CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
NOVAÇÃO
PROCURAÇÃO
HIPOTECA
EXTINÇÃO
Sumário

I - O artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que implica uma descrição compreensível da realidade litigada, segundo uma ordem lógica ou cronológica.
II - Em lado algum do ordenamento jurídico se prevê a inadmissibilidade ou a insuscetibilidade da utilização das declarações não confessórias de uma parte.
III - O princípio da aquisição processual (artigo 413.º do CPC) e o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5, do CPC), conjugados com os direitos à prova e a um processo equitativo, previstos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, conduzem à conclusão de que, à partida, todo o material probatório validamente adquirido pelo processo permite ou deve permitir ao juiz formar a sua convicção.
IV - A procuração é um negócio jurídico incompleto. Em regra, a função a que se destina decorre da relação subjacente.
V - É nesta relação subjacente que reside a função económico-social que a procuração irá desempenhar e permitir classificar e qualificar a procuração.
VI - A autorização é um ato jurídico ou um negócio jurídico unilateral através do qual uma pessoa (o autorizante) permite que outrem (o autorizado) pratique atos jurídicos por conta daquele, ou atos materiais que afetem a sua esfera jurídica.
VII - A natureza jurídica da procuração não exige a sua extinção em virtude da morte do dominus originário, pois está ligada à situação jurídica objeto da legitimação e não à pessoa do dominus.
VIII - Ainda que por vezes se mescle na sentença recorrida o conceito de negócio unilateral da autorização com a noção de contrato de mandato, como sucede na aplicação do regime da caducidade do mandato por morte, as expressões «autorização» ou «autorizado» utilizadas, contrariamente ao que alegam as Apelantes, não se reportam a matéria de facto não alegada, em desrespeito do princípio do dispositivo.
IX - Trata-se de uma interpretação dos factos provados operada pelo Tribunal a quo no sentido de a relação subjacente à procuração – autorização – poder abarcar a operação de financiamento por via do contrato de mútuo celebrado em 2012.
X - Atendendo a que as partes rejeitaram expressamente que o referido contrato de mútuo implicasse a novação da dívida contraída no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta‑corrente firmado em 2005, não podemos concluir senão pela manutenção da obrigação principal.
XI - O «novo contrato» a que se alude na factualidade provada foi a forma encontrada pelos contratantes de atribuir roupagem nova a uma realidade velha de incumprimento do contrato de abertura de crédito em conta-corrente.
XII - Não se podem considerar extintas as hipotecas ao abrigo do disposto no artigo 730.º, alínea a), do Código Civil, pois não se extinguiu a obrigação a que servem de garantia.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. ML… e Costumes do Mar, Lda. interpuseram recurso de apelação da sentença que absolveu do pedido as Rés A.C.A. Batista, Unipessoal, Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A..
2. ML… e Costumes do Mar, Lda. intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A.C.A. Batista, Unipessoal, Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., formulando os seguintes pedidos:
1) Que se declare nula a hipoteca registada a favor da Caixa Geral de Depósitos sobre os dois imóveis identificados na petição, por falta de poderes para tanto da sociedade A.C.A Batista e, em consequência, nulos também os respetivos registos (Ap. 19, de 2005.8.26, e Ap. 17, de 2005.8.23, relativas, respetivamente, ao imóvel sito na freguesia de Vila Praia de Âncora e ao imóvel sito na freguesia de Cacilhas), ordenando-se o cancelamento de ambos os registos.
Sem conceder, subsidiariamente,
2) Que se declare extinta a hipoteca registada a favor da Caixa Geral de Depósitos sobre os dois imóveis identificados na petição, nos termos do artigo 730.º, alínea a), do Código Civil e, em consequência, se ordene o cancelamento dos registos referidos (Ap. 19, de 2005.8.26, e Ap. 17, de 2005.8.23, relativas, respetivamente, ao imóvel sito na freguesia de Vila Praia de Âncora e ao imóvel sito na freguesia de Cacilhas).
Sem conceder, e apenas por mera cautela, com a mesma consequência do pedido anterior,
3) Que se declare o contrato que as Rés denominaram «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente» nulo por simulação, nos termos do artigo 240.º do Código Civil.
Alegaram, em suma, que:
- Através de procuração emitida pela Autora ML… e pelo seu marido, entretanto falecido, estes autorizaram o seu sobrinho-neto e único sócio da Ré A.C.A. Batista, Unipessoal, Lda., a hipotecar dois imóveis dos quais eram proprietários, em garantia de empréstimo já concedido pela Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. à Ré A.C.A. Batista, vindo a procuração a ser utilizada por esta em modo diverso dos termos da procuração outorgada, verificando-se o vício da falta de poderes de representação ou, no mínimo, do abuso da representação, nos termos dos artigos 268.º e 269.º do Código Civil;
- Após o falecimento do marido da Autora, as Rés negociaram e celebraram novo contrato de empréstimo, liquidando o anterior empréstimo ao abrigo do qual a hipoteca havia sido constituída, mantendo-a, não obstante, para garantia do novo empréstimo celebrado;
- Depois da celebração do contrato de empréstimo de médio/longo prazo celebrado não faz mais sentido pretender afirmar-se que ainda se mantém em vigor o contrato de abertura de contrato de conta corrente (inicialmente contratado entre as Rés), pelo que a hipoteca deverá ser declarada extinta, ao abrigo do artigo 730.º, alínea a), do Código Civil.
- A vontade declarada pelas Rés não corresponde à vontade real daquelas e a aparência criada de uma mera «alteração» visou o aproveitamento indevido da hipoteca constituída em prejuízo de terceiros, pelo que o «2.º aditamento» (entendido como a manutenção do contrato anterior) é nulo por simulação, nos termos do artigo 240.º do Código Civil.
3. A Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação e alegou, em suma, que:
- A hipoteca sobre os dois imóveis mantém-se em vigor, não tendo ocorrido nenhuma causa para a sua extinção, nem nenhum vício que provoque a sua nulidade;
- A outorga do denominado «2.º aditamento» não acarretou a extinção do empréstimo outorgado por escritura de 14.10.2005, nem a constituição de um novo empréstimo, tendo sido expressamente mantidas as garantias nos termos em que foram inicialmente constituídas;
- Também se não pode considerar extinta a hipoteca sobre os dois imóveis, ao abrigo do disposto no artigo 730.º, alínea a), do Código Civil (extinção da obrigação a que servem de garantia), atendendo a que esta obrigação se não extinguiu pelo pagamento, ao contrário do que pretendem os Autores.
4. A Ré A.C.A. Batista – Construções, Unipessoal, Lda. contestou a ação por impugnação e argumentou que, após a morte do tio-avô do seu representante legal, solicitou à co-Ré, por diversas vezes, a substituição dos imóveis dados em garantia, pertença dos Autores, o que não foi aceite, não tendo havido outra alternativa para impedir o seu incumprimento se não aceitar a proposta que o Banco lhe fez.
5. Com dispensa de audiência prévia, foi saneado o processo, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.
6. Após a audiência final, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente e a absolver as Rés do pedido.
7. Inconformadas com o assim decidido, as Autoras interpuseram recurso de apelação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - A título prévio, cumpre, desde logo, referir, por relevante no todo que constitui a decisão final produzida pelo tribunal a quo, que a sentença, sem suporte decisório, ou mesmo probatório, que a legitime (incluindo os próprios articulados apresentados pelas partes nos presentes autos) viola o artigo 5º nº 1 e 2 do CPC ao considerar, em manifesto erro de julgamento, que A. ML… autorizou a celebração do contrato denominado pelas RR "2º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente".
2 - Erradamente, a fundamentação de direito di-lo de forma expressa, a final ("o contrato celebrado em 2012 se mostra autorizado pela procuração")
3 - bem ainda pressupõe-no, por mais que uma vez, designadamente, quando diz que "AB… reiterou que a procuração foi analisada internamente, em ordem a determinar se a mesma era suficiente para a subscrição do "Aditamento", quando tal não corresponde à verdade (vide transcrições supra feitas do depoimento do representante legal da R. ACABATISTA - minuto 24:53 a 26:21 bem ainda minuto 35:27 a 42:38 supra transcritas e para as quais se remete, depoimento que ficou registado no "sistema audio h@bilus" (00:00:01 a 01:11:27)
4 - levando, inclusivamente, o tribunal a pronunciar-se, em manifesto excesso de pronúncia, na sua decisão final sobre questões (maxime, caducidade da procuração) que não foram postas a consideração do tribunal, e cuja resposta, aliás, em face da matéria efectivamente controvertida nos presentes autos, sequer justificaria qualquer pronuncia.
5 - nunca esteve em causa nos presentes autos a utilização da procuração em 2012, para efeitos da celebração do contrato denominado pelas RR "2º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente"
6 - e só uma eventual desconsideração do próprio despacho que ordenou a rectificação do objecto do litigio tal como inicialmente determinado parece justificar um tal pressuposto, repita-se, errado e violador das referidas regras processuais.
Sem embargo,
7- A factualidade, desde logo, assente e considerada provada pelo tribunal a quo, pertinente à primeira das questões colocadas ao tribunal (relacionada com a falta de poderes de representação da A.C.A BATISTA/abuso de representação da ACA BATISTA) imporia por parte do tribunal decisão de sentido contrário ao perfilhado pelo tribunal a quo.
8 - Com efeito, tendo presente, designadamente, factos nº4, nº5, nº5 a, nº20 e 21, todos relativos a posição das AA expressa no seu articulado inicial,
9 - e nesses, designadamente, sublinhando-se o facto 5 a), desde logo, aceite por ambas as RR,
10 - assim como o facto da R. ACA BATISTA, além de ter aceite os factos articulados na petição inicial nº1 a 12, não ter impugnado, porque não podia (porque era do seu conhecimento), o documento nº1, assinado pelo seu representante legal
11 - tendo presente que o tribunal além dos referidos factos relativos a posição das AA, o tribunal, distintamente daquela que foi a posição da Ré, que chegou inclusivamente a dizer que só teria havido um financiamento de 150.000 deu por provado os factos nº 36 a 39
12 — atento o teor da procuração, que é documento nº 3 junto com a p.i (levado à matéria assente sob facto nº 5) e que e se dá por integralmente reproduzido,
13 - a decisão do tribunal na interpretação que faz da procuração, do seu teor e da sua utilização que considerou válida ao abrigo do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado a 14 de Outubro de 2005 viola os artigos 715º, 939º, 892º, 258º, 236º nº 1 e 2, todos do Código Civil, e sem conceder, o artigo no que respeita a violação do artigo 258º, 269º e 268º.
14 - Dúvidas não restam que o tribunal pode apurar o pressuposto (i.e, o empréstimo) por conta da qual a procuração fora outorgada — era matéria assente (facto 5ª) mas isso mesmo foi explicado pelo representante legal da R. ACABATISTA (cfr. declarações que se transcreveu)
15 - Porém, violando o artigo 236º nº 1 e 2 do CC, a interpretação do tribunal desliga o que está umbilicalmente ligado, ou seja, desliga a expressão "nos termos, condições e obrigações que entender" da expressão que imediatamente lhe segue e que é a expressão "em garantia de um empréstimo concedido"
16 - navegando em águas que tornam o que se mostra determinado (e que o tribunal pode identificar) em qualquer coisa não determinada e que a procuração na medida em que se determina também por aquela expressão "empréstimo concedido" não autoriza, pois, qualquer utilização para efeito diverso daquele que foi determinado (e que repita-se o tribunal pode identificar) necessariamente deve ser considerado "fora do âmbito da procuração" — e só esse pode ser o sentido que a "normalidade social" impõe.
17 - Só o financiamento à construção havia a data da outorga sido concedido à R. ACABATISTA pela R. CGD (não o financiamento na modalidade de abertura de crédito em conta corrente que, conforme assinalou o representante legal da Ré, só depois lhe foi proposto pela R. CGD, já após a outorga da procuração pelos seus tios avós)
18 - E, logo, que em 2016, tomou conhecimento da falta de coincidência entre a utilização efectivamente feita e a utilização que conjuntamente com o seu marido autorizara diligenciou imediatamente junto da R. CGD com vista ao cancelamento das hipotecas constituídas..
19 - Face ao respectivo teor da procuração, esta não pode ser utilizada para qualquer outro empréstimo que não aquele já concedido (à data da respectiva outorga e que pelo tribunal, face a prova produzida, pode apurar) ainda que relacionado com a actividade de construção da R ACABATISTA, independentemente das características que qualquer outro empréstimo possa possuir.
Refira-se, sem embargo, que
20 - ainda assim, e sem conceder, não existe identidade/equivalência entre os vários empréstimos feitos à R. ACABATISTA pela R. CGD, do financiamento à construção até ao financiamento de médio/longo prazo
21 - pelo que nem ao abrigo dessa perspectiva, se pode aceitar a interpretação feita pelo tribunal a quo que valida num (na realidade, em mais que um - pois, erradamente, considera a utilização da procuração em 2012 ao abrigo do "2° aditamento") empréstimo diverso daquele considerado pelos outorgantes aquando da respectiva outorga.
22 - Na realidade, a decisão do tribunal, neste plano, mostra-se inconsistente, na medida em que parece sugerir que, a luz das próprias características do financiamento à construção (que justificara a outorga da procuração), a sua utilização extravasa (designadamente, considerando o prazo das operações, no caso de 4 anos noutro sem limite temporal previamente fixado), para, inexplicavelmente, desviar-se e sugerir, afinal, que o "2° aditamento" corrige (esse desvio inicial), reconectando (7 anos depois) a utilização da procuração à vontade original dos outorgantes !!!! — o que obviamente de modo algum se pode aceitar.
23 - Por outro lado, ainda a propósito da procuração, ainda que o tribunal não tivesse podido apurar que empréstimo era esse já concedido à data da outorga da procuração, o que não foi o caso,
24- sabendo ambas as Rés que a procuração havia sido outorgada para o fim de serem constituídas hipotecas num outro empréstimo distinto daquele em que foi utilizada — a matéria já se encontrava assente por acordo (facto 5 a)
25 - tendo o representante legal da R. ACABATISTA esclarecido a razão de ser, a finalidade da outorga, e depois, a proposta feita pela R. CGD, já depois da procuração ter sido outorgada, bem ainda o respaldo que nessa sequencia foi oferecido pela R. CGD à respectiva utilização no contrato de abertura de crédito
26 - é manifesta a utilização abusiva não só de quem dela directo e imediato proveito, mas também de quem, sabendo e não ignorando, deu guarida a essa actuação da R. ACABATISTA.
Não concedendo, por outro lado,
27 - Pese embora o tribunal a quo tenha assinalado a linguagem contraditória do "Aditamento" (e até dos testemunhos ouvidos a propósito do mesmo), pese embora tenha sublinhado o e-mail de 12/06/2012 de LV… (e a referencia aí feita a um "novo empréstimo), pese embora tenha referido até que "não estamos perante o mesmo empréstimo", determinando, no fundo, o facto n°25 que considerou provado (nos termos explicitados supra)
28 - A verdade é que o tribunal não extraiu todas as consequências de uma nova realidade que considerou existir, quer do ponto de vista jurídico quer do ponto de vista contabilístico
29 - e cuja realidade é visível noutros aspectos não assinalados na decisão, mas que importam ter em conta, designadamente, a própria informação enviada ao Banco de Portugal pela R. constante de documento a fls. junto na audiência preliminar pelas AA mas também, no plano fiscal, o imposto de selo pago por conta do "2° aditamento" que traduz uma liquidação feita por conta duma realidade distinta daquela que a denominação contratual pressuporia).
30 - pois, celebrado um novo contrato (no sentido explicitado pelo tribunal), e extinto nessa medida o fundamento que determinara a constituição das hipotecas (o contrato de abertura de crédito celebrado em 2005),
31 - independentemente da convenção das partes no "aditamento" (cláusula 11ª) quanto à inexistência de novação, deveria ter o tribunal considerado extinta as hipotecas constituídas, assim respeitando o principio da especialidade e acessoriedade, ínsito ao artigo 96º do Código de Registo Predial, que nessa medida a decisão viola (neste sentido, vide Ac. Tribunal da Relação Guimarães relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Fernando Fernandes Freitas no processo 356/13.5TBAF-A.G1)
32 - Com efeito, podendo as partes inter partes convencionar o que entendam (designadamente, afastarem a novação) a natureza imperativa do artigo 96º do Código de Registo Predial não pode ser postergada, nem por convenção em contrário,
33 - devendo sublinhar-se, aliás, que a garantia não foi prestada pelo próprio devedor (que convencionou o afastamento da novação), mas sim, por terceiro, e que a sua posição está necessariamente protegida por força daquele preceito (vide ainda obra citada de Maria João Pinto Esteves,"Das Garantias no Contrato de Abertura de Crédito" pag. 61 e 62)
34 - Não pode achar-se, nem presumir-se, que a declaração dum terceiro que garante uma determinada operação em 2005 se mantém "válida" (para um "novo empréstimo") em 2012.
De resto,
35 - Pese embora a sustentação pelo tribunal dum "novo contrato", duma nova realidade jurídica e contabilísticas,
36 - diversamente do considerado pelo tribunal, sendo o dinheiro coisa fungível não interessa sequer se é ou não a mesma quantia (aquela que a R. ACABATISTA ficou responsável com a transformação da conta corrente em médio/longo prazo), a certeza é de que estamos perante um novo contrato acordado pelas RR (Vide a este propósito decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28.06.2018 no processo 2198/12.6TBPBL.C1.S11
37 - A decisão de facto sustentada a propósito do ponto nº25 sai na realidade "desfigurada" se assim se podemos dizer quando o tribunal considera ao meso tempo provado os factos nº 30, 32 e 33
38 - pontos que não obstante se mostrarem contraditórios com tal decisão, não podem os recorrentes senão, ainda que por mera cautela, pedir a respectiva alteração no sentido de serem considerado não provados (em paralelo, com a alteração, em coerência, que nesse sentido, também se reclama do ponto nº 24 dos factos considerados não provados que deve assim passar a "provado")
39 - pedido este de alteração sustentado não só no próprio facto tido por provado n°25, mas ainda o o documento n°9 junto com a p.i, o documento junto pelas AA em sede de audiência prelimar a fls. (que é, conforme referido, mapa de responsabilidades do Banco de Portugal da R. ACABATISTA), bem ainda o depoimento prestado por FC… cfr. declarações prestadas pela testemunha da R. CGD FC… prestado na sessão de julgamento de 30 de Setembro de 2019 a minutos min 8:44 a 9:33 e a minuto 24:37 a 32:52 registado no "sistema audio h@bilus" (00:00:01 a 00:41:42)) os quais conjugados impõe sobre aqueles pontos da matéria de facto resposta diversa daquela proferida.
40 - Na realidade, não é possível postergar a verdade contabilística expressa no teor do documento nº 9 não impugnado
41 - e, simplesmente, aceitar quaisquer "desculpas" atiradas para o sistema informática para justificar aquilo que pelo contrário foi uma opção da R. CGD na sua relação com a R. ACABATISTA
42 - e que nada se relacionam com qualquer "impossibilidade informática" de alterar as condições contratadas para médio longo "sem fechar informaticamente a operação de conta corrente",
43 - mas sim a impossibilidade de introduzir um plano de amortização numa conta corrente, o que, por natureza, uma conta corrente não pode ter, na R. CGD ou noutra qualquer instituição (cfr. declarações prestadas pela referida testemunha da R. CGD FC… prestado na sessão de julgamento de 30 de Setembro de 2019 a minutos min 8:44 a 9:33 e a minuto 24:37 a 32:52 registado no "sistema audio h@bilus" (00:00:01 a 00:41:42) supra transcritas para as quais se remete)
44 - razão pela qual (estando conscientes da impossibilidade de introduzir um plano de amortização numa conta corrente) liquidaram e sabiam que liquidavam (não só contabilisticamente mas também juridicamente) a conta corrente , determinando o seu fim — foi essa a opção prosseguida —, sendo neste sentido que se pede a alteração da resposta aos pontos da matéria de facto identificada (pontos 30, 32 e 33 dos factos provados e 24 dos factos não provadas) passando, respectivamente, a não provados (pontos 30,32 e 33 dos factos provados) e provado (ponto 24 dos factos não provados)
45 - não podendo, aliás, deixar de considerar-se, evidentemente, contraditório reconhecer, como faz o tribunal a quo, o impacto jurídico e contabilístico da operação —já não estamos a falar do mesmo empréstimo, é o que diz o tribunal - e ao mesmo tempo levar a facto provado o facto n233 que assinala uma versão não compatível com a nova realidade reconhecida.
Por fim,
46 - No que respeita à última das questões suscitadas, a questão da simulação, não podemos deixar de assinalar o erro de julgamento e a contradição entre a fundamentação de facto e de direito
47 - pois, se por um lado, assinala que o "Aditamento" não constitui um mero aditamento mas um novo contrato de mutuo, logo a seguir, desconsiderando as suas próprias conclusões a propósito daquilo que para o tribunal é uma nova realidade jurídica e contabilística, diz que apenas a denominação não corresponde ao teor das declarações (pondo, dessa maneira, não só o facto provado nº25, mas também o facto nº 30 considerado não provado)
48 - não compreendendo o tribunal que por via desta interpretação, errada, entendemos nós, que, precisamente, a manutenção do figurino do contrato de abertura de crédito, desde logo por via da sua denominação, é o que fornece a falsa aparência duma realidade que faz divergir a vontade real da vontade declarada que é quanto basta para se ter por preenchido o conceito "intuito de enganar terceiros" pois, como assinala a jurisprudência, não é preciso a demonstração duma intenção fraudulenta (cfr. entre outros, Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, no processo 1094/14.8TBLRA.C1 disponível in www.dgsi.pt)
49 - pelo que, neste plano, também sendo-lhe (ao "Aditamento") aplicável o regime que emerge do contrato dissimulado, a extinção do fundamento que determinou a constituição das hipotecas com a celebração deste novo contrato de mutuo (que já não é um contrato de abertura de crédito) e no qual não interveio, nem por representação, a A. ou o seu marido, já falecido, a data em que o "Aditamento" foi celebrado, deve determinar, ainda à luz do mesmo principio de acessoriedade, a extinção das hipotecas constituídas em 2005.»
Propugnam, por isso, as Apelantes pela procedência integral dos fundamentos do recurso, revogando-se a sentença recorrida.
8. A Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou alegação de resposta, na qual apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
«1. As apelantes impugnaram a decisão de facto incumprindo com os requisitos necessários a tal impugnação expressamente previstos no art. 640º do CPC, indicando os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados - pontos 30, 32 e 33 da matéria provada e, também, o único facto considerado não provado - mas não esclareceram nem concretizaram “a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, o que implica que a impugnação da decisão de facto não poderá sequer ser apreciada pelo Tribunal hierarquicamente superior, por falta de requisitos;
2. Sem prejuízo do que acima ficou expresso sempre se dirá que a prova por confissão, produzida através do alegado depoimento de parte do legal representante da 1ª R., tendo sido requerida pela CGD destinava-se como é de lei – art. 463º nº 1 do CPC - à obtenção de confissão judicial, não revestindo valor probatório nem aptidão para outras finalidades, nomeadamente para ser “transformada” ou “aproveitada” para prova testemunhal, como pretendem as aqui apelantes ao transcrever trechos do depoimento de parte para neles tentar alicerçar fundamentos de impugnação à decisão de facto;
3. Sem embargo, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o principio da livre apreciação da prova consagrado no art. 607º nº 5 do CPC, princípio esse que está deferido ao Tribunal de primeiro grau, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem também entrar elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação ou na transcrição;
4. Na verdade só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que poderá haver erro de julgamento na apreciação das provas, pelo que é necessário que se demonstre através de concretos meios de prova que tenham sido produzidos que se verificou um erro na apreciação do seu valor probatório, isto é que a convicção expressa pelo Tribunal a quo não tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si;
5. As apelantes não apresentam nem apontam nenhum evidente vício de raciocínio ao exame crítico da prova efetuado pelo Tribunal de primeiro grau, nem evidenciam nenhum meio de prova que tenha sido manifestamente preterido ou manifestamente mal avaliado, limitando-se a apresentar uma convicção – a sua própria convicção – que pretendem substituir à do Tribunal a quo, sendo que esta se fundou legitimamente no princípio da livre convicção;
6. Acresce que o tribunal a quo para considerar provados os pontos 30, 32 e 33 da douta fundamentação de facto assentou a sua convicção no depoimento dos três colaboradores da CGD que foram arrolados como testemunhas, ao passo que as apelantes limitaram-se a analisar o depoimento testemunhal de um dos funcionários da CGD – FC… - e o doc. 9 junto com a p.i. - sendo que dos trechos deste depoimento que tentaram sem sucesso cirurgicamente eleger para fundamentar a sua tese não se extrai o sentido que pretendem, extraindo-se até o sentido contrário ao que pretendem, ou seja o sentido conferido pelo Tribunal de primeiro grau, o mesmo se passando com o citado documento;
7. Relativamente à única matéria de facto que o Tribunal entendeu dar como não provada, isto é - O Banco R. não ignorava que a R. A.C.A Batista Unipessoal, Lda., não podia continuar a dar aqueles imóveis em garantia – as apelantes nem sequer elencam razões fundamentadoras de tal impugnação, nomeadamente os concretos meios de prova em que pretendem fundamentar a sua discordância;
8. Pelo que mesmo que seja admissível – nos termos em que se encontra apresentada – a impugnação à decisão de facto o certo é que inexistem razões para se alterar a mesma pois nela não se deteta nenhum erro de raciocínio evidente que pudesse ter inquinado o juízo do Tribunal a quo e assim servir de fundamento para tal alteração;
9. Cabia às AA. fazer prova que a procuração em causa fora outorgada para serem constituídas hipotecas sobre as frações indicadas no seu texto, exclusivamente para garantia do pagamento do empréstimo aprovado por carta de 30.03.2004, e exclusivamente nas condições aprovadas para o empréstimo constantes nessa mesma carta;
10. Ora, dos factos dados como provados nos pontos 4, 5, 5 a), e 36 a 40 decorre que a ré A.C.A. através do seu legal representante abordou a A., tia-avó deste, para, no contexto de “facilitar o desenvolvimento da atividade da empresa e para apoiar o sobrinho neto na sua atividade - para além daquela obra em concreto cujo financiamento fora aprovado pela CGD – e no sentido de alterar as condições de aprovação do empréstimo aludido na carta de 30.03.2004, designadamente, solicitando a substituição da referida garantia por outras”, outorgar a procuração para a constituição das hipotecas necessárias à prossecução da atividade empresarial da co-R. ACA;
11. Pelo que tal como concluiu a douta sentença “os elementos essenciais da vinculação assumida pelos tios avós de AB… são os que resultam do empréstimo aprovado, mas sem qualquer restrição quanto ao modo de alcançar essa finalidade”, não validando assim o argumento meramente literal da procuração a que aludem os apelantes quando clamam que esta se esgotava no “empréstimo concedido”;
12. As apelantes, por outro lado, não fizeram qualquer prova que o mandato conferido através da procuração outorgada pela A. e pelo seu marido estava obrigatoriamente associado aos precisos termos e condições constantes da carta de 30.03.2004, na qual constavam as condições aceites pela CGD para a contratação de um empréstimo, e, assim, que a procuração emitida só nesses precisos termos e condições poderia ser usada;
13. Com efeito, se a procuração se destinasse a ser apenas usada naqueles precisos termos e condições constantes da carta de aprovação do empréstimo de 30.03.2004 então certamente não conteria a fórmula “…ao qual concedem os poderes necessários para hipotecar a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos, condições e obrigações que entender por convenientes…” e não conteria esta fórmula (genérica, e de amplitude e discricionariedade máximas conferidas ao procurador) porquanto tais “termos, condições, e obrigações” a que alude a procuração outros não poderiam ser do que os constantes da carta de 30.03.2004, ou seja nunca poderiam ser aqueles que o mandatado entendesse por convenientes;
14. Acresce que do ponto 5 a) da fundamentação de facto não se pode extrair que os mandantes ML… e marido conhecessem o texto da carta de 30.03.2004, e, muito menos que, conhecendo tal texto, tivessem querido limitar o seu âmbito às condições e termos aí constantes, mas apenas o que lá consta provado, ou seja que o empréstimo aludido no ponto 5., concedido à R. A.C.A. Batista, corresponde à proposta nº …/…/…;
15. Pelo que a conclusão à qual chegou o Tribunal de primeiro grau é a única consentânea com o dispositivo e normativo do art. 236º nº 1 do C.C., que assim não ficou violado;
16. Inexiste contradição entre a suposta autorização por parte da A. ML… à celebração do contrato denominado “2º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente” e o ponto 21 da fundamentação de facto, desde logo porque não está provado que ML… e o seu marido tivessem tomado efetivo conhecimento dos precisos termos e condições do empréstimo constantes da carta de 30.03.2004 à data em que outorgaram a procuração, nem tão pouco, que tendo tomado tal conhecimento tenham limitado o âmbito de utilização da mesma a tais termos e condições;
17. A A. ML… ao ter aceitado outorgar a procuração nos termos em que aceitou e, bem assim, no contexto constante dos pontos 37, 38 e 40 da douta decisão de facto, não dispunha nem dispõe de fundamento válido para se queixar que os poderes que conferiu na mesma foram objeto de abuso por parte do principal beneficiário, o seu sobrinho neto, e da empresa de que o mesmo era gerente;
18. Se efetivamente o pressuposto em que a A. ML… outorgou a procuração fosse apenas e exclusivamente o financiamento aprovado pela carta de 30.03.2004 então deveria supostamente ter reclamado pela desoneração dos seus imóveis logo a partir de abril/maio de 2008, e não apenas a partir do incumprimento do contrato de conta corrente pela ACA quando assumiram que existia o sério risco de as garantias hipotecárias serem acionadas por causa desse incumprimento;
19. Aliás, jamais as AA. sequer alegaram que o tal empréstimo aprovado pela carta de 30.03.2004 se concretizou num efetivo financiamento, tendo tal alegação sido feita apenas pela co-R. ACA Batista, o que desvirtua e desqualifica a associação que pretendem fazer da procuração ao aludido “financiamento”;
20. Decorre aliás dos pontos 37 e 38 da fundamentação de facto que foi precisamente no contexto de substituir o financiamento aprovado pela carta de 30.03.2004 que a ACA através do seu legal representante se dirigiu aos emitentes da procuração, seus tios avós, sendo que a “alteração das condições do empréstimo” aludida no ponto 37 da fundamentação é a que veio a ser plasmada no contrato de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente a que se alude no ponto 6 dos factos provados outorgado em acordo escrito datado de 14.10.2005;
21. Não resiste à lógica mais elementar (denominada no foro por “regras da experiência”) que a co-R. através do seu legal representante, sobrinho neto dos outorgantes da procuração, tenha solicitado a alteração das condições de aprovação do financiamento de 30.03.2004 “para facilitar o desenvolvimento da atividade da empresa” (ponto 37 da fundamentação de facto), e tenha solicitado aos seus tios avós a emissão de procuração que autorizava a constituição de hipotecas para garantia de um contrato que, afinal, já não era o que pretendia manter por não se adequar à pretendida “facilitação do desenvolvimento da atividade da empresa”;
22. Acresce que a atitude dos AA. não é a adequada à de um cidadão de boa fé; com efeito, a diligência média do bonus pater familias diz-nos que os AA. deviam desde logo, isto é em 2005, data em que as hipotecas foram constituídas, ter tomado conhecimento do concreto instrumento contratual ao abrigo do qual as hipotecas das suas frações foram constituídas, sendo certo que a presente ação apenas deu entrada em juízo em 23.05.2017, ou seja mais de 12 anos após a utilização da procuração, quando toda uma situação jurídica e factual estava já perfeitamente consolidada e sedimentada na convicção da CGD;
23. Não obstante o doutamente sentenciado, e, nomeadamente, o provado no nº 25 da fundamentação de facto, continua a apelada convicta que o denominado “2º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente” não constituiu um “novo contrato” de empréstimo, isto muito embora o resultado prático, para os efeitos desta ação, seja exatamente o mesmo conforme aliás a douta sentença decidiu;
24. Ou seja, o “novo contrato” a que se alude no ponto 25 dos factos provados mais não é que a forma encontrada pelos contratantes de atribuir “roupa nova” a uma mesma realidade “velha” que era a do incumprimento, conforme aliás se constata da cláusula 11ª do “aditamento” – cfr. ponto 13 dos factos provados, na qual consta “… mantendo-se em vigor todas as cláusulas e as garantias, concretamente, a hipoteca constituída e e identificada no considerando 3. com as alterações e atualizações decorrentes do presente Aditamento”.
25. Com efeito, o denominado “2º aditamento” traduziu uma mera operação de reestruturação financeira do contrato de conta corrente em médio e longo prazo, sem que tivesse substantiva e materialmente ocorrido a liquidação/pagamento do empréstimo por parte da A.C.A. Batista – Construções Unipessoal Lda. – cfr. pontos 27 a 33 dos factos provados – conforme aliás a douta sentença reconhece;
26. Esta operação de reestruturação destinou-se a permitir à devedora A.C.A. Batista – Construções Unipessoal Lda. não ser acionada por incumprimento, atendendo a que conforme se constata do nº 4 deste “2º aditamento” a conta corrente fora utilizada e apresentava à data de 18.04.2012 um saldo devedor de 200.000,00 €, e, assim, a permitir o não acionamento das hipotecas;
27. A ideia das partes contratantes e a finalidade deste “2º aditamento” foi a de manter a obrigação inicial, alterando apenas algum ou alguns dos seus elementos acessórios, como v.g. o prazo de pagamento, não tendo o mesmo sido outorgado com a finalidade de liquidar o contrato de abertura de crédito em conta corrente, nem, de resto, se verificou qualquer prévia instrução ou ordem de pagamento por parte da devedora com tal intuito (pagamento/liquidação da conta corrente) ou qualquer efetivo pagamento da dívida respeitante à conta corrente por parte da fima devedora;
28. Para que tal fosse exequível procedeu a CGD a uma operação meramente contabilística na conta da empresa cliente atendendo a que o programa informático da CGD não permite alterar as condições contratadas para médio/longo prazo sem fechar informaticamente a operação do crédito em conta corrente (cfr. ponto 32 dos factos provados).
29. Toda a elaboração deste denominado “2º aditamento” foi efetuada como uma continuação daquele contrato de abertura de crédito em conta corrente, mas sem a possibilidade de obtenção de mais crédito – cfr. cláusula terceira - conforme se constata dos seus “considerandos” iniciais e do facto de promover a alteração do clausulado daquele por expressa referência às suas concretas cláusulas, e, ainda, do facto de se ter qualificado este escrito como “2º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente”;
30. Pelo que as hipotecas que foram válida e corretamente constituídas e registadas para garantia do pagamento do empréstimo abertura de crédito em conta corrente continuaram a sê-lo para este “2º aditamento”, que se limitou a alterar prazos de pagamento – 60 meses – conforme se constata da sua cláusula primeira, sem qualquer novação da obrigação inicial;
31. Todavia, seja na tese de que o contrato é o mesmo, ou na tese inversa, de que é outro contrato, sempre se mantém válida a conclusão a que chegou a douta sentença de que a dívida é a mesma (cfr. págª 22 da sentença), tendo considerado que “a R. A.C.A. Batista nada amortizou relativamente ao saldo devedor da conta corrente, que transitou para o novo contrato de mútuo.” (cfr. p. 21 da sentença), e, ainda, que não se verificou novação alguma;
32. A outorga do denominado “2º aditamento” não acarretou a extinção do empréstimo outorgado por escritura de 14.10.2005 nem a constituição de um novo empréstimo, tendo sido expressamente mantidas as garantias nos termos em que foram inicialmente constituídas, sendo igualmente certo que o próprio texto deste “2º aditamento” afasta expressamente que se trate de uma novação;
33. Assim, não se podem considerar extintas as hipotecas ao abrigo do disposto no art. 730º alínea a) do C.C. (extinção da obrigação a que servem de garantia) atendendo a que a obrigação da ACA não se extinguiu pelo pagamento, ao contrário do que pretendem as AA.;
34. As hipotecas constituídas mantiveram-se para garantir o pagamento da mesma dívida contraída por via da denominada “conta corrente”, não tendo a co-R. ACA ou o seu gerente liquidado esta dívida, nem recebido fresh money, ou seja recebido mais dinheiro proveniente da CGD por força do denominado “2º aditamento”, conforme se constata dos pontos 27 a 32 da douta fundamentação de facto, nem tendo existido qualquer novação das obrigações assumidas. Não há, portanto, um “novo crédito” substitutivo do anterior;
35. Sendo igualmente certo que as respetivas inscrições hipotecárias têm todos os elementos exigidos pelo art. 96º do CRP, conforme aliás se constata das certidões prediais juntas ao processo e dos pontos 46 e 47 da douta fundamentação de facto;
36. Quanto à alegada simulação relativa para além da douta fundamentação jurídica dada na sentença – na qual a apelada se revê – não fizeram as apelantes qualquer prova que a CGD e a mutuária pretendessem realizar outro qualquer negócio que não o constante do denominado “2º aditamento”;
37. Aliás nem as próprias apelantes conseguiram identificar que outro negócio seria esse que, em seu entender, as partes quiseram afinal celebrar, limitando-se a esgrimir com a matéria provada no facto nº25 (“As Rés sabiam que estavam a realizar um novo contrato”), o que não deixa de ser curioso para quem alega simulação relativa;
38. E não conseguem identificar que outro negócio – o negócio “dissimulado” – as partes afinal teriam querido celebrar porquanto lê-se e relê-se o texto do denominado “2º aditamento” e a única realidade que se vislumbra é todo um clausulado a estipular um prazo de pagamento mais alargado respeitante a uma obrigação pré-existente;
39. Por outro lado, também não está feita qualquer prova que o negócio realizado o tenha sido com intenção fraudulenta, ou seja intenção de prejudicar terceiros (animus nocendi), ou com o propósito de enganar terceiros (animus decipiendi), sendo certo que este intuito/intenção constitui matéria de facto que tem de ser alegada e provada por quem se arroga o inerente direito;
40. Mas, mesmo que se entenda que as partes pretenderam realizar outro qualquer negócio que não o constante do denominado “2º aditamento” tal situação não implicaria que esse tal negócio prescindisse das garantias hipotecárias
9. Por despacho de 30.6.2020, o recurso de apelação foi admitido com subida de imediato, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões das Recorrentes (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
I - Da impugnação da matéria de facto provada sob as alíneas cc), ee) e ff) (pontos 30., 32. e 33.) e não provada sob o ponto 24., por forma a concluir-se que se extinguiu o contrato de abertura de crédito em conta-corrente;
II - Do erro de julgamento pela inexistência de suporte factual que autorize a afirmação de que o contrato denominado pelas Rés «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito» foi «autorizado» pela procuração objeto dos presentes autos - artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPC;
III - Do erro de julgamento na interpretação da procuração outorgada - da falta de poderes de representação / do abuso da representação - artigos 268.º, 236.º, n.ºs 1 e 2, e 269.º, todos do Código Civil e ainda artigos 715.º, 939.º e 892.º do mesmo diploma;
IV - Do erro de julgamento na interpretação do «2.º aditamento» e da extinção da hipoteca, ao abrigo do artigo 730.º, alínea a), do Código Civil;
V - Do erro de julgamento relativo à simulação e suas implicações para efeitos da extinção da hipoteca.
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III - Fundamentação
Fundamentação de facto
A matéria de facto apurada na decisão recorrida não adota uma ordem lógica e cronológica dos factos, o que seria a melhor técnica para a compreensão da factualidade e a apreciação da causa, à luz do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC.
A separação entre os factos assentes e os factos controvertidos, bem como a enunciação desarticulada dos factos da petição inicial e de cada uma das contestações, torna menos compreensível a matéria de facto, aparentando hiatos temporais causadores de dispersão.
Ora, como escreveu Abrantes Geraldes «(…) na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.» - in «Sentença Cível», ebook do CEJ «O Novo Processo Civil - Textos e Jurisprudência» (Jornadas de Processo Civil – Janeiro de 2014), p. 280.
«Este objectivo – continua o autor – (…) encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos.» (ibidem)
Perante o exposto, reordenaram-se os factos segundo uma ordem lógica ou histórica, sob a forma de alíneas, mas sem deixar de registar a numeração da sentença recorrida entre parenteses retos, atendendo à sua referência nas alegações.
São os seguintes os factos considerados provados e não provados na sentença recorrida:
A) Factos provados
a) Está inscrita, pela ap. 1667, de 19.1.2009, a aquisição, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, a favor da Autora ML…, viúva, da fração autónoma designada pela letra “E”, que corresponde ao ….º andar esquerdo e garagem, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na rua …, freguesia de Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha, sob o n.º …/…, com o valor matricial de 17 119,93 € (fls. 170 a 172-v). [ponto 1. - factos considerados assentes]
b) A Autora ML… era a única sócia da Autora Costumes do Mar, Lda. e, desde 25.3.2017, passou a ter na sociedade referida apenas uma quota de 1 300,00 €, tendo JL… uma quota de 3 700,00 € (fls. 163 a 164). [ponto 2. - factos considerados assentes]
c) Está inscrita, pela ap. 1557, de 6.1.2012, a aquisição, a favor da Autora Costumes do Mar, Lda., da fração autónoma designada pela letra “M”, que corresponde ao ….º andar direito, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na praceta …, com fachada posterior para a praceta …, n.ºs … e …-A, freguesia de Cacilhas, Almada, descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n.º …/…, com o valor matricial de 41 049,42 € (fls. 167 a 169). [ponto 3. - factos considerados assentes]
d) Por carta datada de 30.3.2004, da qual consta «Assunto: Proposta n.º …/…/…/Formalização de Empréstimo e de Garantias», a Ré CGD comunicou à Ré A.C.A. Batista que lhe foi autorizado um empréstimo no montante de 150 000,00 €, pelo prazo de quatro anos, sendo três anos para utilização do capital e um ano para reembolso, cujo levantamento dependia da evolução dos investimentos financiados, mediante vistoria a efetuar pela CGD, encontrando-se o empréstimo sujeito a condições, entre as quais a constituição de hipoteca, a favor da CGD, do imóvel sito na rua …, lote …, Boa Água 1, Quinta do Conde, em Sesimbra, pelo valor do financiamento aprovado, respetivos juros e despesas, bem como fiança do sócio (doc. 2 – fls. 8-v). [ponto 4. - factos considerados assentes]
e) No dia 19.8.2005, no Cartório Notarial da Dra. AP…, a Autora ML…, em conjunto com o seu marido, JG…, e a pedido de AC…, emitiram procuração da qual consta que «constituem seu procurador AC… (...) ao qual concedem os poderes necessários para hipotecar a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos, condições e obrigações que entender por convenientes em garantia de um empréstimo concedido à sociedade comercial por quotas sob a firma “A.C.A Batista – Construções, Unipessoal, Lda.» os imóveis aludidos em 1. [alínea a)] e 3. [alínea c)], cuja aquisição se mostra inscrita a favor da Autora ML… e do seu marido, JG… (doc. 3 – fls. 9 a 10). [ponto 5. - factos considerados assentes]
f) O empréstimo aludido no ponto 5. [alínea e)], concedido à Ré A.C.A. Batista, corresponde à proposta n.º …/…/…. [ponto 5.a) - factos considerados assentes]
g) Em acordo escrito datado de 14.10.2005 e lavrado no Notário Privativo da Ré CGD, intitulado «Contrato de abertura de crédito em conta corrente com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança», declarou a Ré CGD conceder à Ré A.C.A. Batista «um financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de Cento e Cinquenta Mil Euros, importância de que esta se confessa desde já devedora.» (doc. 6 – fls. 15-v a 23). [ponto 6. - factos considerados assentes]
h) O financiamento aludido em 6. [alínea g)] destinou-se a apoiar «necessidades temporárias de tesouraria» da Ré A.C.A. Batista (ponto 2 do doc. 6 – fls. 15-v a 23). [ponto 7. - factos considerados assentes]
i) O prazo convencionado de abertura do crédito foi de seis meses, convencionando-se igualmente que «o referido prazo será automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos, a menos que a Caixa, ou a parte devedora, denunciem o contrato por escrito e com pelo menos trinta dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso» (ponto 4 do doc. 6 – fls. 15-v a 23). [ponto 8. - factos considerados assentes]
j) Consta do ponto 5 do acordo aludido em 6. [alínea g)], sob o título «Novação», que «Reconhece-se desde já que as renovações previstas na cláusula do PRAZO, bem como as eventuais mudanças do número da conta corrente, não envolvem qualquer novação, mantendo-se na íntegra todas as garantias da operação» (doc. 6 – fls. 15-v a 23). [ponto 9. - factos considerados assentes]
k) Foi registada a constituição da Ré A.C.A. Batista pela insc. 1, ap. 10/20021009, tendo esta por objeto a atividade de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis, promoção imobiliária (de imóveis próprios) e comercialização de materiais para a construção (fls. 165 a 166-v). [ponto 34. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
l) A Ré A.C.A. Batista tem, desde o seu início e até à presente data, como seu único sócio e gerente, AC… (fls. 165 a 166-v) [ponto 35. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
m) O montante financiado nos termos aludidos em 4. [alínea d)] era libertado pela Ré Caixa Geral de Depósitos, tendo em conta a própria avaliação da referida instituição financeira sobre a evolução da construção financiada [ponto 36. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
n) É já no desenvolvimento dessa obra e desse empréstimo, na altura ainda em curso, que para facilitar o desenvolvimento da atividade da empresa - para além daquela obra em concreto cujo financiamento fora aprovado pela CGD -, a Ré A.C.A. Batista abordou a Ré Caixa Geral de Depósitos no sentido de alterar as condições do empréstimo, designadamente, solicitando a substituição da referida garantia por outras. [ponto 37. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
o) E é nesse contexto, também, que o representante legal da Ré A.CA. Batista pede a familiares seus, entre os quais a Autora, sua tia-avó, para o apoiarem na sua atividade, o que veio, de facto, a suceder, por via da procuração emitida a seu favor. [ponto 38. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
p) As Rés acertaram, entretanto, um novo empréstimo, também de 150 000,00 €, agora em regime de conta corrente, nos termos aludidos em 6. [alínea g)] [ponto 39. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
q) A Autora ML… e o seu marido, entretanto falecido, sabiam que a Ré A.C.A. Batista ofereceu, na sequência da emissão da procuração, os imóveis em empréstimo relacionado com a atividade de construção da Ré. [ponto 40. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
r) Em testamento lavrado no dia 6.6.2007, no Cartório Notarial da Dra. AP…, JG… declarou que não tem descendentes, nem ascendentes vivos, e que institui sua única e universal herdeira, a cônjuge ML…, e caso ela não lhe sobreviva, lega ao seu sobrinho-neto JL…, a fração autónoma aludida em 3. (doc. 4 – fls. 12-v a 13-v). [ponto 10. - factos considerados assentes]
s) Foi consignado no testamento aludido em 6. [será antes 10., agora alínea r)] que o testador faleceu a ….12.2007 (doc. 4 – fls. 12-v a 13-v). [ponto 11. - factos considerados assentes]
t) Após a morte do tio avô do representante legal da Ré A.C.A. Batista, esta, por via daquele legal representante, solicitou, por diversas vezes, a substituição dos imóveis dados em garantia à Ré Caixa Geral de Depósitos. [ponto 41. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
u) Por carta remetida pela Ré CGD à Ré A.C.A. Batista, datada de 7.10.2011, da qual consta o «Assunto: Transformação da Conta Corrente n.º … em Médio e Longo Prazo», aquela comunicou a esta que «foi autorizada a transformação da Conta Corrente em assunto em Médio e Longo Prazo nas seguintes condições:
Montante: 200.000,00 €
(...) Prazo Total: 5 anos
(...) Garantias: mantém-se as garantias de hipoteca e aval já existentes» (doc. 7 – fls. 23­v). [ponto 12. - factos considerados assentes]
v)  A Ré A.C.A. Batista, através do seu legal representante, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico à Ré CGD, na pessoa de LV…, no dia 10.10.2011, da qual consta o seguinte:
«Olá L…, já recebi a alteração à CC. No entanto, tínhamos falado em alterar as garantias por um novo imóvel. O aval mantém-se, mas por questões familiares não posso continuar a dar os imóveis de familiares de garantia. Houve o falecimento de um dos proprietários e com as questões das heranças não posso continuar a dar esses imóveis de garantia, daí ter-se efectuado a avaliação ao imóvel de Paço de Arcos.
Se achar melhor marque uma reunião para resolvermos a questão.» (doc. 3 junto com a cont. da R. A.C.A. Batista – fls. 62-v a 63) [ponto 46.]
w) Em acordo escrito datado de 18.4.2012, intitulado «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente», constam os seguintes considerandos:
«1. Em 14/10/2005, a CLIENTE e a CGD mediante instrumento Notarial outorgado na Nota Privativa da Caixa e ali registado sob o nº …, celebraram um contrato de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), para apoio à tesouraria, pelo prazo de 6 meses prorrogável e que constitui o Anexo I ao presente (doravante designado por "Contrato");
2. Em 02/02/2007, a CGD acordou com a CLIENTE a alteração do montante do crédito aberto aumentando-o para E 200.000,00 (duzentos mil euros), tendo sido entregue em titulação da operação uma livrança em branco que se mantém, com aval do Avalista e cujas condições de preenchimento se encontram estabelecidas no Aditamento Contratual, que constitui Anexo II ao presente Aditamento:
3. As responsabilidades da Cliente decorrentes do contrato estão garantidas por hipoteca, que se mantém, nos termos em que foi constituída, incidente sobre duas frações autónomas, melhor identificadas no instrumento notarial referido no considerando 1.
4. A conta-corrente foi utilizada e apresenta, nesta data, um saldo devedor de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
5. A Cliente solicitou à CGD, e esta aceitou, o diferimento no pagamento do saldo devedor mediante um plano de pagamento, pelo que cessa a utilização do crédito em conta corrente;
6. Para facilidade de gestão do cumprimento das obrigações decorrentes da dívida e para efeitos meramente contabilísticos é atribuído um novo número de “operação de crédito” ao presente Contrato, passando a ter o nº …;
Em efectivação do acima referido, as partes contratantes convencionam reduzir ao presente escrito o Aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado a 14/10/2005 e alterado a 02/02/2007, nos termos constantes das cláusulas seguintes (...)
Cláusula Primeira
A Cliente reconhece, nesta data, um saldo devedor de € 200.000,00 (duzentos mil Euros) e compromete-se a reembolsá-lo no prazo máximo de (60) meses, a contar da data da perfeição do presente aditamento, passando a ser esse o prazo do contrato, sendo pelo presente escrito alteradas, designadamente, as cláusulas do documento complementar do instrumento notarial identificado no considerando 1., relativas ao “Prazo”, “Pagamentos”, assim como é atualizado o clausulado do contrato em conformidade com a alteração da modalidade de utilização do crédito, tudo nos seguintes termos: (...)
Cláusula Décima Primeira
O presente Aditamento não importa qualquer novação das obrigações assumidas pela Cliente perante a CGD, mantendo-se em vigor todas as cláusulas e as garantias, concretamente, a hipoteca constituída e identificada no considerando 3. com as alterações e atualizações decorrentes do presente Aditamento» (doc. 8 – fls. 24 a 27). [ponto 13. - factos considerados assentes]
x) Consta do «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente» que:
«Cláusula Primeira
(...) 4. Prazo: O prazo do empréstimo é de 60 meses, a contar da data da perfeição do presente aditamento, sendo os primeiros 24 meses de carência de capital e o restante de amortização.(...)
11. Pagamentos – dos Juros e do Capital:
11.1 O empréstimo será amortizado em 12 (doze) prestações trimestrais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no trimestre seguinte ao fim do prazo de carência e as subsequentes, no correspondente dia dos trimestres seguintes.(...)
Cláusula Terceira
Fica acordado que a abertura de crédito deixa de vigorar em regime de conta corrente, pelo que não serão possíveis quaisquer novas utilizações, considerando-se alterados em conformidade a epígrafe e o clausulado do Contrato, em anexo.» (doc. 8 – fls. 24 a 27) [ponto 43.]
y) Consta do extrato bancário da Ré A.C.A. Batista um movimento, com data de 11.6.2012 e data-valor de 26.4.2012, no valor de 205 098,55 € e o descritivo «Liquidação Antecipada» (doc. 9 – fls. 27-v). [ponto 14. - factos considerados assentes]
z) O «Aditamento» constituiu uma operação de reestruturação do contrato de conta corrente em médio e longo prazo. [ponto 27. - temas da prova; contestação da CGD]
aa) Esta operação destinou-se a permitir à devedora A.C.A. Batista não ser acionada por incumprimento, atendendo a que a conta-corrente fora utilizada e apresentava à data de 18.4.2012 um saldo devedor de 200 000,00 €. [ponto 28. - temas da prova; contestação da CGD]
bb) A Ré A.C.A. Batista não procedeu aos pagamentos a que se obrigara e não dispunha de condições financeiras que lhe permitissem proceder à liquidação/pagamento da conta‑corrente, encontrando-se à data em situação de mora. [ponto 29. - temas da prova; contestação da CGD]
cc) A ideia das partes contratantes e a finalidade do «2.º Aditamento» foi a de manter a obrigação inicial, não tendo sido celebrado com a finalidade de liquidar o contrato de abertura de crédito em conta-corrente. [ponto 30. - temas da prova; contestação da CGD]
dd) Não se verificou qualquer prévia instrução ou ordem de pagamento por parte da devedora com o intuito de pagamento/liquidação da abertura de crédito em conta-corrente, ou qualquer efetivo pagamento da dívida respeitante à abertura de crédito em conta-corrente por parte da firma devedora. [ponto 31. - temas da prova; contestação da CGD]
ee) Para que tal fosse exequível, procedeu a CGD a uma operação contabilística na conta da empresa cliente, atendendo a que o programa informático da CGD não permite alterar as condições contratadas para médio/longo prazo sem fechar informaticamente a operação do crédito em conta corrente [ponto 32. - temas da prova; contestação da CGD]
ff) Daí surgir no extrato bancário da Ré A.C.A. a designação «contratação» e «liquidação antecipada» e, no texto do «2.º Aditamento», o ponto 5 dos «Considerandos» referir que «para facilidade de gestão do cumprimento das obrigações decorrentes da dívida e para efeitos meramente contabilísticos é atribuído um novo número de “operação de crédito” ao presente contrato, passando a ter o n.º ….» [ponto 33 - temas da prova; contestação da CGD]
gg) A Ré A.C.A. Batista, face às suas próprias dificuldades em cumprir com o empréstimo em conta-corrente que havia contraído em 2005 junto da Caixa Geral de Depósitos, não teve outra alternativa para impedir o seu próprio incumprimento senão aceitar a proposta que o Réu Banco lhe fez. [ponto 42. - temas da prova; contestação da Ré A.C.A. Batista]
hh) A Ré A.C.A. Batista, por intermédio de AB…, apenas transmitiu à Autora que se reuniu novamente com o Banco Réu, para o efeito de obter a substituição de garantias. [ponto 16. - factos considerados assentes]
ii) Sem, no entanto, até à presente data, ter logrado obter tal substituição, pois as hipotecas sobre qualquer dos imóveis mantêm-se registadas a favor do Banco Réu. [ponto 17. - factos considerados assentes]
jj) Sem qualquer filho, o casal, não obstante a procuração emitida a favor do seu sobrinho-neto AC…, sempre manifestou intenção de deixar bens ao seu outro sobrinho-neto, JC…. [ponto 18. - temas da prova; petição inicial].
kk) AC… tinha conhecimento do facto aludido em 18. [alínea jj)] [ponto 19. - temas da prova; petição inicial].
ll) Em 16.12.2015, no Cartório Notarial da Dra. SM…, a Autora ML… lavrou testamento, no qual instituiu o seu sobrinho-neto, JL…, como seu único e universal herdeiro (doc. 5 – fls. 14-v a 15). [ponto 15. - factos considerados assentes]
mm) Durante vários anos, AC… foi informando a Autora ML… de que se encontrava a tentar regularizar a situação dos imóveis dados ao Banco Ré em garantia, no sentido de obter a sua libertação por via da sua substituição por outros. [ponto 20. - temas da prova; petição inicial]
nn) Em outubro de 2016, a Autora tomou conhecimento de que o contrato de empréstimo ao abrigo do qual haviam sido hipotecados os imóveis supra identificados, afinal, não coincidia com o contrato de empréstimo por conta do qual havia sido outorgada a procuração. [ponto 21. - temas da prova; petição inicial]
oo) O Banco Réu não ignorava que o marido da Autora já havia falecido. [ponto 22. - temas da prova; petição inicial]
pp) As Rés sabiam que estavam a realizar um novo contrato. [ponto 25. - temas da prova; petição inicial].
qq) ML… nasceu a ….3.1934 (doc. 5 junto com a p.i. – fls. 14-v a 15). [ponto 44.]
rr) Relativamente ao imóvel aludido em 1. [alínea a)] mostram-se feitas no registo predial as seguintes inscrições:
a) Ap. 1, de 16.11.1987, Aquisição, por compra, a favor de JG…, casado com ML…, no regime de comunhão geral;
b) Ap. 19, de 26.8.2005, Hipoteca Voluntária, a favor da CGD, com respeito ao crédito de 150.000,00 €;
c) Ap. 2875, de 13.6.2018, Penhora, provisória por natureza, no âmbito do processo executivo n.º …/…T8ALM, do Juízo de Execução de Almada, J…, a favor da CGD (fls. 170 a 172-v). [ponto 46.]
ss) Relativamente ao imóvel aludido em 3. [alínea c)], mostram-se feitas no registo predial as seguintes inscrições:
a) Ap. 17, de 23.8.2005, Hipoteca Voluntária, a favor da CGD, com respeito ao crédito de € 150.000,00;
b) Ap. 2875, de 13.06.2018, Penhora, provisória por natureza, no âmbito do processo executivo n.º …/…T8ALM, do Juízo de Execução de Almada, J…, a favor da CGD (fls. 167 a 169). [ponto 47.]
B) Factos não provados
23. O Banco Réu não ignorava que a Ré A.C.A Batista Unipessoal, Lda. não podia continuar a dar aqueles imóveis em garantia.
24. As Rés sabiam que o contrato de abertura de crédito em conta corrente seria liquidado.
25. Para o qual seria necessária a constituição de nova hipoteca.
26. No interesse de ambas, por via do referido «Aditamento», as Rés evitaram a constituição de novas garantias, sabendo e não podendo ignorar que dessa forma prejudicariam terceiros, neste caso, as Autoras.
30. Alterando apenas algum ou alguns dos seus elementos acessórios, como o prazo de pagamento.
Apreciação do recurso
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os poderes do Tribunal da Relação relativamente à modificabilidade da decisão de facto estão consagrados no artigo 662.º do CPC.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a referida decisão, sob pena de rejeição do recurso, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Contrariamente ao que alega a Apelada Caixa Geral de Depósitos, as Apelantes mencionaram os pontos concretos que impugnam (matéria de facto provada sob os pontos 30., 32. e 33. e não provada sob o ponto 24.) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida (considerarem-se não provados os pontos 30., 32. e 33. e provado o ponto 24.).
De igual modo, indicaram as passagens da gravação ou as transcrições de excertos dos depoimentos que consideram serem relevantes.
Assim, estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC.
Depois de auditado o suporte áudio da audiência final, cumpre apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, indagando se a convicção criada no espírito do Tribunal a quo é ou não merecedora de reparos.
Alíneas cc), ee) e ff) - factos provados 30., 32. e 33.
cc) - ponto 30. A ideia das partes contratantes e a finalidade do «2.º Aditamento» foi a de manter a obrigação inicial, não tendo sido celebrado com a finalidade de liquidar o contrato de abertura de crédito em conta corrente.
ee) - ponto 32. Para que tal fosse exequível, procedeu a CGD a uma operação contabilística na conta da empresa cliente, atendendo a que o programa informático da CGD não permite alterar as condições contratadas para médio/longo prazo sem fechar informaticamente a operação do crédito em conta corrente.
ff) - ponto 33. Daí surgir no extrato bancário da Ré A.C.A. a designação «contratação» e «liquidação antecipada» e, no texto do «2.º Aditamento», o ponto 5 dos «Considerandos» referir que «para facilidade de gestão do cumprimento das obrigações decorrentes da dívida e para efeitos meramente contabilísticos é atribuído um novo número de “operação de crédito” ao presente contrato, passando a ter o n.º …».
Facto não provado 24
24. As Rés sabiam que o contrato de abertura de crédito em conta corrente seria liquidado.
As Apelantes requerem que os pontos 30., 32. e 33. - alíneas cc), ee) e ff) - da matéria de facto provada sejam julgados não provados e que o facto não provado sob o ponto 24. se considere provado.
Sustentam que a decisão sobre a matéria de facto, designadamente quanto ao ponto 25., «sai desfigurada», quando o Tribunal a quo considera em simultâneo provados os factos 30., 32. e 33., pontos contraditórios com tal facto e que contrariam ainda o teor do documento n.º 9 junto com a petição inicial e do documento junto pelas Autoras em audiência prévia (mapa de responsabilidade dos Banco de Portugal, relativo à Ré A.C.A. Batista), bem como o depoimento prestado pela testemunha FC… (na audiência final de 30.9.2019, entre os minutos 8:44 e 9:33 e de minutos 24:37 a 32:52, registado no «sistema audio h@bilus» 00:00:01 a 00:41:42).
Argumentam, em suma, que não é possível postergar a verdade contabilística expressa no teor do documento n.º 9 e, simplesmente aceitar quaisquer «desculpas» atiradas para o sistema informático para justificar aquilo que foi uma opção da Ré CGD, na sua relação com a Ré A.C.A. Batista, e que foi adotada em face da impossibilidade de introduzir um plano de amortização numa conta-corrente, verdadeiro objetivo visado pela Ré CGD.
Consta da motivação da decisão da matéria de facto que:
«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, do depoimento de parte da R. A.C.A. Batista e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, a saber:
- MLu…, bancária, exerceu funções na Caixa Geral de Depósitos, encontra-se na pré-reforma desde novembro de 2016, exerceu funções na agência de S. João de Batista desde outubro de 2002 até março/abril de 2016, altura em que esta agência foi encerrada, e passou a exercer funções na agência da Cova da Piedade até ir para a pré-reforma, exercia funções de administrativa, nunca exerceu funções de gerência ou subgerência, conhece o legal representante da R. A.C.A. Batista;
- JL…, bancário, exerce funções no Novo Banco, é sobrinho da A. ML… e sócio da A. Costumes do Mar;
- FJ…, bancário na Caixa Geral de Depósitos há 22 anos, exerce funções no edifício da Avenida João XXI, no Departamento de Gestão à Distância, exerceu funções na agência de S. João Batista desde agosto de 2011 a março de 2016, era o gerente desta agência, conhece o legal representante da R. A.C.A. Batista;
- GA…, bancário na Caixa Geral de Depósitos há 27 anos, exerce funções na Agência Central de Almada, onde irá completar 2 anos em janeiro, exerceu funções na Direção Regional no período de 2004 a janeiro de 2018, era gestor de cliente, conhece o legal representante da R. A.C.A. Batista;
- HF…, bancário na Caixa Geral de Depósitos desde 1992, exerce funções no edifício da Avenida João XXI, na Direção de Risco de Crédito, há cerca de 2/3 anos, exerceu funções na Direção Regional no período de 2014 a 2017, era diretor regional.
*Passando à análise crítica da prova: (…)
- Pontos 18. a 20. e 36. a 41.: O contexto no qual foi emitida a procuração foi explicado pelo legal representante da R. A.C.A. Batista, tendo ainda esclarecido a dinâmica familiar com os seus tios avós e o seu irmão, em termos que foram por este corroborados no respetivo depoimento.
- Pontos 21. a 26.: Uma das questões abundantemente debatidas neste caso foi a de saber se estamos a falar do mesmo empréstimo ou não, sendo aquela a posição da R. CGD e esta a das AA..
É notório que existe uma linha de continuidade entre a abertura de crédito em conta corrente e o financiamento de médio/longo prazo, na medida em que a quantia que está em dívida neste é a mesma que ficou em dívida naquela, isto é, ficou claro em audiência que não foi pago pela R. A.C.A. Batista o saldo devedor da conta corrente, pese embora a menção de liquidação constante do extrato bancário, tendo esse saldo devedor transitado para o financiamento de médio/longo prazo.
Sem prejuízo, a verdade é que foi dada uma nova roupagem à dívida, quer do ponto de vista contabilístico, pois inclusivamente recebeu um novo número de “operação de crédito”, quer do ponto de vista jurídico, na medida em que foram feitas alterações ao contrato que titula a operação.
Sob esta perspetiva, a linguagem usada pela R. CGD nos documentos pertinentes é contraditória, porquanto ao mesmo tempo a que alude a “Transformação”, vem dizer que se trata de um mero “Aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente”.
Ora, se a abertura de crédito em conta corrente deixou de existir, porque foi “transformada” num financiamento de médio/longo prazo, então não se trata, em bom rigor, de um “aditamento” àquele contrato de abertura de crédito em conta corrente, mas sim de um novo contrato.
Aliás, na mensagem de correio eletrónico datada de 12.06.2012, através da qual é enviado a AB… o “Aditamento” assinado em abril, LV… alude ao “novo empréstimo”.
E na realidade as testemunhas acabaram por transparecer esta ambiguidade na posição da R. CGD, porquanto a testemunha ML… começou por confirmar que “do ponto de vista da conta corrente, terminou, foi liquidada”, mas logo de seguida acrescentou “o capital é o mesmo, o modo de utilização é que seria diferente”.
Também a testemunha FC… começou por referir-se à “transição das garantias”, para de seguida acrescentar “não há transição, são as mesmas, na minha opinião”.
A questão subsequente é a de saber se ao proceder desta forma a R. CGD pretendeu evitar a constituição de nova hipoteca e se a R. CGD sabia do falecimento do tio avô de AB….
A este propósito AB… afirma ter dado conhecimento da sua situação familiar à R. CGD, inclusivamente por email, mas os colaboradores desta apenas se recordam de AB… lhes ter falado genericamente de questões familiares.
Ora, a mensagem de correio eletrónico transcrita no ponto 45. corrobora o depoimento de AB…, sublinhando-se ainda que esta versão é a mais credível.
Com efeito, ficou patente em audiência que este assunto foi tratado na agência da CGD de São João Batista, em Almada, na Direção Regional, e nos serviços centrais da CGD, na Avenida João XXI, em Lisboa, tendo o mesmo sido acompanhado por várias pessoas.
Por outro lado, AB… referiu que levantou esta questão em 2010, e o “Aditamento” apenas foi assinado em 2012, datando aquela mensagem de correio eletrónico de 2011, pelo que diríamos não ser verosímil que ao longo de aproximadamente dois anos e em múltiplos contactos, inclusivamente contactos pessoais em reuniões, nunca tivessem sido concretizadas por AB… as aludidas questões familiares. Aliás, tanto que esta era uma preocupação de AB…, que a substituição das garantias continuou a ser insistentemente colocada por aquele junto da CGD, mesmo depois da assinatura do “Aditamento”, como o atestam as mensagens de correio eletrónico datadas de 2013 e 2014 ainda a respeito desta matéria – docs. 4 e 5 juntos com a cont. da R. A.C.A. Batista, a fls. 63-v a 69.
E AB… reiterou que a procuração foi analisada internamente pela CGD, em ordem a determinar se a mesma era suficiente para a subscrição do “Aditamento”, o que também se afigura verosímil que tenha sucedido, atenta a questão colocada por AB… quanto aos problemas familiares associados à dita procuração.
Atendendo a estes problemas, diremos que se afigura de igual modo verosímil que apesar da CGD ter concluído que nada obstava à utilização da procuração, como foi referido em audiência que sucedeu, tenha optado por celebrar um acordo denominado de “aditamento”, em lugar de celebrar um novo contrato.
Por último, não podemos afirmar que seria necessária a constituição de uma nova hipoteca, no caso de se ter formalizado a celebração de um novo contrato, em lugar de um mero aditamento, na medida em que a CGD introduziu uma cláusula no texto do acordo que afasta a novação da obrigação, e na verdade concluímos acima que a dívida é a mesma.
- Pontos 27. a 33. e 42.: A tramitação destas operações financeiras na CGD foi explicada pelos seus colaboradores de forma clara e coerente, pelo que toda esta matéria de facto foi julgada provada.
Sublinhe-se que apesar de AB… ter declarado que a alteração do financiamento de abertura de crédito em conta corrente para financiamento de médio/longo prazo se ficou a dever ao facto da Direção do Banco estar a ser pressionada para acabar com as contas correntes, esta justificação não se revelou credível no confronto com os depoimentos das testemunhas da R. CGD, os quais explicaram que a finalidade de uma conta corrente é a regular e sucessiva utilização parcelar do saldo disponibilizado pelo Banco e respetiva amortização, o que não sucedeu no caso em apreço. Com efeito, a R. A.C.A. Batista utilizou todo o saldo de uma só vez e nunca efetuou qualquer amortização, pelo que não tendo a R. A.C.A. Batista condições financeiras para reembolsar aquela quantia ao Banco, a única solução possível foi a de converter o financiamento num empréstimo, de molde a que a R. passasse a pagar mensalmente um valor destinado a amortizar a quantia disponibilizada pelo Banco.
- Pontos 34. a 35. e 43. a 47.: Esta matéria de facto assentou nos documentos indicados.»
Apreciando:
O Tribunal a quo fundou a decisão sobre os pontos 30., 32. e 33. – alíneas cc), ee) e ff) – dos factos provados e sobre o ponto 24. da factualidade não provada nos depoimentos de todos os colaboradores da CGD que foram arrolados como testemunhas.
As Apelantes impugnam a decisão sobretudo com base na análise do documento n.º 9 junto com a petição inicial e no depoimento de um dos funcionários da CGD – FC….
No que concerne ao contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado em 2005, a testemunha FC… esclareceu que, perante a hipótese de «fazer vencer» a conta-corrente (por via da sua denúncia), ainda que na base dum eventual acordo de pagamento a celebrar com a Ré A.C.A. Batista, com os respectivos juros para a cliente, mas a previsão das respetivas imparidades para a Ré CGD, esta terá optado pela solução de transformar a conta-corrente em empréstimo de médio/longo prazo o que, na sua opinião, se trata de uma mera operação contabilística e não de uma nova operação de crédito.
A testemunha explicitou que o saldo «transitou duma realidade para outra», porque na «realidade anterior» não conseguiam inserir prazo de amortização.
Acabou por dizer que, naturalmente, não se pode chamar a um empréstimo com amortização uma conta-corrente, porque esta não configura essa evidência.
Ora, dos vários trechos deste depoimento não se extrai o sentido pretendido pela Apelantes.
Por outro lado, quanto ao documento n.º 9 junto com a petição inicial, que constitui um extrato bancário da Ré A.C.A. Batista com data de 11.6.2012 e data-valor de 26.4.2012, no montante de 205 098,55 € e o descritivo «Liquidação Antecipada», o seu teor foi bem explicado por todas as quatro testemunhas da CGD, incluindo FC….
Corroboramos o entendimento do Tribunal recorrido, o qual resultou de uma interpretação criteriosa e ponderada dos depoimentos das testemunhas, conjugada com uma análise correta da documentação junta aos autos.
Acresce que não existe qualquer incompatibilidade desta matéria com o ponto 25. da factualidade provada.
Assim, consta deste ponto que:
pp) As Rés sabiam que estavam a realizar um novo contrato.
Como resulta bem explicitado na sentença recorrida, e será adiante retomado, um contrato de abertura de crédito em contra-corrente e um contrato de mútuo são figuras jurídicas distintas, ainda que possam prosseguir uma finalidade idêntica – um financiamento – e correspondam ambos a operações de crédito.
O estado de conhecimento das Rés resulta com clareza dos depoimentos das testemunhas. Como é óbvio, duas sociedades comerciais como as Rés não podiam ignorar, pelo seu objeto social, particularmente a CGD, as diferenças claras entre as duas operações de crédito.
Provavelmente, terá sido por isso mesmo que se fez constar no «2.º aditamento» uma cláusula destinada a afastar a figura jurídica da novação e a prever a manutenção das garantias.
Porém, terem as Rés consciência de que estão perante um «novo contrato» não significa perderem de vista que se trata de uma operação de reestruturação financeira que versa sobre a mesma dívida (a qual não foi paga), com uma roupagem nova para assegurar o seu pagamento em moldes diferentes e mais eficazes, evitando as consequências negativas da denúncia do primeiro contrato, designadamente o acionamento da hipoteca por incumprimento.
A factualidade dos pontos 30., 32. e 33. não é, pois, contraditória em face do ponto 25. da matéria de facto provada.
E muito menos se pode enveredar pela prova do ponto 24., em face da análise dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos.
Desde logo não se provou que as Rés sabiam que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente seria liquidado, porque o conceito de «liquidação» é utilizado no sentido de «pagamento» e este este não foi sequer equacionado neste processo, motivo por que a problemática do incumprimento se instalou e conduziu à tal «roupa nova».
Aliás, não foi impugnada a matéria de facto que contextualiza a operação bancária correspondente ao «2.º aditamento», e que é a seguinte:
z) O «Aditamento» constituiu uma operação de reestruturação do contrato de conta‑corrente em médio e longo prazo.
aa) Esta operação destinou-se a permitir à devedora A.C.A. Batista não ser acionada por incumprimento, atendendo a que a conta-corrente fora utilizada e apresentava à data de 18.4.2012 um saldo devedor de 200 000,00 €.
bb) A Ré A.C.A. Batista não procedeu aos pagamentos a que se obrigara e não dispunha de condições financeiras que lhe permitissem proceder à liquidação/pagamento da conta corrente, encontrando-se à data em situação de mora.
dd) Não se verificou qualquer prévia instrução ou ordem de pagamento por parte da devedora com o intuito de pagamento/liquidação da abertura de crédito em conta-corrente, ou qualquer efetivo pagamento da dívida respeitante à abertura de crédito em conta-corrente por parte da firma devedora.
Acresce que, tal como reconheceu o Tribunal a quo, é pouco plausível o argumento de AB… no sentido de se ter procedido à alteração do financiamento de abertura de crédito em conta-corrente para financiamento de médio/longo prazo por pressão da Direção do Banco para acabar com as contas correntes.
Na verdade, esta justificação não se revelou credível no confronto com os depoimentos das testemunhas da Ré CGD, os quais explicaram que a finalidade de uma conta-corrente é a regular e sucessiva utilização parcelar do saldo disponibilizado pelo Banco e respetiva amortização, o que não sucedeu no caso em apreço.
Segundo os depoimentos destas testemunhas, a Ré A.C.A. Batista utilizou todo o saldo de uma só vez e nunca efetuou qualquer amortização, pelo que, não tendo condições financeiras para reembolsar o Banco, a única solução possível foi a de converter o financiamento num empréstimo, de molde a que a Ré passasse a pagar mensalmente um valor destinado a amortizar a quantia disponibilizada pelo Banco.
Termos em que se julga não ser merecera de reparo a decisão sobre a matéria de facto impugnada.
Do erro de julgamento pela inexistência de suporte factual que autorize a afirmação de que o contrato denominado pelas Rés «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito» foi «autorizado» pela procuração
As Apelantes objetam que a decisão recorrida se reporta a uma suposta autorização de ML… à celebração do contrato denominado «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente», sem qualquer suporte factual que a sustente e é, inclusive, contraditória com a decisão da matéria de facto no ponto 21., de onde se pode ler que a referida Autora apenas em 2016 tomou conhecimento de que o empréstimo, ao abrigo do qual haviam sido hipotecados os imóveis, afinal não coincidia com o contrato de empréstimo por conta do qual havia sido outorgada a procuração.
Argumentam que tal afirmação não encontra suporte no próprio contrato denominado «2.º aditamento» e no desenvolvimento dos autos, designadamente no que foi articulado pelas partes.
Entendem as Apelantes que AB…, em sede de depoimento de parte, referiu mais do que uma vez que a procuração foi analisada pela Ré CGD, na perspetiva do seu teor e da vontade de quem a outorgou, mas por relação ao contrato inicial de abertura de crédito celebrado em outubro de 2005 e não por referência ao denominado «2.º aditamento ao contrato de abertura de abertura de crédito» de 2012 (depoimento de parte da audiência final, julgamento ao minuto 24:53 a 26:21 bem ainda minuto 35:27 a 42:38).
Antes de mais, discordamos frontalmente da afirmação da Apelada no sentido de a prova produzida através do depoimento de parte do legal representante da 1.ª Ré, destinando-se, como resulta do artigo 463.º, n.º 1, do CPC, à obtenção de confissão judicial, não revestir valor probatório nem aptidão para outras finalidades, nomeadamente para ser «transformada» ou «aproveitada» para prova testemunhal.
O facto de ser obrigatória a assentada, na parte em que houver confissão do depoente, não obstaculiza a que devam ser apreciadas as declarações não confessórias.
Em lado algum do ordenamento jurídico se prevê a inadmissibilidade ou a insuscetibilidade da utilização das declarações não confessórias de uma parte.
O princípio da aquisição processual, segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (artigo 413.º do CPC) e o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5, do CPC), conjugados com os direitos à prova e a um processo equitativo consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, conduzem à conclusão de que, à partida, todo o material probatório validamente adquirido pelo processo permite ou deve permitir ao juiz formar a sua convicção (neste sentido, Remédio Marques, in «A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos», Revista Julgar n.º 16, 2012, pp. 137 a 142, e o acórdão do TRL 17.06.2015, p. 8594/10.6TBOER.L1-2, in www.dgsi.pt).
Volvendo ao caso em apreço, não se descuram as declarações de AB…a, no segmento em que afirmou ter sentido «pressão interna» ao ter dado utilização à procuração no novo financiamento.   
O depoente explicitou que os tios-avós passaram a procuração para o ajudar num financiamento que tinha, mas que, depois, as circunstâncias se alteraram e a Caixa propôs um outro tipo de financiamento.
Esclareceu que, quando pediu a procuração para hipotecar os imóveis dos tios‑avós foi para dar em garantia esses bens, em substituição do imóvel da Quinta do Conde, ainda no âmbito do financiamento de 150 000,00 €. E que tudo terá começado com o financiamento da construção da Quinta do Conde e acabou por se alargar à atividade da empresa Ré.
Reconheceu que foi já com dificuldade que convenceu os tios-avós a apoiarem a sua atividade, considerando melhor não falar com eles, posteriormente. E que terá sido a Nota Privativa da Caixa Geral de Depósitos a analisar a situação e a concluir que os termos da procuração também serviam para um financiamento em conta-corrente.
As Apelantes entendem que o teor deste depoimento de parte e a inexistência de outro suporte factual, não poderiam conduzir à afirmação de que o contrato denominado pelas Rés «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito» foi «autorizado» pela procuração objeto dos presentes autos.
Vejamos.
Ficou provado que, no dia 19.8.2005, a Autora ML…, em conjunto com o seu marido, e a pedido de AC…, emitiram procuração da qual consta que «constituem seu procurador AC… (...) ao qual concedem os poderes necessários para hipotecar a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos, condições e obrigações que entender por convenientes em garantia de um empréstimo concedido à sociedade comercial por quotas sob a firma “A.C.A Batista – Construções, Unipessoal, Lda.» os imóveis aludidos em 1. e 3. - alínea e) dos factos provados.
Estamos perante a figura da procuração, negócio jurídico unilateral cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros atos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses atos ou negócios.
Como preceitua o artigo 262.º do Código Civil, os negócios celebrados pelo procurador em representação do dominus produzem efeitos diretamente na esfera jurídica deste último.
Tipicamente, o procurador, quando exerce os poderes de representação, age não só em nome do dominus, mas também no seu exclusivo interesse.
Porém, no direito português estão expressamente previstas no artigo 265.º do Código Civil a procuração no interesse exclusivo do dominus (n.º 2), que é livremente revogável, e a procuração «também no interesse do procurador ou terceiros» (n.º 3), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa (cf. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in A Procuração Irrevogável, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 17).
Ao longo da evolução da representação, a procuração esteve sempre intimamente ligada ao contrato de mandato. Como figura jurídica autónoma, a procuração nasceu da separação da representação em relação à figura do mandato.
A distinção entre os dois negócios é patente. Por um lado, a procuração é um negócio jurídico unilateral, enquanto o mandato é um contrato. Por outro lado, no mandato, o mandatário tem o dever de exercer o mandato, enquanto na procuração não tem esse dever, embora tenha essa possibilidade, esse poder.
Como explica Oliveira Ascensão, a procuração é um negócio jurídico incompleto (Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, Coimbra, 1999, Vol. II, p. 273 e acórdão do STJ de 28.5.2015, p. 123/06.2TBVS.E1.S1, in www.dgsi.pt).
A função a que se destina decorre da relação subjacente.
É nesta relação subjacente que reside a função económico-social que a procuração irá desempenhar e permitir classificar e qualificar a procuração, assim se podendo concretizar o regime jurídico aplicável a cada concreta procuração.
Segundo o n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante «pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela» (Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, Coimbra: Almedina, 2001, p. 201).
Entre as circunstâncias atendíveis, apontam-se os termos do negócio, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelos declarantes, as negociações prévias, os usos e os hábitos dos declarantes, a conduta das partes após a conclusão do negócio, os usos da prática em matéria terminológica, além de outras (cf. acórdão do STJ de 15.5.2001, CJ/STJ, IX-II-85).
A autorização é um negócio jurídico apto para operar como relação subjacente à procuração. É usada frequentemente, ainda que com um significado demasiado amplo e impreciso.
Enquanto tipo negocial, a autorização tem sido pouco aprofundada na doutrina, com honrosas exceções, como a tese de doutoramento de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in A Autorização, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2016.
Esta figura consiste sempre numa permissão de atuação sobre uma situação para a qual se não tem legitimidade plena. Trata-se de um título genérico de legitimação.
Na definição de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, «A autorização é tipicamente um ato jurídico ou um negócio jurídico unilateral através do qual uma pessoa (o autorizante) permite que outrem (o autorizado) pratique atos jurídicos por conta daquele, ou atos materiais que afetem a sua esfera jurídica» (in A Procuração Irrevogável, obra citada, p. 85).
A autorização distingue-se quer do contrato de mandato, quer da procuração.
Em relação ao mandato, a autorização diferencia-se por não constituir uma obrigação para o autorizado.
Na verdade, «O autorizado tem a faculdade de agir ou não, mas não está vinculado a fazê-lo. Fica no âmbito da sua liberdade optar pela autuação ou pela omissão de ação. Mas, se agir, o autorizante deverá aceitar a atuação do autorizado, sendo responsável para com este pelas despesas em que tiver incorrido na execução da autorização e não podendo recusar a transmissão dos efeitos para a sua esfera jurídica.» (Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, obra citada, p. 86).
Na procuração, o representante tem um poder jurídico para praticar atos e celebrar negócios jurídicos que produzem efeitos diretamente na esfera jurídica do dominus, mas não pode agir licitamente sem que tal resulte de uma relação subjacente.
Na autorização, o autorizado pode agir licitamente, praticando atos e celebrando negócios jurídicos, mas os efeitos destes não se produzem diretamente na esfera jurídica do autorizante sem que este outorgue uma procuração (ibidem, pp. 86 e 87).
Tal como sucede com o contrato de mandato, a autorização pode ser com ou sem representação. Quando for com representação, ao autorizado será outorgada uma procuração com os necessários poderes.
Diversamente do contrato de mandato, a autorização não constitui um negócio legalmente típico. Nem sequer se deve qualificar como um contrato de prestação de serviços, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, uma vez que o autorizado não se obriga a praticar os atos.
Atendendo a que o negócio abrange a prática de atos e negócios jurídicos por pessoa diferente do titular da situação jurídica afetada, este negócio da autorização pode regular a relação entre dominus e procurador.
Aqui chegados, cumpre verificar se a relação subjacente à procuração outorgada pelos tios-avós do legal representante da 1.ª Ré é a figura da autorização, já que se afasta logo o contrato de mandato por não estar contemplada a obrigação de facere que o caracteriza.
Sendo um conceito jurídico, tem de ser retirado dos factos provados.
Resulta sem dúvida da factualidade apurada que a Autora ML… e o seu marido autorizaram o seu sobrinho-neto AB…, como sócio-gerente da Ré A.C.A. Batista, a dar de hipoteca dois imóveis da sua propriedade para garantia de um empréstimo.
Esta é, em traços largos, a relação subjacente.
Resta saber se esta autorização, como relação subjacente à procuração, permite a interpretação de que a procuração outorgada servia para outras operações de crédito que não apenas a que se esboçou, sob a forma de proposta contratual, na carta de 30.3.2004.
Neste contexto, cumpre analisar as expressões utilizadas na sentença recorrida na busca da relação subjacente à procuração.
Consta da fundamentação de direito que:
«a) Está provado que no dia 19.08.2005 a A. e o seu marido outorgaram procuração a favor do seu sobrinho neto e gerente da sociedade A.C.A. Batista, autorizando-o a hipotecar dois imóveis, para garantia de um empréstimo concedido pela CGD àquela sociedade A.C.A. Batista.
(…) 4. Falta de Poderes de Representação
a) Alegam, então, as AA. que só tem legitimidade para hipotecar quem goze de poderes de disposição sobre o bem a onerar, nos termos do art. 715º do CC, e que a falta desses poderes tem a mesma consequência que a venda de bens alheios, por força do disposto no art. 939º do CC.
Assim, tal hipoteca é nula e ineficaz perante as AA., em conformidade com o art. 892º do CC.
b) Ora, a legitimidade substantiva para hipotecar pertence, efetivamente, ao proprietário (arts. 715º e 1305º do CC), pelo que desde logo importa saber se aquando da constituição e da subsequente “manutenção” da hipoteca assistia essa legitimidade a quem emitiu a procuração.
Da matéria de facto provada decorre que na data da emissão da procuração os proprietários dos imóveis eram a A. ML… e o marido desta, pelo que naquela data a legitimidade substantiva estava assegurada.
Em 2012, quando é celebrado o “Aditamento”, onde se acorda a “manutenção” da hipoteca, já o marido da A. ML… era falecido.
Contudo, a morte do mandante só determina a caducidade do contrato de mandato quando este não tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiros (art. 1175º do CC).
Atendendo, assim, a que, como resulta da matéria de facto provada, a procuração foi emitida no interesse do sobrinho neto da A., importa concluir que a morte do marido da A. não operou a caducidade do mandato.
Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que a A. ML… é a única e universal herdeira do seu falecido marido.
Ou seja, em 2012 assistia legitimidade em exclusivo à A. ML… para autorizar a hipoteca dos imóveis.
Em conclusão, em 2012 a procuração mantinha-se válida e eficaz.
(…) Se analisarmos o teor literal da procuração, verificamos que há uma referência ao “empréstimo concedido”, o que inculca a ideia de que a vinculação dos tios avós ao resultado das negociações entre AB… e a CGD não foi feita em abstrato, antes nessa data tais negociações tinham já alcançado o seu termo, com a aprovação de uma proposta – a procuração data de 19.08.2005 e a 30.03.2004 havia sido aprovado um empréstimo de € 150.000,00 à A.C.A. Batista, pelo prazo de 4 anos –, a qual constituiu o amparo dos poderes concedidos na procuração.
Porém, consta também da procuração que AB… é autorizado a hipotecar a favor da CGD os dois imóveis aqui em causa, “nos termos, condições e obrigações que entender por convenientes”.
Da leitura conjugada destes dois segmentos da procuração temos de concluir, dentro dos parâmetros de uma interpretação razoável, que os elementos essenciais da vinculação assumida pelos tios avós de AB… são os que resultam do empréstimo aprovado, mas sem qualquer restrição quanto ao modo de alcançar essa finalidade.
Ou seja, num juízo de normalidade social afigura-se-nos essencial a finalidade, valor e prazo de duração do empréstimo previamente aprovado, podendo afirmar-se que estaria completamente fora do âmbito da autorização dada na procuração a sua utilização para garantir um crédito para pagar obras de reconstrução da casa de habitação de AB…, no valor de um milhão de euros, com um prazo de amortização de 20 anos, por exemplo.
No mais, todavia, conferiu-se liberdade de conformação do teor do contrato.
Ora, o negócio que vem a ser celebrado em 2005, usando a procuração, não é o mesmo que havia sido aprovado em 2004, pois passámos de um empréstimo a 4 anos para uma abertura de crédito em conta corrente a 6 meses, renováveis, sem limite de prazo. Sob esta perspetiva, o negócio que decorre do “Aditamento” celebrado em 2012 é mais próximo daquele que foi tido em consideração aquando da emissão da procuração, com a diferença de que em 2012 se estipulou um prazo de 5 anos para a amortização do empréstimo.
Nesta estrita perspetiva diríamos, pois, que o negócio celebrado em 2012 não extravasa dos poderes conferidos pela procuração.
Contudo, a interpretação da procuração não pode cingir-se a esta indagação do sentido do seu teor literal, importando ainda avaliar o contexto no qual ela foi emitida e a motivação subjacente à mesma.
A este propósito está provado que AB… tem um irmão, JB…, sendo este último o sobrinho neto ao qual a A. ML… e o seu marido queriam deixar os seus bens, uma vez que não têm filhos.
Aliás, tanto a A. como o seu marido fizeram testamento a favor deste sobrinho neto, JB…, não sendo contemplado em tais testamentos o sobrinho neto AB….
E não se trata de uma intenção recente ou posterior à celebração dos contratos com a CGD, pois está provado que “sempre” foi manifestada semelhante intenção e que esta era do conhecimento de AB….
Assim, a autorização dada a AB… para hipotecar os imóveis seguramente não teria subjacente o cenário da sua adstrição ao cumprimento de obrigações de AB… em termos que equivalessem à doação dos imóveis a este.
Todavia, é esse o atual cenário, atendendo a que os imóveis se mostram já penhorados a favor da CGD, pelo que poderão vir a ser vendidos na ação executiva, para satisfação do crédito desta, o que privará a A., presentemente viúva e com 85 anos de idade, desse património, e frustrará de igual modo a sua intenção de deixar os seus bens ao sobrinho neto a quem se mostra afetivamente mais ligada.
Sem prejuízo, está também provado que os tios avós sabiam que os imóveis se destinariam a servir de garantia no âmbito da atividade empresarial de AB…, através da respetiva hipoteca, e é do senso comum que a hipoteca implica a possibilidade dos imóveis serem penhorados e vendidos para satisfação das dívidas garantidas, sendo, aliás, essa a sua finalidade.
Acresce que não foi fixado um prazo de validade para a procuração, cuja ultrapassagem determinaria a respetiva caducidade, nem foi revogada a procuração, sendo certo que não obstante esta ter sido conferida no interesse do procurador, o que permite a sua recondução à figura da procuração irrevogável - para que uma procuração seja qualificada como irrevogável não é necessário que da mesma conste uma cláusula de irrevogabilidade (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.05.2013, Processo nº 873/05.0TBVLN.G1, in http://www.dgsi.pt/), - tal procuração não é um negócio inextinguível, podendo cessar por mútuo acordo ou por justa causa (art. 265º, nº 3 do CC; Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 18.12.2012, Processo nº 5608/05.5TBVNG.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/).
Em conclusão, também neste outro enfoque não podemos afirmar que estamos fora do âmbito da procuração.
Improcede, deste modo, o primeiro pedido formulado pelas AA..» (negrito e subl. nossos).
Retomando a alegação de recurso, as Apelantes consideram que a ilação de que a Autora ML… deu autorização à prestação da garantia da hipoteca ao negócio denominado «2.º aditamento» desrespeita o princípio do dispositivo, consagrado no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Como bem esclarecem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, embora o artigo 5.º do CPC «tenha deixado de mencionar na epígrafe o princípio dispositivo (epígrafe do anterior art. 264), substituído pela expressão “ónus de alegação das partes”, é dele que se trata, na vertente do princípio da controvérsia (…), bem como do princípio da legalidade do conteúdo da decisão», consistindo o aspeto principal daquele princípio «em que às partes cabe a formação da matéria de facto da causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as exceções perentórias». (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª Ed., 2014, pp. 13 e 14).
Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, cada uma tem o ónus de alegação daqueles que têm um efeito que lhes é favorável (alegação dos factos constitutivos do direito a cargo de quem se arroga tê-lo - artigo 552.º, n.º 2, alínea d) - e dos factos impeditivos, modificativos e extintivos a cargo da contraparte - artigos 572.º, alínea c), e 576.º, n.º 3, do CPC).
Em suma, o princípio do dispositivo determina que o processo é das partes e que a decisão do juiz é limitada pelo objeto do litígio, ainda que com a liberdade de aplicar o direito em moldes diferentes do alegado, com a prévia observância do princípio do contraditório.
Ora, ainda que por vezes se mescle na sentença recorrida o conceito de negócio unilateral da autorização com a noção de contrato de mandato, como sucede na aplicação do regime da caducidade do mandato por morte, as expressões «autorização» ou «autorizado» utilizadas, contrariamente ao que alegam as Apelantes, não se reportam a matéria de facto não alegada, em contravenção com o princípio do dispositivo.
Nada disso.
Trata-se de uma interpretação dos factos provados operada pelo Tribunal a quo, com a qual se poderá concordar ou não, no sentido de a relação subjacente à procuração – autorização – poder abarcar a operação de financiamento de 2012.
Afastemos, pois, o conceito meramente fáctico de «autorização».
Não se trata de afirmar que a Autora ML… deu o seu consentimento ao negócio de 2012, continuando a «oferecer» os seus imóveis para efeitos de hipoteca.
Cumpre antes indagar se a autorização, relação subjacente e verdadeiro caderno de encargos da procuração, comporta tal extensão, o que passa pela própria interpretação dos termos e expressões utilizados no instrumento da sua legitimação e será analisado em sede de enquadramento jurídico.
Do erro de julgamento na interpretação da procuração outorgada - da falta de poderes de representação / do abuso da representação
As Apelantes arguem que, mesmo sem a alteração da decisão sobre a matéria de facto, impor-se-ia uma decisão diferente.
Em primeiro lugar, invocam a questão da falta de poderes de representação da Ré A.C.A Batista, desde logo para constituir a hipoteca sobre os imóveis identificados nos presentes autos, ao abrigo e por conta do contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado em outubro de 2005.
É o que consideram depreender-se dos factos enunciados sob as alíneas f), mm) e nn) do elenco dos factos provados.
Observam que, se a Ré Caixa Geral de Depósitos, por um lado, aceitou na sua contestação que a 1.ª Autora e o seu marido haviam outorgado a procuração a favor de AB… por conta do empréstimo relativo à proposta da carta descrita na alínea f), ou seja, no âmbito do financiamento à construção aprovado em 2004, por outro lado quer fazer crer que tal proposta se referia ao mesmo empréstimo que veio a consubstanciar-se no contrato de abertura de crédito em conta-corrente outorgado a 14.10.2005 (cf., entre outros, artigos 8.º e 12.º da contestação), chegando, inclusive, a afirmar que não havia mais nenhum empréstimo no valor de 150 000,00 € (cf. artigo 14.º da contestação).
Objetam que, tendo o Tribunal a quo logrado identificar o empréstimo para o qual a procuração havia sido solicitada pelo representante legal da 1.ª Ré, como resulta da matéria assente - facto 5. - e dos pontos 37. e 38. da decisão sobre a matéria de facto, a decisão não poderia deixar de ser bem distinta da que foi proferida.
Segundo as Apelantes, na interpretação da procuração à luz do artigo 236.º do Código Civil, o Tribunal a quo «desligou» o que está umbilicalmente ligado, tendo destacado a expressão «nos termos, condições e obrigações que entender» da expressão que imediatamente se segue na procuração que é a expressão «em garantia de um empréstimo concedido à sociedade comercial».
Defendem que o Tribunal recorrido não podia ter ignorado nem menorizado a expressão «empréstimo concedido», sendo possível, face à prova produzida, sem qualquer margem para dúvidas, identificar o empréstimo subjacente a vontade declarada pelos outorgantes.
Notam que, no momento em foi outorgada a procuração, o financiamento em conta-corrente ainda não havia sido concedido.
Sustêm que, neste contexto - ainda que assim fosse, e não é, pois a procuração determinava-se por um «empréstimo concedido», tendo os autos apurado que empréstimo concedido é que a procuração pressupunha -, não pode igualmente deixar de se considerar a hipótese de estarmos perante uma utilização abusiva da procuração.
Também nesse plano, concluem que não pode manter-se a hipoteca dos imóveis, ao abrigo, designadamente, do artigo 269.º do Código Civil, que remete para o anterior artigo 268.º, devendo a hipoteca ser declarada nula e ineficaz relativamente às Autoras, em obediência aos artigos 715.º, n.º 2, 939,º, n.º 2, e 892.º, n.º 2, do Código Civil.
Apreciando.
Nos termos do artigo 715.º do Código Civil, só tem legitimidade para hipotecar quem goze de poderes de disposição sobre o bem a onerar. A falta desses poderes tem a mesma consequência que a venda de bens alheios, por força do disposto no artigo 939.º do referido diploma. O que significa que tal hipoteca será nula e ineficaz perante as Autoras, em conformidade com o disposto no artigo 892.º do Código Civil.
Ora, a legitimidade substantiva para hipotecar pertence, efetivamente, ao proprietário (artigos 715.º e 1305.º do Código Civil), pelo que desde logo importa saber se, aquando da constituição e da subsequente «manutenção» da hipoteca, assistia essa legitimidade a quem emitiu a procuração.
Preceitua o artigo 258.º do Código Civil que «O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último».
O poder de representação delimita a possibilidade de a atuação do representante produzir efeitos diretos para o representado.
Por isso, se acentua que tal «legitimação» constitui uma exigência apriorística do negócio representativo, distinguindo-se qualitativamente de qualquer outro seu pressuposto (de eficácia).
Nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil, «O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado».
O artigo 269.º do Código Civil, sob a epígrafe, «Abuso da representação», determina a aplicação do disposto no artigo 268.º do mesmo Código (atinente à representação sem poderes), ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
A diversidade de regimes entre a representação sem poderes ou o «excesso de representação» e o abuso compreende-se, uma vez que sejam ponderados os interesses em jogo.
Veja-se o que, a propósito, em anotação ao referido artigo 269.º do Código Civil, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela:
“1. Há abuso dos poderes de representação, quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado. Há abuso, por exemplo, se o representando encarregou o procurador de lhe comprar uma casa para sua residência, e este, munido da procuração que lhe confere, genericamente, poderes para compra, compra um prédio que não serve para aquele fim.
Neste caso, só é aplicável o regime da ineficácia previsto no artigo anterior, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso. Em qualquer outro caso, o negócio considera-se validamente celebrado em nome do representado, sem prejuízo, claro, da responsabilidade que pode incidir sobre o procurador.
2. Tal como no caso do abuso do direito (art. 334.º) é requisito essencial que o direito exista e só o seu exercício seja abusivo, também no abuso da representação é indispensável que haja representação e que o representante tenha conscientemente excedido os seus poderes.
O facto de o representando ficar neste caso do abuso da representação sujeito a um regime para ele mais exigente e apertado do que no caso da representação sem poderes explica-se pela circunstância de, na primeira hipótese, as expectativas da outra parte, fundadas na existência dos poderes de representação, nascerem de uma base mais sólida, mais consistente, visto o representante actuar, formalmente, dentro dos limites dos poderes que lhe foram outorgados.» - Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, pg. 249 (subl. nossos).
Descendo ao caso concreto, à luz destes ensinamentos, incumbia às Autoras, ao abrigo do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, demonstrar o ato constitutivo do seu direito, ou seja fazer prova de que a procuração em causa se fundara numa autorização para serem constituídas hipotecas sobre as frações descritas no seu texto, exclusivamente para garantia do pagamento do empréstimo referenciado na carta de 30.3.2004 e exclusivamente nas condições aprovadas para o empréstimo constantes dessa carta.
A este respeito, ficou provado que:
d) Por carta datada de 30.3.2004, da qual consta em «Assunto: Proposta n.º …/…/…/Formalização de Empréstimo e de Garantias», a Ré CGD comunicou à Ré A.C.A. Batista que lhe foi autorizado um empréstimo no montante de 150 000,00 €, pelo prazo de quatro anos, sendo três anos para utilização do capital e um ano para reembolso, cujo levantamento dependia da evolução dos investimentos financiados, mediante vistoria a efetuar pela CGD, encontrando-se o empréstimo sujeito a condições, entre as quais a constituição de hipoteca, a favor da CGD, do imóvel sito na rua …, lote …, Boa Água 1, Quinta do Conde, em Sesimbra, pelo valor do financiamento aprovado, respetivos juros e despesas, bem como fiança do sócio;
f) O empréstimo aludido na procuração, concedido à Ré A.C.A. Batista, corresponde à proposta n.º …/…/….
m) O montante financiado nos termos aludidos em 4. [alínea d)] era libertado pela Ré Caixa Geral de Depósitos, tendo em conta a própria avaliação da referida instituição financeira sobre a evolução da construção financiada.
n) É já no desenvolvimento dessa obra e desse empréstimo, na altura ainda em curso, que para facilitar o desenvolvimento da atividade da empresa - para além daquela obra em concreto cujo financiamento fora aprovado pela CGD -, a Ré A.C.A. Batista abordou a Ré Caixa Geral de Depósitos no sentido de alterar as condições do empréstimo, designadamente, solicitando a substituição da referida garantia por outras.
o) E é, nesse contexto, também, que o representante legal da Ré A.CA. Batista pede a familiares seus, entre os quais a Autora, sua tia-avó, para o apoiarem na sua atividade, o que veio, de facto, a suceder, por via da procuração emitida a seu favor.
p) As Rés acertaram, entretanto, um novo empréstimo, também de 150 000,00 €, agora em regime de conta corrente, nos termos aludidos em 6. [alínea g)]
q) A Autora ML… e o seu marido, entretanto falecido, sabiam que a Ré A.C.A. Batista ofereceu, na sequência da emissão da procuração, os imóveis em empréstimo relacionado com a atividade de construção da Ré.
Extrai-se com segurança desta factualidade que a 1.ª Ré, através do seu legal representante, abordou a aqui 1.ª Autora, tia-avó daquele, no contexto de «facilitar o desenvolvimento da atividade da empresa» e de apoiar o sobrinho-neto na sua atividade, para além daquela obra em concreto cujo financiamento fora aprovado pela CGD e no sentido de alterar as condições de aprovação do empréstimo aludido na carta de 30.3.2004, designadamente, solicitando a substituição da garantia dela constante por outras e a outorga da procuração para a constituição das hipotecas necessárias à prossecução da atividade empresarial da 1.ª Ré.
Assim, não podemos deixar de concluir, como na sentença recorrida, que os «tios avós sabiam que os imóveis se destinariam a servir de garantia no âmbito da atividade empresarial de AB…, através da respetiva hipoteca, e é do senso comum que a hipoteca implica a possibilidade dos imóveis serem penhorados e vendidos para satisfação das dívidas garantidas, sendo, aliás, essa a sua finalidade.» (p. 25).
E ainda: «(…) temos de concluir, dentro dos parâmetros de uma interpretação razoável, que os elementos essenciais da vinculação assumida pelos tios avós de AB… são os que resultam do empréstimo aprovado, mas sem qualquer restrição quanto ao modo de alcançar essa finalidade» (p. 23), não se validando assim o argumento meramente literal da procuração a que aludem as Apelantes quando clamam que esta se esgotava no «empréstimo concedido».
Incumbia às Autoras impugnar aquela concreta matéria de facto provada, o que não fizeram, pelo que tal factualidade está definitivamente provada.
Ademais, as Apelantes não fizeram qualquer prova de que a autorização conferida pela procuração outorgada pela Autora e pelo seu marido estava obrigatoriamente associada aos precisos termos e condições constantes da carta de 30.3.2004.
Desde logo, o próprio texto usado na procuração contradiz frontalmente a tese dos Autores.
Se a procuração se destinasse a ser apenas usada naqueles precisos termos e condições constantes da carta de aprovação do empréstimo de 30.3.2004, então certamente não conteria a fórmula «ao qual concedem os poderes necessários para hipotecar a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos, condições e obrigações que entender por convenientes (...)».
A matéria considerada provada na alínea f) - o empréstimo aludido na procuração, concedido à Ré A.C.A. Batista, corresponde à proposta n.º …/…/… - não contraria, em nosso entendimento esta conclusão. Dela não se pode extrair que os autorizantes, ML… e seu marido, conhecendo o texto da carta de 30.3.2004, tivessem querido limitar o seu âmbito às condições e termos aí constantes.
Deste modo, é de concluir que a solução a que o Tribunal recorrido chegou é a única consentânea com uma interpretação conscienciosa da procuração, ao abrigo do artigo 236.º do Código Civil.
A alegada contradição entre a autorização por parte da Autora ML… à celebração do contrato denominado «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente» e a alínea nn) (ponto 21.), na qual se deu como provado que «Em outubro de 2016, a Autora tomou conhecimento de que o contrato de empréstimo ao abrigo do qual haviam sido hipotecados os imóveis supra identificados, afinal, não coincidia com o contrato de empréstimo por conta do qual havia sido outorgada a procuração», afinal não subsiste.
Este facto não retira nada ou acrescenta aos factos dados como provados sob as alíneas n) e o) (pontos 37. e 38.), nem tão pouco serve de fundamento bastante para o direito invocado pelas Autoras.
Aliás, como bem objeta a Apelada, a inconsistência da tese defendida pelas Apelantes torna-se evidente quanto se atenta na proposta de financiamento aprovada por carta de 30.3.2004, com a validade temporal de 30 dias, e na qual se evidencia que o financiamento deveria estar pago em 4 anos.
Ou seja – continua a Apelada -, se efetivamente o pressuposto em que a Autora ML… outorgou a procuração fosse apenas e exclusivamente o financiamento aprovado pela carta de 30.3.2004, então deveria supostamente ter reclamado pela desoneração dos seus imóveis logo a partir de abril/maio de 2008.
Ora, só a partir de outubro de 2016, isto é oito anos depois de, na alegada convicção da Autora, dever estar pago o empréstimo ao abrigo do qual diz ter emitido a procuração e, consequentemente, desoneradas as suas frações, é que a Autora «tomou conhecimento de que o contrato de empréstimo ao abrigo do qual haviam sido hipotecados os imóveis supra identificados, afinal, não coincidia com o contrato de empréstimo por conta do qual havia sido outorgada a procuração.» - citada alínea nn).
Registe-se ainda que as Autoras não alegaram que o empréstimo aprovado pela carta de 30.3.2004, que, recorde-se, tinha já uma garantia hipotecária associada que não incidia sobre imóvel propriedade das aqui Autoras, se concretizou num efetivo financiamento.
E não o podiam fazer porquanto, como justamente observa a Apelada na sua alegação de recurso, tal proposta de financiamento aprovada pela carta de 30.3.2004 não se chegou a concretizar em efetivo empréstimo, tendo evoluído para a conta‑corrente aludida na alínea g) (ponto 6.).
A demonstrá-lo está, aliás, o facto de as Autoras não terem junto qualquer contrato de empréstimo formalizado respeitante à aprovação de financiamento a que alude a carta de 30.3.2004, limitando-se a juntar esta carta.
Ou seja, os tios-avós do legal representante da ACA predispuseram-se a auxiliar a atividade empresarial do seu sobrinho-neto através da constituição de hipoteca sobre dois imóveis de que eram proprietários, permitindo que essa hipoteca fosse constituída «nos termos, condições e obrigações que ele, seu sobrinho neto entendesse por convenientes».
Foi, portanto, neste contexto que a Autora e seu falecido marido aceitaram auxiliar e facilitar o tal «desenvolvimento da atividade da empresa», emitindo e outorgando a procuração, e que apenas podia ter como mera referência a aprovação do financiamento plasmado na carta de 30.3.2004, no qual a 1.ª Ré já não se revia nem pretendia manter no quadro da sua atividade à época, isto atendendo a que o financiamento de 14.10.2005 – abertura de crédito em conta-corrente - ainda não estava outorgado.
No que concerne ao «2.º aditamento» celebrado em 2012, a sentença recorrida segue o entendimento de que a autorização subjacente à procuração ainda o contempla, pelo que também aqui se não verifica uma situação de falta ou de abuso de poderes de representação.
Quanto a este contrato de 2012, apreciaremos a questão da falta de poderes de representação e do abuso da representação juntamente com a questão da extinção da hipoteca, por extinção da obrigação a que servia de garantia com a celebração de tal contrato.
Ainda que se trate de questões jurídicas diversas, sendo a primeira prévia relativamente à segunda, a factualidade envolvente de ambas encontra-se tangencialmente.
Do erro de julgamento na interpretação do «2.º aditamento» e da extinção da hipoteca
No que toca à celebração de um «novo contrato» - o contrato consignado no «2.º aditamento» -, as Apelantes alegam que tal imporia a extinção imediata da hipoteca, ao abrigo do artigo 730.º, alínea a), do Código Civil.
Segundo este preceito, a hipoteca extingue-se pela extinção da obrigação a que serve de garantia.
A hipoteca é o direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo – artigo 686.º do Código Civil.
Trata-se de um direito real de garantia, pois é sua característica a sequela, que se traduz no facto do titular do direito real poder sempre exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito, ainda que o objeto entre no domínio material ou na esfera jurídica de outrem.
O crédito hipotecário pode extinguir-se por várias causas, como o pagamento, a resolução do contrato que lhe serve de base ou por outra causa de extinção das obrigações diferente do cumprimento como a dação em cumprimento, a compensação, a novação, a remissão ou a confusão.
Sendo a hipoteca acessória de um crédito, deixando este de existir, falece o fundamento da subsistência da garantia.
Consideram as Apelantes que foram desrespeitados os princípios da acessoriedade e da especialidade característicos das garantias hipotecárias.
Em suma, segundo as Apelantes, o facto de estarmos perante um novo contrato de empréstimo, implica que deixe de existir autorização para a hipoteca, aqui intervindo a figura da falta de poderes de representação ou, no mínimo, do abuso da representação.
Ainda que assim não se entenda, defendem que a extinção do crédito derivado do anterior contrato de abertura de conta-corrente com a celebração de um contrato novo, implica a extinção da hipoteca sobre os dois imóveis em causa.
Neste particular, não podemos deixar de concordar com o sentenciado, de que destacamos o seguinte trecho:
«(…) c) i) Mas as AA. alegam ainda, no contexto da invocação da falta de poderes de representação, que o contrato de hipoteca a favor do Banco foi celebrado fora das condições previstas na procuração (artigos 32º e 45º da petição inicial).
Esta alegação reconduz-nos ao art. 268º, nº 1 do CC, nos termos do qual “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”, ou, eventualmente, ao art. 269º do CC, onde se afirma que é aplicável o regime da representação sem poderes ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (art. 5º, nº 3 do CPC).
Como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2018 (Processo nº 17/14.8TBVZL.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/), “IV – O abuso de representação ocorre, por exemplo, nos casos em que o representante, ainda que dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado”.
Trata-se aqui de uma ineficácia stricto sensu, isto é, o negócio jurídico é “em si mesmo, válido e, em princípio, apto a produzir efeitos jurídicos; verifica-se, porém, em relação a ele qualquer circunstância que impede essa produção” (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2ª ed., Lisboa, 1996, pág. 424).
Da matéria de facto provada decorre que apesar de em 2012 terem sido apenas introduzidas alterações no contrato celebrado em 2005, não estamos perante o mesmo empréstimo.
Na verdade, não só do ponto de vista contabilístico a operação recebeu uma diferente identificação, tendo sido formalmente encerrada a abertura de crédito em conta corrente, através da anotação contabilística da liquidação desta, como também do ponto de vista jurídico estamos perante um contrato distinto.
Com efeito, ainda que a abertura de crédito em conta corrente pertença à família jurídica do mútuo bancário, são duas figuras com contornos diferentes, desde logo ao nível da utilização do financiamento concedido e sua amortização, verificando-se ainda que o prazo de duração dos dois negócios é distinto, tendo naquele sido fixado em 6 meses, pese embora renovável por iguais períodos, e passado a 60 meses quando se avançou para o financiamento de médio/longo prazo.
A semelhança fundamental entre os dois negócios está no valor financiado, que é o mesmo, pois a R. A.C.A. Batista nada amortizou relativamente ao saldo devedor da conta corrente, que transitou para o novo contrato de mútuo.
Ou seja, pese embora contabilística e juridicamente o negócio seja distinto, na realidade a dívida é a mesma.
Sustenta adicionalmente a R. CGD que está expressamente previsto no “Aditamento” que este não envolve qualquer novação das obrigações assumidas pelo cliente, mantendo-se em vigor todas as garantias.
A substituição da obrigação primitiva por uma nova obrigação, implicando a extinção da obrigação primitiva, depende de declaração expressa nesse sentido (arts. 857° e 859° do CC).
Com relevo para a apreciação deste aspeto foi decidido:
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.01.2018 (Processo n° 7230/13.3TBALM-A.L1-7, in http://www.dgsi.pt/) que:
“São requisitos da novação: a) a existência de “animus novandi”, traduzido na declaração de vontade expressa de substituir a obrigação antiga por uma nova; b) a existência e validade da obrigação primitiva; e c) a validade da nova obrigação.
Não se pode inferir uma novação da simples modificação da obrigação primitiva relativa a elementos meramente acessórios da relação creditória, como sejam da alteração de prazos de pagamento ou das taxas de juros convencionadas. É necessário que haja alteração de elementos essenciais da relação obrigacional, como sejam o objeto, a causa ou os sujeitos, tendo de se provar sempre a existência da intenção expressa de convencionar a substituição da obrigação antiga por uma obrigação nova.”
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31.01.2019 (Processo n° 2848/17.8T8STB.E1, in http://www.dgsi.pt/) que:
“Nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes.”
Ora, atendendo a que as partes rejeitaram expressamente que o novo contrato implicasse a novação da dívida, não podemos concluir senão pela manutenção da obrigação principal, sendo certo que já concluímos acima que a dívida é a mesma
Decorre do exposto que, contrariamente ao alegado pelas Apelantes, não se extinguiu o fundamento da hipoteca constituída sobre os dois imóveis ao abrigo do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, celebrado em 2005, ou nos termos do denominado «2.º aditamento», firmado em 2012.
A hipoteca manteve-se para garantir o pagamento da mesma dívida contraída ex vi do denominado contrato de abertura de crédito em conta-corrente, não tendo a 1.ª Ré ou o seu gerente liquidado esta dívida, nem recebido fresh money por via do denominado «2.º aditamento».
Não tendo existido qualquer novação das obrigações assumidas, não há também um «novo crédito» substitutivo do anterior.
O «novo contrato» a que se alude na alínea pp) - ponto 25. - dos factos provados foi a forma encontrada pelos contratantes de atribuir roupagem nova a uma realidade velha de sucessivos incumprimentos, como se retira dos seguintes considerandos do contrato:
«1. Em 14/10/2005, a CLIENTE e a CGD mediante instrumento Notaria! outorgado na Nota Privativa da Caixa e ali registado sob o n° …, celebraram um contrato de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), para apoio à tesouraria, pelo prazo de 6 meses prorrogável e que constitui o Anexo I ao presente (doravante designado por "Contrato");
2. Em 02/02/2007, a CGD acordou com a CLIENTE a alteração do montante do crédito aberto aumentando-o para E 200.000,00 (duzentos mil euros), tendo sido entregue em titulação da operação uma livrança em branco que se mantém, com aval do Avalista e cujas condições de preenchimento se encontram estabelecidas no Aditamento Contratual, que constitui Anexo II ao presente Aditamento:
3. As responsabilidades da Cliente decorrentes do contrato estão garantidas por hipoteca, que se mantém, nos termos em que foi constituída, incidente sobre duas frações autónomas, melhor identificadas no instrumento notarial referido no considerando 1.
4. A conta-corrente foi utilizada e apresenta, nesta data, um saldo devedor de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
5. A Cliente solicitou à CGD, e esta aceitou, o diferimento no pagamento do saldo devedor mediante um plano de pagamento, pelo que cessa a utilização do crédito em conta corrente;
6. Para facilidade de gestão do cumprimento das obrigações decorrentes da dívida e para efeitos meramente contabilísticos é atribuído um novo número de “operação de crédito” ao presente Contrato, passando a ter o nº …;a 14/10/2005 e alterado a 02/02/2007, nos termos constantes das cláusulas seguintes (...)» - alíneas w) e x) da factualidade provada.
Ficou provado que JG… faleceu a ….12.2007 – alínea s) dos factos provados.
Por testamento lavrado no dia 6.6.2007, JG… declarou que não tem descendentes, nem ascendentes vivos, e que institui sua única e universal herdeira, a cônjuge ML…, e caso ela não lhe sobreviva, lega ao seu sobrinho-neto JL…, a fração autónoma aludida em 3 – alínea r) dos factos provados.
Ora, contrariamente à argumentação da sentença recorrida, os efeitos da morte do dominus relativamente à autorização e à procuração não podem buscar-se nas regras do mandato.
O artigo 265.º, n.º 3, do Código Civil estatui a irrevogabilidade da procuração, bastando, para tal, que exista um interesse do procurador ou um interesse do terceiro.
No caso, preenchem-se ambas as previsões, pois a procuração foi outorgada no interesse da procuradora (Ré A.C.A. Batista) e de terceiro (Ré CGD), sendo que ambas retiram da vigência da procuração uma utilidade para atingirem os seus fins. Assim, deve-se considerar a norma aplicável por maioria de razão (cf. neste sentido, Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, obra citada, p. 166).
Para além de irrevogável, a procuração sub judice não caduca com a morte do dominus.
Com efeito, a natureza jurídica da procuração não exige a sua extinção em virtude da morte do dominus originário, pois está ligada à situação jurídica objeto da legitimação e não à pessoa do dominus (ibidem, p. 210).
A procuração extinguir-se-á, não em razão da morte do dominus, mas antes devido à extinção do negócio que constitui a relação subjacente, nos termos do artigo 265.º, n.º 1, do Código Civil.
Caso o negócio que constitui a relação subjacente não caduque com a morte do dominus, como é o caso da autorização em apreço, a procuração mantém-se em vigor (ibidem, p. 211).
Aliás, atendendo à especial configuração do negócio que constitui a relação subjacente à procuração naturalmente irrevogável, a regra será a de que se transmite aos sucessores do dominus originário.
Decorre do exposto que, sendo ML… a única e universal herdeira do seu falecido marido - alínea r), a procuração é perfeitamente válida e eficaz após a morte daquele.
Chegados a este ponto, verificando-se que não há uma novação da dívida e que todo o circunstancionalismo fáctico que rodeou o denominado «2.º aditamento» se projeta em redor da mesma obrigação garantida pela hipoteca, caem por terra os fundamentos da falta de poderes de representação ou do abuso da representação fundados nos artigos 268.º e 269.º do Código Civil.
Também não assiste razão alguma às Apelantes quando defendem que a hipoteca se extinguiu com a celebração do «2.º aditamento».
A hipoteca dos dois imóveis foi devidamente registada e mantém-se em vigor, não tendo ficado demonstrada nenhuma causa para a sua extinção, nem tendo ocorrido nenhum vício que provoque a sua nulidade, continuando assim a servir de garantia nos precisos termos acima referidos.
A outorga do denominado «2.º aditamento» não acarretou a extinção do empréstimo outorgado por escritura de 14.10.2005 nem a constituição de um novo empréstimo, tendo sido expressamente mantidas as garantias nos termos em que foram inicialmente constituídas.
É igualmente apodítico que o próprio texto deste «2.º aditamento» afasta expressamente que se trate de uma novação.
Como é sabido, nos termos da lei, a novação reveste duas modalidades: a novação objetiva e a novação subjetiva.
A primeira dá-se quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga (artigo 857.º do Código Civil). Essa substituição tanto pode ocorrer por haver substituição do objeto da obrigação, como pela mudança da causa da mesma prestação.
A segunda, a novação por substituição do credor ou do devedor, relevando no caso a novação por substituição do devedor, ocorre quando um novo devedor, contraindo nova obrigação é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor (artigo 858.º Código Civil).
Extinta a antiga obrigação por novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo as resultantes da lei, e dizendo a garantia respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste (artigo 861.º do Código Civil).
Dispõe, todavia, o artigo 859.º do Código Civil, sob a epígrafe «Declaração Negocial» que «A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada», pelo que, nos termos da lei, não basta uma manifestação apenas tácita, sendo certo que é expressa a declaração negocial feita por meio de palavras, escrito ou outro meio direto de manifestação da vontade (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil).
Essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contração de uma nova obrigação (animus novandi).
Tal como concluiu a sentença recorrida, « (...) atendendo a que as partes rejeitaram expressamente que o novo contrato implicasse a novação da dívida, não podemos concluir senão pela manutenção da obrigação principal, sendo certo que já concluímos acima que a dívida é a mesma.»
Assim, não se podem considerar extintas as hipotecas ao abrigo do disposto no artigo 730.º, alínea a), do Código Civil (extinção da obrigação a que servem de garantia), sendo certo que a obrigação da A.C.A. Batista também se não extinguiu pelo pagamento.
As Apelantes invocam ainda a violação do artigo 96.º do Código do Registo Predial, relativo aos «Requisitos especiais da inscrição de hipoteca», sendo igualmente certo que as respetivas inscrições hipotecárias têm todos os elementos exigidos pelo artigo 96.º do Código de Registo Predial, conforme aliás se constata das certidões prediais juntas ao processo e das alíneas rr) e ss) - pontos 46. e 47. - do elenco dos factos provados.
Do erro de julgamento relativo à simulação e suas implicações para efeitos da extinção da hipoteca
As Apelantes esgrimem por fim o argumento de que se verificou uma simulação no negócio jurídico, aquando da celebração do «2.º aditamento», pelo que o contrato é nulo, ao abrigo do disposto no artigo 240.º do Código Civil.
Sustentam que, independentemente da ausência de prova de que as Rés tivessem querido prejudicar terceiros, é patente da própria decisão, ainda que esta não o reconheça, que as partes quiseram, ao celebrar o que denominaram «2.º aditamento ao contrato de abertura de crédito», dar uma falsa aparência para o exterior do que efetivamente  celebraram.
Concluem que é, nesse sentido, patente a divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
Atêm-se, para tal, à argumentação do Tribunal a quo na motivação da decisão sobre a matéria de facto, de onde consta que «Se a abertura de crédito em conta corrente deixou de existir, porque foi "transformada" num financiamento de médio/longo prazo, então, não se trata, em bom rigor de um "aditamento" aquele contrato em conta corrente, mas sim de um novo contrato».
Consideram que, precisamente a manutenção pelas Rés do figurino do contrato de abertura de crédito, quando está na realidade em causa um novo contrato, é o que fornece a falsa aparência duma realidade jurídica que esconde a vontade real.
Entendem que essa criação duma falsa aparência é quanto basta para, dum ponto de vista do jurídico, se tenha por preenchido o conceito de «intuito de enganar terceiros» que não exige uma intenção fraudulenta (cf. entre outros, o acórdão do TRC, p. 1094/14.8TBLRA.C1 disponível in www.dgsi.pt).
Pelo que concluem pela verificação se uma simulação relativa, nos termos do artigo 240.º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o regime que emerge do contrato dissimulado.
Lê-se na sentença recorrida o seguinte:
«(...) Alegam as AA. que o contrato celebrado em 2012 é nulo, por ser um negócio simulado, uma vez que as partes declararam que se tratava do mesmo contrato apenas para aproveitarem a hipoteca inicialmente constituída, bem sabendo que na realidade era um contrato novo e distinto do contrato datado de 2005. A simulação consiste no "acordo (ou conluio) entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros" (Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 231). São, assim, elementos da simulação a divergência entre a vontade real e a declarada; o acordo ou conluio entre as partes; e a intenção de enganar terceiros (ibidem). A simulação é absoluta, se não houve qualquer intenção de contratar, ou relativa, se as partes pretenderam celebrar um contrato distinto daquele que declararam, caso no qual se tem por válido o negócio dissimulado (art. 240°, n°s 1 e 2 do CC; ibidem, pág. 233).
No caso em apreço resulta da matéria de facto provada que as RR. quiseram encontrar uma forma da R. A.C.A. Batista pagar à R. CGD a dívida que contraiu junto desta, por via da abertura de crédito em conta corrente, perante a impossibilidade desta de proceder a esse pagamento de imediato, e em virtude de não ser viável a manutenção do contrato de abertura de crédito em conta corrente. É neste contexto que surge a possibilidade de converter o saldo negativo da abertura de crédito em conta corrente num empréstimo. O documento que veio a ser celebrado como "Aditamento" corporiza essa conversão, transformando aquele contrato de abertura de crédito em conta corrente num contrato de mútuo. Não podemos, deste modo, concluir que as partes não quiseram celebrar qualquer negócio, o que afasta a simulação absoluta. Mas podemos afirmar que as partes apelidaram de "Aditamento" um contrato que claramente não constitui uma mera alteração ao contrato inicial, mas antes traduz um novo contrato de mútuo. Não consideramos, todavia, que possa ver-se aqui uma simulação relativa, na medida em que não está provado que as partes não tenham pretendido adotar a regulação contida naquele contrato, apenas a  sua denominação não corresponde ao teor das declarações nele vertidas. Assim, ainda que se considerasse válido o contrato sob a designação de mútuo, fazendo corresponder a denominação ao conteúdo, continuaríamos a ter no respetivo clausulado a declaração de que tal contrato celebrado não envolve uma novação. Acresce que não podemos também entender existir prejuízo para as AA., na medida em que já dissemos acima que o contrato celebrado em 2012 se mostra autorizado pela  procuração. A circunstância do resultado final alcançado não ser o desejado pelas AA. corresponde a uma contingência comum nestas situações, sendo certo que em regra quem pede a um familiar para prestar uma garantia assegura sempre que irá cumprir a obrigação e que não haverá qualquer problema, porém nem sempre assim sucede».
Segundo o disposto no artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado, o que o torna nulo, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
Por seu turno, o artigo 241.º, n.º 1, do Código Civil prevê que, «Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado
Ora, as Apelantes arredam logo a hipótese de uma simulação absoluta.
Na simulação relativa subjaz ao negócio ostensivo ou aparente, fictício, um outro, latente, oculto, encoberto, dissimulado, disfarçado ou camuflado, que é o verdadeiramente querido pelas partes.
Para além da fundamentação jurídica que supra transcrevemos e com a qual concordamos, as Apelantes não lograram provar, como lhes incumbia ao abrigo do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, qualquer facto que indiciasse que as Rés pretenderam realizar outro qualquer negócio que não o constante do intitulado «2.º aditamento».
Aliás, as próprias Apelantes não lograram identificar que outro negócio seria esse que, em seu entender, as partes quiseram afinal celebrar, limitando-se a brandir com a matéria provada sob o ponto 25. – alínea pp) «As Rés sabiam que estavam a realizar um novo contrato».
Acresce que não decorre da factualidade provada uma intenção de enganar terceiros, requisito que incumbia também às Autoras alegar e demonstrar – cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Ainda que assim não se entendesse, decorre do disposto no artigo 241.º, n.º 1, do Código Civil, que tratando-se de simulação relativa, a lei admite a validade do negócio dissimulado, pelo que nem assim poderíamos «dar de barato» que tal negócio prescindisse das garantias hipotecárias.
Termos em que falece também esta alegação de recurso, por falta de fundamentação.
Do sentido do recurso e da responsabilidade quanto a custas
Perante as considerações de facto e de direito expendidas, o recurso interposto deve improceder na sua totalidade, quanto a todos os pedidos formulados, principais e subsidiários, confirmando-se a sentença recorrida.
Uma vez que as Apelantes ficaram vencidas, são responsáveis pelo pagamento das custas do recurso – cf. artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
*
IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Mais se decide condenar as Recorrentes nas custas do recurso.
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Lisboa, 22 de outubro de 2020

Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira