração oral não é adequada) e que está acolhida na casa da acompanhante há cerca de seis anos.
De acordo com os Relatórios Médicos e da Segurança Social, elaborados após observação da D. G. no domicílio, pela sua médica, da Unidade de Saúde de … a acompanhada “encontrava-se deitada na cama, tranquila, num quarto com boas condições habitacionais. Não comunicou comigo. Sem alterações cutâneas ou sinais de desnutrição, Aspecto cuidado, roupa lavada e asseada. Sem maus odores” e visita de técnico da Segurança Social, por solicitação do Ministério Público (inquérito de maus tratos), “A acolhida tem quarto próprio, devidamente equipado com cama capaz de responder às suas especificidades. O wc onde a acolhida faz a sua higiene está também equipado para que seja o mais funcional possível tendo em conta as especificidades da mesma. A acolhida encontrava-se a repousar no sofá da sala, encontrando-se bem cuidada e higienizada (…) não se verificou qualquer tipo de indício da situação denunciada, não se verificando por isso a necessidade de se levar a cabo qualquer tipo de intervenção/procedimento”.
Revertendo ao que supra referimos quanto às obrigações principais do tutor, e considerando o estado de saúde da acompanhada, não há dúvida que a acompanhante cumpre a sua obrigação, assegurando-lhe o seu bem-estar, com a diligência requerida a um bom pai de família (apreciada esta objetivamente).
Esta conclusão é tão mais importante, quando é certo que a nova acompanhante nomeada na sentença recorrida, declarou já, perante o tribunal que irá colocar a irmã no Lar da Santa Casa da Misericórdia ..., por não ter condições para a acolher em casa.
Vê-se, assim, que as acusações dos irmãos de ambas – acompanhante e acompanhada – quanto a este ponto da negligência e, até, maus-tratos, são infundadas.
Estas acusações, aliás, só aparecem contemporaneamente com o problema da venda do imóvel da acompanhada, tendo inclusivamente efetuado queixas-crime de maus-tratos e infidelidade, que se revelaram infundadas. Até esse momento, parece que ninguém se preocupou. Como vimos já, e ao contrário, teve que ser a irmã E. C. a preocupar-se com a acompanhada, solicitando a remoção do tutor por este não estar a cumprir com as suas obrigações, tendo obtido ganho de causa e logrado a substituição do tutor.
Ora, quanto à venda do imóvel, a acompanhante obteve autorização para proceder à sua venda, pelo valor mínimo de € 40.000,00 – autorização que é obrigatória, nos termos do disposto no artigo145.º, n.º 3 do CC.
Neste apenso, procedeu-se à avaliação do imóvel, tendo o perito concluído que “o valor venal do prédio urbano em análise é de € 34.700,00”, só se tendo fixado aquele valor de € 40.000,00, porque uma das irmãs afirmou, em Conselho de Família, que estava disposta a dar esse valor pelo prédio. Na sentença que autorizou a venda deixou-se consignado: “Entendemos, pois, que se mostra justificada a alienação do prédio urbano objeto dos autos, com vista a que o produto da sua venda possa acorrer às avultadas e recorrentes despesas que a interdita vem produzindo, ficando assegurados e acautelados os cuidados a prestar à mesma a nível de saúde, alimentação e higiene, salvaguardando-se assim o seu bem-estar”. Ou seja, a acompanhante foi autorizada a vender o imóvel da acompanhada, pelo valor mínimo de € 40.000,00 (ele mesmo já superior à avaliação) para acorrer às despesas da acompanhada.
O prédio em questão foi vendido por aquele valor de € 40.000,00, valor esse depositado na conta da acompanhada.
É certo que, em momentos muito próximos da realização da escritura de compra e venda, que ocorreu em 23/07/2019, dois irmãos da acompanhante remeteram-lhe comunicações oferecendo-se para pagar € 45.000,00 e € 50.000,00 pela referida casa, respetivamente, em 02/07/2019 e 10/07/2019.
Já supra salientámos que nos ficou a convicção de que os irmãos da acompanhada só se começaram a preocupar com ela quando sentiram que o seu património poderia vir a ser alienado. Neste caso, a acompanhante, pediu autorização ao tribunal para alienar o imóvel a fim de fazer face às despesas que tem que suportar com a acompanhada e obteve essa autorização, nos termos já salientados, tendo desenvolvido as diligências necessárias à sua concretização, diligências essas não compatíveis com propostas apresentadas a 15 dias da escritura, quando é certo que, como resulta da mesma, a compradora teve que recorrer a crédito bancário para suportar o preço da aquisição (com todos os prazos e burocracias necessárias para o efeito).
Outra questão tem a ver com o facto de esse valor, bem como o que resulta das pensões auferidas mensalmente pela acompanhada, ter sido levantado da conta por esta titulada num período de três meses – desde 24/07/2019, até 30/10/2019 – deixando a conta com um saldo de € 4,61.
Aqui reside, segundo cremos, o ponto principal da sentença recorrida e que conduziu à remoção da apelante do cargo de acompanhante por se ter considerado que “faltou ao cumprimento dos deveres próprios do cargo de acompanhante, revelando inaptidão para o seu exercício, concretamente, para a gestão do património da acompanhada”.
A apelante sustenta que o facto de ter levantado tais quantias não quer dizer que tenha dissipado o dinheiro, ou que o mesmo tenha sido subtraído à acompanhada.
É claro que a acompanhante, posta perante estas suspeitas, teve oportunidade nos autos de esclarecer qual o destino que deu às quantias movimentadas e não o fez.
Mas pode, ainda, fazê-lo.
Nos termos do disposto no artigo 151.º, n.º 2 do Código Civil “O acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado” e isto porque, nos termos do n.º 1 deste artigo “as funções do acompanhante são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e do acompanhante”.
Já vimos que a acompanhante foi autorizada a vender o imóvel para acorrer às despesas, considerando, desde logo, a situação em que a acompanhada se encontra. Contudo, perante as suspeitas a que a movimentação da conta deu azo, poderia e deveria o tribunal ter ordenado a prestação de contas por parte da acompanhante, nos termos do disposto neste artigo 151.º do Código Civil (previsto igualmente para a tutela).
Idêntica questão se coloca relativamente ao problema da autorização de plantação e sua transferência, cabendo averiguar qual o benefício da mesma para a acompanhada e em que medida, tal operação pode gerar rendimentos que permitam acorrer às suas despesas, não sendo líquido que se trata de dissipação de património, uma vez que, de acordo com a declaração emitida pela Divisão de Vitivinicultura da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, o direito de replantação da vinha foi utilizado num prédio, do qual a acompanhada consta como exploradora/titular, nos documentos oficiais (veja-se caderneta predial rústica de fls. 114).

