FIANÇA
INDETERMINABILIDADE DE OBJECTO
NULIDADE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
DEVEDOR PRINCIPAL
FIADORES
COMUNICAÇÃO
Sumário

1. É nula, por indeterminabilidade de objecto, a fiança, na parte em que os fiadores dão o seu acordo a quaisquer modificações às taxas de juros e aos prazos da obrigação afiançada, bem como a qualquer alteração a ser convencionada pelo banco e pelos mutuários.
2. Não tendo sido demonstrado pelos fiadores que o negócio não se concretizaria sem esta cláusula, a fiança é reduzida à obrigação assumida pelos fiadores no contrato inicial, não abrangendo as modificações posteriormente convencionadas entre o banco e os mutuários, no caso o alargamento do prazo contrato.
3- Prescrevem no prazo de cinco anos as prestações unitárias de amortização de capital pagáveis com juros, não obstando a esta prescrição o facto de o crédito se vencer na totalidade por incumprimento.
4- A interrupção do prazo da prescrição relativamente aos devedores principais mutuários não produz efeito contra os fiadores, a não ser que o credor lhes dê conhecimento deste facto, considerando-se interrompida a prescrição na data da comunicação, não podendo considerar-se como havendo comunicação à fiadora para este efeito o facto de a credora mutuante ter reclamado o seu crédito num inventário em que eram interessados os mutuários e em que a fiadora teve intervenção também na qualidade de credora.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa de 96 183,47 euros, correspondente a prestações de dois contratos de mútuo não pagas, que a Caixa…, SA intentou contra os mutuários AJ… e MS… e contra os respectivos fiadores PM… e MC… apresentando, como título executivo, os respectivos contratos de mútuo, vieram os executados fiadores deduzir oposição à execução, o fiador no presente apenso A e a fiadora no apenso B, alegando ambos, em síntese, que o prazo do 1º contrato foi alargado de 30 para 50 anos, sem a intervenção dos fiadores embargantes e sem lhes ter sido comunicada tal alteração, sendo a fiança nula por objecto indeterminável, nos termos dos artigos 280º e 292º do CC, não tendo também sido explicado aos embargantes fiadores o significado de se constituírem principais pagadores, podendo recusar o pagamento enquanto não houver excussão dos bens do executados mutuários, podendo igualmente recusar o pagamento da dívida do 1º contrato devido à culpa do exequente por o seu crédito não ter sido satisfeito, já que só agora reclama a dívida apesar de o alegado incumprimento ter ocorrido há mais de cinco anos e, assim não se entendendo, encontrando-se prescrita a respectiva dívida ao abrigo do artigo 310º alíneas d) e e) do CC.    
Concluíram pedindo a extinção da execução.
O exequente contestou alegando em ambos os apensos, A e B, em síntese, que os embargantes tiveram conhecimento da alteração do prazo do 1º contrato, sendo válida a alteração, que não implicou a criação de novo contrato, tendo beneficiado a posição dos mutuários para evitar o vencimento antecipado que ocorreria devido a um período de incumprimento contratual e beneficiando assim também os fiadores, tendo também estes, aquando da celebração de ambos os contratos, declarado que davam o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juros e de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre a credora e os devedores, não podendo invocar a nulidade da cláusula sob pena de abuso de direito e sendo a mesma válida pois, apesar de indeterminada, é determinável, tendo ainda sido comunicado aos embargantes todas as cláusulas de contrato, nomeadamente a sua condição de principais pagadores e sendo certo que os vícios invocados apenas determinariam a redução do contrato, não havendo qualquer mora da sua parte que fundamente a recusa de cumprimento por banda dos fiadores e não se verificando a invocada prescrição, tendo em atenção que, relativamente às prestações, não é aplicável o prazo de 5 anos do artigo 310º e) do CC, porque, tendo havido incumprimento dos mutuários em 14/07/2009, o empréstimo ficou vencido na totalidade, deixando de haver fraccionamento do pagamento em prestações, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos e, quanto aos juros, também não há prescrição por via do artigo 310º d), porque o prazo de 5 anos aí previsto ainda não decorreu, tendo em atenção que se interrompeu em virtude de a fiadora ter tido intervenção num processo de inventário em que eram interessados os mutuários e foi relacionada a dívida à contestante, que exigiu o pagamento imediato em 30/12/2000, ficando o prazo assim interrompido nessa data e só voltando a correr a partir de 3/02/2012, com a sentença proferida nesse processo.         
Concluiu pedindo a improcedência da oposição.
Saneados os autos, procedeu-se a julgamento conjunto dos apensos A e B, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos deduzidos por ambos os embargantes.
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Inconformados os embargantes interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões com as seguintes questões:
- O caso em apreço integra-se nos prazos de prescrição de 5 anos previstos no artigo 310º alíneas d) e e), pois respeita a dívida composta de capital e juros, cuja amortização era efectuada em prestações mensais e sucessivas.
- O referido prazo de 5 anos não se altera, mesmo que ocorra a perda do benefício do prazo e o vencimento antecipado das prestações vincendas.
- O facto interruptivo do prazo de 5 anos relativo aos juros, que o tribunal considerou existir por intervenção da executada embargante MC… no processo de inventário, não é oponível ao executado embargante PM…, que não teve qualquer intervenção nesse processo.
- Ao não considerar prescrita a dívida e os juros e ao aplicar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, a sentença recorrida violou os artigos 9º, 309º, 310º, 781º e 1142º do CC e 579º do CPC.
- O facto provado correspondente ao ponto 11 e a alínea b) dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo considerar-se provada esta alínea b) e dar como provado que os apelantes não receberam a comunicação correspondente ao ponto 11, não podendo ser suficiente para a prova deste facto a junção de uma mera cópia da carta, na qual é aposto um destinatário, sem qualquer outro comprovativo, não se provando sequer que as cartas foram enviadas.
   - Deve ser julgado procedente o recurso, com a procedência da prescrição, relativamente ao capital e aos juros e com a alteração dos factos supra referidos, tudo com as legais consequências.  
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A recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
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As questões a decidir são:
I) Alteração da matéria de facto.
II) Invalidade da fiança por objecto indeterminável.
III) Prescrição.
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FACTOS.
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:
Provados.
1. A acção executiva principal de que o presente processado constitui apenso deu entrada em 08 de Maio de 2017 e comporta como títulos executivos dois acordos celebrados entre a exequente embargada Caixa…,SA e os executados AJ… e MS…, em 14 de Janeiro de 2000 a saber:
a) “contrato de mútuo com hipoteca e fiança n.º PT00350457008034985” através do qual lhes concedeu o empréstimo da quantia de Esc. 15.125.000$00 o que corresponde a € 75.443,18 - cfr. doc.1 junto como o requerimento inicial executivo e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) “contrato de mútuo com fiança n.º PT00350457008035885” através do qual lhes concedeu o empréstimo da quantia de Esc. 1.500.000$00 o que corresponde a € 7.481,97 - cfr. doc.2 junto como o requerimento inicial executivo e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Na mesma data e no âmbito dos mesmos acordos, os executados embargantes MC.. e PM… constituíram-se fiadores dos executados AJ… e MS….
3. O prazo de amortização dos empréstimos, convencionado e aceite pelos fiadores, era de 30 anos (cfr. Art. 8º do documento particular) a contar da data em que o contrato de mútuo foi celebrado.
4. O pagamento do capital emprestado e respectivos juros era feito mediante prestações mensais e sucessivas, sendo os pagamentos efectuados através de débito na conta dos executados AJ… e MS… (mutuários).
5. No clausulado dos acordos apurados, os outorgantes AJ…, MS… e os executados embargantes declaram que dão “desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora (...) e aceitando que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança (…)”.
6. Os executados embargantes declararam em ambos os acordos apurados em 1. que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo o que venha a ser devido à exequente embargada em consequência dos empréstimos titulados.
7. A exequente embargada comunicou as cláusulas gerais aos executados embargantes, dando-lhes a ler os acordos apurados em 1.
8. No acto das escrituras atinentes aos acordos apurados em 1., entre o mais, assinados pelos executados embargantes, foram, pela Notária, lidos aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos, não tendo procedido à leitura do documento complementar em virtude dos outorgantes terem declarado conhecer perfeitamente o seu conteúdo.
9. Em Fevereiro de 2009, a exequente embargada Caixa… SA e os executados mutuários AJ… e MS… acordaram no alargamento do prazo de 30 para 50 anos e capitalização dos valores em atraso, do empréstimo atinente ao acordo apurado em 1. A).
10. Os executados embargantes não subscreveram tal acordo de alargamento do prazo.
11. Por carta de 03 de Fevereiro de 2009, a exequente embargada informou os executados embargantes da aceitação da proposta de reestruturação atinente ao acordo de alargamento do prazo.
12. A partir do dia 14 de Julho de 2009, os executados AJ… e MS… (mutuários) deixaram de observar a obrigação primitivamente acordada com a exequente embargada de manter a conta de depósito à ordem com provisão suficiente para o pontual pagamento das prestações mensais referentes aos acordos apurados e dados à execução.
13. Nos termos da cláusula décima sexta do documento complementar dos acordos apurados em 1., estatuiu-se que a ora exequente embargada reserva o direito de considerar vencido o empréstimo se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações assumidas.
14. Por carta de 24 de Junho 2010, a exequente embargada informou os executados embargantes que, em virtude dos sucessivos incumprimentos e face à exiguidade dos depósitos efectuados, não se aceitava uma nova reestruturação da dívida.
15. Sempre que houve incumprimento contratual, os executados embargantes, na qualidade de fiadores, foram interpelados para o pagamento das quantias em atraso.
16. Após a recepção das cartas referidas em 12. e 14., os executados embargantes não solicitaram à exequente embargada esclarecimento para eventuais dúvidas que lhe ocorressem, nem a desoneração da fiança à alteração do acordo.
17. Com o vencimento dos empréstimos, respectivamente, em 14 de Julho de 2009 (“contrato de mútuo com hipoteca e fiança n.º PT00350457008034985”) e 03 de Setembro de 2015 (“contrato de mútuo com fiança n.º PT00350457008035885”), deixou de ser exigido o pagamento das prestações, passando a ser exigível o valor remanescente na sua totalidade.
18. A exequente embargada interveio, na qualidade de interessada, no processo de inventário cujos termos correrem sob o nº 4729/04.6TMSNT na 1ª Secção do Juízo Família e Menores de Sintra, onde era requerida a executada MS… e cabeça de casal o executado AJ… e no âmbito do qual foi relacionada a dívida à exequente que exigiu o pagamento imediato da mesma por requerimento junto aos autos em 30 de Dezembro de 2000.
19. Pela intervenção em tal processo, a executada embargante teve oportunidade de proceder pessoalmente à regularização dos valores em dívida atinentes aos empréstimos apurados em 1. nunca se tendo oferecido para tal.
20. Em 03 de Fevereiro de 2012, no âmbito do processo apurado em 17., foi proferida sentença homologatória da desistência apresentada por AJ…. 
Não provados.
a) Na data da celebração dos acordos apurados em 1., a executada embargante MC… era ex-trabalhadora fabril (reformada) e o executado embargante PM… era operador de supermercado e não tinham quaisquer conhecimentos que lhes permitisse conhecer o conteúdo, alcance e consequências da expressão “principais pagadores” e que com esta cláusula estavam a renunciar ao direito de recusar o cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido todos os bens dos devedores sem obter a satisfação do seu crédito.
b) Os executados embargantes só tiveram conhecimento da existência das alterações contratuais aquando da troca de correspondência com os mandatários da exequente embargada, em Fevereiro de 2017.
c) As alterações contratuais de alargamento de prazo não permitiram aos executados embargantes avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação e conhecer os seus limites.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Alteração da matéria de facto.
Os apelantes pretendem que seja considerado não provado o ponto 11 dos factos e provada a alínea b) dos factos não provados.
Contudo, tendo em atenção que os apelantes apenas invocam nas conclusões das suas alegações a questão da prescrição e que, para além dessa questão, apenas haverá que apreciar a questão da nulidade da fiança levantada nas petições iniciais e não no recurso, mas de conhecimento oficioso, mostra-se de nenhuma utilidade apurar se, após a convenção de alteração do prazo do primeiro contrato de mútuo, tal alteração foi ou não imediatamente comunicada aos embargantes, já que está provado que os embargantes não subscreveram o acordo de alteração (ponto 10 dos factos).
Não se procederá, pois à apreciação da impugnação da matéria do ponto 11 dos factos e da alínea b) dos factos não provados, face à sua manifesta inutilidade.
Porém, perante os elementos dos autos, haverá que proceder a rectificações na fixação dos factos provados, ao abrigo do artigo 662º nº1 do CPC.     
Assim, convém precisar que a falta de pagamento verificada em 14 de Julho de 2009 se verificou apenas em relação ao primeiro contrato, devendo o ponto 12 dos factos ficar com a seguinte redacção:
Ponto 12- A partir do dia 14 de Julho de 2009, os executados AJ… e MS… (mutuários) deixaram de observar a obrigação acordada com a exequente embargada de manter a conta de depósito à ordem com provisão suficiente para o pontual pagamento das prestações mensais referentes ao contrato referido em 1.A).
Por outro lado, no ponto 17 dos factos consignou-se uma conclusão de direito, que é a de que, com o incumprimento deixou de ser exigido o pagamento das prestações, passando a ser exigível o valor remanescente na sua totalidade, quando se provou apenas o que consta no ponto 13 dos factos, não se tendo provado que a embargada tivesse exercido esse direito em 2009, pelo que no ponto 17 constará apenas o seguinte:
Ponto 17- A partir do dia 03 de Setembro de 2015 os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações do contrato 1. B).
Finalmente, nos pontos 18 e 19, deverá precisar-se em que qualidade as partes intervieram no processo de inventário aí referido, passando esses pontos a ter a seguinte redacção:
Ponto 18- A exequente embargada interveio, na qualidade de interessada credora, no processo de inventário cujos termos correram sob o nº 4729/04.6TMSNT na 1ª Secção do Juízo Família e Menores de Sintra, onde era requerida a executada MS… e requerente e cabeça de casal o executado AJ… e no âmbito do qual foi relacionada a dívida da exequente que exigiu o pagamento imediato da mesma por requerimento junto aos autos em 30 de Dezembro de 2000.
Ponto 19- Pela intervenção em tal processo, também na qualidade de interessada credora, a executada embargante teve oportunidade de proceder pessoalmente à regularização dos valores em dívida atinentes aos empréstimos apurados em 1. nunca se tendo oferecido para tal.
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II) Invalidade da fiança por objecto indeterminável.
Nas respectivas petições iniciais, os embargantes apelantes invocam a nulidade da fiança, por a mesma ter objecto indeterminável, questão que não vem levantada nas conclusões de recurso, mas é de conhecimento oficioso, por força do artigo 286º do CC.
Está em causa a cláusula mediante a qual os embargantes fiadores deram o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre os mutuários e a mutuante, com base na qual, no primeiro contrato, veio a ser alargado o prazo do mesmo, sem a intervenção e concordância dos embargantes fiadores.
Estabelece o artigo 280º nº1 do CC que são nulos os negócios cujo objecto seja indeterminável, visando evitar a constituição de obrigações em que o devedor desconhece o respectivo objecto, nem tem forma de o determinar, pois, sendo permitidos, ao abrigo do artigo 400º do mesmo código, os negócios com objecto indeterminado, eles terão de conter critérios para ser determinada a prestação.
Sobre esta matéria foi proferido o acórdão uniformizador de jurisprudência de 23/01/2001, nº4/2001, publicado no DR, I, de 8/03/2001, decidindo que “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.
Os ora embargantes são fiadores, garantindo a satisfação do direito de crédito da exequente sobre os executados mutuários, nos termos do disposto nos artigos 627º e seguintes do CC, o que inclui a possibilidade de afiançar uma obrigação futura (artigo 628º nº2).
Só que a obrigação futura deve ser determinável, o que não sucede com o acordo relativo a alterações futuras sobre prazo, taxa de juro ou quaisquer outras que venham a ser convencionadas entre o credor e os devedores, que constitui obrigação futura cujos contornos os embargantes desconhecem e não podem controlar.
Não estamos perante a situação prevista no AUJ nº4/2001, pois a fonte da obrigação está identificada, bem como a qualidade em que os afiançados intervêm.
Mas não deixam os fiadores de ficar completamente dependentes do que vier a ser acordado pelas outras partes, sem que haja critério delimitativo para as alterações às quais deram acordo, integrando assim a previsão do artigo 280º do CC (neste sentido, ac. STJ 6/12/2011, p. 669/07, RL 2172/2019, p. 4297/17 e 31/01/2012, p. 1979/09, em www.dgsi.pt).
Nem poderá dizer-se, como a embargada na sua contestação, que há abuso de direito dos embargantes nos termos do artigo 334º do CC, não podendo considerar-se abusiva a convocação de uma proibição legal a seu favor, com o fim de legitimamente se evitar perder o controlo sobre o seu património.
Conclui-se, portanto, que a fiança é nula nessa parte, mas, não tendo os embargantes alegado e provado que o negócio não se concretizaria sem a mesma cláusula em apreço, esta nulidade parcial não determina a invalidade da fiança, que, nos termos do artigo 292º do CC, deverá reduzir-se às obrigações inicialmente assumidas na versão inicial do contrato.              
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III) Prescrição.
Alegam os apelantes que as prestações de amortização do empréstimo e os respectivos juros estão prescritas ao abrigo do artigo 310º alíneas d) e e) do CC, por ter decorrido o prazo de cinco anos previsto neste artigo.
A questão da prescrição só se coloca relativamente ao primeiro contrato e não em relação ao segundo, pois neste último o incumprimento só se verificou em Setembro de 2015, dois anos antes da propositura da execução.
Estatui o artigo 310º alínea e) que prescrevem no prazo de cinco anos “as quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, aplicando-se ao conjunto do capital e de juros pagáveis unitariamente em cada prestação de amortização de um mútuo (cfr. acs STJ 29/9/2016, p. 301/13 e 27/3/2014, p. 189/12, em www.dgsi.pt).
O objectivo desta norma é o de impedir a acumulação da dívida e o consequente estrangulamento económico do devedor, em resultado do decurso do tempo e da inércia do credor.
Ora, no caso do primeiro contrato dos autos, não há dúvida de que, à data da propositura da execução em 2017, já haviam decorrido mais do que cinco anos desde o incumprimento verificado em Julho de 2009, pelo que deverão considerar-se prescritas todas as prestações vencidas cinco anos antes da data da citação dos embargante para a execução (artigo 323º nº1 do CC).
Defende a embargada que o prazo de prescrição é o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º do CC, pois, com o incumprimento, venceram-se todas as prestações, sendo exigível a totalidade do crédito ao abrigo do artigo 781º do mesmo código, não se aplicando já o prazo de cinco anos respeitante às prestações pagáveis com os juros.
Contudo não lhe assiste razão. O direito ao vencimento antecipado que lhe é conferido pelo artigo 781º não é imperativo, nem automático e só opera se o titular o exercer, comunicando-o oportunamente ao devedor, o que a exequente não fez aquando do incumprimento em Julho de 2009, referindo no requerimento executivo que em 2015 (depois do incumprimento do segundo contrato) considerou vencidas todas as prestações, mas não alegando nem provando que o tivesse comunicado aos devedores por ocasião do incumprimento do primeiro contrato em Julho de 2009.
De qualquer forma, o vencimento da totalidade do crédito não pode obstar à prescrição prevista no artigo 310º e), não podendo o credor, mediante o vencimento antecipado do crédito, trazer de novo à vida prestações que já se prescreveram, sob pena de a finalidade desta norma ficar completamente subvertida (cfr. neste sentido, entre outros acs STJ 18/10/2018, p. 2483/15 e RE 7/11/2019, p. 1599/18, em www.dgsi.pt).  
Defende ainda a embargada que o prazo da prescrição se interrompeu nos termos do artigo 323º nº1 do CC, em virtude de ter reclamado o crédito no inventário em que eram requerente e requerida os ora executados mutuários, sendo interveniente nesse processo a ora fiadora embargante.
O artigo 636º nº1 do CC estabelece no seu nº1 que “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, nem a interrupção relativa a este tem eficácia contra aquele; mas, se o credor interromper prescrição contra o devedor e der conhecimento do facto ao fiador, considera-se a prescrição interrompida contra este na data da comunicação”.
Prevê assim a lei um regime de autonomia entre a obrigação principal do devedor e a acessória do fiador para efeitos de prescrição, contemplando, porém, o caso de operar a prescrição relativa ao devedor também contra o fiador, desde que o credor lhe dê conhecimento do facto, considerando-se assim interrompida a prescrição na data da comunicação.
No caso dos autos, o embargante fiador não interveio no inventário onde a exequente reclamou a dívida contra os mutuários, tendo apenas tido intervenção a embargante fiadora, na qualidade de credora interessada.
Porém não se poderá considerar que esta intervenção da embargante no inventário possa ter o efeito do artigo 636º nº1, última parte, equivalente a uma comunicação do credor para efeitos de se considerar também interrompida a prescrição.
Com efeito, assim como se exige, por via do nº1 do artigo 323º nº1 do CC, manifestação inequívoca de exercício do direito para interrupção da prescrição, terá de se exigir, para os efeitos da última parte do nº1 do artigo 636º, que haja uma comunicação directa e inequívoca do credor ao fiador para que seja interrompida a prescrição relativamente a este último na data dessa comunicação, não podendo esperar-se por um conhecimento fortuito adquirido pela fiadora nos autos de inventário em que a mesma interveio apenas como credora interessada e não como a visada pela reclamação da dívida pela exequente (cfr neste sentido ac. RC 19/2/2013, p. 585/10, em www.dgsi.pt).
Conclui-se assim que não foi interrompido o prazo de prescrição das prestações vencidas mais de cinco anos antes da citação dos embargantes. 

DECISÃO.
Pelo exposto, se decide julgar procedente a apelação e, consequentemente se decide:
a) relativamente ao contrato em que a quantia mutuada é de 75 443,18 euros:
- reduzir a obrigação dos executados fiadores àquela que foi definida nesse contrato inicial, sem abranger a alteração de prazo posteriormente convencionada entre os executados mutuários e a mutuante exequente, extinguindo-se a execução quanto aos embargantes fiadores na parte respeitante aos valores abrangidos pelo prazo alargado;
- declarar prescritas as prestações de capital pagável com juros, vencidas mais de cinco anos antes da citação dos executados embargantes, devendo a execução prosseguir quanto a estes, apenas para pagamento das prestações vencidas menos de cinco anos antes da mesma citação e das vincendas até ao limite do prazo inicial do contrato.
b) manter a sentença recorrida relativamente ao contrato em que a quantia mutuada é de 7 481,97 euros, devendo a execução prosseguir os seus precisos termos quanto a este contrato.
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Custas da apelação pela apelada e custas dos embargos por ambas as partes na proporção de metade.
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2020-11-19
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
António Santos