RECURSO PER SALTUM
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
FURTO QUALIFICADO
ROUBO AGRAVADO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA ÚNICA
PENA DE PRISÃO
MEDIDA DA PENA
Sumário


I - Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, fornece o legislador um critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1, do CP.
II - Não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71.º, n.º 2, do CP), também pelo mesmo motivo não podem valorar-se outra vez circunstâncias que já tenham sido ponderadas na determinação da medida das penas parcelares.
III - Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que tendencialmente faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem servir ao tribunal de aferidor da justeza e adequação da medida da pena conjunta.
IV - O recurso ao denominado «factor percentual de compressão», variável em razão da fenomenologia criminal e da personalidade do agente revela no seu cometimento, embora possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), funcionando como aferidor ou mecanismo de controlo, representa um esforço de racionalização e equidade na dosimetria da pena conjunta.
V - Que nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso pode ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes.
VI - A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo.

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda:

A - RELATÓRIO:

1. a condenação:

No Juízo Central Criminal de … - Juiz …, por acórdão de 19 de novembro de 2019, cumulando juridicamente penas parcelares aplicadas nestes autos e nos processos 3/12.2… e 1095/14.5…, por conhecimento superveniente de um concurso de crimes, foi arguido

- AA, de 31 anos e os demais sinais dos autos

condenado na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. o recurso:

Inconformado com a medida da pena recorre para o STJ, rematando a alegação com as seguintes:

 - CONCLUSÕES:

I. O Senhor Dr. Juiz Conselheiro António Artur Rodrigues considera "que as penas fixadas em cúmulos jurídicos, nas instâncias, são frequentemente desproporcionadas, atingindo muitas vezes o limite legal máximo permitido, mesmo em casos que estão em causa crimes de caráter patrimonial e cuja valoração penal orça pela média, senão mesmo pequena criminalidade." E justifica essa situação explicando que "o critério usado ê fundamentalmente um critério de adição de penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade." ("Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ", pág.12).

II. No caso (…) estão em causa essencialmente dois crimes de média criminalidade (um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de roubo qualificado) e um crime de pequena criminalidade (um crime de furto simples).

III. (…), ao contrário do que consta no Cúmulo Jurídico, o arguido no (…) proc. n.° 1095/14.5… não foi condenado num crime de furto qualificado mas sim num crime de furto simples, uma vez que os bens subtraídos possuíam valor diminuto, pelo que urge corrigir tal incorreção. (vide sentença e CRC do arguido)

IV. (…), no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes (proc. 3/12.2…), (…) o produto estupefaciente (…), canábis, é uma droga leve, (…).

V. No que concerne ao crime de roubo (…) o valor dos objetos subtraídos foi pouco expressivo (… 109,00 euros) e que o ofendido recuperou totalmente das lesões sofridas.

VI. (…) dos factos provados (…) consta que o recorrente verbalizou a intenção e necessidade de alteração do estilo de vida.

VII. (…) era jovem à data dos factos - tinha (…) 23. anos (…) [quando] cometeu o crime de tráfico de estupefacientes (27.06.2012) e 25 anos (…) na altura em que praticou os crimes de furto simples (29.07.2014) e de roubo qualificado (18.05.2014) - de forma que a sua conduta (…) espelha (…) imaturidade (…) fruto da sua juventude.

VIII. (…) de acordo com o Relatório Social o arguido nasceu num meio social desfavorável, tendo sido institucionalizado com os seus irmãos até aos 16 anos de idade em virtude de a sua mãe (o relatório é omisso em relação ao pai) ter tido dificuldades em assumir as responsabilidades parentais.

IX. (…) tem o 9º ano de escolaridade e, apesar de ainda não ter sido selecionado, tem vindo a se inscrever em vários cursos no meio prisional, o último deles (…) de tefrigeração.

X. Tem o apoio (…) da madrinha (BB, funcionária da instituição onde esteve institucionalizado …), dos irmãos e da companheira, CC, com quem tem uma filha menor de três anos de idade.

XI. A pena única (…) deverá ser reduzida de molde a permitir que ao mesmo seja dada uma oportunidade de se reintegrar na sociedade e de reconstruir a sua vida, (…).

XII. (…) se encontra preso desde novembro de 2014, (…) a cumprir uma pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão por factos praticados em 2006 e 2009, (…) fixada por cúmulo jurídico cujo trânsito ocorreu em 22/06/2015,

XIII. (…) se somarmos a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão fixados no primeiro cúmulo jurídico à pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada agora no segundo cúmulo jurídico, mais a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão aplicada no âmbito do proc. n.° 145/14.0…, (…) terá de cumprir (…) 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (…).

XIV. (…) tem atualmente 32 anos de idade e desde que se encontra preso foi pai e já teve tempo (…) para refletir sobre os seus atos e respetivas consequências, pretendendo mudar o rumo da sua vida.

XV. Não obstante o (…) provado em desfavor do arguido, (…) se (…) tiver de cumprir pena tão severa (…) quando (…) sair em liberdade (…) terá (…) dificuldades em refazer a sua vida (…).

XVI. De acordo com o disposto no art. 40° do CP. a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, pelo que a pena deve ter sempre uma finalidade de ressocialização (…).

XVII. A pena única deve (…) a dar ao arguido a oportunidade de se reintegrar na sociedade e de reconstruir a sua vida, (…).

XVIII. Atento o exposto, (…) a pena única de prisão de 11 anos e 6 meses (…) é excessiva, desadequada e desproporcional.

XIX a XXII. Ao fixar uma pena excessiva o Tribunal violou os artigos 40°, 70°, 71° e 77°, todos do CP.

Peticiona a redução da pena única “para, no máximo, 9 anos de prisão”.

c) resposta do Ministério Público:

O Procurador da República junto do tribunal recorrido contramotivou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, argumentando que “a globalidade dos factos (…) traduz uma personalidade propensa ao crime”.

d) parecer do Ministério Público:

O Digna Procuradora-Geral Adjunta pronuncia-se pela confirmação da decisão recorrida, sustentando que a medida da pena única aplicada é “adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico”,face à gravidade da ilicitude global da conduta do recorrente”, a “não interiorizar o dos factos”, não “demonstrar qualquer atitude no sentido de reparar as consequências dos crimes (…) cometidos, às dificuldades demonstradas em cumprir com as normas dentro do estabelecimento prisional, à postura que tem assumido de total desculpabilização, apresentando elevadas necessidades de reinserção.

Aponta ainda as “elevadas exigências de prevenção geral (…) face (…) [á] violência exercida no crime de roubo (…).

Salienta também a propensão do arguido para a prática de crimes.


*


Foi observado o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP, nada dizendo o recorrente.

Cumpre decidir.

B. OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso cinge-se ao reexame da medida da pena conjunta em que o recorrente vem condenado.

C. FUNDAMENTAÇÃO:

                1. os factos:

No acórdão recorrido julgaram-se os seguintes

- Factos Provados

1. O Arguido sofreu, entre o mais, as seguintes condenações:

Processo
Crime/s/Data/s
Pena/s
Data da Decisão
Data do Trânsito
74/14.7…

(estes autos)

Um crime de roubo qualificado - em 18.05.20148 (oito) anos de prisão
16.02.2018
26.11.2018
3/12.2…
Um crime de tráfico de estupefaciente – em 27.06.20125 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão
03.12.2013
02.02.2015
1095/14.5…
Um crime de furto Qualificado – em 30.07.201416 (dezasseis) meses de prisão
19.08.2014
30.09.2014



2. Foram aqui dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

«1. A 18 de Maio de 2014, pelas 22 horas, os Arguidos AA, DD e EE, acompanhados de um indivíduo do sexo masculino e de uma rapariga cujas identidades se desconhece, deslocaram-se ao café snack-bar “FF”, sito nas Torres …, em …, junto da Avenida …, encontrando-se na esplanada aí existente o Ofendido GG.

2. Nessa ocasião, a Arguida EE e GG trocaram alguns sms, pois já se haviam conhecido, em Abril de 2014, no bar “HH”, em … .

3. Pelas 23 horas, junto ao stand de viaturas que se situa nas proximidades do referido Café, a Arguida CC, acompanhada da outra rapariga, cuja identidade se desconhece, abordou GG e convidou-o para ir a casa dela, então sita na Rua …, Torre …, nº …, apartamento situado no … andar, em … .

4. Volvidos alguns instantes após terem chegado à aludida habitação, AA, DD, acompanhados de um terceiro indivíduo, entraram na referida habitação, encapuçados e, em acto contínuo, perguntaram ao Ofendido o seguinte: “vieste aqui para foder as nossas mulheres”.

5. Concomitantemente, um dos Arguidos disse à Arguida CC e à outra rapariga para irem para a varanda da habitação, o que elas fizeram, sem se mostrarem surpreendidas com a referida situação.

6. De seguida, os Arguidos AA, DD e o outro indivíduo empurraram o Ofendido, de molde que ele ficasse sentado no sofá e, apontando-lhe uma faca de cozinha, com cabo de madeira e uma lâmina com cerca de 7cm, ao pescoço, ordenaram-lhe que se calasse e disseram-lhe que o matariam se não entregasse o dinheiro que possuía.

7. Neste cenário, um dos Arguidos do sexo masculino retirou-lhe, com força, o telemóvel da marca Nokia, de cor cinzenta, no qual estava inserido o cartão SIM nº 96…67, de que o Ofendido era titular e agrediram-no fisicamente.

8. Num primeiro momento, um dos Arguidos apertou, com força, o pescoço de GG, mas um dos presentes gritou “não o mates, não o mates” e, em acto contínuo, AA, DD e o outro indivíduo desferiram-lhe socos e pontapearam-no, atingindo-o na face e na região lombar.

9. A seguir, os anteditos Arguidos amarraram as mãos do Ofendido com duas braçadeiras e apoderaram-se de uma nota de €5,00 e de algumas moedas que este possuía, questionando-o sobre a localização do seu cartão bancário.

10. Foi então que GG informou que tinha deixado o cartão de multibanco em casa, sita na Rua …, Quinta …, lote …, .., em …, tendo os Arguidos removido os capuzes, colocado uma toalha branca em cima das mãos do Ofendido e conduzido este apeado até à sua habitação.

11. Aí chegados, os Arguidos revistaram a habitação do Ofendido e, apontando-lhe a mencionada faca à cara, ordenaram-lhe que entregasse o aludido cartão multibanco e o respectivo código secreto, o que fez.

12. Em acto contínuo, um dos indivíduos saiu da habitação.

13. Volvidos cerca de dez minutos, esse indivíduo regressou ao sobredito apartamento com a informação que a conta depósitos à ordem nº 0018 …01, domiciliada no “Banco Santander & Totta” e titulada pelo Ofendido, não tinha saldo positivo que permitisse o levantamento de numerário, amachucando o respectivo cartão.

14. Seguidamente, os Arguidos AA e DD puseram-se em fuga do referido local, não sem antes se apoderarem dos seguintes objectos:

- uma moldura digital de cor preta, com o valor de € 89,00 e

- um telemóvel da marca Nokia, cujo modelo se desconhece e com um valor de cerca de € 15,00

ao que acresce a referida quantia de € 5,00 em numerário que o Ofendido tinha na sua posse quando foi inicialmente abordado pelos Arguidos, tudo com o valor global superior a €102,00 e pertencente a GG.

(…)

16. Como consequência directa e necessária das agressões de que foi vítima, GG sofreu as seguintes lesões:

- hematoma acentuado com equimose na hemiface esquerda, escoriações faciais e ambos os membros superiores, bem como ferimento inciso na região do cotovelo direito, tendo sido efectuado penso nos membros superiores e realizada sutura no membro superior direito;

- que terão resultado de traumatismo de natureza corto-contundente e lhe determinaram um período de 10 (dez) dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional por idêntico período, sendo a consolidação médico-legal das lesões fixável em 28 de Maio de 2014. Do evento não resultaram para o ofendido quaisquer consequências permanentes, nem resultou, em concreto, perigo para a vida do mesmo.

17. Os Arguidos AA, DD e CC actuaram, em conjugação de esforços e de acordo com um plano previamente traçado, com a intenção concretizada de se apoderarem da quantia monetária e objectos de valor que o Ofendido tivesse na sua posse, seguramente superiores a €102, cercando-o e constrangendo-o com uma faca, molestando-o física e psicologicamente, não obstante saberem que tais valores não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono.

18. Os Arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal. (…)».

3. No Processo Comum Colectivo nº 3/12.2…, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:

«(…)

10. No dia 27/06/2012, pelas 14h26 o arguido II, através do telemóvel da arguida JJ, contactou AA, no sentido de lhe adquirir produto estupefaciente.

11. Combinaram encontrar-se cerca das 17h00, para efetuar a transação de uma placa de cannabis, pelo valor de €.200,00.

12. E pelas 17h02 os arguidos Ercílio e JJ encontraram-se com o arguido AA, no Jardim …, junto ao Bar KK, tendo todos entrado numa travessa ali existente, onde efetuaram a transação de quantidade concretamente não determinada de produto estupefaciente.

(…)

25. Também o arguido AA conhecia a natureza estupefaciente da substância, mas quis vendê-la aos arguidos II e JJ, locupletando-se com os lucros provenientes dessa venda, bem sabendo que não estava autorizado a fazê-lo.

(…)».

4. No Sumário nº 1095/14.5… provou-se, nomeadamente, que:

«1. No dia 30 de julho de 2014, cerca das 02H15m, nas imediações da Avenida … em …, mais concretamente nas traseiras do Edifício …, o arguido abeirou-se do veículo ligeiro de passageiros matrícula ...-...-JE que ali se encontrava estacionado e, socorrendo-se de ferramenta vulgo gazua, abriu a sua porta e, acedeu ao seu interior no intuito de retirar os objetos que encontrasse.

2. Nesse sentido, antes de se ausentar do local, o arguido retirou do interior do veículo e fez seus os seguintes objetos:

a. Cápsulas de café

b. 1 Ventilador

c. Caixas de isqueiro personalizado

d. 1 cigarro eletrónico

e. 1 transmissor FM (MP3)

f. 1 pen USB

g. 1 carregador de USB

h. 2 molas de exercício físico

i. 1 mochila preta

3. O arguido atuou com o propósito de fazer seus os aludidos objetos, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do seu legítimo proprietário.

(...)»

Mais se apurou que

5. AA viveu institucionalizado até aos 16 anos de idade, bem como os irmãos, na Obra de …, em … .

6. As dificuldades por parte da mãe em assumir as responsabilidades parentais fizeram com que a relação não se fortalecesse de forma coesa e afetiva, tendo a instituição intervido de forma direta no seu processo educativo.

7. Face a esta situação, constituiu-se como uma das suas grandes figuras de referência afectiva, BB (que identifica como madrinha), funcionária da instituição, que acabou por assumir um apoio próximo ao Arguido e aos seus irmãos. Contudo, AA não interiorizou uma conduta normativa e socialmente adequada, o que mais tarde verificou, aquando a inclusão em meio escolar, demonstrando elevada conflitualidade e dificuldade no cumprimento das regras. Do seu percurso escolar sobressai o desinvestimento e a falta de motivação para as aprendizagens, que culminou no abandono dos estudos aos 15 anos de idade, concluindo apenas o 6.º ano de escolaridade.

8. Aos 16 anos foi expulso da Obra …, devido ao incumprimento das regras institucionais e adopção de estilo de vida pró-delinquencial, bem como, devido ao início do consumo de substâncias estupefacientes. Tais factos desencadearam nova institucionalização em …, no âmbito de um processo de Promoção e Proteção de Menores, de onde fugiu e regressou a … .

9. Após o regresso a esta cidade, integrou um grupo de pares que pernoitava em espaços abandonados e vivia de expedientes, circunstância que terá contribuído para a escalada na prática de delitos.

10. Perante esta situação, a madrinha, a título pessoal, acolheu o Arguido, uma vez que consigo já residiam alguns dos seus irmãos. Todavia, neste contexto agudizaram-se as relações com os irmãos, devido em grande parte, às dificuldades do Arguido em acatar as regras de convivência.

11. A total ausência de regras e de controlo familiar desde que saiu de casa da madrinha, associado ao consumo de drogas e à vinculação a pares criminais, tiveram como consequência a assunção de condutas delituosas, num crescendo de frequência, diversidade e gravidade, cujas repercussões jurídico-penais levaram ao primeiro contacto com o Sistema Prisional, em maio de 2008 (tendo sido posteriormente condenado numa pena de 15 meses, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de furto).

12. Os consumos de substâncias aditivas, iniciados na adolescência, evoluíram para uma problemática de toxicodependência (consumos de cocaína, heroína e haxixe). Em janeiro de 2010 submeteu-se a acompanhamento terapêutico específico, que não continuou, vindo o mesmo a fracassar.

13. Os hábitos de trabalho não têm tido expressão no seu quotidiano, havendo referência a curtas experiências laborais como … e trabalhador indiferenciado. Em julho de 2011 concluiu um curso EFA B3 - … com sucesso (frequentou esta formação num dos acompanhamentos levados a cabo por estes Serviços no âmbito de uma suspensão de pena, pautando-se o cumprimento da medida, na generalidade, pela instabilidade e falta de compromisso).

14. De Janeiro de 2009 a Julho de 2014 prossegue no seu comportamento delituoso (crimes de furto simples e qualificado e de tráfico de estupefacientes), tendo por isso sido alvo de várias condenações a medidas alternativas à prisão.

15. AA encontra-se preso desde novembro de 2014 em cumprimento sucessivo das seguintes penas: 9 anos e 6 meses prisão, por acórdão de cúmulo jurídico, pela prática de crimes de furto, furto qualificado, tráfico de menor gravidade e falsificação e contrafação de documentos; 1 ano e 6 meses pela prática de furto; 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico e 16 meses de prisão pela prática de crime de furto. Salienta-se um percurso criminal precoce e diversificado na tipologia.

16. Antes da presente reclusão, o Arguido vivia com a companheira CC, uma relação afectiva iniciada em Abril de 2012, numa habitação arrendada, em … . Ao que tudo indica e pelos dados disponíveis, o casal mantinha um relacionamento instável, com episódios de violência doméstica.

17. AA dava continuidade a um estilo de vida desestruturado e desinteressado por atividades organizadas ou de trabalho, vivenciando o seu quotidiano de forma imediatista e ociosa.

18. Ao longo da reclusão, CC foi-se constituindo o seu único apoio no exterior e, enquanto o Arguido permaneceu nos Estabelecimentos Prisionais de … e de …, visitava-o com regularidade, tendo o casal beneficiado de visitas íntimas (a filha, atualmente com 3 anos de idade, nasceu na sequência dessas visitas).

19. Contudo, desde a afetação ao EP…, nunca mais voltou a receber as visitas da companheira e da filha, ao que tudo indica devido à distância geográfica e dificuldades financeiras (a companheira ficou desempregada e teve de começar a trabalhar num … propriedade da sua mãe), embora mencione contactos telefónicos pontuais. CC contacta telefonicamente com regularidade com aqueles Serviços a fim de inteirar-se da situação prisional do Arguido, aparentando ser uma pessoa preocupada e crítica perante o comportamento criminal do mesmo.

20. Ressalta um trajeto vivencial revelador de competências pessoais e sociais reduzidas, indiciando baixa maturação, dificuldades de organização pessoal, baixo sentido de responsabilidade social, de resolução de problemas, aspetos potenciados pela ligação a substâncias aditivas. Demonstra também permeabilidade a influências externas negativas, com tendência a actuar em função de necessidades pessoais e interesses imediatos, com fraca ponderação dos impactos e repercussões daí advindas.

21. No exterior, a par da companheira, refere poder ainda contar com o suporte afectivo da madrinha (que vive em … e com quem diz contactar telefonicamente) e apoio financeiro dos irmãos, que residem em … (apesar de ter indicado este apoio não sabe as moradas nem os contactos telefónicos daqueles, sendo um apoio inconsistente).

22. Quanto à sua futura integração laboral, o Arguido, por ora, não detém qualquer projecto de empregabilidade.

23. Continua a evidenciar fragilidades em avaliar de forma ponderada as suas condutas criminais, não identificando a gravidade das mesmas e a existência de vítimas, para além de si e da sua família.

24. Não obstante o tempo de reclusão decorrido, AA continua a demonstrar dificuldades em identificar alternativas socialmente adaptadas, mantendo a tendência a efectuar escolhas simplistas e imediatistas face aos problemas com os quais se vai deparando no seu quotidiano institucional (foi condenado numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em meio prisional em Novembro de 2016).

25. Tem registado mobilidade entre estabelecimentos prisionais por questões de ordem e segurança, essencialmente por dificuldades na relação com os seus companheiros (por estar a consumir produtos estupefacientes vai contraindo dívidas junto de outros reclusos, alegando por isso estar em risco de vida) e com elementos do Corpo da Guarda Prisional, tendo sido alvo de várias medidas disciplinares.

26. Nunca desenvolveu atividade laboral em meio prisional devido à sua instabilidade emocional, relacional e comportamental.

27. Foi afecto ao EP… em Março de 2019, onde mantém as divergências com os outros reclusos, permanecendo por isso, a maior parte do tempo confinado à sua cela de habitação, com receio de represálias. Foi alvo de uma participação em Setembro de 2019, ainda em fase de inquérito.

28. Apesar de ter-se inscrito no curso EFA NS – Refrigeração, não foi seleccionado.

29. No que concerne à problemática aditiva, não se submeteu a tratamento direccionado para o efeito, indiciando manter os consumos de drogas activos.

30. São referidos pelo próprio constrangimentos pessoais por estar preso, nomeadamente por encontrar-se afastado do afecto dos seus familiares (companheira e filha). Não demonstra atitudes, por ora, que possam relevar para a alteração do estilo de vida mantido até à data da presente reclusão.

31. Para além das condenações acima referidas, do Certificado de Registo Criminal do Arguido constam as seguintes condenações:

- no Processo Comum Colectivo nº 697/08.3…, por decisão de 07.10.2008, transitada em julgado em 06.11.2008, pela prática, em 29.05.2008, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova;

- no Processo Comum Colectivo nº 368/09.3…, por decisão de 10.01.2012, transitada em julgado em 15.02.2012, pela prática, em 01.2009, de um crime de Furto; em 08.2009, de um crime de Furto Qualificado; em 03.01.2009, de um crime de Furto Qualificado e, em 04.2009, de um crime de Furto Qualificado, na pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova;

- no Processo Comum Singular nº 1259/08.0…, por decisão de 02.11.2012, transitada em julgado em 03.12.2012, pela prática, em 02.11.2008, de um crime de Ofensa à Integridade Física, na pena de 100 dias de multa;

- no Processo Comum Colectivo nº 5/06.8…, por decisão de 19.06.2012, transitada em julgado em 02.05.2013, pela prática, em 07/2006, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova;

- no Processo Comum Singular nº 934/10.4…, por decisão de 30.01.2013, transitada em julgado em 01.03.2013, pela prática, em 08/2010, de um crime de Falsificação de Boletins, Actas ou Documentos, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução com sujeição a deveres;

- no Processo Comum Singular nº 20/08.7…, por decisão de 26.11.2013, transitada em julgado em 30.09.2014, pela prática, em 12.04.2008, de um crime de Receptação, na pena de 240 dias de multa; e

- no Processo Comum Singular nº 145/14.0…, por decisão de 13.10.2016, transitada em julgado em 28.11.2016, pela prática, em 19.10.2014, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

2. o direito:

i. cúmulo jurídico de penas,

conhecimento superveniente do concurso de crimes

“Pressuposto da aplicação do regime de punição [de um concurso de infrações] é que o agente tenha praticado mais do que um crime antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles”[1].

Regime aplicável também aos casos em que o concurso de crimes venha a conhecer-se depois da condenação definitiva por cada ou por alguns.

A necessidade de realização de cúmulo nestas situações justifica-se porque à contemporaneidade de factos não correspondeu uma contemporaneidade processual. E justificam-se tantos cúmulos quantos as sucumbências do agente em desrespeitar cada uma das solenes advertências ínsitas na condenação transitada em julgado para, no futuro, adequar a sua ação de modo conforme ao direito.

Resulta da decisão cumulatória que, posteriormente ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo sumário n.º 1095/14. 5PAPTM, que ocorreu em 30/09/2014 e que determina "o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente”[2], o arguido, desrespeitando a solene advertência daquela condenação definitiva, cometeu em 19/10/2014, um crime de furto qualificado pelo qual veio a ser condenado no processo n.º 145/14. 0… na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Não existindo, por isso, relação de concurso real ou efetivo entre o referido crime de furto qualificado e os crimes pelos quais foi condenado nos três processos identificados no ponto 1. dos factos provados, não pode a pena aí aplicada cumular-se juridicamente com as penas de prisão impostas naqueles processos. Ou seja, não pode ser englobada no vertente cúmulo jurídico de penas.

ii. penas suspensas:

No acórdão recorrido julgou-se provado que o arguido foi condenado também nos seguintes processos:

a) n.º 697/08.3…, por acórdão transitado em julgado em 6/11/2008, na pena de 15 meses de prisão com execução suspensa, com regime de prova, por ter cometido em 29/05/2008, um crime de furto qualificado;

b) nº 368/09.3…, por acórdão transitado em julgado em 15/02/2012, na pena de 5 anos de prisão com execução suspensa, com regime de prova, por ter cometido entre janeiro e abril de 2009, um crime de furto e três crimes de furto qualificado;

c) n.º 5/06.8…, por acórdão transitado em julgado em 2/5/2013, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão com execução suspensa com regime de prova por ter cometido em julho de 2006 um crime de tráfico de estupefacientes;

d) n.º 934/10.4…, por sentença transitada em julgado em 1/3/2013 na pena de 7 meses de prisão com execução suspensa com sujeição a deveres, por ter cometido em outubro de 2010 um crime de falsificação de documentos;

e) n,º 1259/08 0…, por sentença transitada em julgado em 2/12/2013 foi condenado em pena de 100 dias de multa por ter cometido em 02.11.2008, um crime de ofensa à integridade física;

f) n.º 20/08.7… por sentença transitada em julgado em 30/09/2014 na pena de 240 dias de multa por ter cometido em 12.04.2008. um crime de recetação.

O Tribunal omitiu a pronúncia sobre a prova do resultado daquelas penas suspensas, não fazendo constar do acórdão se, decorrido o período da suspensão da respetiva execução foi alguma ou todas julgadas extintas, ou se a suspensão foi revogada nalgum caso ou em todas aquelas condenações, ou se as penas de prisão aí aplicadas foram englobadas noutro cúmulo jurídico de penas, designadamente naquele a que alude o recorrente (sem que, todavia, indique o n.º do processo).

Também não se consegue saber o que sucedeu com as penas de multa. Ainda que o resultado destas só assumiria relevância se, não tendo sido pagas, tiverem sido convertidas em prisão subsidiária.

O que tenha sucedido com a suspensão da execução pode ser determinante para efeitos de cúmulo jurídico. Se as penas de prisão suspensas se julgaram extintas pelo decurso do respetivo prazo, evidentemente sem ter sido revogada a suspensão, não podem ser abrangidas num qualquer posterior cumulo jurídico de penas.

Se a suspensão da execução das referidas penas tiver sido revogada, - em todos os casos, como poderá ter-se verificado -, mas também se o prazo de suspensão ainda não tiver decorrido, por qualquer razão, incluindo a prorrogação, a decisão que primeiramente transitou em julgado, em 6/11/2008, foi o acórdão proferido no proc. n.º 697/08. 3… . Pelo que haveria um primeiro bloco de penas a cumular englobando a de 15 meses de prisão nele decretada e a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada no proc. n.º 5/06.8PEEVR pelo crime de tráfico cometido em julho de 2006.

A condenação que seguidamente transitou em julgado, foi em 15/02/2012, o acórdão proferido no proc. n.º 368/09.3… . Pelo que haveria que cumular, em 2º bloco, a pena de 5 anos de prisão imposta nesse processo e a pena de 7 meses de prisão aplicada no processo 934/10.4… pelo crime de falsificação de documentos cometido em agosto de 2010.

No entanto, este 2º bloco seria o primeiro, englobando também a pena aplicada no proc. 1259/08, se a pena suspensa aplicada no proc. 697/08 referido tiver sido julgada extinta.

A condenação que depois transitou em julgado, em 30/09/2014, sem que as penas aplicadas houvessem sido abrangidas por um dos cúmulos antecedentemente referidos, é a sentença proferida no processo sumário n.º 1095/14.5… . Assim, o 3º bloco de penas a cumular é o efetuado no acórdão recorrido, englobando as penas aplicadas nos processos indicados no ponto 1 dos factos provados.

Pelo que, para o caso aqui em reexame, a apontada omissão não gera insuficiência probatória inultrapassável, uma vez que o cúmulo jurídico a que se procedeu nos autos engloba as penas parcelares que nele efetivamente se devem cumular.

Contudo, a decisão ficaria mais completa se incluísse o resultado das penas suspensas aplicadas ao arguido, identificadas nos factos provados.

iii. processos abrangidos e penas cumuladas:

O cúmulo jurídico efetuado no acórdão recorrido engloba as penas parcelares de prisão aplicadas ao arguido nos três processos identificados no ponto 1 dos factos provados.

Nestes, a condenação que primeiramente transitou em julgado, em 30/09/2014, foi a sentença proferida no proc. sumário n.º 1095/14. 5…, que impôs ao arguido a pena de 16 meses de prisão.

Anteriormente ao trânsito em julgado dessa condenação, cometeu em 27/06/2012, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art, 21º. n.º 1, do DL n.º 15/93 de 23 de janeiro, pelo qual foi julgado no processo comum coletivo n.º 3/12 2… e, por acórdão transitado em julgado em 2/02/2015, condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Ainda anteriormente ao trânsito em julgado da condenação proferida no referido processo sumário, cometeu em 18/05/2014, um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210º n.º 2 al.ª b) por referência ao art. 204º n.º al.ª f) e n.º 2 al.ª f) ambos do Cód. Penal, pelo qual foi julgado no presente processo comum coletivo (74/14.7…) e, por acórdão transitado em julgado em 26/11/2018, condenado na pena de 8 anos de prisão.

As penas aplicadas ao arguido nesses três processos somam 14 anos e 10 meses de prisão.

iv. as penas conjuntas:

ª. enquadramento jurídico:

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal.

O art. 78º (Conhecimento superveniente do concurso), n.º 1 estabelece: “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior …”.

E o art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, dispõe: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu um regime especial, suplementar, para a determinação da medida da pena do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo tribunal na dosimetria da pena conjunta. 

A determinação da pena única por conhecimento superveniente do concurso obtém-se de acordo com um processo que se inicia pela identificação dos crimes em concurso e das penas aplicadas a cada um deles, construindo-se, assim, a moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do art. 77.º, sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas[3].

Na fixação do quantum da pena única a aplicar ao concurso de crimes de conhecimento supervenientes essencial é a imagem global dos factos. A avaliação do comportamento criminoso materializado nos crimes do mesmo concurso efetivo deve assentar na ponderação conjugada do número e da tipologia dos crimes englobados, da dimensão das penas parcelares aplicadas, da sua concreta medida no quadro da respetiva moldura penal e da relação de grandeza com a moldura penal do concurso.

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[4] e a jurisprudência[5] entendem que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Entende o Tribunal que não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal), também pelo mesmo motivo não podem valorar-se outra vez circunstâncias que já tenham sido ponderadas na determinação da medida das penas parcelares.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha e determinação da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[6].

Ou como se sustenta no Acórdão 14-09-2016[7], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”.

Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, fornece o legislador um critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[8].

b. fator de compressão mitigado:

Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que tendencialmente faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem guiar o tribunal na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura do cúmulo, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal, para determinar a fração, toma-se em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam.

A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.

Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.

Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.

Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).

A utilização de tal critério de determinação da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função da fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave – diferença de tratamento que o legislador penal e processual penal expressou vivamente -, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos pessoais fundamentais como a própria vida.

Este é o entendimento prevalente, que nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais.

Consequentemente, o denominado «fator de compressão», funcionando sempre como critério valorativo (aferidor) do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, deverá adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e do modo de execução dos crimes.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes contra as pessoas, crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.

E “paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global” que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.

Eram, genericamente, estes os critérios, as ponderações e o procedimento que deveriam ter sido seguidos para justificar a determinação da medida da pena única em que o recorrente vem condenado nos autos.

Sem perder de vista que, como sustenta J. Figueiredo Dias que “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. da CRP”[9].

v. proporcionalidade da pena:

Alega o recorrente “que as penas únicas de prisão, que lhe foram aplicadas, se afiguram manifestamente exageradas e desproporcionais”. E que “a desproporcionalidade da medida das penas aplicadas no cúmulo jurídico, … viola patentemente as regras fixadas na lei para a sua determinação”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República –art. 18º n.º 2.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objetiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais e da moldura das sanções com que são punidas as violações dos tipos de ilícito.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstratamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute, nem podia questionar-se, a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes fornecida pelas penas parcelares englobadas. Questiona-se a proporcionalidade da pena única de prisão concretamente aplicada.

Como se assinala no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14/09/2016, já citado, “o modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios - no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também no arts. 77º e 78º) - “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Em qualquer caso, as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime cometido não podem ser consideradas na quantificação da pena concreta (proibição da dupla valoração).

Dentro da moldura penal abstrata, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[10]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal.

Comportando-se nos estritos limites da culpa, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida ótima se também satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e ao mesmo tempo assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de um determinado modelo ou ordem de valores).

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade revelada no cometimento dos factos.

Sustenta-se no Acórdão de 30/11/2016, deste Supremo Tribunal, “a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal” [11]:.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

vi. pena única aplicada:

O recorrente alega que a pena única aplicada - 11 anos e 6 meses de prisão – é excessiva e desproporcionada, reclamando a sua redução para 9 anos de prisão.

A moldura do cúmulo jurídico de penas do concurso de crimes cometido pelo recorrente, conhecido superveneintemente à condenação por cada crime do mesmo e que aqui está em reexame, tem como limiar mínimo 8 anos de prisão e como máximo 14 anos e 10 meses de prisão.

Para fixar a medida da pena conjunta o tribunal ponderou os factos em conexão, o modo de execução e as consequências, a fenomenologia dos crimes (dois, contra o património, o outro contra a saúde pública), a gravidade da respetiva ilicitude (elevada), a importância dos bens jurídicos violados, bem como a dimensão das penas parcelares englobadas. Ponderou a personalidade do arguido que os factos e crimes revelam, designadamente as suas condições pessoais marcadas “pela assunção de comportamentos antissociais e criminais, baixa formação escolar e inatividade laboral, bem como défices acentuados ao nível das competências sociais”.

O seu percurso de vida apresenta uma instabilidade acentuada (…) as diversas intervenções a que tem sido sujeito não têm, aparentemente, surtido o efeito desejável, continuando (…) a apresentar (…) ausência de hábitos de trabalho e baixas competências relacionadas com a aceitação dos valores sociojurídicos, tendendo a actuar de forma menos convencional.

Em meio prisional, o seu percurso é igualmente negativo, evidenciando resistência ao cumprimento de regras e tendência para se envolver em confrontos e esquemas ilícitos. Durante a presente reclusão já reincidiu criminalmente, o que remete para dificuldades em preparar a sua liberdade de forma responsável.

Ponderou a historia criminal pregressa, “sem que essas condenações sofridas anteriormente, nem as oportunidades que lhe foram concedidas fossem capazes de conter os seus comportamentos marginais”.

O percurso criminoso do arguido é assinalável. Em 8 anos – de julho de 2006 a 3 de julho de 2014 -, cometeu crimes pelos quais foi condenado em nove (9) processos, em duas penas de multa, quatro penas de prisão com execução suspensa em regime de prova ou com deveres, e 3 penas de prisão efetiva.

Dois meses após o trânsito em julgado da primeira condenação em pena suspensa com regime de prova, por ter cometido um crime de furto qualificado, “reincidiu” precisamente no cometimento do mesmo tipo de crime.

Quatro meses após o trânsito em julgado da segunda condenação em pena suspensa – 5 anos de prisão com execução suspensa mediante regime de prova -, “reincidiu” no mesmo tipo de crime.

No último ano daquele ciclo de 8, em que foi preso, intensificou a atividade delituosa, não obstante no ano antecedente se terem tornado definitivas três condenações em outros tantos processos, reincidindo nos furtos e cometeu o crime de roubo.

Menos de três meses depois do trânsito em julgado da condenação marca do vertente cúmulo jurídico, “reincidiu” mais uma vez no furto qualificado pelo qual foi condenado no décimo processo.

Já preso, no estabelecimento prisional, “reincidiu criminalmente”.

No acórdão recorrido conclui-se certeiramente que os factos e os crimes do vertente concurso não foram cometidos pelo arguido por “mera ocasionalidade”, revelando “antes de uma tendência criminosa” que traduz “elevadas necessidades de prevenção especial”.

Tendência forte para a prática de crimes contra a propriedade e o património, mas também para o tráfico de estupefacientes, que foi adquirindo projeção e aumentando de frequência e intensidade até que foi preso[12]. Que tampouco a reclusão parece ser suficiente para a inverter. Tanto assim que “foi condenado numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em meio prisional em Novembro de 2016”, “indiciando-se manter os consumos de drogas ativos”.

Tendência que urge tentar atalhar com o tratamento em reclusão, atenta a insensibilidade do arguido às penas de substituição e a resistência a aceitar o regime prisional, legalmente formatado de modo a reintegrar o condenado na sociedade sem que volte a cometer crimes.

Infirmando a argumentação expendida na motivação do recurso, o arguido não só não interiorizou a validade dos bens jurídicos violados, como nada tem feito para, em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, laboralmente produtiva e de modo a granjear proventos para poder viver sem que seja através do furto, do roubo ou do trafico de estupefacientes.

É que, consta dos factos provados que antes de preso, levada “um estilo de vida desestruturado e desinteressado por atividades organizadas ou de trabalho, vivenciando o seu quotidiano de forma imediatista e ociosa.

No estabelecimento prisional está inativo, vai quase para 6 anos. Não tem “qualquer projecto de empregabilidade”. Nunca exerceu uma profissão produtiva, não se apresentando habilitado a laborar numa empresa, numa corporação ou criar e manter o próprio negócio.

Continua a evidenciar fragilidades em avaliar de forma ponderada as suas condutas criminais, não identifica a gravidade das mesmas nem a existência de vítimas”.

“Continua a demonstrar dificuldades em identificar alternativas socialmente adaptadas, mantendo a tendência a efetuar escolhas simplistas e imediatistas face aos problemas com os quais se vai deparando no seu quotidiano”.

São, pois baixas as expetativas de que o arguido se reintegre na comunidade dos homens fieis ao direito.

Argumenta ainda o recorrente que cumprindo sucessivamente as várias penas de prisão em que está condenado, mencionando a que lhe terá sido imposta no cúmulo jurídico a que faz referência, a que lhe foi aplicada nestes autos e ainda a imposta no proc. 145/14.0…, seria restituído à liberdade somente no inicio de 2037. Não deveria olvidar que, no nosso regime de execução de penas de prisão, em caso de execução sucessiva de várias penas que somam mais de 6 anos de prisão, se não tiver beneficiado antes, é obrigatoriamente colocado em liberdade condicional logo que atingir cinco sextos (5/6) do cumprimento da soma de todas – art. 63º n.º 3 do Cód. Penal. Por força da lei, o arguido, se não for condenado em pena de prisão por ter cometido outros crimes poderá sair da prisão, em liberdade condicional quando atingir o cumprimento de metade da soma das penas que cumpre sucessivamente, e sairá inexoravelmente em novembro de 2034.


*


A atuação criminosa “global” do arguido comprovada nos autos é realmente grave, tendo embutido, no modo e tempo de execução, um grau elevado de ilicitude, isto é, de desvalor em termos de contrariedade à lei.

Assim, a finalidade primeira da pena consagrada no art.º 40º do Cód. Penal encontra aqui um campo específico de reafirmação da validade e da vigência dos bens jurídicos tutelados pela incriminação.

A culpa do arguido é muito elevada tendo agido com dolo direto, intenso e persistentemente renovado.

Como sustenta J. Figueiredo Dias “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. Da CRP”[13].

O concurso de crimes cometido reclama um forte juízo de censura, pela fenomenologia criminal envolvida, Ao invés do que alega o recorrente, o crime de tráfico de estupefacientes inclui-se na definição legal de criminalidade altamente organizada e o crime de roubo na definição de criminalidade especialmente violenta – cfr. art. 1ª al.ª l) e m) do CPP.

A personalidade revelada pelo “comportamento global”, e a postura do arguido perante os factos evidencia ausência de autocensura e pouca vontade de ressocialização, constituindo fatores de risco na reiteração das mesmas atividades criminosas, como insofismavelmente demonstra o tráfico cometido no estabelecimento prisional e a inatividade que ali mantém nos quase 6 anos que já leva de reclusão.

Em suma, a gravidade dos factos que integram o concurso de crimes cometido pelo recorrente e a personalidade que os comandou ou neles de revela documentam uma situação na qual se impõe fortes exigências de prevenção especial.

Ademais não evidencia ter interiorizado o mal dos crimes e a reprovação ético-jurídica destas suas condutas.

Tudo isto a impor a necessidade de aplicação ao arguido de uma pena única de significativa duração, capaz de reafirmar e estabilizar a validade e vigência dos bens jurídicos violados, e que se contenha nos limites da culpa e, neste âmbito, com dimensão necessária à prevenção da reincidência.

As penas parcelares cumuladas fixaram-se em medida bem acima do limiar mínimo. A pena aplicada pelo crime de roubo aproxima-se da mediatriz da respetiva moldura penal. Se é certo que o valor dos bens ilegitimamente subtraídos ao ofendido excede escassamente o valor insignificante, exato é também que o processo executivo foi o mais grave, recorrendo os agentes a violência. E, ademais, a vítima foi manietada, com as mãos atadas, privada da liberdade, nesse estado conduzida até à sua residência onde continuou sequestrada enquanto ou dos comparticipantes no crime foi tentar levantar dinheiro na caixa multibanco com o cartão e o código que extorquiram ao ofendido. Todavia, sem que tenha sido acusado pela prática de um crime de sequestro.

A pena parcelar pelo crime de tráfico de estupefacientes aproxima-se do quarto inferior da respetiva moldura penal.

A pena do furto aproxima-se também da mediatriz da respetiva moldura penal.

A pena única foi fixada em medida ligeiramente acima da mediatriz da respetiva moldura penal.

Assim e de acordo com as regras e fatores que vêm de enumerar-se, na ponderação do conjunto dos factos, da tipologia dos crimes cometidos, da grandeza da medida das penas parcelares englobadas no âmbito da respetiva moldura penal, do histórico criminal registado do arguido, da sua conduta anterior, da personalidade do agente do revelada nos factos e modo de execução dos crimes, da postura posterior perante os crimes cometidos e as consequências destes, a pena conjunta para punir o arguido por ter cometido o vertente concurso de crimes de conhecimento superveniente deve fixar-se em 10 anos e 6 meses de prisão, porque mais conforme com as regras enunciadas e de modo a evitar a “desproporcionalidade e desadequação” desta pena ao sistema de punição do nosso ordenamento penal.


D.    DECISÃO:

Em conformidade, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal decide:

a) julgar parcialmente procedente o recurso, condenando o arguido AA na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

b) confirmar, no mais, o acórdão cumulatório.


*


Sem custas – art. 513º n.º 1 do CPP.


Lisboa, 8 de julho de 2020.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)


Atesto o voto de conformidade da Ex.mª Sr.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Féria de Almeida – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[14] .


Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)


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[1] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277.
[2] Acórdão n.º 9/2016, de 28-04-2016 (AUJ), do STJ, publicado no DR, série I, n.º 111, de 09-06-2016.
[3] Ac. STJ de 15-11-2017, Proc. 27/11.7JBLSB.S1, www.dgsi.py/jstj.
[4] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[5] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[6] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[7] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[8] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[9] Ob. citada, pag. 241/242.
[10] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 242
[11] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.
[12] Vd. facto provado: “actividade criminal foram no entanto aumentando e acabou por ser preso”.
[13] Ob. citada, pag. 241/242.
[14]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.