Revertendo à questão que aqui nos é colocada e considerando que, nos termos do disposto no artigo 1948.º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 152.º do mesmo Código), pode ser removido da tutela:

a) O tutor que falte ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revele inaptidão para o seu exercício;
b) O tutor que, por facto superveniente à investidura no cargo se constitua nalguma das situações que impediriam a sua nomeação.
há que averiguar se estão reunidos os pressupostos para a remoção da acompanhante do cargo que vem desempenhando.

Ora, considerando tudo o que vimos dizendo, onde releva, o tipo de incapacidade de que sofre a acompanhada, a sua relação com a acompanhante, em casa de quem vive, e que tudo fez para lhe garantir condições de vida dignas e assegurar o seu bem-estar, por oposição ao irmão, anterior tutor, que se desinteressou dela e que agora faz parte do conjunto de irmãos que tudo tem feito para desacreditar a acompanhante (incluindo queixas-crime) e, considerando, ainda, que a (nova) acompanhante nomeada na sentença recorrida, inscreveu já a acompanhada (que tem, atualmente, 50 anos de idade) numa estrutura residencial para idosos, por não ter condições para tomar conta dela (retirando-a, de forma abrupta, de casa da irmã, onde tem vivido nos últimos anos, em condições de bem-estar físico, psíquico e emocional), entendemos que deve proceder a apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o incidente de remoção de E. C. do cargo de acompanhante de D. G..

Chamamos a atenção para o facto de que a componente de administração dos bens da acompanhada, levada a cabo pela acompanhante, pode e deve ser seguida pelo tribunal através da prestação de contas judicialmente determinada, nos termos do artigo 151.º, n.º 2 do CC, quando e se se revelar oportuno e necessário, não esquecendo que o acompanhante pode usar o património da acompanhada para se ressarcir de despesas (tal como já ficou decidido na sentença de autorização de venda do imóvel).

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o incidente de remoção de acompanhante.
Custas pelos apelados.

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Guimarães, 12 de novembro de 2020

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes