HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
ACÓRDÃO
DEPÓSITO
NULIDADE
INEXISTÊNCIA DA SENTENÇA
REJEIÇÃO
Sumário


I - Como o STJ vem sistematicamente decidindo, a providência de habeas corpus está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo um recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.
II - Esta providência assume uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação.
III - Quanto à alegada falta de depósito da decisão, qualificada, sem qualquer fundamento legal, como uma «formalidade ad substanciam», há que dizer que o depósito ocorreu e, a circunstância de não se ter concretizado no próprio dia da leitura da decisão não constitui qualquer causa de nulidade e, muito menos ainda, de «inexistência jurídica».
IV - Como este STJ considerou no seu acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 2/16.3YFLSB.S1: «O regime fixado no Código de Processo Penal [-] no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência».
V - Admitindo-se, contudo, haver «formulações doutrinais que admitem conceptualmente o vício da “inexistência”» do acto processual, a sua ocorrência decorreria de uma falta de tal modo grave que a esse acto faltariam elementos essenciais à sua própria subsistência de modo que, em caso algum, ele poderia produzir efeitos jurídicos o que se traduziria na inexistência da própria relação jurídica processual.
VI - Ora, as situações que o requerente invoca como configurando vícios ou deficiências processuais não têm a gravidade que permita enquadrá-las, individualmente ou consideradas em conjunto, na figura da inexistência, sendo inquestionável, por seu lado, que a decisão condenatória foi proferida em tribunal e por juízes integrantes do competente Colectivo.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


1. AA vem apresentar petição de Habeas Corpus, nos termos dos artigos 31º CRP. 5º/4 CEDH, 222º e 223º do CPP, «por motivo de excesso do prazo de prisão preventiva», com os fundamentos que se transcrevem:

1.  A lei só autoriza a permanência da prisão preventiva por 18 meses, neste caso, de inquérito criminal, logo seguido para julgamento.

2.  O termo do prazo, a partir de agora invocado, segundo o artº 215º/1.c.2.CPP, é o da condenação em 1ª Instância.

3.  O peticionário foi preso preventivamente, à ordem do processo da referência em 01.02.2019.

4.  Por conseguinte, esta prisão preventiva extinguiu-se a 31.07.2020.

5.  É que não ocorreu, entretanto, condenação válida do peticionário.

6.  Mas continua preso no Estabelecimento Prisional de …, à ordem dos autos aqui consignados.

7.  Entretanto, no dia 31.07.2020, foi lido um suposto acórdão, cujo texto prescreve uma pena de prisão efectiva do peticionário, presentes na Audiência, apenas a Mmª Juíza Presidente do Colectivo, também, e para o que mais importa, este arguido.

8.  Contudo, o texto que a MMª Juíza Presidente leu por sumula, disponibilizado, com data aposta de 01.08.2020, no sistema Citius, pelo menos às 11H23 desse dia 01.08-2020, ainda lá não tinha sido descarregado (doc.1, print-screen Citius)

9.  Não importa porém saber se aquele texto foi disponibilizado a 01, 02, 03 ou 04.08.2020, porque não constam nele apostas as assinaturas dos Meritíssimas Juízas Adjuntas, nem que o tenham subscrito com as assinaturas digitais de cada uma.

10.   Em boa verdade, desse texto disponibilizado no Sistema Citius, apenas consta a menção de ter anotada a assinatura digital da Meritíssima Juíza Presidente do Colectivo (no canto superior esquerdo da 1ª página: mais nenhuma.)

11.  Ora, é inexistente (por consequência de nenhum efeito) qualquer sentença ou acórdão que não contenha a assinatura do ou dos juízes que a proferiram.

12.    Conclusão esta, que há-de necessariamente tirar-se da conjugação dos artº.s 379º e 380º CPP.

13.    Na verdade, não constando a falta de assinatura da sentença do elenco das nulidades da decisão, também não consta da correcção, oficiosa ou a requerimento, do texto (dito sentença) em que ocorra.

14.    O vicio de inexistência, que fica aberto neste sistema regulatório das imperfeições ex lege do ato judicial em causa, deflui aliás da mera lógica de uma leitura metódica e científica das disposições normativas pertinentes.

15.    É que se a sentença ou acórdão há-de ser assinada pelos juízes que apreciaram, julgaram e decidiram, se se não apresentar assinada (e assim de autoria certificada), não pode ser tida como essa sentença ou acórdão que a lei supõe.

16.   Logo, não há acórdão de condenação do peticionário e, antes de mais, para efeitos de juízo sobre a extinção da prisão preventiva, relevante e eficaz.

17.    Donde, mantida como se mantém a prisão preventiva do peticionário e à ordem exclusiva dos autos em que foi ordenada, a medida de coacção de encarceramento excede o máximo de tempo legal,

18.    Prolongada contra lei como está, deve ser feita cessar imediatamente, para que o peticionário seja posto em liberdade, sem mais, ou sujeito a constrições que V. Exª.s ou a MMª Juiz de 1ª Instância resolva pertinentes e adequadas. (Artº 217/1.2 CPP)

19.    Ainda que este argumento não proceda (o que se não concede), de qualquer modo, o acórdão, lido por sumula, necessita da formalidade ad substantiam do depósito na secretaria, para que a leitura na audiência valha de todo como notificação ao peticionário (artº 372/5 CPP).

20.   Ora, como o peticionário já alegou, o suposto acórdão não foi depositado na secretaria do tribunal a 31.07-2020: consta, sim, a 01.08.2020.

21.    Se porventura se entender que este é um mero defeito de processo que cabe no âmbito e alcance das correcções previstas no artº 380/1-b CPP, o certo é que, permitindo a lei mesmo a correcção oficiosa, não lhe determina efeitos retroactivos.

22.    Nem estes efeitos fictos (no limite) são de ter em conta, por via da boa e correta aplicação legal do preceito.

23.    Trata-se de decidir, quanto a esta petição de habeas corpus, sob favor libertatis, com proibição hermenêutica extensiva e muito menos analógica.

24.     Por fim, o peticionário, no cumprimento do dever de colaboração e lisura que a lei lhe impõe, deu nota ao Tribunal dos pressupostos de um juízo incontornável acerca do excesso de prisão preventiva que o afecta (doc 2, que se tem por reproduzido)

25.    Todavia, até hoje, o Tribunal, ou a Mmª Juíza Presidente e titular do processo nada despachou.

26.     Enfim, a via de recurso a este habeas corpus reside precisamente nesta carência ou inacção judicial de 1ª Instancia.


Conclusões:


A. Chegou a 18 meses corridos (31.07.2020) a prisão preventiva do peticionário à ordem do processo-crime referenciado.

B. Entretanto, inexiste acórdão que o condene a pena de prisão.

C. Sim – somente um escrito dito acórdão do Tribunal, mas que não está assinado pelos Meritíssimos Juízes Adjuntos.

D. E no sistema das invalidades dos actos judiciais à falta de assinatura dos juízes, corresponde precisamente a sanção da inexistência jurídica.

E. De qualquer forma, mas sem conceder, a notificação do (suposto) acórdão não ocorreu, porque não foi cumprida, no tempo imediato da leitura, a formalidade ad substantiam do depósito da decisão (artº 372º/4.5 CPP);

F. As notificações são inválidas quando não acompanhadas de documentada notícia acerca da integralidade do acto notificando (art 123º/1 CPP)

G. Ou não se tornou ela efectiva em tempo de interrupção do prazo de prisão preventiva do arguido, (pelo menos indisponível no sistema Citius até 02.08.2020, ou que a lei determinaria eficaz só a partir de 04.08.2020, acaso se possa ter por sofrível a data da anotação Citius desse depósito – 01.08.2029).


Vossas Excelências, após notificação do Ministério Publico e dispensa de nota ao defensor, que subscreve esta petição, com douto suprimento necessário, após apreciação de mérito deste Habeas Corpus, ordenarão, pois, a libertação imediata de AA, sob a cominação constante do artº 244º CPP.


2. Subsequentemente, requereu o peticionante a «emenda de erro de impressão (lapsus calami) ocorrido na peça, por não conter uma nota de pé de página no ponto 4, a saber: se o prazo da prisão preventiva do peticionário se iniciou a 01.02.2019, segundo a regra da alínea c) do artº 279º CC, o prazo de 1 ano e seis meses, para a extinção desta medida de coacção tem de ser contado, primeiro, pelo ano (terminou em 01.02.2020) e seguiram-se os meses de Fevereiro a Julho, portanto, até às 24 horas do dia 31.07.2020.

Pretende o peticionário a correcção, para melhor esclarecimento do ponto de vista que defende em particular, no ponto ao qual deveria ter sido aposta a nota de pé de página supra, que no entanto falhou à impressão.»


3. Em cumprimento do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do CPP, foi prestada a seguinte informação:


«Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,


Tendo sido apresentada petição de habeas corpus, pelo arguido AA, no âmbito destes autos, impende sobre mim, como juiz titular, o dever de prestar a V.Exa. todas as informações necessárias a uma justa ponderação.

Assim, passo a expor que:


1. Dos autos resulta que o arguido AA foi sujeito a prisão preventiva, após interrogatório judicial, por decisão de 1 de Fevereiro de 2019, tendo o acto sido encerrado às 20h25 do mesmo dia, conforme auto constante de fls 2375 a 2412.

2. O arguido foi sujeito a julgamento, que se prolongou por várias sessões, tendo sido o acórdão final da 1.ª Instância lido, por mim, por súmula, no dia 31 de Julho de 2020, após vários incidentes reproduzidos na acta relativa à sessão desse mesmo dia.

3. Tal acórdão, que condenou o arguido requerente em pena de prisão efectiva, foi depositado no dia imediatamente subsequente, dia 1 de Agosto de 2020, Sábado, dia em que o Tribunal de … se manteve em funcionamento efectivo, como tribunal de turno, durante toda a manhã, pelo menos até às 13h00.

4. Está legalmente previsto o funcionamento do Tribunal, ao Sábado, pelo menos até às 12h30, para assegurar o serviço urgente.

5. A subscritora diligenciou para que o acórdão fosse depositado no dia 1 de Julho, ficando o mesmo disponível, quer electronicamente, quer em suporte de papel, no Tribunal de …, sendo que o Il. Defensor não se deslocou ao Tribunal para obter cópia, nesse dia, durante o horário de funcionamento do Tribunal.

6. O acórdão foi assinado pelas três juízas que compõem o Tribunal Colectivo, no processo físico, como sempre foi o procedimento deste Colectivo, que seja do conhecimento da subscritora desde que tomou posse em Setembro de 2019.


Salienta-se que este Colectivo apenas apõe as assinaturas de todos os membros do Tribunal nos acórdãos integrantes do suporte físico do processo, sendo a assinatura electrónica apenas a do juiz presidente.


Aliás, diferente procedimento revelar-se-ia dificilmente exequível quando intervém o tribunal de júri.


7. O acórdão é o resultado da Deliberação do Colectivo, na íntegra.


8. Tem sido entendimento deste Colectivo que a leitura dos acórdãos pode ser feita apenas com a presença do juiz presidente, desacompanhado dos restantes membros do Tribunal Colectivo, ex vi n.º 3 do artigo 372.º do CPP, procedimento que tem sido seguido como regra, permitindo assim maior celeridade e simplificação processual, bem como a possibilidade de decorrerem, concomitantemente, mais do que uma sessão de leitura de acordãos do mesmo Tribunal Colectivo.

Tal entendimento, aliás, resulta da existência de jurisprudência, consolidada nesse sentido, do Colendo Tribunal Superior a que V.Exa preside, e que este Colectivo se limita a seguir.

Por tal questão ter sido colocada, na sessão de 31 de Julho de 2020, foi proferida decisão, nos termos plasmados na acta respectiva.

Diga-se, aliás, que o procedimento seguido se justifica, por maioria de razão, por imperativo de cumprimento das normas da DGS, no presente contexto de pandemia, atenta a dimensão da sala de audiências; a presença física de cinco arguidos (relativamente a uma arguida, foi autorizada a dispensa de comparência); de guardas prisionais e órgãos de polícia criminal integrantes do reforço policial destinado a garantir a segurança da diligência, além dos restantes sujeitos processuais cuja presença é indispensável.


Desde já me disponibilizando para prestar todas as restantes informações que V.Exa considere pertinentes, determino que o presente pedido de habeas corpus seja instruído em apenso com:


- petição de habeas corpus (ficando cópia nos autos principais);


- certidão do auto de 1 de Fevereiro de 2019, contendo o interrogatório do arguido requerente e a decisão que o sujeitou a prisão preventiva;

- certidão da acta de 31 de Julho de 2020;

- certidão do acórdão final e certificação do respectivo depósito; - o presente despacho (ficando cópia nos autos principais).


*



Após, envie electronicamente, sem prejuízo da remessa, por correio, do apenso em suporte físico.

Certifique, narrativamente, que o acórdão se encontra assinado pelas três juízes que compõem o tribunal colectivo, no suporte físico do processo, uma vez que, electronicamente, tal informação não é acessível (remeta, em aditamento, tal certidão narrativa, para instruir o apenso de “habeas corpus” dos arguidos BB e CC.)

Contacte o STJ, informando que o presente “habeas corpus” resulta do mesmo processo que deu origem a providência análoga, no dia de ontem.


*


…., 7/08/2020»


4. Já na pendência desta providência, o peticionante fez juntar «documento, de onde resulta ter ficado apenas disponível no Sistema Citius e dia 02.08.2020, pelas 07H56, o depósito do acórdão referente ao Pn: 76/17.1PADFX, Juízo Central Criminal de … – Juiz 6».


5. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o Mandatário do peticionante, teve lugar a audiência, nos termos dos artigos 223.º, n.os 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal, doravante CPP, cumprindo tornar pública a respectiva deliberação.



II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Enquadramento normativo

A - Estabelece o artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade», podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[1].

Visando reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, o habeas corpus constitui, para GERMANO MARQUES DA SILVA, «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[2].

Como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, esta providência constitui «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…»[3].

Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos artigos 220.º, n.º 1 e 222.º, n.º 2, do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente.

Tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, situação que se destaca por ser aquela que o requerente invoca, esta há-de provir, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de:

a) Ter sido efectuada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto que a lei não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Conforme se salienta no acórdão do STJ de 01-02-2007, proferido no processo n.º 07P353, exemplos de situações abrangidas por estas disposições poderiam encontrar-se na prisão preventiva decretada por outrem que não um juiz; na prisão preventiva aplicada a um arguido suspeito da prática de crime negligente ou punível com pena de prisão inferior a três anos; na prisão preventiva que ultrapasse os prazos previstos no artigo 215.º do C.P.P.

Confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente [[4]].

Mas, sublinha-se, a providência excepcional em causa, não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere – mais precisamente «nos oito dias subsequentes», conforme artigo 223.º, n.º 2, do CPP – aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite».

Pois, não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários. Justamente, os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, por serem-no, impõem e permitem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante, agora, de serem portadoras da chancela do mais Alto Tribunal.

Como este Supremo Tribunal vem sistematicamente decidindo, a providência de habeas corpus está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo um recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

Conforme se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26-02-2014, proferido no processo n.º 6/14.2YFLSB.S1 - 3.ª Secção[5]:

I - O habeas corpus não é o meio próprio de impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, ou para apreciar a correcção da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário.

II - O habeas corpus também não pode revogar ou modificar decisões, ou suprir deficiências ou omissões do processo. Pode, sim, e exclusivamente, apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade motivada por algum dos fundamentos legalmente previstos para a concessão de habeas corpus (art. 222.º, n.º 2, do CPP), e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso.

III - A prisão por facto pelo qual a lei a não permite – al. b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP – abrange uma multiplicidade de situações, nomeadamente: a não punibilidade dos factos imputados ao preso, a prescrição da pena, a amnistia da infracção imputada, a inimputabilidade do preso, a falta de trânsito da decisão condenatória, a inadmissibilidade legal de prisão preventiva. O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário.»

Esta jurisprudência tem sido sucessivamente reafirmada.

Discorrendo sobre âmbito da providência de habeas corpus, o acórdão de 16-03-2015, proferido no processo n.º 122/13.TELSB-l.Sl – 3.ª Secção, condensa importantes elementos teóricos que importa reter.

Lê-se em tal aresto:

«A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31º da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220º e 222º do CPP. Estabelecem tais preceitos os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional. 

Nos termos do artigo 222º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de i) a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ii) ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou iii) se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do CPP. A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso das decisões tomadas numa tramitação processual em que foi determinada a prisão do requerente ou um sucedâneo dos recursos admissíveis Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005, “no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”.

Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo – valendo os efeitos que em cada momento ali se produzam e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos – produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP.

A providência em causa assume, assim, uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação.

Na verdade, a essência da providência em causa reside numa afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve ser demonstrado, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. É exactamente nessa linha que se pronuncia Cláudia Santos, referindo, nesta senda que “confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. Também Cavaleiro Ferreira avança que "o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade"[[6]].

                                                               *

A providência excepcional em causa não se substitui, nem pode substituir-se, aos recursos ordinários, ou seja, não é, nem pode ser, meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. O habeas corpus está, assim, reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, exactamente por serem ilegais, impõem, e permitem, uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida».

Está adquirido, pois, que a providência de habeas corpus não constitui o meio próprio de impugnação das decisões processuais ou para arguição de nulidades ou irregularidades eventualmente cometidas no processo.

O meio adequado de impugnação é o recurso ordinário ou a exercitação dos adequados instrumentos processuais.


B - A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe ainda uma actualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido. Trata-se de asserção que consubstancia jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça, como se dá nota no acórdão de 21-11-2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção), onde se indicam outros arestos no mesmo sentido, bem como no acórdão de 09-02-2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção), no acórdão de 11-02-2015 (Proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1 – 3.ª Secção), e no acórdão de 17-03-2016, relatado pelo ora relator, proferido no processo n.º 289/16.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção.

Assim, à luz do princípio da actualidade, assim enunciado, o que está em causa no caso sub judice é unicamente a apreciação da legalidade da actual situação de privação de liberdade do requerente.


C - Apreciação

1. O peticionante, com a invocação do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do CPP, funda a ilegalidade da prisão por se manter para além dos prazos fixados na lei, invocando a «inexistência jurídica» do acórdão proferido que o condenou na pena única de nove anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de tráfico de armas, pelo facto de não se encontrar assinado pelos Juízes Adjuntos do Colectivo e que «a notificação do (suposto) acórdão não ocorreu, porque não foi cumprida, no tempo imediato da leitura, a formalidade ad substantiam do depósito da decisão (artº 372º/4.5 CPP)».

Como consta da informação prestada pela Ex.ma Juíza Presidente do Tribunal Colectivo e dos demais elementos processuais disponíveis:

O arguido AA foi preso preventivamente por decisão judicial em 1 de Fevereiro de 2019.

O julgamento do requerente e demais arguidos teve o seu início em 5 de Dezembro de 2019, tendo-se prolongado por várias sessões.

Em 31 de Julho de 2020 foi proferido o acórdão que condenou o requerente em penas parcelares pela prática dos crimes de tráfico de armas e de tráfico de estupefacientes e na pena única já referida de nove anos de prisão.

A leitura do acórdão teve lugar no dia 31 de Julho de 2020 pela Exma Juíza Presidente do Tribunal Coletivo, por súmula, após vários incidentes reproduzidos na acta relativa à sessão desse mesmo dia.

O acórdão condenatório encontra-se datado de 31 de Julho de 2020, assinado pelas três Ex.mas Juízas que constituíram o Tribunal Colectivo, tendo sido depositado em 1 de Agosto de 2020.

O dito acórdão ficou disponível, quer electronicamente, quer em suporte físico no Tribunal de … .


2. Perante a fase processual do processo, o prazo máximo da prisão preventiva será o fixado no artigo 215.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do CPP – um ano e seis meses.

Considera-se destituída de qualquer fundamento legal a invocada inexistência jurídica do acórdão condenatório proferido por alegadamente não se encontrar assinado pelos Juízes Adjuntos do Colectivo.

De acordo com o disposto no artigo 372.º do CPP:

1 - Concluída a deliberação e votação, o presidente ou, se este ficar vencido, o juiz mais antigo dos que fizerem vencimento, elaboram a sentença de acordo com as posições que tiverem feito vencimento.

2 - Em seguida, a sentença é assinada por todos os juízes e pelos jurados e, se algum dos juízes assinar vencido, declara com precisão os motivos do seu voto.

3 - Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.

4 - A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.

5 - Logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O secretário apõe a data, subscreve a declaração de depósito e entrega cópia aos sujeitos processuais que o solicite.

Dispondo o artigo 373.º do mesmo Código:

1 - Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença.

2 - Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior.

3 - O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.

A data e a assinatura dos membros do tribunal constituem «requisitos da sentença», conforme artigo 374.º, n.º 3, alínea e), do CPP.

Ora, a omissão das indicações constantes da norma legal vinda de se citar constitui mera irregularidade, não assumindo vício que possa qualificar-se de nulidade e, muito menos ainda, de «inexistência jurídica». Trata-se de afirmação que claramente se retira do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea a), do CPP: irregularidade que, oficiosamente ou a requerimento, pode ser objecto de correcção. Neste sentido, veja-se OLIVEIRA MENDES, em anotação ao artigo 374.º do CPP [7].

De todo o modo, cumpre afirmar que, como está documentado nestes autos, o acórdão condenatório está assinado pelas Magistradas Judiciais que integraram o Tribunal Colectivo pelo que inexiste qualquer fundamento para a invocação de uma pretensa omissão de assinaturas.

Quanto à alegada falta de depósito da decisão, qualificada, sem qualquer fundamento legal, como uma «formalidade ad substanciam», há que dizer que o depósito ocorreu e, a circunstância de não se ter concretizado no próprio dia da leitura da decisão não constitui qualquer causa de nulidade e, muito menos ainda, de «inexistência jurídica».

Quando muito, o acto de depósito que não se siga imediatamente ao acto de leitura da sentença constituirá, como salienta OLIVEIRA MENDES, mera «irregularidade» (sublinhado agora)[8].

Cumprindo ademais referir, pela sua pertinência, que, como este Supremo Tribunal considerou no seu acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 2/16.3YFLSB.S1, que:

«O regime fixado no Código de Processo Penal [[9]] no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência.


Admitindo-se, contudo, haver «formulações doutrinais que admitem conceptualmente o vício da “ inexistência”» do acto processual, a sua ocorrência decorreria de uma falta de tal modo grave que a esse acto faltariam elementos essenciais à sua própria subsistência de modo que, em caso algum, ele poderia produzir efeitos jurídicos o que se traduziria na inexistência da própria relação jurídica processual [[10]].

A função da categoria da inexistência seria a da ultrapassagem da barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado fugindo, porém, à previsão normativa por ser impossível ao legislador prever todos os casos (absurdos e) hipotéticos de inexistência de que, como se reconhece, há poucos seguros [[11]].

Assim, ensina Alberto dos Reis [[12]]: «o conceito de sentença inexistente constrói-se desta maneira: sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença. A sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença mas absolutamente insuscetível de vir a ter eficácia jurídica».

A este propósito João Conde Correia [[13]] afirma que «o legislador pode indicar taxativamente quais os actos que, para além de não produzirem efeitos jurídicos, impedem até a formação de caso julgado ou deixar para o intérprete a função da sua identificação. No primeiro caso a tarefa é facilitada mas o legislador corre o risco de esquecer algum vício ou de o omitir por fazer um juízo errado sobre a impossibilidade da sua verificação. No segundo caso, a missão do intérprete é difícil e trabalhosa, pode gerar incertezas e contradições». E adianta que as possíveis imperfeições dos actos processuais penais susceptíveis de gerar inexistência são de reduzida dimensão mas de importância redobrada e neles a «anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para produzir os efeitos jurídicos que a lei lhe atribui». Para concluir que «não deve nunca perder-se de vista que se trata de um recurso excepcional, utilizado para repor a justiça em situações extremas que quase ultrapassam as fronteiras do imaginável» razão pela qual importa «utilizá-lo criteriosamente».

Também no acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 83/16.1YFLSB.S1 – 3.ª Secção, que julgou improcedente a invocação pelo aí peticionante de habeas corpus do vício da inexistência jurídica, decorrente da circunstância do acórdão do tribunal colectivo que o condenou ter sido lido por súmula, sem que reflectisse todo o teor do decidido, se expressou o entendimento de que «qualquer decisão judicial só enfermará do vício da inexistência jurídica quando proferida a non judice, ou seja, por quem não seja juiz».

Ora, as situações que o requerente invoca como configurando vícios ou deficiências processuais não têm a gravidade que permita enquadrá-las, individualmente ou consideradas em conjunto, na figura da inexistência, sendo inquestionável, por seu lado, que a decisão condenatória foi proferida em tribunal e por juízes integrantes do competente Colectivo.

Como já se disse, a providência de habeas corpus não constitui o meio próprio de impugnação das decisões processuais ou para arguição de nulidades ou irregularidades eventualmente cometidas no processo.

O meio adequado de impugnação é o recurso ordinário ou a exercitação dos adequados instrumentos processuais.

Acresce salientar que, ainda que o acórdão condenatório estivesse viciado de nulidade, questão a conhecer através das vias processuais próprias e adequadas e não no âmbito desta providência de habeas corpus, e como este Supremo tribunal vem, com uniformidade, decidindo, «a sentença condenatória proferida pela 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso venha a ser anulada, é relevante para efeitos de definir a fase do procedimento em que o processo se encontra e, em função dela, o prazo de duração máximo da prisão preventiva». Como se afirma no acórdão de 28-04-2016, proferido no processo n.º 403/12.8JAAVR-H.S1 – 5.ª Secção, a que pertence o excerto transcrito, «uma sentença condenatória, ainda que anulada, não se pode considerar um acto inexistente, por forma suportar a "ficção" de que o procedimento ainda se encontra na fase anterior à condenação em 1.ª instância ["sem que tenha havido condenação em 1.ª instância"]» e que «[c]om a prolação de decisão condenatória em 1.ª instância, o processo entra na fase de recurso, justamente a fase a que se refere a al. d) do n.º 1 do art. 215.°, e a circunstância de essa decisão condenatória vir a ser anulada não afecta o prazo de duração máxima da prisão preventiva que foi logo alargado por força de o processo ter entrado na fase de recurso (já ter havido condenação em 1.ª instância, embora "sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado")»[14].

Relativamente á alegada falta de notificação do acórdão condenatório proferido nos autos em 31 de Julho de 2020 (conclusão E), cumpre dar nota de que, conforme se documenta na acta de audiência de julgamento, «a M.ma Juíza Presidente proferiu acórdão, elaborado em conformidade com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Colectivo …», sendo que, «Logo, todos os presentes foram devidamente notificados». Assim, carece igualmente de qualquer fundamento legal a invocada não ocorrência da notificação da decisão condenatória.

Reafirmando que a providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, há que concluir, com toda a relevância para a presente providência, que a decisão condenatória do ora peticionante foi proferida em 31 de Julho de 2020 pelo que, em conformidade com o disposto no citado artigo 215.º, n.º 1, alínea c) e 2, do CPP, o prazo de duração máxima da prisão preventiva não foi, nem se encontra, excedido.

No caso presente a prisão preventiva foi imposta ao arguido-requerente pela entidade judicial competente, por facto pelo qual a lei a permite, mantendo-se a prisão dentro do prazo máximo de duração na fase em que o processo actualmente se encontra.

A providência de habeas corpus requerida deverá, pois, improceder por falta de fundamento bastante.


  III - DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus requerida por AA por falta de fundamento legal.

Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça (Tabela III e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).

        

Processado, revisto e assinado digitalmente pelo relator.


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 14 de Agosto de 2020


Manuel Augusto Matos (Relator)

Conceição Gomes

Chambel Mourisco

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[1] Citou-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007. Coimbra Editora, pp. 508 e 510.
[2] Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
[3] Acórdão de 16-12-2003, proferido no Habeas Corpus n.º 4393/03, 5ª Secção, e acórdão de 11-12-2014 (Proc. 1049/12.6JAPRT-C.S1 – 5.ª Secção), ambos disponíveis, tal como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[4] CLÁUDIA CRUZ SANTOS, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, fascículo 2.º, p. 309.
[5] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Janeiro – Dezembro de 2014, Assessoria Criminal.
[6] Cfr., Cláudia Cruz Santos, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, fascículo 2.º, págs. 309
[7] Et alii, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1121.
[8] Ob. Cit., p. 1114.
[9] Cfr seu Livro II, Título V, arts. 118º e ss.
[10] Cfr Maia Gonçalves, Código de Processo Penal 1929 Anotado e Comentado, 3ª ed. , pag. 172.
[11] Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” II,, 1993, pag 75-76.
[12] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pag 114. No acórdão do STJ de 1992.06.24 considerou-se como inexistente uma sentença condenatória sem tivesse havido acusação e. logo, sem que tivesse havido imputação de factos; sem que, por conseguinte, o órgão que a proferiu pudesse exercer o poder jurisdicional no caso concreto.
[13] Cfr “Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais”, Coimbra Editora, pag 118-121.
[14] Neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-02-2015 (Proc. N.º 15/15.4YFLSB.S1 – 3.ª Secção), de 22-07-2015 (Proc. N.º 93/10.2TAMDL-C.S1 – 3.ª Secção), de 21-12-2015 (Proc. N.º 3/14.8GAPSR-C.S1 – 5.ª Secção), de 06-03-2014 (Proc. N.º 7/14.0YFLSB.S1 – 3.ª Secção), de 23-04-2014 (Proc. N.º 21/11.8SMLSB-C.S1 – 3.ª Secçção).