AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
AMPLIAÇÃO DOS TEMAS DE PROVA
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
Sumário

I - A norma do nº1 do artigo 72º do CPT (redação dada pela Lei nº 107/2019, de 09.09.) é aplicável quanto aos factos essenciais, mas não já quanto aos factos instrumentais e complementares. Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho.
II - Quanto aos factos instrumentais e complementares, com a Lei nº 107/2019 de 09.09. passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do CPC. Quanto aos factos instrumentais, a Relação pode de os mesmos conhecer, apenas se exigindo que tenham resultado da instrução da causa (artigo 5º, nº2, alínea a) do CPC). Quanto aos factos complementares, o artigo 5º, nº2, alínea b) do Código de Processo Civil exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, o que ocorre se eles foram discutidos em sede de audiência de julgamento e se é invocado no recurso pelo Recorrente (que os pretenda aditar), tendo, tal como aquela, a parte contrária igualmente a possibilidade de se pronunciar, desde logo na mesma audiência. Neste caso, a Relação poderá conhecer uma vez que «as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar».
III - “Há, obviamente, várias razões pelas quais a concorrência feita por um trabalhador ao seu anterior empregador pode revelar-se particularmente perigosa para este último. (…) Além disso, ao menos em certas atividades, o contacto direto com a cliente pode significar (…) que o trabalhador está em condições de desviar uma parte, e até uma parte significativa, dessa clientela, em detrimento do seu anterior empregador. Para decidir se o trabalhador está ou não em condições de desviar essa parte da clientela, parece dever atender-se à importância do seu contributo pessoal para a satisfação do cliente (…), por comparação com a importância dos métodos de trabalho e da organização do empregador.”

Texto Integral

Processo nº 518-18.9T8SJM.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
Recorrente: B…, Lda
Recorrida: C…
4ª Secção

Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: António Luís Carvalhão
2 º Adjunto: Desembargador Domingos Morais

1. Relatório:
1.1. B…, Lda, propôs a presente ação declarativa comum emergente de um contrato de estágio-formação contra C…, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 15.600, acrescida de juros de mora desde a citação.
Para tanto alegou, em síntese, que após concluir a sua formação académica, a Ré foi admitida pela Autora para fazer um estágio de formação, fazendo aconselhamento alimentar aos seus clientes que registava numa drive, a partir de certa altura deixou de fazer esse registo, justificando que não queria que lhe roubassem as suas prescrições. A dada altura a Autora tomou conhecimento que a Ré prestava serviço de nutrição noutro ginásio e assediava clientes para marcarem consultas diretamente consigo propondo valores inferiores. A partir de 2 de fevereiro de 2018, deixou de exercer funções na Autora e, servindo-se do acesso que tinha à linha de clientes da Autora, designadamente da lista de clientes que estavam a ser seguidos por si, contactou todos os clientes que estavam a ser seguidos por si, propondo continuar os seus serviços noutro local ou online a um preço mais reduzido e aconselhando os clientes a cancelarem de imediato os contratos com a Autora para não terem que pagar as mensalidades, sendo que em 30 de abril de 2018, só quatro clientes não tinham cancelado o contrato em São João da Madeira e em Matosinhos apenas um cliente não cancelou o contrato. As mensalidades desses contratos eram de € 19.90 ou € 29,90 consoante pretendessem uma ou duas consultas mensais, sendo que a conduta da Ré levou a uma redução da faturação da autora no ginásio de São João da Madeira [Janeiro: € 1.015,40; Fevereiro: € 806,30; Março: € 288,60; Abril: € 19,99] e em Matosinhos [Janeiro: € 398; Fevereiro: € 149,30; Março: € 39,80; Abril: € 19,90].
Nos termos do contrato, a Ré obrigou-se a guardar lealdade, o que implica o dever de não concorrência e, se a Ré tinha o dever de não divulgar informações tinha igualmente o dever de não se aproveitar das informações, parasitando a lista de clientes angariados no âmbito de uma estrutura empresarial com custos mais elevados, para com ela concorrer direta e deslealmente, devendo ser responsável por um prejuízo mensal de € 1.300, devendo ser condenada no valor de € 15.600.

Contestou a Ré alegando, em síntese, que foi admitida para fazer um estágio na Autora, no âmbito do qual fazia as consultas gratuitas trimestrais de aconselhamento alimentar que a Autora presta aos seus clientes. No entanto, a Ré apresentou proposta à Autora no sentido de aumentar os serviços de nutrição da Autora aos seus clientes, mediante programas de acompanhamento personalizados que foi aceite pela Autora e que, após, a Ré passou a prestar, nas instalações da Autora, aos seus clientes, mediante um serviço extra pelo qual a Ré recebia comissões, angariando clientes e fornecendo o serviço de nutrição. Todavia, a partir de determinada altura, após desacordo quanto às comissões a receber, a Ré foi impedida pela Autora de continuar a prestar serviços na Autora. No seu trabalho na Autora, a Ré tinha acesso a bases de dados de clientes e tinha consigo os contatos dos clientes com quem mantinha relação. Na sequência da cessação da relação com a Autora, sentindo-se na obrigação de dar uma satisfação aos clientes que eram seguidos por si, tinham consultas marcadas e tinham sido convencidos por si a assinar contratos de nutrição que ministrava na Autora, ligou-lhes para se despedir e informá-los que deixaria de trabalhar na Autora. Quase todos os clientes manifestaram o interesse em continuar a ser seguidos pela Ré, perguntando-lhe como deveriam proceder para o conseguir, nomeadamente para cancelarem os contratos com a Autora. Nesse sentido e porque precisava de trabalhar, aconselhou-os a não abdicarem das consultas de nutrição a que tinham direito na Autora, comprometendo-se a avisar quem lhe pediu quando tivesse um espaço onde pudesse dar novamente consultas. Na realidade, não é a Ré quem está a parasitar a Autora, mas esta que pretendeu parasitar o trabalho da Ré pois foi esta quem angariou os clientes para aquele serviço concreto, idealizado, planeado e prestado exclusivamente por si, estimulando o seu trabalho para depois não lhe pagar as comissões. Por isso, considera que o único objetivo da Autora é utilizar o processo como meio para espoliar a Ré por esta a ter feito pagar o que lhe devia, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento conhecia perfeitamente e alterando a verdade dos factos, pretendendo continuar a receber indiretamente por um serviço que os clientes não queriam por saberem que não era a Ré quem o continuaria a prestar. Por conseguinte, a Autora deve ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização de € 3.345, sendo € 1.500 de honorários, € 345 de IVA por estes serviços e € 1.500 pelos transtornos e perturbações provocados à Ré.

Saneados os autos e delimitados os temas de prova, foi realizada a audiência de discussão e julgamento.

Em 10.10.2019, foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo improcedente a ação e, em consequência, absolvo a ré do pedido.
Julgo improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.
Mais condeno a autora nas custas da ação.”.

Não se conformando com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
“1.O ponto 12 dos factos provados deve ser alterado nos seguintes termos: “A Ré gravou no seu telemóvel o nome e o contacto telefónico que constava da base de dados da clientela da Autora e das listas que lhe eram entregues”
2. Deve ser acrescentado ao elenco dos factos provados o seguinte facto: “Após a rutura da relação laboral, a Ré contactou 100 a 105 e peio menos 40 clientes passaram a ser seguidas por si, deixando de recorrer aos serviços da Autora”,
3. No âmbito da relação contratual estabelecida entre Autora, conduta da Ré que grava no seu telemóvel o nome e morada dos clientes da autora a quem, no âmbito de um contrato de estágio dava consultas na área de nutrição, …
4. … e ao levar consigo, no fim da relação contratual, a PEN das avaliações físicas dos clientes, as fichas das consultas de nutrição e os nomes e contactos telefónicos dos clientes gravados no seu telemóvel, a Ré pratica o ilícito previsto no art° 318° do Código da Propriedade Horizontal aprovado pelo Decreto-Lei n° 36/2003 cio 5 de Março, vigente à data dos factos,
5. Ao servir-se desses elementos para contactar os clientes manifestando a sua disponibilidade para prestar em atividade concorrente com a da Autora, a Ré pratica um ato de concorrência desleal.
6. Considerando o número de clientes confessadamente desviados pela Ré, o abaixamento substancial dos clientes da Autora na área de nutrição, e dificuldade em recuperar a clientela perdida, reputa-se equilibrado o montante de indemnização pelo prejuízo da Autora.
7. Foi violado o disposto nos art°s 317° n° 1 e 318° ais, a) e b) do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec-Lei n° 36/2003.”.

Notificada, a Ré contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
“I – A sentença recorrida constitui uma detalhada, coerente e inteligível descrição do processo racional que motivou a decisão sobre a matéria de facto, sempre baseada nos concretos documentos e ou depoimentos, que demonstra ter tido o cuidado de escrutinar, concatenando-os, na explanação do seu raciocínio, sendo, por isso, insuscetível de ser posta em causa com as considerações trazidas pela recorrente.
I.1. Foi, pois, feita uma correta aplicação do disposto no art. 607.º, n.º 4, de acordo com o prescrito na 1.ª parte, do n.º 5, da mesma norma.
II – As considerações que pretendem alterar a matéria de facto, peticionada nas conclusões 1. e 2., bem ao invés da decisão que pretendem impugnar, não denotam a mínima preocupação em justificar porque se devem preferir os seus argumentos aos critérios que determinaram a prolação da decisão recorrida – muito menos enquanto elementos “que impunham decisão (…) diversa da recorrida”, al. b), do n.º 1, do art. 640.º do CPC.;
III – O Direito Fundamental, consagrado no art. 47.º da Constituição da República Portuguesa, da liberdade de escolha de profissão, a que reporta o Art. 136.º do Código do Trabalho, sobrepõe-se sempre a uma qualquer tentativa do seu cerceamento por via de invocação de concorrência desleal, ou infidelidade, ou deslealdade, salvo nos casos em que tal é bem patente, nomeadamente quando ocorre durante, nas instalações e com os meios da entidade a quem são devidos, ou de existência expressa de pacto de não concorrência e nas estritas condições determinadas na lei”.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a esta Relação, o Ex.º. Procurador-Geral-Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foram os autos a vistos.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- se a Ré violou o dever de lealdade e a obrigação de não concorrência para com a Autora;
- em caso afirmativo, qual o montante do prejuízo a considerar em termos de indemnização.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos (em realce a matéria aditada):
1.Em 12/07/2017, autora e ré celebraram, respetivamente, na qualidade de Entidade Promotora e de Estagiária, ao abrigo da “Medida Estágios Emprego”.
2.Pelo referido contrato de estágio, a autora obrigou-se a proporcionar à ré um estágio em contexto de trabalho, na área de nutrição, o qual teria lugar no ginásio “D…”, sito à Rua …, …, em São João da Madeira.
3.Também pelo referido contrato de estágio, a autora obrigou-se a pagar à ré a quantia mensal de €695,18, a título de bolsa de estágio.
4.Pelo referido contrato de estágio, sob a direção da Dra. E…, durante 40 horas por semana, repartidas de 2.ª a 6.ª feira, a ré obrigou-se a comparecer com assiduidade e pontualidade no dito ginásio “D…”, das 10h00 às 20h00, para e sob o controlo da autora, receber o estágio de nutrição tal como lhe fora apresentado por esta.
5.As tarefas da ré correspondiam ao serviço de aconselhamento alimentar incluído na mensalidade do cliente.
6.As consultas de aconselhamento alimentar dadas a todos os clientes eram registadas num drive à qual a Dra. E… tinha acesso permanente.
7.A partir de certa altura a ré deixou de registar as consultas no drive e de efetuar o registo na APP.
8.A ré referiu que não colocava as abordagens nutricionais na APP online para não ficarem com as suas prescrições.
9.A partir de 2 de fevereiro de 2018 a ré deixou de exercer funções na autora.
10.Nesse dia a ré levou consigo uma PEN/antena que liga a balança ao PC das avaliações físicas, impossibilitando os professores de fazer avaliações nesse dia que só entregou depois de ter sido interpelada pelo gerente da autora.
11.Para o exercício das suas funções a ré tinha acesso à base de dados da autora, designadamente a lista de clientes que estavam a ser seguidos por si nos ginásios da autora em São João da Madeira e em Matosinhos.
12.Na primeira consulta a ré registava o número de telemóvel dos clientes que estavam a ser seguidos por si nos programas de nutrição pagos para posteriormente entrar em contato com eles e, após cessação da sua relação com a autora, contatou todos estes clientes.
12. A- Após a rutura da relação laboral, a Ré contactou 100 a 105 clientes.
13.Neste primeiro contato, a ré informou-os de que já não trabalhava na autora e não iria estar na próxima consulta.
14.Muitos clientes manifestaram-lhe a vontade de continuarem a ser seguidos por si e, em face disso, a ré comprometeu-se com esses clientes a comunicar-lhes assim que tivesse uma alternativa para poderem prosseguir as consultas noutro local, aconselhando-os a não abdicarem das consultas de nutrição a que ainda tinham direito na autora e que já tinham pago.
15.Num segundo telefonema, efetuado cerca de duas semanas depois, a ré propôs aos clientes que acompanhava um local alternativo para fazerem esse acompanhamento.
16.Em 30 de Abril de 2018, apenas um cliente do ginásio de São João da Madeira e um cliente do ginásio de Matosinhos se mantinham com o serviço de nutrição personalizado.
17.Alguns clientes da autora, num total de pelo menos 18, fizeram o cancelamento do serviço por escrito, sendo que quatro referem o contato da ré e o acompanhamento por esta como motivo, três referem a troca de nutricionista, um refere que quer parar por um tempo, um refere que o motivo é a ré já não ser a nutricionista e os outros não fazem qualquer referência ao motivo.
18.A mensalidade do serviço de nutrição personalizado era de € 19.90 ou de € 29,90 consoante o cliente pretendesse 1 ou 2 consultas mensais.
19. No mês de janeiro de 2018, no ginásio de São João da Madeira, a autora teve uma receita de € 1.015,40 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
20.No mês de fevereiro de 2018, no ginásio de São João da Madeira, a autora teve uma receita de € 806,30 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
21.No mês de março de 2018, no ginásio de São João da Madeira, a autora teve uma receita de € 288,60 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
22.No mês de abril de 2018, no ginásio de São João da Madeira, a autora teve uma receita de € 19,90 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
23.No mês de janeiro de 2018, no ginásio de Matosinhos, a autora teve uma receita de € 398 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
24.No mês de fevereiro de 2018, no ginásio de Matosinhos, a autora teve uma receita de € 149,30 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
25.No mês de março de 2018, no ginásio de Matosinhos, a autora teve uma receita de € 39,80 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
26.No mês de abril de 2018, no ginásio de Matosinhos, a autora teve uma receita de € 19,90 relativa ao serviço de nutrição personalizado.
27.Na cláusula 4.ª, alínea c), do Contrato de Formação, a ré declarou que iria guardar lealdade à autora nomeadamente não transmitindo para o exterior informações de que tome conhecimento por ocasião do estágio.
28.Na ação que correu termos neste tribunal sob o n.º 976/18.1T8OAZ, em que era autora a aqui ré e ré a aqui autora, já transitada em julgado, foram considerados provados, para além de outros, os seguintes factos:
Em 12/07/2017, autora e ré celebraram, respetivamente, na qualidade de Estagiária e de Entidade Promotora, ao abrigo da “Medida Estágios Emprego”
Pelo referido contrato de estágio, a Demandada obrigou-se a proporcionar à autora um estágio em contexto de trabalho, na área de nutrição, o qual teria lugar no ginásio “D…”, sito à Rua …, …, em São João da Madeira
Também pelo referido contrato de estágio, a Demandada obrigou-se a pagar à autora a quantia mensal de €695,18, a título de bolsa de estágio
Ainda pelo referido contrato de estágio, a fim de poder denunciá-lo ou desistir do estágio, a Demandada obrigou-se a comunicar o respetivo motivo à autora e ao IEFP, por carta registada, com a antecedência mínima de 15 dias consecutivos
Pelo referido contrato de estágio, a autora obrigou-se a comparecer com assiduidade e pontualidade no dito ginásio “D…”, das 10h00 às 20h00, para e sob o controlo da ré, receber o estágio de nutrição tal como lhe fora apresentado por esta.
As tarefas da autora correspondiam ao serviço de nutrição que, na altura, a ré oferecia aos seus clientes.
Com efeito, até à celebração do contrato de estágio com a autora, a ré oferecia gratuitamente, a cada atleta que subscrevesse o seu plano de ginásio, um serviço de nutrição, composto por uma consulta trimestral onde era prestado aconselhamento alimentar.
E fazia parte do estágio apresentado pela Demandada à autora, para além da realização de workshops e de artigos para posterior publicação em Ebooks e no Facebook da Demandada, aquela assumir o descrito serviço de nutrição, até porque a nutricionista que antes o fazia, a Dra. E…, passaria a dedicar a maior parte do seu tempo a um outro ginásio que a Demandada também possui em Matosinhos.
O referido contrato de estágio fora celebrado por 9 meses, teve início em 01/09/2017 e apenas terminaria, não fosse o que infra se descreve, em 31/05/2018
Embora estivesse satisfeita com a celebração do referido contrato de estágio e com o serviço de nutrição que, nos termos daquele, iria prestar aos clientes da ré, a autora, achando-se capaz de lhes oferecer diferentes tipos de serviços, nomeadamente, realizando mais consultas e alargando o seu objecto à elaboração de um verdadeiro plano alimentar, consoante as necessidades individuais e as requisições de cada um, viu na variedade de tais serviços uma forma de rentabilizar o seu trabalho, pois, no seu entender, a ré poderia cobrá-los e pagar-lhe parte desse valor, à imagem do que fazia para os serviços de “Personal Trainer”, como comissão.
Nesse sentido, ainda antes de iniciar o estágio e por diversas vezes, ora em conversas mantidas com o Dr. F…, ora em conversas mantidas com a Dra. E…, representantes legais da ré, a autora foi-lhes apresentando as suas ideias, quer quanto à diversidade de serviços que julgava poder prestar, quer quanto à forma de ser por estes paga.
Os aludidos representantes legais da ré sempre alimentaram as ideias da autora, incentivando-a a apresentar-lhes uma proposta concreta do que iam discutindo verbalmente.
E a autora assim fez, entregando-lhes uma proposta em mãos, em finais de Julho de 2017, com a descrição dos quatro serviços de nutrição que entendia poder apresentar aos clientes da ré, esclarecendo ser o primeiro daqueles serviços o que prestaria em função do seu salário base – pois correspondia ao serviço gratuito incluído na mensalidade de todos os clientes da ré, do qual também esta não retiraria nenhum proveito económico – e os três restantes os que prestaria no âmbito da prestação extra de serviços, mediante o recebimento da aludida comissão, a qual incidiria sobre o valor cobrado pela ré com as percentagens de 40%, 50% e 60%, conforme conseguisse realizar, respectivamente, de uma a quatro, de cinco a nove e de dez ou mais consultas por mês.
Ainda antes de iniciar o estágio, no dia 30/08/2017, a autora iniciou uma conversa no Messenger com a Dra. E…, onde a questionou sobre a aludida proposta dos serviços de nutrição e a informou, de seguida, ter já “clientes” interessados em marcar consultas de nutrição extra, pelo que queria saber se os podia sugerir.
A Dra. E… que começara por dizer, na conversa referida, que ainda não tinha resposta sobre a proposta da autora, perante a informação de que existiam clientes interessados em marcar consultas de nutrição extra, disse e insistiu para a autora marcar essas consultas, expressamente dizendo que se era para o interesse de todos não devia deixar de as marcar, seguidamente pedindo-lhe para a avisar assim que marcasse os três primeiros clientes e para lhe voltar a enviar o serviço 4, pois tinha sido sobre este serviço que a autora lhe dissera estarem aqueles clientes interessados.
A autora continuou à procura de interessados para os serviços de nutrição que propusera aos representantes legais da ré, tendo voltado a informar a Dra. E…, em 04/09/2017, de que já teria mais pessoas interessadas naqueles, ao que esta lhe respondeu que não deveria acompanhar apenas os clientes vistos por si, mas antes todos, fazendo uma clara alusão às comissões referidas.
A autora voltou a entregar à Dra. E…a, desta vez enviando-a por Messenger e por email, no dia 06/09/2017, a proposta dos serviços de nutrição que lhe entregara em mãos em finais de Julho de 2017.
A ré, representada pelo Dr. F… e pela Dra. E…, viria a dar o seu consentimento expresso à proposta que lhe apresentara a autora, em reunião celebrada entre os três no dito ginásio “D…”, ocorrida entre os dias 11 e 15 de Setembro de 20172, tendo apenas os representantes da ré sugerido uma alteração aos critérios porque se definiria a comissão da autora: os 40%, 50% e 60%, do valor pago à autora em razão dos serviços de nutrição que cobrariam aos seus clientes, seriam fixados consoante esta conseguisse realizar, respetivamente, de uma a sete, de oito a catorze ou de quinze ou mais consultas por mês, o que a autora aceitou.
A partir da aludida reunião ocorrida entre os dias 11 e 15 de Setembro de 2017, a ré passou a celebrar contratos de nutrição com os seus clientes, nos termos dos serviços propostos pela autora, como demonstra, a título de mero exemplo, a mensagem que lhe enviou a Dra. E… no dia 18/09/2017, via Messenger.
E em relação à comissão da autora e à definição dos seus termos, pela celebração daqueles contratos, acertada, como se disse, na reunião referida, a autora iniciou com a Dra. E… uma nova conversa no Messenger, no dia 02/10/2017, onde a informou que relativamente ao mês de Setembro tinha conseguido celebrar contratos de nutrição com oito clientes, que em face disso o valor da sua comissão seria de 50% sobre o valor facturado e que tal representava o montante de €114,60, logrando obter daquela incentivos como “Parabéns!”, “BOA, força!”, “disse-te que seria fácil. A carteira de clientes existe, logo só precisas propor!”.
Estranhando a falta de pagamento daqueles serviços, a autora questionou directamente a Dra. E…, no dia 18/10/2017 via Messenger, sobre quando aqueles seriam efectuados, dela obtendo a resposta de que o Dr. F… os pagaria assim que caíssem os primeiros débitos, mais a aconselhando a criar um documento Excel com o nome, o número e a data do contrato de cada sócio, a data do primeiro débito, o valor pago e o valor a comissionar.
No dia 21/10/2017 a gestora administrativa no ginásio da ré, G…, informou a autora de que, segundo lhe dissera a Dra. E…, as comissões que receberia pelos contratos de nutrição, apenas recairiam sobre o valor pago pelos clientes da Demandada no primeiro mês do respectivo contrato.
Após receber a confirmação da informação supra referida, dada pela mesma Sra. G… passada uma semana, por volta de 27/10/2017, a autora contactou directamente a Dra. E… para a confrontar com a dita informação, a quem imediatamente manifestou o seu desagrado e disse não ter sido o que haviam acordado, tendo a Dra. E… passado a desculpar-se dizendo que as consultas estavam a ser dadas dentro do seu horário de trabalho e que, para manter o combinado, teria a autora de,
-passar a dar as referidas consultas fora do seu horário de trabalho ou,
-continuando a fazê-lo durante o horário de trabalho, descontar as horas com aquelas despendidas no seu salário base.
Para além de muito surpreendida e desagradada, pela informação de que iria receber menos dinheiro do que havia sido acordado para os serviços já realizados, a autora ficou naturalmente insegura com a facilidade com que a Dra. E… introduzia novas condições à prestação daqueles serviços, motivos porque lhe pediu, na chamada telefónica supra referida, a marcação de uma reunião onde pudessem esclarecer todos os aspetos da sua relação contratual e o passassem a escrito.
A autora conseguiu finalmente reunir com o Dr. F… e com a Dra. E…, no dia 08/11/2017, onde os primeiros concordaram em permitir à autora que continuasse a prestar os serviços de nutrição tal como inicialmente sugerira, durante o seu horário de trabalho mas com alterações sobre as comissões que por aqueles lhe tinham de pagar, tendo a autora ficado de lhes enviar uma nova proposta.
Logo no dia seguinte, a 09/11/2017, a autora enviou a aludida nova proposta ao Dr. F… e à Dra. E…, via Messenger, nos termos da qual passaria a receber uma comissão mensal sobre a totalidade do dinheiro que, nesse mês, conseguisse angariar para o ginásio, de 30%, 40% e 50% conforme conseguisse alcançar as metas de, respectivamente, menos de €400,00, entre €400,00 e €800,00 ou mais de €800,00.
No dia 17/11/2017 a Dra. E… ligou à autora a dizer-lhe que aceitavam a proposta supra referida, mediante duas condições:
-as percentagens de 30%, 40% e 50% da comissão da autora, haviam de variar consoante esta conseguisse alcançar as metas de, respetivamente, menos de €600,00, entre €600,00 e €1.200,00 ou mais de €1.200,00 e
-esta pudesse ir substituir a nutricionista que se tinha ido embora do ginásio “H…”, de Matosinhos, para tanto se oferecendo para pagar o gasóleo que a autora ia gastar com as deslocações para e daquela cidade, condições que a autora aceitou.
A autora começou a trabalhar no dito “H…”, no dia 20/11/2017 e logo ali conseguiu a subscrição de três contratos de nutrição, feito elogiado de tal forma pelos representantes legais da ré que decidiram descer-lhe as metas referidas, para €500,00 e €1.000,00 – as percentagens de 30%, 40% e 50% da comissão da autora, passariam agora a variar consoante esta conseguisse alcançar as metas de, respetivamente, menos de €500,00, entre €500,00 e €1.000,00 ou mais de €1.000,00 por mês.
Em 22/12/2017 a Sra. G… enviou aos representantes legais da ré, por email e respetivo anexo, os valores por esta devidos à autora, a título de comissões, em razão dos contratos de nutrição subscritos nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, o qual fora calculado de acordo com a última alteração por aqueles promovida, no total de €914,94.
Já com acesso às referidas contas, os representantes legais da ré não as quiseram pagar,
-primeiro, alegando que a autora teria de passar recibos verdes, uma vez que o contrato de estágio não lhes permitia pagar mais do que o salário base, o que fora desmentido pelo IEFP que dissera tal poder acontecer, desde que o responsável pelo estágio o autorizasse e os pagamentos fossem declarados como “prémios”,
-depois e após o referido esclarecimento do IEFP, enviado pela Sra. G…, em 08/01/2018, por email e pela autora via Messenger aos representantes legais da ré, porque as ditas contas estariam mal feitas.
Com efeito, após receber novo email da Sra. G…, este de 22/01/2018, com os valores que a ré devia à autora, a título de comissões, em razão dos contratos de nutrição subscritos no mês de Dezembro de 2017, onde também se incluíam, desta vez, os do ginásio “H…”, local onde a autora passara a trabalhar desde 20/11/2017, como supra se disse, a Dra. E… informou a Sra. G… de que tanto os valores enviados a 22/12/2017, como estes últimos estariam errados e teriam de ser novamente calculados.
A Sra. G… transmitiu a informação referida à autora no dia 01/02/2018, a qual ficou incrédula e revoltada, com aquela que seria a confirmação da falta de compromisso e de seriedade dos representantes legais da ré, pois entre sucessivos acordos e arrependimentos, até à data, não tinha recebido qualquer quantia para além do seu salário base, nomeadamente, pelo serviço de nutrição que se tinha proposto prestar à ré contra o recebimento de comissões e pelas deslocações que fizera para e do ginásio “H…”, sobre as quais também já tinha reclamado o seu pagamento.
Em face do exposto, nesse dia 01/02/2018, a autora tentou ligar várias vezes à Dra. E…, sem sucesso, até esta desligar o telemóvel e ao Dr. F…, também sem sucesso até receber uma mensagem da primeira a dizer-lhe para aguardar, pois estaria disponível ao final da tarde.
A Dra. E… viria a devolver a chamada à autora, por volta das 19h00, ainda naquele dia 01/02/2018, discutiram sobre a questão das comissões e das despesas de deslocação, perante o que a autora disse à Dra. E… para não contar mais consigo, ao que esta respondeu, de imediato, “pronto, tudo bem então” e desligou.
A autora efetivamente arrumou as suas coisas e foi embora.
No tal dia seguinte, a 02/02/2018, a autora apresentou-se ao trabalho, por volta das 07h30, conseguindo entrar no ginásio sem dar conta de que o seu cartão de acesso havia sido bloqueado, pois àquela hora o sistema não estava ainda a funcionar, apenas se apercebendo de que tal acontecera, por volta das 08h45, depois de saber que as suas consultas tinham sido canceladas.
No dia 03/02/2018 a autora informou a ré, por email enviado para o seu endereço oficial, de que nunca tinha colocado nem iria colocar o seu profissionalismo em causa, com objetivo de separar aquilo que era o seu estágio, do qual não pretendia abdicar, dos acordos sobre os contratos de nutrição e respetivas comissões, seguidamente questionando sobre onde se deveria apresentar ao trabalho na Segunda-Feira seguinte, se em São João da Madeira ou em Matosinhos, pois era habitual às Segundas-Feiras a autora ter de se apresentar em Matosinhos, não tendo no entanto logrado obter qualquer resposta.
A ré remeteu ao IFP a carta de folhas 60 verso a 71 frente cujo teor se considera reproduzido. A ré remeteu à autora a carta de folhas 2 cujo teor se considera reproduzido.
A autora respondeu à aludida carta da ré de 08/02/2018, primeiro, através de uma carta registada com aviso de receção que lhe enviou a 14/02/2018, onde, resumidamente, lamentou a atitude dos seus representantes legais, voltou a esclarecer que o mote das discussões que até então a haviam impedido de trabalhar apenas tivera a haver com as comissões que aqueles se haviam comprometido em pagar-lhe e já não com o seu trabalho, o qual nunca tinha estado em causa, apresentou as quantias que a ré lhe devia, no valor de €5.631,28 e de forma discriminada, apontou-lhes um prazo de 10 dias para efetuarem o seu pagamento e informou-os de que no caso de não o fazerem, recorreria à via judicial para as cobrar acrescidas de juros e dos danos morais que toda a situação lhe estava a provocar, os quais também discriminou.
A autora respondeu ainda à aludida carta da ré de 08/02/2018, através de uma outra carta que lhe enviou a 15/02/2018, nesta procurando repor a verdade quanto à iniciativa da rescisão contratual, dizendo nunca a ter tido porquanto
-em momento algum tinha dito que queria abandonar o estágio e/ou rescindir o contrato do mesmo,
-apesar dos seus contactos de 03 e 04/02/2017, não tinha tido qualquer resposta no sentido de saber em qual dos ginásios da Demandada se devia apresentar,
-sempre se apresentou ao trabalho até ao dia em que os representantes legais da ré tiveram a reunião no IEFP, de 07/02/2017 e
- desde o dia 02/02/2017 o seu cartão de acesso ao sistema de trabalho tinha sido bloqueado.
O valor das comissões relativamente aos contratos de nutrição subscritos no ginásio “H…” ficou acordado entre as partes no valor de €160,00 e €320,00, os quais seriam aplicados nos mesmos termos dos €500,00 e €1.000,00 ajustados pelos representantes legais da ré, no dia 20/11/2017.
A autora angariou contratos de nutrição, celebrados no ginásio “D…”, nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018 e efetuou as referidas consultas, nos termos indicados nos documentos de folhas 37/38 e 40 a 43, apurando-se como comissões, o valor de €2.029,99.
A autora angariou contratos de nutrição, celebrados no ginásio “H…”, nos meses de Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018 e efetuou as referidas consultas, nos termos indicados nos documentos de folhas 43 verso/44 verso, apurando-se como comissões, o valor de €356,30.
Em consequência destas situações, a autora ficou triste e chorou.
A autora prestou todas as consultas de nutrição personalizadas, ou então os clientes da Demandada não teriam continuado a pagar os serviços de nutrição extra em que aquelas consistiam, ou não o teriam feito, pelo menos, sem apresentar qualquer reclamação.
A autora nunca deixou de marcar as ditas consultas num documento Excel, disponibilizado na rede de software do ginásio para que a ele pudessem aceder quer os trabalhadores, quer a administração da Demandada, onde eram registadas todas as suas atividades, como forma de evitar a sobreposição de tais atividades, ao mesmo tempo que à Demandada era disponibilizada uma ferramenta para o seu controlo, permitindo-lhe, nomeadamente, ordenar a sua alteração em razão do restante programa do ginásio.
A autora não registava o plano instituído na drive e inseria os planos alimentares na Aplicação Online, designadamente, para preservar as suas qualidades profissionais e mais-valias que a distinguem dos demais trabalhadores da sua área, e, sobretudo, para proteger o sigilo profissional, a privacidade e a confidencialidade dos seus clientes, por considerar ser a posição deontologicamente correta.
Só depois de estar alguns meses a usufruir dos serviços que aquela lhe prestava é que a ré a confrontou com essa situação e com a exigência de prestar as consultas fora do horário de trabalho.
No dia 1 de Fevereiro de 2018 a autora levou consigo a pen/antena que liga a balança ao PC das avaliações físicas, impossibilitando os professores de fazer avaliações.
A autora entregou a pen logo na segunda-feira seguinte de manhã, pois tendo-a levado no seu computador, involuntariamente, por engano, na referida quinta-feira e tendo sido impedida de trabalhar na sexta-feira, não mais se lembrou dela, até o Sr. F… lha pedir, no Sábado. (sublinhado e realce nossos).

O Tribunal a quo fixou como factos não provados:
1.A ré, recém-licenciada, recebeu da Dra. E… toda a formação inerente à função, protocolos de intervenção e planos nutricionais.
2.Em 27 de janeiro de 2018 a autora tomou conhecimento que a ré prestava serviços na área de nutrição num outro ginásio designado I….
3.A ré assediava clientes da autora para marcarem consultas diretamente consigo propondo valores inferiores.
4.No primeiro contato que a ré fez com os clientes após a cessação da relação com a autora, propôs aos clientes continuar os seus serviços a um preço mais reduzido noutro local ou então online evitando desse modo qualquer deslocação e aconselhou-os a cancelarem de imediato o contrato com a ré para não terem que pagar as mensalidades.
5.Os clientes confirmaram verbalmente que iriam ter consultas com a ré por ser mais barato e cómodo, recusando declará-lo por escrito.
6.Os clientes comunicaram verbalmente que deixariam de ter consultas de nutrição personalizadas.
7.A autora propôs a presente ação para sancionar a ré por ter proposto uma ação contra aquela.
8.A ré gastou a quantia de € 1.500 de honorários acrescida de € 345 de IVA nos serviços do seu mandatário. (sublinhado e realce nossos).

Foi a seguinte a motivação do Tribunal a quo:
“Basicamente, os factos que foram considerados provados resultaram, em grande medida, das declarações da própria ré, cuja parte que se pode entender como confessória consta da correspondente assentada, sendo certo que entendemos que, aceitando a parte confessória e não havendo elementos relevantes em sentido contrário, temos que aceitar as declarações da autora na sua globalidade, pois se esta teve a honestidade de assumir factualidade que lhe pode ser desfavorável e que sem o seu depoimento não poderia sequer ser considerada provada, por identidade de razão, temos que aceitar como válidas, até porque não foram objeto de relevante prova em sentido diverso, as explicações e os factos adicionais ou acessórios que a ré foi adiantando. Na realidade, o único aspeto factual das declarações da ré que podíamos considerar um pouco dissonante da restante prova reside na circunstância desta referir que no primeiro telefonema que fez aos clientes não ofereceu uma solução alternativa, nem lhes fez qualquer proposta, quando a testemunha J… que referiu que no primeiro contacto, por mensagem e não em chamada, a ré marcou-lhe um dia, hora e local para a consulta, tendo depois decidido que não queria continuar com a ré pois para si era mais conveniente continuar as consultas no ginásio, mas admitimos que esta testemunha tenha sido uma exceção à regra porque estava em férias no estrangeiro e pode não ter recebido a primeira chamada e, então, a ré, em relação a este, tenha feito de forma diferente, pois todas as demais testemunhas ouvidas, mais precisamente, as testemunhas K…, L…, M… e N…, confirmam a versão da ré. De forma um pouco diferente, a testemunha O… referiu que recebeu um telefonema da ré, em fevereiro de 2018, esta falou-lhe em consultas online, mas já tinha o contrato ativo, já tinha cumprido o seu objetivo e não queria continuar com consultas e foi por isso que as acabou e não por causa da ré. Para além desta questão, a ré não admitiu que antes do fim do contrato de estágio tenha feito quaisquer proposta a clientes da autora. Em sentido um pouco diverso, as testemunhas G… e P… referiram que a cliente Q… teria falado com a ré para dar uma consulta à sua filha que não era cliente do ginásio e esta terá dito que no ginásio, por que era não era cliente, ficava caro, mas não afirmam se fez alguma proposta e qual e a autora optou por prescindir do depoimento da própria cliente, pelo que não sabemos exatamente o que aconteceu, sendo certo que dos depoimentos referidos resulta claramente que a ré não fez qualquer proposta para clientes da autora terem consultas consigo fora do ginásio a preço inferior, pois a questão foi colocada relativamente a uma pessoa que não era cliente da autora e, por isso, essa matéria tem que ser dada como provada. Para além disso, consideramos que, em matéria de cancelamento, podemos ter em conta os documentos de folhas 13 a 21 mas, nada mais, pois consideramos que a prova efetuada nessa matéria para além do que está documentalmente demonstrado é insuficiente [os depoimentos das testemunhas G… e P… não são concretizados ao ponto de poderem servir de prova bastante nessa matéria]. Quanto aos valores de faturação temos em conta o documento de folhas 11 verso e 12 frente e verso que foi igualmente confirmado pela testemunha G…. Por outro lado, entendemos que devemos respeitar a matéria que foi considerada provada no processo n.º 976/18.1T8OAZ que correu termos entre as partes e, por isso, por força da autoridade do caso julgado, as partes estão vinculadas a essa matéria factual. Por fim, na restante matéria entendemos que não existe prova relevante”, (sublinhado e realce nossos).

2.2. Alteração da decisão de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 87º, nº 1 do Código do Processo de Trabalho, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Lê-se no Acórdão do S.T.J. de 24.09.2013, in www.dgsi.pt, «(…) o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (…)».
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram efetivamente reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º do Código Civil.
Preceitua ainda o artigo 640º do Código de Processo Civil:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
a) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
b) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando nos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual.”.
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (relatora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora): «Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).» (sublinhado e realce nossos).
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».

2.2.1. A Apelante começa por indicar que o ponto 12 dos factos provados deve ser alterado.
É este o teor do mesmo item:
. Na primeira consulta a ré registava o número de telemóvel dos clientes que estavam a ser seguidos por si nos programas de nutrição pagos para posteriormente entrar em contato com eles e, após cessação da sua relação com a autora, contatou todos estes clientes.
Indica a Apelante que o ponto 12 dos factos provados deve ser alterado nos seguintes termos: “A Ré gravou no seu telemóvel o nome e o contacto telefónico que constava da base de dados da clientela da Autora e das listas que lhe eram entregues”.
Alegou a Apelante que a Ré confessa que o nome e o contacto telefónico dos clientes constavam já da base de dados da clientela da Autora e nas listas de clientes que iam sendo entregues à Ré com vista ao desempenho das suas funções no âmbito do contrato de estágio.
Indica os minutos da gravação da audiência de julgamento, onde ficou registado o depoimento da Ré e transcreve os excertos desse mesmo depoimento, tidos por si como relevantes, para a impugnação que faz.
Não indica a Apelante, em que articulado alegou o que pretende seja considerado provado.
A propósito da motivação da decisão de facto da sentença, a Apelante limita-se a alegar que quanto aos números de telemóvel dos clientes, não foi a própria Ré que os obteve na primeira consulta para depois os ir contactando, uma vez que o nome e o contacto telefónico do cliente constavam já da base de dados da clientela da Autora e nas listas de clientes que iam sendo entregues à Ré, com vista ao desempenho das suas funções no âmbito do contrato de estágio.
Ora desde já se refere que dos excertos do depoimento da Autora, transcritos pela Apelante, nada resulta em contrário do que ficou assente.
Com efeito, mesmo os clientes sendo já clientes do ginásio da Ré e integrando a lista de clientes, facultada pela Autora à Ré, isso não é contraditório com o facto de a Ré, na 1ª consulta consigo, nos programas de nutrição, não fizesse o registo dos números do telemóvel dos clientes que estavam a ser seguidos por si, ou seja dos clientes da Autora que aderiram aqueles programas, não incluídos na mensalidade do cliente.
Ou seja, mesmo sendo já clientes do ginásio, o registo no seu telemóvel que a Ré efetuou, aquando da 1ª consulta, nos programas nutrição, não significa que esses clientes não integrassem já a lista que dos mesmos foi entregue à Ré, podendo tratar-se antes de um “segundo” registo, este respeitante aos clientes desses programas.
Aliás a própria Apelante alega em sede do presente recurso que a Ré gravou no seu telemóvel os elementos dos clientes que constavam das listas de clientes da Autora.
De resto, sempre se atende a que não resulta dos excertos do depoimento da Ré, transcritos pela Apelante que os clientes que ficaram a ser por si seguidos nos programas de nutrição eram todos clientes que já eram clientes do ginásio, anteriormente, nem que todos integravam as listas da Autora que lhe foram entregues.
Improcede em conformidade, nesta parte, a pretensão da Apelante.

2.2.2. Indica outrossim a Apelante a matéria que entende deveria ter sido considerada provada:
Após a rutura da relação laboral, a Ré contactou 100 a 105 e pelo menos 40 clientes passaram a ser seguidas por si, deixando de recorrer aos serviços da Autora”.
Refere tratar-se de matéria relevante para a decisão de direito.
Referiu o que alegou nos artigos 20º, 21º e 22º da petição inicial: sendo pedido a cada cliente para declarar qual o motivo pelo qual cancelava o contrato, (i) três deles declararam por escrito terem sido contactados pela Ré no sentido de cancelarem os contratos e passarem a ser seguidos por si, (ii) outros declararam que tinham trocado de nutricionista, e muito embora referissem que a nutricionista era a Ré, recusaram-se a mencionar o nome desta, (iii) e outros, apesar de confirmarem verbalmente que iriam ter consultas com a Ré por ser mais barato e cómodo, recusaram a declarar por escrito o motivo.
Indicou a Apelante os minutos da gravação da audiência de julgamento, onde ficou registado o depoimento da Ré e transcreve os excertos desse mesmo depoimento, tidos por si como relevantes.
Ficou assente no item 12º que após cessação da sua relação com a Autora, a Ré contatou todos os clientes seguidos por si nos programas de nutrição.
Do teor dos indicados artigos da petição inicial resulta que a Apelante não alegou o número de contactos efetuados pela Ré, após a rutura da relação laboral, nem tão pouco o número de clientes que passaram a ser seguidos por esta e deixaram de recorrer aos serviços da Autora, o que entendemos tratar-se de matéria complementar e concretizadora.
Ora, sob a epígrafe “Discussão e julgamento da matéria de facto”, dispõe o artigo 72º do Código de Processo do Trabalho que:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 601.º do Código de Processo Civil». (sublinhado nosso).
A norma do nº1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho (redação dada pela Lei nº 107/2019, de 09.09.) é aplicável quanto aos factos essenciais mas não já quanto aos factos instrumentais e complementares.
Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho.
Dito de outro modo, o regime do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho – reportando-se aos factos essenciais - é apenas aplicável na 1ª instância.
Quanto aos factos instrumentais e complementares, com a Lei nº 107/2019 de 09.09. passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 72º, nº1 (1ª parte) do Código de Processo do Trabalho.
Ora, dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código de Processo Civil:
«2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b )Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar» (sublinhado nosso).
Quanto aos factos instrumentais, a Relação pode de os mesmos conhecer, apenas se exigindo que tenham resultado da instrução da causa – cfr. artigo 5º, nº2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Quanto aos factos complementares, o artigo 5º, nº2, alínea b) do Código de Processo Civil exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, o que ocorre se eles foram discutidos em sede de audiência de julgamento e se é invocado no recurso pelo Recorrente (que os pretenda aditar), tendo, tal como aquela, a parte contrária igualmente a possibilidade de se pronunciar, desde logo na mesma audiência. Neste caso, a Relação poderá conhecer uma vez que «as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar».
Ou seja, quanto aos factos complementares, este último preceito legal exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, o que no caso concreto, ocorre quanto à matéria complementar e concretizadora, em causa, discutida em sede de julgamento e invocada no recurso pela Recorrente (que a pretende aditar), tendo, tal como a Autora/Recorrente, a parte contrária, a Ré/Recorrida, tido a possibilidade de a debater desde logo naquela sede – note-se que resultou a mesma matéria das suas declarações de parte –logo perante o Mmº Juiz que presidiu à audiência.
Assim sendo afigura-se-nos ser possível sindicar, a propósito de tal matéria, em sede de impugnação da matéria de facto, a decisão recorrida.
Ora, no respetivo depoimento – atentos os excertos que do mesmo foram transcritos pela Apelante-, a Ré admitiu ter contactado todos os clientes constantes do seu telemóvel (num total de 100/105), referindo ser provável que desses, 40 passaram a ser seus clientes diretos, não falando nesta segunda parte com segurança, antes manifestando ser “Talvez por aí”, “É provável”, nada referindo, nos excertos do seu depoimento, sobre se os mesmos clientes deixaram de recorrer aos serviços da Aurora.
Procede assim nesta parte apenas parcialmente a pretensão da Apelante, determinando-se que seja aditado aos factos provados o seguinte item:
12. A- Após a rutura da relação laboral, a Ré contactou 100 a 105 clientes.

2.3. Fundamentação de direito:
Nesta sede, a primeira questão que se coloca é a de saber se a Ré violou o dever de lealdade e a obrigação de não concorrência para com a Autora.
Pela pertinência a propósito da solução que acolhemos, principiamos por citar o Sr. Professor Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes, (in “Direito do Trabalho”, volume I, Relações individuais de Trabalho, Coimbra Editora, no capítulo sobre “As cláusulas de não concorrência”, pág. 609 e 611 a 612), “Durante a vigência do contrato de trabalho, o trabalhador acha-se sujeito a uma obrigação de não concorrência com o seu empregador, obrigação esta de conteúdo bastante amplo, mas que se extingue com a cessação do contrato. Terminado o contrato de trabalho, o trabalhador readquire a sua plena liberdade de trabalho – e de empresa – podendo, por conseguinte, iniciar legitimamente uma atividade, por conta própria ou alheia, diretamente concorrente com o seu anterior empregador (…), sempre dentro dos limites gerais impostos pela proibição de concorrência desleal.
(…)
Há, obviamente, várias razões pelas quais a concorrência feita por um trabalhador ao seu anterior empregador pode revelar-se particularmente perigosa para este último. O trabalhador pode, no decurso da execução do seu contrato, ter tido contacto com segredos de fabrico, com um Know-how específico daquela empresa. (…) E o trabalhador pode ter tido acesso a um amplo leque de informações confidenciais – segredos de fabrico, lista de fornecedores ou de clientes, e até métodos de gestão ou fórmulas de cálculo de preços (…) – extremamente preciosas para qualquer concorrente do seu empregador. Além disso, ao menos em certas atividades, o contacto direto com a cliente pode significar (…) que o trabalhador está em condições de desviar uma parte, e até uma parte significativa, dessa clientela, em detrimento do seu anterior empregador. Para decidir se o trabalhador está ou não em condições de desviar essa parte da clientela, parece dever atender-se à importância do seu contributo pessoal para a satisfação do cliente (…), por comparação com a importância dos métodos de trabalho e da organização do empregador.” (realce e sublinhado nossos).
A Apelante começa por alegar que não controverte o enquadramento jurídico feito na sentença, na parte em que nesta se chama à colação as normas de direito laboral na valoração do comportamento da Ré.
Mais alega que a Ré tinha o direito de exercer a sua atividade em concorrência com a atividade da Autora, mas não o podia fazer de forma desleal e desonesta.
Concluiu, a este propósito, em suma, a Apelante:
- No âmbito da relação contratual estabelecida a conduta da Ré que grava no seu telemóvel o nome e morada dos clientes da Autora a quem, no âmbito de um contrato de estágio dava consultas na área de nutrição e ao levar consigo, no fim da relação contratual, a PEN das avaliações físicas dos clientes, as fichas das consultas de nutrição e os nomes e contactos telefónicos dos clientes gravados no seu telemóvel, pratica o ilícito previsto no artigo 318° do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n° 36/2003 de 5 de Março, vigente à data dos factos,
- Ao servir-se desses elementos para contactar os clientes manifestando a sua disponibilidade para prestar em atividade concorrente com a da Autora, a Ré pratica um ato de concorrência desleal.
Concluiu, por seu turno, em suma, a Ré:
– O Direito Fundamental, consagrado no artigo 47º da Constituição da República Portuguesa, da liberdade de escolha de profissão, a que se reporta o artigo 136.º do Código do Trabalho, sobrepõe-se sempre a uma qualquer tentativa do seu cerceamento por via de invocação de concorrência desleal, ou infidelidade, ou deslealdade, salvo nos casos em que tal é bem patente, nomeadamente quando ocorre durante, nas instalações e com os meios da entidade a quem são devidos, ou de existência expressa de pacto de não concorrência e nas estritas condições determinadas na lei.
Por seu turno, no respetivo parecer, o Ex. Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ter a sentença proferida apreciado, com rigor, as questões atinentes à cessação da relação laboral, sem que tenha sido arbitrada indemnização pelo não cumprimento do contrato, sem verificação de concorrência desleal, pelo que, não assistindo razão à Recorrente.
Adiantamos já que não assiste razão à Apelante.
Desde logo, merece reparo a factualidade que a Apelante elenca como fundamento para as conclusões a que chega em sede de direito, já que não corresponde integralmente à que resultou assente, atento o decidido supra, em sede de impugnação da matéria de facto.
Na verdade, resulta da factualidade provada que no âmbito de um contrato de estágio celebrado com a Autora, as tarefas da Ré correspondiam ao serviço de aconselhamento alimentar, incluído na mensalidade do cliente, (item 5º dos factos provados).
Não obstante, a Ré seguiu também clientes em programas de nutrição pagos, ou seja, efetuou à Autora um serviço distinto do abrangido pelo referido programa de estágio e pago pelos clientes autonomamente, (item 12 dos factos provados).
Não existe qualquer contradição entre o que resultou assente no item 14 dos factos provados, ou seja que a Ré, no primeiro contato que efetuou com os clientes, após a cessação da sua relação com a Autora, os aconselhou a não abdicarem das consultas de nutrição com a consideração feita na sentença recorrida de que os serviços, em causa, eram serviços de nutrição com acompanhamento personalizado e estavam nos termos do acordo das partes, fora do âmbito do contrato de estágio.
Com efeito, as tarefas da Ré, no âmbito do contrato de estágio, correspondiam como se referiu, ao serviço de aconselhamento alimentar, mas os clientes que a Ré contactou após a cessação da sua relação com a Autora eram os clientes por si seguidos nos programas de nutrição pagos.
As obrigações da Ré decorrentes da prestação deste serviço, não podem considerar-se ser as que resultam do referido contrato de estágio. Podem, como se assinala na decisão recorrida, ser idênticas, mas fora daquele âmbito.
E o que ficou provado é que após a cessação da sua relação com a Autora, a Ré contactou todos os clientes que estavam a ser seguidos por si nos programas de nutrição pagos (não incluídos na mensalidade do cliente) cujo número de telemóvel tinha registado (item 12 dos factos provados).
Acresce referir que tendo ficado assente que a Ré contactou 100 a 105 clientes não se apurou porém, o número de clientes da Autora que passaram a ser clientes da Ré.
Por último, não resultou provado que a Ré tenha levado as fichas dos registos das consultas em suporte de papel.
Assim, do que resultou assente, foi evidenciado pela Apelante que a Ré deixou de registar as consultas de aconselhamento alimentar, apropriou-se de dados da clientela da Autora que lhe foram facultados, gravando-os na base de dados do seu telemóvel e após a rotura da relação contratual, levou a Pen/antena que liga a balança ao PC das avaliações físicas, impossibilitando os Professores de fazer as avaliações nesse dia, contactou clientes da Autora, aconselhou-os a não abdicarem das consultas de nutrição na Autora e que já tinham pago e voltou a contactar novamente esses clientes quando obteve um lugar alternativo para fazerem esse acompanhamento.
Ora de tal factualidade (bem como da demais que ficou assente) não aferimos que a conduta da Ré foi desonesta e abusiva subsumindo-se a um ato de concorrência contrário às normas e aos usos honestos.
Acompanhamos, assim o que se lê na sentença a propósito da fundamentação de direito que transcrevemos, nomeadamente aí se incluindo cabalmente a questão do nexo de causalidade: «No caso concreto, a autora alega atos de aproveitamento de informações não autorizados e, em nosso entendimento e em abstrato, consideramos que este tipo de atuação pode efetivamente constituir ou integrar o conceito de concorrência desleal, na modalidade de aproveitamento de informação protegida, desde que daí esse aproveitamento ocorra, de forma essencial e implique o desvio de clientela, ou seja, seguindo o parecer da Procuradoria Geral da República nº 17/57, de 30.05.57, in Bol. 69º-449 a 456, e D. do G., II Série, de 20.7.957, constitui «concorrência desleal os atos, repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam suscetíveis de causar prejuízo à empresa dum competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela». E é neste entendimento do conceito de «concorrência desleal» que se fará a análise dos factos provados. Saliente-se que a lei se basta com a prática de um ato que seja contrário aos usos honestos do comércio, não exigindo - embora a concorrência desleal seja considerada como delito penal - que o ato praticado seja, em si mesmo, penalmente ou até civilmente ilícito, e é-lhe indiferente o tipo de atuação, dolosa ou meramente culposa, do agente. Com efeito, a ilicitude do ato provém exclusivamente de ser enquadrável no tipo legal de «Concorrência Desleal». Tal ilicitude verifica-se, portanto, independentemente até de intenção do concorrente (Acórdãos do STJ de 13.11.1973, Bol. 231º-181; e da Rel. de Lisboa, de 11.10.1974, Bol. 240º-267).
Mas, para se considerar que existe um aproveitamento contrário às normas ou usos honestos, importa considerar a origem dessa norma ou uso donde se possa retirar a desonestidade. No contrato de trabalho, dispõe a alínea f), do nº 1, do artigo 128.º, do Código do Trabalho, que o trabalhador deve guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios. A obrigação de não concorrência constitui corolário do dever de lealdade, decorrente da celebração do contrato de trabalho, que impõe ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora. E, porque corolário desse dever de lealdade, a obrigação de não concorrência comporta uma faceta objetiva e, outra, subjetiva. Ou seja, é necessário não apenas a constatação do facto que consubstancia a concorrência, mas também que este assuma um sentido negativo de boa-fé, isto é, que seja subjetivamente censurável. Relativamente ao exercício de atividade concorrencial, a sua prática pressupõe que o trabalhador, seja por conta própria e/ou no interesse de outrem e à margem da organização empresarial do empregador, leve a cabo atividade ou pratique atos próprios de atividade idêntica à que é desenvolvida pelo empregador, de tal modo, mas para isso bastando, que o seu comportamento, independentemente da verificação de prejuízo efetivo do empregador, seja apto a criar a expectativa de uma atividade concorrencial. Mas, os alegados atos de concorrência, não ocorreram na vigência de qualquer contrato de trabalho, mas antes na sequência de um contrato de estágio. É certo que o contrato de estágio previa expressamente, como obrigação do estagiário, o dever de guardar lealdade da ré à autora, mas esse contrato cessou a sua eficácia no início de fevereiro de 2018 e todos os atos são posteriores a essa data. Ainda assim, a propósito do contrato de trabalho, tem sido discutido se o dever de lealdade, para além da obrigação de não concorrência devidamente acordada nos termos legais, tem uma eficácia pós negocial, ou seja, se produz efeitos após a cessação do contrato de trabalho. Isto porque «a disciplina da Concorrência Desleal, de natureza extracontratual, não visa a proteção do empregador na relação com o trabalhador, pelo que algumas decisões apenas se podem justificar atenta a confusão terminológica gerada pela alínea f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho» [Ana Clara Azevedo de Amorim, A Concorrência Desleal à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: revisitando o tema dos interesses protegidos, Revista Eletrónica de Direito, Junho de 2017]. Não tendo havido entre autora e ré um contrato de trabalho, mas um contrato de estágio, importa saber se se pode concluir que o dever de lealdade aí previsto tem uma eficácia pós negocial. Contudo, ainda que assim se entenda, pois, embora em menor medida, os vínculos existentes entre as partes são semelhantes aos existentes no contrato de trabalho, não se pode deixar de ter em conta que os serviços que estão em causa, serviços de nutrição com acompanhamento alimentar personalizado, estavam, nos termos do acordo das partes, fora do âmbito do contrato de estágio. Por isso, consideramos que não existe propriamente um dever de lealdade expressamente consagrado, nesta prestação de serviços, sem prejuízo de se poder considerar que o mesmo decorre, enquanto dever acessório de conduta, da boa-fé contratual.
Mas, considerando a existência de um dever de lealdade, no seio desta prestação de serviços paralela ao contrato de estágio, com base no qual a ré obteve informações sobre os clientes, importa saber se a sua conduta integra uma situação de concorrência desleal por uso desonesto de informações sujeitas a sigilo e obtidas por ocasião daquele contrato de prestação de serviços paralelo ao contrato de estágio. Para isso, importa olhar os factos e saber se podemos afirmar um aproveitamento desonesto da clientela da autora pela ré, que deu origem a um desvio de clientela desta para aquela. Desde logo, importa dizer que não resultaram propriamente provados os factos que a autora alegava. Na causa de pedir, por um lado, a ré tinha proposto a clientes da autora, durante a vigência do contrato, a prestação de serviços por si em concorrência com a autora, a preço inferior e, por outro lado, a ré tinha acesso à base de dados de clientes da autora e, aproveitando-se desse acesso, após a cessação da relação existente, contactou os clientes que tinham tido consultas e propôs-lhes a prestação por ela própria, fora da autora, do mesmo serviço a preço inferior, dando origem a uma redução da clientela da autora. Importa, no entanto, dizer que não resultou provado que durante o contrato a ré tenha feito qualquer proposta a clientes da autora e, para além disso, não resultou provado que a ré tenha usado as listas de clientes da autora para contactar os clientes desta e lhes tenha imediata e espontaneamente feito qualquer proposta e muito menos uma proposta com preço inferior ao que a autora praticava (…). O que resultou provado foi que a ré usou a sua própria lista telefónica para contactar os clientes com quem tinha consultas para dar uma satisfação por já não trabalhar na autora e por não ir estar presente nas consultas que estavam agendadas. É certo que se pode defender, justamente, que a ré tinha listas de clientes da autora (…) que lhe tinham sido cedidas por esta para angariar clientes e que o acesso ao número de telefone dos clientes que tinham consultas e que contactou foi obtido no âmbito dessas consultas [o que a própria ré também confirmou], mas não se pode afirmar que usou as listas de clientes, pois isso não foi dado como provado. Ainda assim não há dúvida que estes contactos foram obtidos no âmbito da prestação de serviços que a ré fazia na autora, pois a ré ficava com os números de telefone que gravava no seu telemóvel, para depois ir contactando os clientes, (…). Para além disso, não se pode dizer que o contacto feito pela ré aos clientes da autora, num primeiro momento, seja desonesto, pois esta pretendeu apenas dar uma satisfação aos clientes que angariou para aquele serviço e que acompanhava pois era a própria quem prestava o serviço de nutrição, ou seja, estamos perante uma satisfação e um contacto lícito e justificável perante o envolvimento da ré na prestação direta do serviço aos clientes (…). A questão que se coloca é a de saber se o segundo contacto é, em si, um ato desonesto. No entanto, o que está provado é que este segundo contacto foi feito porque no primeiro, em que a ré não fez qualquer proposta aos clientes da autora, houve clientes que manifestaram a vontade de continuar a ser seguidos pela ré, não pretendendo ser seguidos por outro nutricionista. Nessa sequência e por esse motivo, a ré comprometeu-se a fazer um segundo contacto, caso viesse a reunir condições para prestar um serviço alternativo e aí sim, colocou-se à disponibilidade dos clientes da autora. Em nosso entendimento, não existe qualquer concorrência desonesta porque a ré é nutricionista, prestou atividade na autora como estagiária, pelo que é natural que esta espere que ou fica com a estagiária ao seu serviço, ou naturalmente no fim do estágio, a estagiária vai exercer ou tentar exercer uma atividade concorrente. É certo que o que está em causa não é o exercício da concorrência mas o meio desonesto com que é exercida. Contudo, na atividade em questão, a ré nem sequer agia no âmbito do estágio, havendo um acordo em que autora e ré eram parceiros num negócio, proposto, planeado, organizado e executado pela ré [e não pela autora], ou seja, a ré criou os planos de nutrição personalizados, propondo à autora o modo como prestaria esse serviço, a autora aceitou e a ré executou todo o plano, angariando clientes [é certo que entre os clientes da autora] e prestando um serviço, por si concebido, nas instalações da autora e, como contrapartida da prestação de cada parte, dividiam a receita obtida. Aliás, foi a divisão dessa receita que fez com que as partes se desentendessem e tivessem cessado o contrato de estágio e esta colaboração, sendo certo que, apesar da ré já estar a prestar este serviço em paralelo com o estágio há meses [mais de quatro meses], a autora ainda não lhe tinha pago um único euro por este serviço, embora tivesse já recebido dos clientes, colocando entraves ao pagamento e alterando a forma como era dividida a receita obtida. Na realidade, a autora mantinha a ré a trabalhar neste “projeto”, criado, planeado, organizado e executado pela ré, ficando com a totalidade da receita e só na sequência da ação proposta em juízo, muitos meses depois, já depois desta ação ter entrado em juízo, é que foi condenada a pagar as comissões a que a ré tinha direito. O princípio da boa-fé impõe efetivamente, em contratos duradouros, deveres acessórios de conduta, designadamente a lealdade, mas a obrigação de lealdade é bilateral e dos factos provados na pretérita ação que correu entre as partes, o que resulta claramente é uma falta de lealdade da aqui autora para com a ré, pelo que é de questionar como pode a ré arrogar-se como credora de um dever de lealdade pós negocial, quando a própria age em contradição com a lealdade a que as partes estão vinculadas. Então, se o plano do negócio, a sua organização, a angariação dos clientes e a prestação do serviço era feita pela ré, o natural é que esta mantenha com os clientes uma relação de proximidade, em termos que os clientes da autora passam a ser clientes da própria ré que lhes presta efetivamente o serviço, sobretudo quando esta não só os angaria como mantem com eles a relação de proximidade inerente às consultas, à elaboração dos planos alimentares, à motivação para o prosseguimento da tarefa, sempre difícil, de manter uma alimentação regrada e esta relação de proximidade cria igualmente um laço pessoal que facilita o contacto pessoal e, por isso, mesmo que se possa afirmar que num momento inicial a ré teve acesso aos contactos dos clientes por intermédio da autora, a verdade é que passaram a ser contactos seus, que usava na relação com os clientes, com os quais eventualmente até criou laços pessoais e em relação aos quais, até para melhor prestação do serviço, promove laços de empatia que proporcionam estes contactos pessoais. Por isso, se está provado que os próprios clientes solicitaram à ré que, caso viesse a ter uma alternativa de serviço, os contactasse e, nessa sequência, a ré organiza a sua vida para esse efeito e coloca-se à disposição dos clientes, sem se demonstrar que tenha aproveitado o conhecimento do negócio da autora, oferecendo preços inferiores ou desprestigiando o seu serviço, consideramos que não existe um aproveitamento desonesto do conhecimento do negócio da autora que possa integrar o conceito de concorrência desleal por aproveitamento de informações sujeitas a proteção. Na realidade, nem existe propriamente um aproveitamento de um negócio da autora, pois o negócio em causa [a prestação de serviços de acompanhamento alimentar personalizados] foi idealizado, planeado, organizado, proposto e executado pela ré, em parceria com a autora, em que a ré corria igualmente o risco do negócio, auferindo comissões que dependeriam do seu sucesso negocial, da sua capacidade de angariação de clientes, da prestação do serviço diretamente por si e do seu esforço na sua manutenção, sendo que a autora, enquanto parceira neste negócio [feito em paralelo mas não se confundindo com o contrato de estágio], fornecia os meios para o negócio poder ter sucesso [acesso a clientes de outros serviços e instalações para a prestação do serviço, recebendo os pagamentos e pagando uma comissão à ré, sendo certo que até ao momento dos factos que aqui estão em causa não tinha efetuado qualquer pagamento apesar de já ter recebido os valores dos clientes] (…).
Para além disso, importa notar o seguinte: primeiro, a autora nunca diz que a ré ficou com os seus clientes, embora se possa entender que isso está subjacente à globalidade da sua causa de pedir; segundo, nunca se poderia concluir que o prejuízo é aquele que a autora alega porque a autora limita-se a fazer o seguinte raciocínio: em janeiro de 2018, último mês de prestação de serviços pela ré, faturou neste serviço a quantia próxima de € 1.300, nos dois ginásios e, por conseguinte, tem direito a esse valor durante 12 meses. Sucede, no entanto, que este modo de fixar e calcular o prejuízo é absolutamente de afastar pois, primeiro, mesmo que se admitisse que a autora tenha alegado que houve um desvio de clientela, não está provado quantos clientes desviou, qual a receita líquida que a autora deixou de receber por força desse desvio e quanto tempo a autora manteria a clientela e, segundo, em fevereiro, março e abril a autora ainda manteve alguma receita bruta. Então, não só não resulta claro o prejuízo, como não resulta claro o nexo de causalidade entre o ato [contacto a clientes e formulação de uma proposta] e o prejuízo pois a autora não alega com quantos e com quais a ré passou a ter um contrato e que, por força disso, cancelaram o serviço na autora. Desde logo, nem todos os clientes que cancelaram o serviço o fizeram por força do contacto da ré (…). Por outro lado, não existe qualquer prova que a ré tenha desviado qualquer clientela do ginásio de Matosinhos (…). Para além disso, a autora não alega qual o tempo médio de prestação do serviço aos clientes, sendo certo que do julgamento resultou que os contratos eram de três meses. Por fim, a autora parte da receita bruta, mas a autora, para prestar este serviço, tem despesas, que têm que ser deduzidas às receitas [designadamente tinha que pagar a comissão à nutricionais]. Isto significa que mesmo se considerássemos que existia uma situação de concorrência desleal, tendo em conta que a autora ainda teve receitas em fevereiro, março e abril [aproveitando o trabalho da ré], a ré só passou a acompanhar clientes de São João da Madeira e os contratos eram de três meses [não se sabendo se se mantinham ou não e não se sabendo o tempo médio do serviço em causa], então, no máximo, tínhamos um prejuízo bruto de € 1.931,40 [isto considerando que todos os clientes tinham iniciado o serviço naquele momento, mantendo-se durante três meses, sendo certo que dos próprios quadros que a autora junta se verifica que estes clientes não tinham iniciado todos o serviço em janeiro e, por isso, podiam não ficar até abril e que todos tinham cancelado o serviço por força da atuação da ré, o que não resulta demonstrado].
Em suma, consideramos que não podemos integrar a factualidade provada numa situação de concorrência desleal e, por isso, a ação deve improceder».
Como se referiu já, acompanhamos esta fundamentação nada de relevante tendo a acrescentar à mesma, considerando assim que ainda que tendo a Ré passado a desenvolver uma atividade idêntica a um serviço que anteriormente desenvolveu na Autora, tal não configura, perante o quadro factual assente, uma situação de concorrência desleal.
Numa breve nota final, socorrendo-nos novamente das palavras do Sr. Professor Conselheiro Júlio Gomes (in obra citada, pág. 615) a propósito da interpretação restritiva de cláusula de não concorrência imposta por outros ordenamentos, sendo esta lícita quando assim interpretada e “não pode coartar a liberdade de um trabalhador exercer a sua profissão, isto é, a atividade para que foi treinado e para que teve uma formação específica. Num momento em que se consagra o direito à formação profissional e à profissionalidade do trabalhador seria um paradoxo forçar o trabalhador a emigrar para poder continuar a exercer a referida atividade. (…)” (sublinhado nosso).
Consideramos prejudicado o conhecimento da última questão.
Improcede, em conformidade, a apelação.
3. Decisão:
Por tudo o exposto nega-se provimento à apelação interposta pela Autora.
Custas pela Autora.

Porto, 21 de Outubro de 2020.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Domingos Morais