SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
INCUMPRIMENTO
VIOLAÇÃO DE DEVERES
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
REQUISITOS
Sumário

I – Os índices de incumprimento do regime de suspensão da execução da pena de prisão que se encontra previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do art.56º do CP estão directamente associados aos fundamentos da suspensão da pena previstos no art.50º nº1 do mesmo diploma.
II – A suspensão da pena de prisão com o período mínimo de um ano, ainda que com regime de prova de conteúdo “standart”, para operar a revogação da suspensão prevista no art.56º do CP não basta a violação formal de um dever existente no quadro da suspensão da pena, ainda que essa violação seja ostensiva.
III – Para que a violação do dever ou o crime cometido na suspensão opere a revogação, necessário se torna a quebra da confiança que fora depositada no arguido, assim como a falência do juízo de prognose que fora inicialmente formulado, aquando da outorga da suspensão da pena, exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir.

Texto Integral

Proc.Nº76/14.3GCOAZ.A.P1

X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo sumário que correu termos no Tribunal judicial da comarca de Aveiro no Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis, o arguido B… foi condenado em 18 de Junho de 2014, por sentença transitada em julgado em 03-09-2014, na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de tentativa de furto simples da previsão do artigo 203°, nºs 1 e 2 do CP, conjugado com o art. 30° do CPP. A aludida pena foi suspensa na sua execução pelo período de 12 (doze) meses, condicionada ao regime de prova, devendo essa execução da suspensão ser acompanhada pelo DGRSP.
O período de suspensão iniciou-se em 3/09/2014 e terminou em 3/09/2015. A fls. 178 e através de requerimento datado de 10.12.2014 veio a DGRSP informar da impossibilidade de localização e contacto com o arguido.
Face ao teor do referido relatório foram determinadas diligências junto do OPC para localização do paradeiro do arguido, as quais se revelaram infrutíferas, conforme decorre de fls. 187 veiculando informação da ausência do respetivo paradeiro em parte incerta.
Por decisão proferida em 31 de Março de 2016 revogou-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada no presente processo, determinando-se que o arguido cumpra 10 meses de prisão.
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Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
1 - O recorrente, B…, foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na forma tentada, previsto e punido pelos art.º203º n.s 1e 2, conjugado com o artigo 23º e 73º todos do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano. condicionada a regime de prova
- a revogação da suspensão da pena de prisão.
2 - A 6 de fevereiro do presente ano foi notificado por carta rogatória pessoalmente comunicada, aquando de uma deslocação à Roménia, do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão e, consequentemente, a determinação do cumprimento pelo recorrente de pena de prisão.
3 - A esta data o arguido trabalha há já 5 anos na Alemanha, tem família constituída e agregado familiar estável que trabalha e vive nesse país.
4 - Foi, assim determinado que o recorrente cumprisse 10 meses de prisão.
5 - Nunca o arguido foi notificado para ser ouvido relativamente às razões do incumprimento das obrigações de que dependia a suspensão. Nunca essa inquirição pessoal foi promovida pelo MP, nem ordenada pelo ilustre juiz do processo, apesar de possível. Tal qual como foi possível a sua notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão.
6 - Não estão cumpridos os requisitos do artigo 495º nº2 e 3 do CP.
7 - O recorrente, não se conforma com tal interpretação, visto que, a razão teleológica subjacente ao n 9 2 do art.495º é a de permitir ao arguido, em face da possibilidade de ver levantada a pena de substituição, e consequentemente ser sujeito ao cumprimento, in casu, de pena de prisão efectiva, o exercício efectivo do seu direito constitucionalmente consagrado, direito ao contraditório, nos termos do disposto no art.º 32º da C.R.P,
8 - garantindo também nos termos do artigo 61º nºl alínea b) do C.P.P o seu direito a audiência e defesa.
9 - O que não se verificou no caso em apreço, levando a uma nulidade insanável, prevista no artigo 119ºalínea c) do C.P.P, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
10 - Desta forma, foram violados além de um direito fundamental previste no artigo 329 da CRP, o que desde já se invoca, foram também violadas as seguintes normas: artigo 519 do C.P, artigo 498º e 495º nº2 ambos do C.P.P.
TERMOS EM QUE DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO. REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO, E EM CONSEQUÊNCIA QUE SEJAM CUMPRIDAS AS FORMALIDADES PREVISTAS NA LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 495 nº2 DO C.P.P., COM O QUE SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA.
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O Digno Procurador Adjunto apresentou resposta ao recurso: sustentando a improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
1. De acordo com o previsto na alínea a) do nº1 do artigo 56º do Código Penal, “infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social".”.(sublinhado nosso)
2. Da leitura do arrazoado do recorrente, conclui-se que aquele denuncia a decisão recorrida por entender que a Mma. Juiz a quo proferiu a sua decisão sem ouvir o arguido para o motivo do incumprimento das obrigações de que dependia a suspensão, determinando, assim, unilateralmente, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em o arguido havia sido condenado, quando o podia fazer.
3. Porém não podemos aceitar tal argumento, por falicioso. Na verdade, como refere e bem a Mmo. Juiz no despacho recorrido, “no caso vertente, durante o período da suspensão, o arguido bem sabendo que tinha que cumprir com as obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da pena de prisão em que foi condenado e designadamente ser sujeito a regime de prova, nada fez, ausentando-se para parte incerta”, comportamento que revela, de forma clara e evidente, que a finalidade da suspensão da execução da pena - a simples ameaça da execução da pena de prisão aplicada em sede dos presentes autos - não logrou ser atingida, dado que não levou o mesmo a interiorizar o direito e a pautar a sua conduta de acordo com o mesmo.
4. Na verdade, o arguido ignorou completamente a condenação sofrida e as obrigações que aí lhe foram impostas, deslocando-se para parte incerta (agora sabemos que se deslocou para a Alemanha), não informando o Tribunal e/ou a DGRSP do seu paradeiro. O arguido acabou por, casualmente, ser localizado e notificado da decisão de revogação na Roménia.
5. In casu, é por demais evidente que o juízo de prognose favorável realizado no âmbito dos presentes autos, que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, que o arguido mantivesse uma conduta conforme com o direito, não foi, de forma alguma, alcançado, uma vez que o arguido revelou total desinteresse pela condenação sofrida, demonstrando um total incapacidade em ajustar o seu comportamento de acordo com as normas jurídicas em vigor, mesmo pendendo sobre si uma pena de prisão, cuja execução se encontrava suspensa.
6. Tal postura do arguido inviabilizou de todo a satisfação das finalidades que fundamentaram a suspensão da execução da pena, revelando que a simples ameaça do cumprimento da pena não era suficiente para satisfazer as finalidades da punição.
Pelo que, somos de parecer que o cumprimento efectivo de uma pena de prisão se revela, no caso concreto, como o único meio adequado a salvaguardar as exigências de prevenção especial evidenciadas pelo arguido. Tudo isto de forma a que o arguido não perca de vista que está a cumprir uma pena privativa da liberdade e que se consciencialize de que as regras impostas pelas nossas leis são para se cumprir.
Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, farão, V. Ex.as, como sempre justiça.
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela procedência do recurso, sustentando em síntese
1- acerca da nulidade insanável, projetada na al. 6 do art. 119º, do CPP- brevemente:
Prescreve o art. 495º, nº 2, do C.P. Penal que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente».
Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o arguido, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.
No que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o nº 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional.
Não existe uniformidade na jurisprudência sobre a obrigatoriedade, ou não, da audição do condenado; sendo obrigatória, se tem de ser presencial, ou seja, se o juiz (titular do processo respectivo) tem de ouvi-lo pessoalmente ou se, apenas, tem de ser proporcionada àquele a possibilidade de se pronunciar sobre a revogação.
Ainda assim, há que distinguir se o motivo da revogação da suspensão se prende com crime cometido durante o período da suspensão.
Nesta hipótese, prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 56.º do Cód. Penal, uma parte da jurisprudência entende que a revogação não tem que ser precedida de audição do condenado: Acs. da RP de 24.10.96, de 03.05.2000 e de 08.02.2006)1,
1 De acordo com este entendimento, os nºs 1 e 2 do artigo 495.º do Cód. Proc. Penal adjetivam a norma substantiva do art.º 56.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal e a sua inserção sistemática “inculca a ideia de que o n.º 2 se refere apenas aos casos reportados no n.º 1; com efeito, compreende-se que estando em causa o não cumprimento das condições impostas para a suspensão da execução da pena, o juiz procure averiguar se tal se deveu a razões que o arguido justifique cabalmente e que, por isso, demonstrem não ser culposo o incumprimento”, ficando de fora os casos em que a causa da revogação é a condenação pela prática subsequente de crime.
Já os Acs. da Relação de Coimbra, de 16.01.2008 (Relator: Des. Jorge Gonçalves) de 03.12.2008 (Relator: Des. Brízida Martins) e da Relação de Guimarães, de 21.09.2009 e de 11.01.2010 (Relator: Des. Cruz Bucho) e da Relação de Lisboa, de 30.06.2010 (Relatora: Des. Maria José Costa Pinto), a audição do condenado é sempre obrigatória e presencial, sob pena de nulidade insanável.
È inquestionável que a revogação é um ato decisório que contende com a liberdade do arguido, que o atinge na sua esfera jurídica, o que implica o reconhecimento legal do direito constitucional de contraditório e de audiência.
No caso em análise, a suspensão da execução da pena foi aplicada com regime de prova, que assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social durante todo o período de duração da suspensão, no qual são traçados os objectivos de ressocialização a atingir pelo condenado e as actividades que este deve desenvolver faseadamente, sempre com o apoio e vigilância daqueles serviços.
Como decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 29.11.2011 (Des. Filomena Lima), disponível em www.dgsi.pt, “só nesses casos se justifica que o tribunal, antes de decidir sobre a revogação da suspensão da execução da pena, ouça o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, já que aquele melhor poderá então explicar de viva voz à competente autoridade judicial se existiram motivos ou causas para o incumprimento havido, que ainda não sejam, porventura, conhecidas do tribunal”.
Com a alteração ao artigo 495.º, nº 2, do Cód. Proc. Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que substituiu a expressão “audição do condenado” por “ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão” parece que apenas é obrigatória a audição pessoal e presencial do condenado, nos casos de suspensão da execução com regime de prova, suspensão com imposição de deveres e suspensão com regras de conduta em que o respetivo cumprimento é apoiado e fiscalizado pelos serviços de reinserção social.
No caso vertido, mau grado as diligências encetadas pelo Tribunal, não foi possível ouvir o ora recorrente (que até se encontrava no estrangeiro).
Destarte, de acordo com o Ac. da RP de 9/3/2016 (proc. nº 25/06.2SFPRT-A.P1) «Deve proceder-se à decisão do incidente de incumprimento do regime de prova (relativo á suspensão da execução da prisão) sem a audição do condenado quando tal audição se revela inviável por o arguido se ter ausentado da residência constante do TIR sem dar conhecimento aos autos ou aos técnicos da DGRS e não se conseguir apurar ao seu paradeiro».
È este, também o entendimento do Ac. da RC 24-04-2018 (proc. nº 208/14.1GCCLD.C1), cujo sumário transcrevemos, na parte que aqui releva: “IV – Mas também a jurisprudência se pronuncia no sentido de que não será tal audição do condenado presencial, apenas, se inequivocamente dada essa possibilidade ao arguido só por culpa dele a mesma não foi levada a cabo, ou porque faltou à diligência, ou porque se ausentou sem rasto da morada constante do TIR, etc. V – A inviabilização da audição presencial - por comportamento imputável ao próprio arguido - não contagia nem compromete o exercício do contraditório na vertente de direito de audiência. VI – Tendo o Tribunal a quo encetado os esforços exigíveis e possíveis no sentido de ouvir o arguido sobre o incumprimento do plano de reinserção fixado e das demais obrigações a que estava obrigado, a não audição do arguido apenas se deve a culpa sua” – carregado nosso.
Já antes, o Ac. da RC de 12-07-2017 (proc. nº 2089/10.5PCCBR-A.C1; Relator Exmo Desembargador JORGE FRANÇA) decidira que, citamos, “A nulidade prevista na al. c) do art. 119.º do CPP só ocorre quando não é concedida ao arguido a possibilidade de comparência, qualificada de obrigatória, a acto previsto na lei, inter alia, o descrito no n.º 2 do art. 495.º do mesmo diploma legal, e já não quando o próprio arguido a ele não comparece de forma voluntária ou quando, de modo pré-determinado, se coloca em posição de não ser possível transmitir-lhe a convocatória para tal presença”; Ac. TRL de 24-06-2014, CJ, 2014, T3, pág.163, relatado por Filipa Macedo: I. A impossibilidade de conhecer o paradeiro do arguido e de proceder á sua audição presencial não obsta, por si só, á revogação da pena suspensa. II. A eficácia e a credibilidade do sistema de justiça motivam um tal entendimento. III. Nesses termos, deve ser revogada a suspensão da execução da pena quando o Arguido incumpre a condição a que estava sujeita a suspensão, desconhecendo-se o respectivo paradeiro, muito embora tenham sido feitas toas as diligências adequadas e relevantes no sentido de apurar tal paradeiro.2.
2 No mesmo sentido, os Aca. TRC de 26-05-2010; Ac. TRL de 6-03-2013 e de 9-04-2013; e Ac. TRG de 26-04-2010.
No caso vertido, mau grado as possíveis diligências tendentes a apurar o paradeiro do arguido, não foi possível cumprir a predita formalidade, pelo que, em nossa opinião, não se perfectibiliza a invocada nulidade.
2- sobre a norma do art. 56º nº 1, al. a), do C. Penal; solução por nós proposta é sabido que a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas, só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira (entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, processo nº2555/08.1 e de 04/05/2009, processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2004, processo nº 0414646) e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
Como referem Leal Henriques e Simas Santos (in Código de Processo Penal Anotado, 2ª edição, 1995, Vol I, pág 478) «O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências(…)».
E mais à frente referem estes autores «Mas as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão»- carregado nosso.
Efetivamente, para a aplicação da norma da al. a), do nº 1 do art. 56º do CP, a revogação da suspensão da execução da pena como reação ao incumprimento dos deveres ou regras de conduta «parece» só se aplicar quando o agente infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras impostos (já no domínio do art. 50º do CP/1982 inculcava que apenas a infração, grave ou reiterada, das obrigações deveria impor a revogação, na medida em que esta só deveria acontecer como ultima ratio, tendo em vista evitar a pena de prisão- neste sentido, os Acs. da Relação de Coimbra de 13.03.1985 e de 29.07.1985, in CJ, X, 2, p. 72 e BMJ 349-563, respetivamente; idem, Leal-Henriques e Simas Santos, CP de 1982, 1986, 303 ss).
Vejamos o sentido de alguma da jurisprudência sobre a matéria:
Já para o distante Ac. da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1997 (CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167) “a infração dos deveres impostos não opera automaticamente como causa de revogação da suspensão da execução da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspeto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de cumprimento das obrigações”.
Nos dizeres do Ac. da RL de 01-03-2006 (proc. nº 566/2006-3) “(…) a atual versão da norma do art. 56º nº 1, al. a), do CP impõe que só o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras de conduta impostos possam conduzir à revogação da suspensão da execução da pena”.
Também para o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa 06-06-2006 (Processo: 147/2006- Relator: MARGARIDA BLASCO) “O incumprimento culposo determina a aplicação do regime do art. 55º do CP mas só o incumprimento grosseiro ou repetido das condições de suspensão ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art. 56º do CP.
A escolha da mais severa sanção para a revogação da suspensão só deverá adotar-se, sobretudo se se trata de pena de prisão, como ultima ratio, quando se mostrem ineficazes ou esgotadas as restantes medidas e o comportamento do arguido se revele doloso ou gravemente culposo”- carregado nosso.
No mesmo sentido decidiu o Ac. da R. Évora de 18-02-2014 (proc. nº 25/07.5PESTR.E2), com o seguinte sumário: “Só o incumprimento grosseiramente culposo do dever de pagar as quantias arbitradas a título de indemnização implica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão”.
E, então, em que se traduz a grosseria do comportamento do agente, até porque, como dizem os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa 06-03-2013 (Processo: 876/06.8PLLSB-G.L1-3) ”I- A lei, representada no art.º 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, não define o que deve entender-se por “infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”, deixando ao critério do aplicador da lei a fixação dos seus contornos”; veja.se, ainda, o Ac. da RG de 19/01/2009: “Não diz, todavia, a lei, o que deva entender-se por violação grosseira dos deveres. Cabe, assim, ao aplicador da lei, dizer quando é que a mesma se verifica”.
O Ac. da Rel. de Lisboa de 19 de Fevereiro de 1997, (in CJ, XXII, 1, 166 e ss), apontou alguns critérios orientadores, que por inteiro sufragamos. Propôs este aresto, como critério desbravador do conceito, que “II-A violação grosseira de que se fala, há-se ser uma indesculpável atuação em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpável”.
Na mesma esteira, no Ac. de 18-07-2013 (proc. nº 1/05.2JFLSB.L1-3), a R. Lisboa entendeu «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do CP, há-de constituir uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada».
Igualmente, no Ac. de 04.05.2016 (proc. nº 86/07.7GBCLD), disse a R. Coimbra: “Dúvidas não subsistem, portanto, de que o recorrente não cumpriu, totalmente, a condição económica da condição da suspensão. Não é, no entanto, um qualquer incumprimento que releva para este fim. A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infratora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava, na medida em que é parte integrante do ‘projeto’ de recuperação social subjacente ao decretamento da pena de substituição. Para as outras condutas infratoras, para aquelas que não densificam um tão elevado grau de indiferença e culpa, permitindo manter-se de pé a projetada realização das finalidades que estiveram na base do decretamento da suspensão, a lei prevê, no art. 55º do C. Penal, a aplicação de outras medidas”.
Também o Ac. da RG de 04.05.2015 (proc. nº 713/09.1GAFAF.G1) referiu que “A lei não revela o que se deve considerar como uma infracção grosseira ou uma infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos, mas a jurisprudência tem considerado que a situação de facto prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 56.º do Código Penal há-de constituir um comportamento que se revele intolerável e inadmissível para o comum dos cidadãos (Acórdão da Relação de Lisboa de 19-02-1997, in CJ, XXII, t. 1, 166), que revele uma culpa temerária, o esquecimento dos deveres gerais de observância e signifique a demissão pelo agente dos mais elementares deveres (Acórdãos da Tribunal da Relação do Porto de 10-03-2004, processo 0345918, e de 05-05-2010, processo 259/06.0GBMTS.P1 www.dgsi.pt )”.
E, no Ac. de 05.10.2015 proc. nº 47/08.9PAVNF-A.G1), disse a RG: “I) A "violação grosseira" a que se alude no artº 56º, do CP, traduz-se numa indesculpável actuação do arguido, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada ou indesculpada”. Por sua vez, tem decidido a Relação do Porto, a propósito violação grosseira ou repetida dos deveres de conduta:
No Ac. de 27.06.2018 (proc. nº 1347/07.0TAPFR), disse a Relação do Porto: “(…) Violação grosseira será toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, e não, portanto, quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma tal obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.
(…) a revogação da suspensão por incumprimento dos deveres impostos não é automática e só é possível se este resultar de uma conduta culposa do condenado. E a culpa há-de revestir intensidade relevante, seja pela natureza (violação grosseira) seja pela reiteração (atitude geral de descuido e leviandade prolongada no tempo), de molde a constituir uma actuação especialmente censurável, que o cidadão médio pressuposto pela ordem jurídica repudiaria e que, por consequência, não admite tolerância ou desculpa.
Acresce que, tais circunstâncias têm que ser aferidas e demonstradas em concreto, não bastando a constatação de que decorreu um período temporal alargado sem que a condição se mostre cumprida nem tão pouco a formulação de juízos de valor ou verosimilhança sobre o comportamento exigível ao condenado.
Veja-se que o facto de alguém possuir ou vender um veículo automóvel, não possibilita a afirmação de que tinha capacidade económica para proceder ao pagamento de uma dívida ou que podia ter utilizado o montante do preço para esse efeito. Tal conclusão excede, manifestamente, a premissa e só seria viável se fossem conhecidas as circunstâncias da sua vida pessoal à época-“ Ac. da RP de 14-01-2015 (proc. nº 2868/09.6TAGDM.P1) Relator: Exmª Desembargadora MARIA DEOLINDA DIONÍSIO; DECISÃO SUMÁRIA”.
Com referência ao incumprimento do PRS, atente-se no enunciado do recente Ac. da RC de 30- 01-2019 (proc. nº 127/17.0GAMGR-A.C1): “I – O condenado infringe grosseiramente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, culposamente, os não observa. II – Basta, para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que da conduta provada resulte um modo de agir do condenado especialmente reprovável e portanto, uma conduta onde a falta de cuidado, a imprevidência assume uma intensidade particularmente elevada.
III – Trata-se, no fundo, de um conceito próximo da culpa grave portanto, aquela que só é susceptível de ser actuada por uma pessoa particularmente descuidada ou negligente.
IV – Em qualquer dos fundamentos da revogação, estamos perante situações limite, onde o condenado, através da intensidade do grau de culpa posto na sua conduta, inutilizou o capital de confiança na reinserção em liberdade que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão significou”.
O sentido da nossa posição:
Admitimos que existiu um incumprimento voluntário e reiterado por parte do ora recorrente das obrigações que lhe foram fixadas, tendo agido com indiferença em relação à condenação sofrida.
Não obstante, não ignorando o decidido pelo Ac. da RE de 06-12- 2016 (proc. nº 2/14.0GDPTG.E1), com o seguinte sumário “I - Só se justifica alterar ou revogar a suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, quando houver culpa no incumprimento da obrigação, sendo que no caso de revogação, essa mesma culpa tem de ser grosseira ou reiterada. II – Tendo o arguido sido condenado, por sentença transitada em julgado em 12-02-2014, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano, na condição de se sujeitar a tratamento médico (com vista a debelar o alcoolismo de que padece), deve revogar-se a referida suspensão da pena no circunstancialismo em que se apura que o arguido não compareceu às consultas agendas, nem justificou as faltas” cremos que a revogação foi excessiva e não deveria ter sido decretada
Efetivamente, aderimos á jurisprudência ditada pelo Ac. da RG 07-09-2015 (proc. nº 424/06.0GAFAF.G1; Relator: TOMÉ BRANCO), com o seguinte enunciado: “II) In casu, e apesar do quadro de incumprimento evidenciado nos autos, justifica-se a conclusão a que chegou o Senhor a quo ao não revogar a suspensão da execução da pena, por haverem sido cumpridas as expectativas que motivaram a concessão da suspensão, sobretudo porque não há registo de que o arguido haja cometido quaisquer ilícitos, no decurso dos dois anos de suspensão, ao que acresce o facto de o arguido possuir uma idade avançada e padecer de problemas de saúde e não ter outros antecedentes criminais”.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. da RL de 25-05-2017 (proc. nº 317/14.7PBPDL-A-L1. 9; Relator: Exmª Desembargadora FILIPA COSTA LOURENÇO), com o seguinte enunciado “I- Da conjugação dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal resulta claro, que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação, sendo que a suspensão da pena radica e tem como finalidade principal, o afastamento do arguido, no futuro, da prática de novos crimes; II-A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 56º do Código Penal quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, assim a infracção grosseira será só a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção;
III- Verificando-se uma situação de incumprimento das condições da suspensão da pena, haverá que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão; e outra segunda, quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal)”.
Na verdade, a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»- Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas Do Crime, pág.343, §519.
Por isso, que “só a inconciabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir á revogação” – Ac. da RL de 19 de Fevereiro de 1997 (CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167); idem, o Ac. da RC de 17.10.2012, proc. nº 91/07.3IDCBR.C1; da RC de 08.09.2010, proc. nº 87/02.1TAACN.C2; da RE de 23.02.2016, proc. nº 301/09.2IDFAR-A.E1, este citando o Professor Jorge de Figueiredo Dias (em «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Editorial Notícias,
1993, pp. 355/356): O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al.ª b) do n.º 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas») refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas (exatamente neste sentido, Figueiredo Dias, in Actas CP/Figueiredo Dias, 1993:66 e 469)- Ac. da RE de 23.02.2016, proc. nº 301/09.2IDFARA. E1.. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio (no «Código Penal, Parte Geral e Especial», Almedina, 2014, pp. 335/336), na parcela que ao caso importa, dão nota de que:
Como referem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (no «Código Penal, Anotado», Volume I, 4.ª edição, Rei dos Livros, 2014, pp. 823 e 824), «As causas de revogação não devem […] ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão.
O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. […]». Importa, por conseguinte, averiguar se o agente, com a sua conduta, destruiu a esperança que se depositou na sua recuperação (…)”- Ac. da RG de 04.05.2015, proc. nº 713/09.1GAFAF.G1; idem, o Ac. da RP de 05.05.2010 proc. nº 259/06.0GBMTS.P1: “II- O juízo sobre a revogação da suspensão da pena há-de decorrer de uma manifesta violação dos deveres impostos ao condenado que mostre inequivocamente uma frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena. No mesmo sentido, o Ac. da RP de 27.10.2010, proc. nº 2165/04.3JAPRT”; em suma, que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas - Acórdãos da Relação de Lisboa de 03-07-2003 processo 5347/2003-9) e de 06-06-2006 (processo 147/2006-5, ambos in www.dgsi.pt).
Tal apreciação deve, em princípio, aferir-se através do seu certificado de registo criminal.
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Na esteira do expendido, parece-nos, salvo melhor apreciação, que o recurso deve proceder, nesta parte, revogando-se o douto despacho recorrido e, na senda da jurisprudência e doutrina supra citadas, apurar-se se o incumprimento do regime de prova revelou que “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, podendo então o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão, repetindo os dizeres do acima citado Ac. da RL de 25-05-2017 (proc. nº 317/14.7PBPDL-A-L1. 9).
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
- Nulidade do procedimento por ter sido proferida decisão sem ter o arguido sido previamente ouvido;
- não existirem razões ponderáveis que determinem a revogação da suspensão.
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Do enquadramento dos factos.

- A decisão que revogou a suspensão da pena fundamentou da seguinte forma:
O Tribunal sustentou que “O arguido B… foi condenado nos presentes autos em 18 de Junho de 2014, por sentença transitada em julgado em 03-09-2014, na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de tentativa de furto simples da previsão do artigo 203°, nºs 1 e 2 do CP, conjugado com o art. 30° do CPP.
A aludida pena foi suspensa na sua execução pelo período de 12 (doze) meses, condicionada ao regime de prova, devendo essa execução da suspensão ser acompanhada pelo DGRSP.
A fIs 178 e através de requerimento datado de 10.12.2014 veio a DGRSP informar da impossibilidade de localização e contacto com o arguido.
Face ao teor do referido relatório foram determinadas diligências junto do OPC para localização do paradeiro do arguido, as quais se revelaram infrutíferas, conforme decorre de fIs. 187 veiculando informação da ausência do respetivo paradeiro em parte incerta.
Ante a nacionalidade do arguido e informação da possibilidade da sua deslocação para a Roménia veicula pelos OPC aos autos foram encetadas diligência junto do SEF á respetiva localização, tendo a fIs. 195 sido carreado aos autos o desconhecimento do paradeiro.
Ensetadas novas diligencias junto dos OPC e junto o CRC do arguido, continua desconhecido o seu paradeiro.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
O art. 56° n.1, alínea a), do Código Penal prevê a revogação da suspensão da execução da pena sempre que no seu decurso o condenado "infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social".
Segundo o art.50° do Código Penal a suspensão da execução da pena de prisão tem lugar, naqueles casos em que "atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Na decisão proferida neste processo, decidiu-se aplicar a suspensão da execução da pena de prisão, por o tribunal ter concluído que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena acautelariam as finalidades da punição.
Ora, no caso vertente, durante o período da suspensão, o arguido bem sabendo que tinha que cumprir com as obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da pena de prisão em que foi condenado e designadamente ser sujeito a regime de prova, nada fez, ausentando-se para parte inserta.
Além disso, nem sequer apresentou qualquer justificação para o seu comportamento, afigurando-se-nos que tal ausência é reveladora de uma postura de indiferença.
Ficou, assim, claramente demonstrado que o arguido assumiu uma postura que inviabilizou de todo a satisfação das finalidades que estavam por detrás dessa suspensão, pelo que se conclui que a simples ameaça do cumprimento da pena não foi suficiente para satisfazer as finalidades da punição.
Nestes termos e atenta a douta promoção que antecede ao abrigo do art.56°, nº1, al. a) do Código Penal, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena imposta ao arguido.
Consequentemente, tem o arguido que cumprir a pena de prisão, no total de 10 (dez) meses, o que se ordena.”
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Cumpre decidir.
Sobre a invocada nulidade insanável prevista na alínea c) do art.119 º do CPP referentes à “ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, também se argui a violação do disposto no artigo 61º nºl alínea b) do C.P.P, concretamente, o seu direito a audiência e defesa.
Antes de mais cumpre referir que quando a Digna procuradora se pronunciou a fls.188 dos autos (a 17/03/2015) pela revogação da suspensão da pena, sobre essa promoção foi satisfeito o contraditório conforme despacho de fls.189 de fls.13/04/2105. Sendo o arguido notificado com prova de depósito na morada do TIR (fls.190 e 194) e também notificado o exmº defensor oficioso (fls.191), nada foi respondido. Recorda-se que à época, desconhecia-se o paradeiro do arguido, havendo-se multiplicado e esgotado várias diligências para se averiguar do seu paradeiro, sem sucesso. Embora os requisitos da sua notificação pessoal se encontrassem-se cumpridos (sendo que nem seria exigível quanto a este despacho, à face da lei cfr.art.113º nº10 do CPP, a notificação pessoal do arguido, bastando a notificação ao defensor oficioso), verifica-se que, na impossibilidade do arguido (a si imputável) ser ouvido pessoalmente nos termos do art.495º nº2 do CPP, a decisão que vem a ser tomada encontrava-se já a coberto do contraditório, afastando, este conjunto de circunstâncias, a previsão da alínea c) do art.119º do CPP, assim improcedendo a nulidade invocada, que não ocorre.
Com efeito, o arguido tornando o seu paradeiro desconhecido, não pode depois invocar a falha processual de não ter sido notificado para comparecer, quando, manifestamente nos autos se tentou o apuramento do seu paradeiro.
Improcedem assim, nesta parte as conclusões do recurso, não se verificando a invocada nulidade insanável.
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Porém, apreciando o mérito da decisão de revogação da suspensão da pena que considerou verificada a previsão do art.56° n.1, alínea a), do Código Penal o qual prevê a revogação da suspensão da execução da pena sempre que no seu decurso o condenado "infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social", constata-se que o período de suspensão em causa, tendo a expressão temporal mínima de um ano, o regime de prova aplicado, fora decretado de “forma lacónica”, sem a fixação de qualquer conteúdo mais específico, ficando a determinação desse conteúdo remetida para os serviços de inserção social, que habitualmente o preenchem com um projecto de plano de inserção social “standart”, dotado de uma a duas entrevistas ao arguido, que, no caso deste ficar a residir no estrangeiro, se resumem a alguns telefonemas. Deve assim concluir-se pela menor densidade deste regime de suspensão da pena, que não poderá ser comparado com outras penas, cujo regime de suspensão, adquire uma dimensão muito distinta, concretizada na natureza e pluralidade de deveres e regras de condutas que são cominados aos arguidos nos termos dos arts.51º, 52º e 54º nº2 do Cód.Penal. Porém, não é esse o caso dos autos.
Sobre o mérito da decisão de revogação da suspensão da pena, deve sublinhar-se que no decurso do regime de suspensão o arguido, obviamente, continua sujeito aos deveres que o oneram, concretamente, de estar disponível para os serviços de inserção social e cumprir com o plano de inserção social que viesse a ser homologado (cuja realização nos autos ficou prejudicada pela omissão do arguido), devendo demonstrar que cumpriu com as expectativas, com prognose favorável e a confiança nele depositada, e não alhear-se, como fez o recorrente. Ora, é inquestionável que o arguido incumpriu, com expressão, os seus deveres, quando nada mais disse nos autos e quando se tornou incontactável. Mas esse o plano de incumprimento, sem outra vertente mais gravosa, não será suficiente para a revogação da suspensão.
Com efeito, se é verdade que, como tem sido sustentado pela jurisprudência, “a conduta infratora deve ser especialmente qualificada”, contudo, importa substanciar o que é isso de infracção especialmente qualificada? Ora, consideramos que os índices de incumprimento previstos no art.56º nº1 do Cód.Penal estão directamente associados aos fundamentos da suspensão da pena previstos no art.50º nº1 do mesmo diploma. Isto é, para operar a revogação da suspensão prevista no art.56º do CP não basta a violação formal de um dever existente no quadro da suspensão da pena, ainda que essa violação seja ostensiva (a qual é meramente indiciária).
Diversamente, para que a violação do dever ou o crime cometido opere a revogação, necessário se torna a quebra da confiança que fora depositada no arguido, assim como a falência do juízo de prognose que fora inicialmente formulado aquando da outorga da suspensão da pena, exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir.
O Tribunal de recurso, entende que não assumindo o regime de prova especial densidade, como poderia assumir, e não ocorrendo outro facto como o que se prevê na alínea b) do nº1 do art.56º do CP, a violação dos deveres pelo arguido, não afectaram estruturalmente o juízo de prognose inicialmente formulado nos termos do art.50º nº1, pelo que, não deverá a suspensão ser revogada, o que determina, por sua vez, a substituição do despacho do Tribunal de primeira instância, por outro que pondere alguma das soluções previstas no art.55º do Cód.Penal.
O recurso deve ser parcialmente provido, e a decisão do Tribunal de primeira instância haverá de ser substituída nos termos referidos.

DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente provido, determinando-se a revogação do despacho objecto da presente impugnação, devendo ser substituído por outro que pondere alguma das soluções previstas no art.55º do Cód.Penal.

Notifique.

Sumário
(Suspensão da pena de prisão; A relevância do incumprimento na revogação da suspensão)
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Porto, 14 de Outubro 2020.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha