INSOLVÊNCIA
APENSO DE RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
LISTA DE RELAÇÃO DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
Sumário

I - A pelo AI afirmada “inexistência” de créditos não reconhecidos constante da respetiva lista e a reconhecida garantia pela hipoteca de 3 anos de juros, implica para o declaratário normal colocado na posição do real declaratário, a dedução de que os créditos por si reclamados foram na totalidade reconhecidos incluindo e no que ora releva os 3 anos de juros garantidos pela hipoteca.
II - Esta garantia de 3 anos está condicionada pelo limite estabelecido aquando da constituição da hipoteca como o montante máximo assegurado – vide artigo 96º do C. R. Predial conjugado com o disposto nos artigos 687º e 693º do CC.

Texto Integral

Processo nº. 530/20.8T8STS-A.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Comércio de Santo Tirso
Apelante/ “B…, SA”
Apelado/Massa insolvente de C… e outros

Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
1-No apenso de reclamação de créditos relativo à insolvência de C…, foi apresentada pelo AI [Administrador da Insolvência] em 25/03/2020 a Relação de Créditos Reconhecidos e Não Reconhecidos nos termos do artigo 129º nºs 2 e 3 do CIRE.[1]
A)Da Relação de Créditos Reconhecidos constam identificados (entre os demais) 2 grupos de créditos reclamados pelo credor “B…, S.A.”, perfazendo um total de € 91.966,26 correspondendo € 83.271,31 a capital e € 8.694,95 a juros.
Em cada um destes grupos [ambos descritos sob o nº 2 da relação] estão identificados 2 créditos.
No primeiro grupo foram identificados 2 créditos garantidos cada um por hipoteca:
- € 73.635,81, correspondendo € 66.238,14 a capital e € 7.397,67 a juros.
Na descrição da garantia constando: Hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra C do prédio urbano descrito na CRP de Valongo sob o nº 2323, freguesia … e inscrito na matriz sob o artigo 4137. A hipoteca garante os juros vencidos até ao limite dos que se contem num período de 3 anos a contar do incumprimento (2.11.2018)”

- €10.275,10, correspondendo € 9.210,24 a capital e € 1.064,86 a juros.
Na descrição da garantia constando: Hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra C do prédio urbano descrito na CRP de Valongo sob o nº 2323, freguesia … e inscrito na matriz sob o artigo 4137. A hipoteca garante os juros vencidos até ao limite dos que se contem num período de 3 anos a contar do incumprimento (2.11.2018)”.

No segundo grupo foram identificados 2 créditos comuns:
- € 7.866,22, correspondendo € 7.634,03 a capital e € 232,19 a juros.
- € 189,13, correspondendo € 188,90 a capital e € 0,23 a juros.

B)Da Lista de Créditos Não Reconhecidos consta a declaração:
INEXISTEM[2]

2- Apresentada a lista e não constando a apresentação de impugnações nos termos do artigo 130º, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos decidindo:
“Pelo exposto, reconhecem-se os créditos acima discriminados e graduam-se os mesmos, para serem pagos pela seguinte forma:
1º Crédito reclamado por B…, S.A., no montante de €83.910,91;
2º Créditos comuns em pé de igualdade e rateadamente;
3º Crédito subordinado.”

3- Notificado o credor “B…, S.A.”, veio o mesmo requerer a retificação da sentença proferida por enfermar a mesma de manifesto lapso, porquanto tendo sido reclamado um crédito garantido no montante de € 83.910,91 acrescido de juros de mora vencidos e vincendos após a declaração de insolvência até integral pagamento, até ao limite de três anos previsto no artigo 693º nº 2 do CC, nada referiu a sentença proferida quanto aos juros vencidos e vincendos.
Termos em que requereu a retificação da sentença proferida nos termos assinalados.
Foi apreciado o requerido e indeferido porquanto e em suma “a sentença em si não padece de qualquer lapso e porque a mesma homologa lista de credores reconhecidos que não padece de qualquer lapso, não contém qualquer elemento que impusesse decisão diversa e não foi objeto de impugnação, indefere-se a requerida retificação da sentença.”

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Interpôs ainda o credor reclamante “B…, S.A.” recurso de apelação da sentença de verificação e graduação de créditos proferida, oferecendo alegações e a final concluindo nos seguintes termos:
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Não se mostram apresentadas contra-alegações.
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O recurso subiu no próprio apenso e foi admitido como de apelação e a subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar: se a sentença de verificação e graduação de créditos deveria quanto aos dois créditos garantidos por hipoteca e reclamados pelo credor e ora recorrente “B…, S.A.”, incluir a menção:
- de que estão graduados em primeiro lugar os créditos do recorrente até ao montante máximo garantido incluindo os juros vincendos com a natureza de garantidos [tendo o recorrente incluído no seu pedido os “juros vincendos com a natureza de garantidos”] (vide conclusões 1 e 4);
- de qual o montante máximo assegurado pela hipoteca de modo a cobrir os juros vincendos até integral pagamento (vide conclusão 8) – entende-se os juros vincendos abrangidos pela garantia, atentos os termos em que foram delineadas as conclusões por referência aos créditos garantidos abrangidos pela hipoteca (vide novo e desde logo a conclusão 1).

III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do objeto deste recurso são de considerar as vicissitudes processuais acima elencadas, a que acresce o teor da reclamação de créditos apresentada pelo credor reclamante e junta aos autos com o requerimento de 25/05/2020.
Desta reclamação extrai-se:
i- a reclamação dos dois créditos garantidos por hipoteca e acima já identificados, associada à alegação de que o incumprimento das prestações a pagar por tais créditos ocorreu em 02/11/2018.
ii- a reclamação dos juros vencidos (calculados desde 02/11/2018 e até 05/03/2020) e vincendos sobre os créditos referidos em i até efetivo pagamento, tendo a natureza de crédito garantido os devidos até ao período temporal de 3 anos previsto no artigo 693º nº 2 do CC por referência aos créditos garantidos;
iii- a reclamação de dois créditos comuns e juros vencidos até à data da declaração de insolvência igualmente reclamados como créditos comuns. Acrescido dos juros vencidos e vincendos após tal declaração, reclamados como créditos subordinados.
Das conclusões do recurso que têm como função delimitar o respetivo objeto, temos que o recorrente limitou este (objeto) ao decidido quanto aos 2 créditos garantidos por hipoteca.
Pelo que apenas sobre estes e questões sobre os mesmos suscitadas nos cumpre pronunciar.
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Apreciando e conhecendo.
Por definição, o processo de insolvência é um processo de execução universal cujo fito é a satisfação dos credores pela (no que ora releva) liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores (artigo 1º do CIRE).
Por tal, é consequência da sentença que decreta a insolvência a ordem de apreensão de todos os bens do insolvente suscetíveis de penhora em respeito pelo disposto no artigo 601º do CC - bens e direitos como é referido no artigo 153º do CIRE.
Bens estes que responderão pelas dívidas do insolvente existentes à data de tal declaração e que virão a constituir a massa insolvente (vide artigos 46º e 149º do CIRE).
Para tanto, devem os credores reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento - acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham - junto do AI.
A fim de oportunamente obterem pagamento pelo valor obtido com a liquidação daqueles. Pagamento que obedecerá à graduação “geral para os bens da massa insolvente e (…) especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”[vide artigos 140º e 173º do CIRE].
Conforme decorre do artigo 128º nº 1, dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, “reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem” entre o mais, a proveniência do crédito; data de vencimento; montante de capital e juros e taxa de juros moratórios aplicável; a sua natureza comum, subordinada ou garantida e ainda neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia.
Tal requerimento é endereçado ao AI e apresentado nos termos regulados no nº 2 desse mesmo artigo 128º.
No prazo estipulado no artigo 129º nº 1 – nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações – o AI apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
De tal lista constando (nº 2 do citado artigo 129º) “a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, as eventuais condições suspensivas ou resolutivas e o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.”
Ainda e no caso de existirem credores não reconhecidos, tem de ser indicado na respetiva lista (vide nº 3 do mesmo artigo 129º) “os motivos justificativos do não reconhecimento.”
Finalmente, determina o nº 4 deste artigo 129º que todos “os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 128.º”.

Da análise conjugada destes normativos resulta evidente a obrigatoriedade para o AI de se pronunciar expressamente sobre todos os créditos reclamados (para além dos por si reconhecidos nos termos indicados no nº 1 do artigo 129º) e no caso de não reconhecer na sua totalidade ou parcialmente os créditos reclamados de tal não só dar nota na lista dos credores não reconhecidos, indicando os motivos justificativos do não reconhecimento, como de igual forma avisar os credores que vejam a sua reclamação ser julgada total ou parcialmente improcedente.

In casu e tal como consta da lista oportunamente junta pelo AI resulta que o mesmo de forma clara e expressa declarou inexistirem créditos não reconhecidos.
A contrário sensu se tendo de entender que todos os créditos reclamados foram pelo mesmo reconhecidos e na sua integralidade.
O oposto só se perspetivando possível numa situação de erro ou manifesto lapso do AI, perante o declarado.
Da relação de créditos reconhecidos e relativamente a este credor,está identificado não só o capital reclamado relativo aos dois créditos garantidos[total capital de € 75.448,38 ] como os juros vencidos e contabilizados pelos reclamante até 05/03/2020 [total juros contabilizados entre 02/11/2018 e 05/03/2020 de € 8.462,53] perfazendo um total de € 83.910,91.
O valor reconhecido na decisão recorrida para ser pago em primeiro lugar.

Consta ainda da mencionada relação e de forma expressa a menção de que a hipoteca garante os juros vencidos até ao limite dos 3 anos a contar do incumprimento em 02/11/2018.

Ponderando os já anteriormente citados artigos 128º e 129º e em especial o procedimento exigido ao AI quando não reconheça alguns dos créditos reclamados, de tal avisando o credor reclamante afetado pelo não reconhecimento e da lista de credores não reconhecidos fazendo constar os motivos justificativos desse mesmo não reconhecimento, aliado ao facto de expressamente ter o AI declarado inexistirem créditos não reconhecidos e no campo dos privilégios e garantias ter realçado a garantia por via da hipoteca dos juros vencidos até ao limite dos 3 anos a contar do incumprimento, temos como correto o entendimento de que a afirmada “inexistência” de créditos não reconhecidos constante da respetiva lista e a reconhecida garantia de 3 anos de juros, implica no contexto vindo de analisar para o declaratário normal colocado na posição do real declaratário, ou seja o reclamante e ora recorrente, a dedução de que os créditos por si reclamados no respetivo requerimento teriam sido na totalidade reconhecidos incluindo e no que ora releva os 3 anos de juros garantidos pela hipoteca (seguindo-se assim a doutrina da impressão do destinatário consagrada no artigo 236º do CC).

Nessa medida inexistindo fundamento para o credor deduzir impugnação nos termos do artigo 130º.
E como tal para ser sancionado pela falta de impugnação.

Consequentemente assiste razão ao recorrente quando aponta à decisão recorrida o vício de omissão de pronúncia quanto aos juros vincendos garantidos e abrangidos pela hipoteca desde o incumprimento [para além do período contabilizado pelo reclamante – 05/03/2020] até ao limite de 3 anos cujo términus ocorrerá em 02/11/2021 se até lá não ocorrer o pagamento [considerando a data do incumprimento nos autos não discutida – 02/11/2018].
Esta garantia de 3 anos está contudo condicionada pelo limite estabelecido aquando da constituição da hipoteca como o montante máximo assegurado – vide artigo 96º do C. R. Predial conjugado com o disposto nos artigos 687º e 693º do CC – e que como tal tem de constar do respetivo registo.
Este limite leva-nos ao segundo fundamento do recurso – vide conclusão 8 – e que igualmente respeita à omissão na decisão recorrida do montante máximo assegurado.
Na verdade os pagamentos a oportunamente efetuar, estão limitados pelo montante máximo assegurado que aquando do registo da hipoteca obrigatoriamente se fez constar (artigo 96º CRP já citado).

Dos autos não constam elementos que nos permitam aferir qual o valor máximo garantido pela hipoteca – in casu quanto aos juros que é a questão em discussão em sede de recurso [quanto ao mais estando já transitada a decisão]

O suprimento destas omissões – indicação do montante máximo garantido para juros e consequente inclusão dos juros vincendos até ao período máximo dos 3 anos contabilizados desde o incumprimento com o limite do máximo assegurado - pressupõe a junção aos autos da certidão da CRP que demonstre esse mesmo registo do acessório do crédito e respetivo montante máximo assegurado do acessório questionado – in casu juros.
O que impõe a anulação da decisão nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC.
Após a sua junção e oportuna notificação aos demais intervenientes sendo proferida nova decisão onde as omissões notadas serão supridas.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em anular a decisão recorrida para que após a realização da diligência acima mencionada seja proferida nova decisão suprindo as omissões notadas.
Custas a cargo da parte vencida a final.

Porto, 2020-10-12
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Diploma Legal a que faremos referência quando em contrário nada seja dito.
[2] Nesta lista são elencados como campos a preencher (in casu todos com a menção “0.00”):
Identificação do Credor/ Mandatário
Natureza do Crédito (artigo 48º e 49º do CIRE): Relacionado n/ reclamado; Reclamado e ainda Valor Não Reconhecido [capital / Juros / Total] / Motivo do Não reconhecimento.